RECUPERAÇÃO DE COBRE DE PLACAS DE CIRCUITO IMPRESSO A PARTIR DE EXTRAÇÃO SUPERCRÍTICA E POR LIXIVIAÇÃO ÁCIDA C. O. CALGARO 1, M. D. C. R. da SILVA 1, D. F. SCHLEMMER 1, E. V. MAZIERO 1, L. N. CORTÊS 1, E. H. TANABE 1 e D. A. BERTUOL 1. Avenida Roraima, n 1000, prédio 9B, UFSM, Camobi, Santa Maria-RS, 97105-900 E-mail para contato: camila.itepjr@gmail.com 1 Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Engenharia Química RESUMO O desenvolvimento tecnológico e marketing intenso promovem o crescimento da demanda por equipamentos elétricos e eletrônicos. A reciclagem desses equipamentos é motivada, principalmente, pelas placas de circuito impresso (PCIs), que são seus constituintes fundamentais. As PCIs são compostas por cerâmicos, polímeros e metais, com destaque para o Cu, metal presente em maior percentual. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi realizar um estudo comparativo da recuperação de Cu por lixiviação ácida convencional e a partir de extração supercrítica com CO 2. O estudo compreendeu a separação das PCIs de celulares descartados; sua moagem em moinho de martelos e facas; sua caracterização e, a extração supercrítica com CO 2 e lixiviação convencional, utilizando H 2 O 2 e H 2 SO 4. Determinou-se a presença de 34,83% em massa de Cu nas PCIs, sendo que cerca de 80% desse total foi recuperado nas lixiviações, num tempo de 20 min. na extração supercrítica e em 3 h pelo método convencional. Palavras-chave: cobre, placas de circuito impresso, extração supercrítica, lixiviação ácida convencional. INTRODUÇÃO A geração de resíduos eletrônicos tem aumentado proporcionalmente ao desenvolvimento tecnológico. São gerados, mundialmente, de 20 a 50 milhões de 6360
toneladas de resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (EEE), o que representa um problema de ordem global (1,2). As placas de circuito impresso (PCIs) são os componentes fundamentais dos EEE e motivam sua reciclagem, por serem compostas por uma quantidade significativa de metais (3). Segundo Yamane et al. (4), PCIs de celulares contém aproximadamente 63% de metais, 24% de cerâmicos e 13% de polímeros. Os metais típicos presentes em PCIs são: cobre (presente em maior percentual), ferro, estanho, níquel, chumbo, zinco, prata, ouro e paládio (2). Contudo, a reciclagem das PCIs é limitada devido à heterogeneidade dos materiais constituintes e à complexidade de sua produção (5). O processamento mecânico é usado como um pré-tratamento para os processos hidrometalúrgicos (6), nos quais são empregados, como lixiviantes, ácidos minerais e agentes oxidantes para recuperação dos metais (7). Os fluidos supercríticos também vêm sendo considerados como uma alternativa aos métodos convencionais (8). A utilização do dióxido de carbono (CO 2 ) vem sendo investigada, pois ele possui um ponto crítico relativamente baixo (Tc = 31,1 C, Pc = 7,38 MPa), é ambientalmente aceitável, pode ser reciclado e ser modificado com cosolventes (9). Além da necessidade da busca de métodos mais eficientes de reciclagem das PCIs, há o incentivo da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que foi instituída no Brasil em 2010 e estabelece a responsabilidade compartilhada na gestão dos resíduos sólidos (10). Diante deste contexto, este trabalho teve como objetivo desenvolver um método alternativo para recuperação do cobre (Cu) de PCIs de celulares obsoletos, empregando CO 2 supercrítico e realizando a comparação de sua eficiência com o processo de lixiviação ácida convencional. MATERIAIS E MÉTODOS Processamento Mecânico As PCIs, já separadas manualmente dos celulares descartados, foram cominuídas em um moinho de martelos (Tigre, modelo A4) com malha de 5 mm de abertura. Realizou-se uma primeira análise granulométrica utilizando um conjunto de peneiras com aberturas de 6,7 mm a 0,3 mm. As partículas que permaneceram com granulometria superior a 1 mm foram cominuídas novamente, mas em um moinho 6361
de facas (Rone, modelo N-150), com malha de 2 mm de abertura. Fez-se então, uma análise granulométrica final. Caracterização Química A determinação da composição química da amostra cominuída foi realizada por Espectrometria de Fluorescência de Raios-X com Energia Dispersiva (Shimadzu, modelo EDX-720) à vácuo. O Cu presente nas PCIs foi quantificado a partir da lixiviação com água régia (HNO 3 e HCl na proporção de 1:3), utilizando 5 g de amostra cominuída, obtidos por quarteamento. Utilizou-se a razão sólido:líquido de 1g:50mL, a temperatura de 90 C e tempos de lixiviação de 1, 2, 3 e 4 horas, sob agitação de 600 rpm. As soluções lixiviadas foram separadas por filtração do material sólido e analisadas por Espectrometria de Absorção Atômica (Agilent Technologies, 200 Series AA). Para isso, estas foram diluídas até uma concentração máxima 10 mg/l e acidificadas até ph 1,5, garantindo-se assim que o Cu estivesse na forma solúvel (11). Lixiviações Ácidas As lixiviações ácidas à pressão atmosférica e com CO 2 supercrítico foram realizadas em condições operacionais semelhantes. Em ambos os métodos, o percentual mássico de Cu extraído foi determinado em relação ao percentual mássico de Cu lixiviado das amostras de placas cominuídas a partir da água régia. Lixiviações à pressão atmosférica: foram realizadas com 2,5 g de amostra cominuída, obtidos por quarteamento. As amostras foram colocadas no interior de um balão de vidro conectado a um condensador sob aquecimento e agitação. Ácido sulfúrico (H 2 SO 4 ) com concentração de 2M e peróxido de hidrogênio (H 2 O 2 ) com concentração de 30% foram utilizados como lixiviantes. Adicionados a uma razão solido:líquido de 1g:20mL, onde 15% do volume de solução foi de peróxido e os outros 85% do volume foi de ácido. As lixiviações foram realizadas a uma temperatura de 35 C, nos tempos de 20, 30, 60, 120, 180 e 240 min. As soluções lixiviadas foram separadas das partículas sólidas a partir de filtração e o Cu presente foi determinado por Espectrometria de Absorção Atômica com Chama (F-AAS). Lixiviações supercríticas: foram realizadas com a mesma massa e proporção de reagentes do que as lixiviações à pressão atmosférica. Os lixiviantes H 2 SO 4 e o H 2 O 2 atuaram como cosolventes, modificando o CO 2. Estes foram colocados no 6362
reator de extração (constituído de aço inox 304 e revestido internamente com teflon) sob pressurização do CO 2 (99,5%) a partir de uma bomba de seringa (Teledyne ISCO, modelo 500D). As reações foram realizadas a 35 ºC e 7,5 MPa. As extrações supercríticas foram realizadas nos tempos de 5, 15, 20, 30 e 60 min. As soluções lixiviadas foram separadas das partículas sólidas através da válvula de extração existente na saída do reator e de filtros de papel colocados em seu interior. O CO 2 foi separado da solução lixiviada por expansão e o Cu extraído foi então determinado por F-AAS. RESULTADOS E DISCUSSÃO Processamento Mecânico O balanço de massa correspondente às moagens e separações granulométricas realizadas está apresentado na Fig. 1. A partir da Fig. 1 pode-se inferir que através da moagem em moinho de martelos e de facas conseguiu-se reduzir significativamente o tamanho das PCIs, do tamanho inicial de 8 x 4 cm para partículas com diâmetros inferiores a 1,7 mm em sua maioria (88% da massa total). Figura 1 - Balanço de Massa do Processamento Mecânico das PCIs. 6363
Caracterização química A Tab.1 apresenta a composição química das PCIs cominuídas, obtida por Espectrometria de Fluorescência de Raios-X com Energia Dispersiva (FRX). Onde se pode ver que o Cu é o metal presente em maior percentual mássico. Tabela 1 - Composição química das PCIs estudadas. Componente Cu Si Ca Al Ni Ba P Fe Sn Ti Zn Ag Outros Percentual 31.95 23.08 17.43 11.11 2.71 2.46 2.41 1.94 1.78 1.59 1.19 0.34 2.01 mássico (%) O percentual de Cu lixiviado das PCIs com água régia foi semelhante para os tempos de 1, 2, 3 e 4 horas, de modo que a variação do tempo não influenciou a lixiviação e o tempo de 1 hora seria suficiente para extrair completamente o metal. O percentual mássico médio de Cu extraído foi de 34,83%, que se aproxima do valor obtido por FRX, de 31,95%. Este valor é semelhante também ao determinado por Yamane et al. (4), que foi de 34,5% de Cu para PCIs de celulares. Assim, os 34,83% de Cu resultante das lixiviações com água régia é considerado como a quantidade total de Cu existente nas PCIs de celulares estudadas. Lixiviações Ácidas Nas lixiviações ácidas à pressão atmosférica conseguiu-se recuperar em torno de 81,3% em massa de Cu em 180 min. e 80,5% em 240 min., de acordo com a Fig. 3. Esses resultados demonstram que 180 min. foi o tempo reacional ótimo, tendo a reação alcançado o equilíbrio nesse tempo, pois o percentual de extração não se alterou significativamente depois do mesmo. Isso também foi observado por Yang et al. (6), que estudou a extração de Cu de PCIs de computadores pré-tratadas com HNO 3, e tem resultados demonstrando que tempos de lixiviação superiores a 180 min. não aumentam de forma significativa a extração de Cu. Nas lixiviações ácidas com CO 2 supercrítico recuperou-se Cu em percentual semelhante ao máximo obtido nas lixiviações ácidas à pressão atmosférica, mas em tempos de reação inferiores (Fig. 3 e 4). Lixiviou-se 83,1 % de Cu em apenas 20 min. de extração supercrítica (Fig. 4), reduzindo assim o tempo reacional da lixiviação do Cu de 180 min à pressão atmosférica para 20 min. com CO 2 supercrítico. 6364
Na Fig. 4, pode-se observar ainda que o percentual de recuperação do Cu se reduziu quando tempo de lixiviação supercrítica foi superior a 20 min. O que poderia ser explicado pela degradação do H 2 O 2, que pode interromper a dissolução do Cu ou fazer com que uma quantidade de Cu se desloque do complexo com sulfato através da reação com metais mais reativos, presentes nas PCIs. Esta hipótese também foi considerada por Birloaga et. al. (12) que extraiu Cu e Sn de PCIs a partir de lixiviação à pressão atmosférica, e constatou que depois de 3 h de lixiviação o percentual de Cu extraído reduziu-se, enquanto que o de Sn aumentou. 100 90 80 70 Cobre recuperado (%) 60 50 40 30 20 10 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220 240 260 Tempo (min) 100 Figura 2 - Lixiviações ácidas à pressão atmosférica. 90 80 70 Cobre recuperado (%) 60 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 Tempo (min) Figura 3 - Lixiviações ácidas com CO 2 supercrítico. 6365
CONCLUSÕES O processamento mecânico, compreendendo as duas moagens em moinho de martelos e de facas reduziu significativamente o tamanho das PCIs, pois 88% da amostra total foi reduzida de 8 x 4 cm para partículas com diâmetros inferiores a 1,7 mm. A caracterização química das PCIs a partir de FRX e lixiviações com água régia apresentou resultados próximos para a quantidade de Cu contido nas placas. Sendo o valor médio das lixiviações, de 34,83% adotado como referência, ou seja, como valor total de Cu presente nas PCIs. Com as lixiviações ácidas à pressão atmosférica conseguiu-se recuperar cerca de 81% do total de Cu presente nas PCIs, em 3 h de reação. Já com as lixiviações empregando CO 2 supercrítico recuperou-se 83% do total de Cu existente, porém com apenas 20 min. de reação. Portanto a cinética de recuperação do Cu com CO 2 supercrítico foi mais veloz do que empregando método convencional, podendo ser uma alternativa promissora à reciclagem de PCIs e à recuperação do Cu propriamente dita, mas carecendo ainda de otimização. REFERÊNCIAS 1. LEE, C.; TANG, L.; POPURI, S. R. A study on the recycling of scrap integrated circuits by leaching. Waste Management & Research, v. 29, p. 677-685, 2010. 2. HUANG, K.; GUO, J.; XU, Z. Review - Recycling of waste printed circuit boards: A review of current technologies and treatment status in China. Journal of Hazardous Materials, v.164, p. 399 408, 2009. 3. VEIT, H. M.; BERNARDES, A. M.; FERREIRA, J. Z.; TENÓRIO, J. A. S.; MALFATTI, C. F. Recovery of copper from printed circuit boards scraps by mechanical processing and electrometallurgy. Journal of Hazardous Materials, v. B137, p.1704 1709, 2006. 4. YAMANE, L. H.; MORAES, V. T.; ESPINOSA, D. C. R.; TENÓRIO, J. A. S. Recycling of WEEE: Characterization of spent printed circuit boards from mobile phones and computers. Waste Management, v.31, p.2553 2558, 2011. 5. PARK, Y.J.; FRAY, D.J. Recovery of high purity precious metals from printed circuit boards. Journal of Hazardous Materials, v. 164, p. 1152 1158, 2009. 6. YANG, H.; LIU, J.; YANG, J. Leaching Copper from Shredded Particles of Waste Printed Circuit Boards. Journal of Hazardous Materials,v. 187, p. 393 400, 2011. 7. BEHNAMFARD, A.; SALARIRAD, M. M.; VEGLIO, F. Process Development for Recovery of Copper and Precious Metals from Waste Printed Circuit Boards with Emphasize on Palladium and Gold Leaching and Precipitation. Waste Management, v. 33, p. 2354-2363, 2013. 6366
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