VARIAÇÃO TEMPORAL DA QUALIDADE DA ÁGUA ARMAZENADA PARA FINS DE APROVEITAMENTO

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Transcrição:

You are free: to copy, distribute and transmit the work; to adapt the work. You must attribute the work in the manner specified by the author or licensor VARIAÇÃO TEMPORAL DA QUALIDADE DA ÁGUA ARMAZENADA PARA FINS DE APROVEITAMENTO Rodrigo Braga Moruzzi 1 ; Marcela Ferreira Murakami 22,3 RESUMO O objetivo deste trabalho foi investigar o efeito do tempo de armazenamento na qualidade de água pluvial destinada para fins não potáveis, no que tange a corrosão e a presença de microorganismos indicadores. Para tal, foram monitorados parâmetros físico-químicos para determinação do índice de Langelier (IL) e microbiológicos (bactérias heterotróficas) em um sistema experimental de captação e armazenamento de água pluvial após passagem por telhado montado no município de Ipeúna-SP. Amostras de uma mesma precipitação foram monitoradas durante seis meses. As alíquotas foram diferenciadas por meio do descarte inicial da primeira chuva e da aplicação de cloro na forma de hipoclorito de sódio. Com base nos resultados obtidos, pôde-se verificar que a água armazenada apresentou valores de IL<0 em todas as situações investigadas, indicando tendência corrosiva. Ademais, as bactérias heterotróficas mostraram-se resistentes à ação do tempo de armazenamento, indicando a importância da manutenção do residual de cloro na água pluvial armazenada. Palavras-chave: água pluvial, aproveitamento, captação, armazenamento, qualidade. TEMPORAL VARIATION OF RAINWATER QUALITY STORAGED FOR HARVESTING PURPOSE ABSTRACT The aim of this paper was to evaluate the interference, in terms of corrosion and microbiological indicators, of rainwater storage time for non-potable uses. For this, the Langelier index (IL), and heterotrophic bacteria were performed in an experimental system considering the rainwater collection after the roof. Samples were monitored for six months after dividing the studied rainwater in different aliquots considering the first flush and the chlorine dosage. Results pointed out values of IL<0 for all aliquots, indicating the corrosive tendency even after the roof wash. Further, the heterotrophic bacteria were resistant on time of storage, indicating that the chlorine dosage keeping is an important issue. Key words: rainwater harvesting, catchments, storage, quality. Trabalho recebido em 30/06/2009 e aceito para publicação em 17/11/2009. 1 Doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento pela Universidade de São Paulo (EESC/USP). Professor Assistente Doutor da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). e-mail: rmoruzzi@rc.unesp.br 2 Engenheira Ambiental pela Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP). Mestranda em Engenharia Civil pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). e-mail: marcelamurakami@hotmail.com

244 1. INTRODUÇÃO Os sistemas de aproveitamento de água pluvial baseiam-se na coleta das precipitações escoadas sobre áreas impermeáveis, seu armazenamento em reservatórios de acumulação, para uso imediato ou ao longo do tempo, e nas instalações que conduzem a água até o ponto de utilização. O uso seguro do sistema de aproveitamento pressupõe o planejamento e dimensionamento adequado de suas partes, bem como sua operação com vistas a garantir qualidade compatível com os usos previstos. Nesse sentido, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), através da norma ABNT NBR 15527/07, estabelece a necessidade de um dispositivo de descarte da chuva inicial nos sistemas de aproveitamento de água pluvial, sendo o mesmo dimensionado pelo projetista do sistema em valores que variam de 0,4 a 8 mm. Além disso, de acordo com a referida norma, a desinfecção da água nos sistemas de aproveitamento de água pluvial faz-se também necessária, sendo requerido, nos casos de uso de derivados clorados, o monitoramento mensal da concentração de cloro residual nos reservatórios de armazenamento, em valores entre 0,5 e 3,0 mg/l. Nenhuma menção foi feita com relação ao tempo máximo de armazenamento recomendado. O presente trabalho teve como objetivo analisar o efeito do tempo de armazenamento nas características físicoquímicas e microbiológicas de uma mesma precipitação, coletada em telhado e armazenada em reservatórios com diferentes valores de descarte e dosagens de cloro. 2. MATERIAL E MÉTODOS O sistema experimental de captação e armazenamento de água pluvial após passagem por telhado utilizado pelo presente trabalho foi instalado no prédio administrativo da Korin Agropecuária Ltda., localizada no município de Ipeúna SP. Para captar e acumular a precipitação utilizou-se um sistema composto por superfície de coleta (telhado de fibrocimento), calhas coletoras, condutores verticais e reservatórios de acumulação. Para armazenar a precipitação captada, utilizou-se um sistema constituído por cisternas plásticas de armazenamento, conforme ilustrado na Figura 1. Para o desenvolvimento do estudo foram coletadas, pelo sistema acima descrito, duas amostras distintas de 500L cada, de uma mesma precipitação, ocorrida após 10 dias de estiagem.

245 Figura 1: Esquema simplificado do sistema de captação e armazenamento de água pluvial após passagem por telhado utilizado no trabalho. Sem escala. A coleta da primeira amostra, denominada sem descarte, foi realizada a partir do encaminhamento direto da precipitação escoada pelo telhado até o reservatório de acumulação (Reservatório de Acumulação A, Figura 1). A coleta da segunda amostra, denominada com descarte, foi realizada a partir da abstração dos dois milímetros iniciais da precipitação e acumulação do volume adicional no reservatório de acumulação correspondente (Reservatório de Acumulação B, Figura 1). O valor de descarte utilizado (2 mm) foi determinado com base em Martinson & Thomas (2005) e Tomaz (2005) e de acordo com a recomendação da ABNT NBR 15527/07. Após a coleta, as amostras com descarte e sem descarte foram fracionadas, cada uma, em duas alíquotas de igual volume e transferidas para cisternas plásticas com capacidade para 250L cada (Reservatórios de Armazenamento, Figura 1). Depois de transferidas, as amostras tiveram metade de suas alíquotas tratadas com hipoclorito de sódio a uma concentração de cloro livre de 12%. O volume de desinfetante adicionado a cada cisterna foi previamente determinado, de forma a apresentar uma concentração de cloro residual na faixa estabelecida pela ABNT NBR 15527/07 (0,5 a 3,0 mg/l). Ao término do processo de fracionamento e tratamento das amostras coletadas (Figuras 2 e 3), quatro alíquotas distintas de uma mesma precipitação foram obtidas, sendo elas: amostra sem descarte e sem tratamento com cloro; amostra sem

246 descarte e com tratamento com cloro; amostra com descarte e sem tratamento com cloro e amostra com descarte e com tratamento com cloro. Figura 2: Esquema da captação e fracionamento da água coletada (sem escala). Fonte: Murakami e Moruzzi (2008). Figura 3: Esquema do tratamento e armazenamento da água coletada (sem escala). Fonte: Murakami & Moruzzi (2008). A caracterização da precipitação coletada, tratada e armazenada ao longo do período de estudo foi realizada por meio de análises físico-químicas e microbiológicas das amostras. As análises físico-químicas tiveram o intuito principal de calcular o índice de Langelier (I.L.) das amostras. O I.L., também conhecido por índice de saturação, avalia a tendência de precipitação ou dissolução de carbonato de cálcio de águas e é calculado por meio da diferença entre o ph e o phs (ph de saturação) da água, conforme a equação 1. IL ph phs (1) Quando I.L.<0, a água tende a dissolver os depósitos de carbonato, indicando tendência corrosiva. Quando I.L.>0, a água encontra-se supersaturada e com tendência à deposição de CaCO 3. Em

247 situações onde I.L.= 0, a água encontra-se em estado de equilíbrio. De acordo com Azevedo Netto e Richter (2005), o I.L. deve ser mantido com valores levemente positivos (ligeiramente incrustante), visando proporcionar uma fina camada protetora de CaCO 3 no interior das canalizações de modo a prevenir a corrosão. Os parâmetros utilizados no cálculo do índice de Langelier (temperatura, ph, alcalinidade, STD e dureza cálcica) foram analisados quinzenalmente no laboratório químico do Centro de Estudos Ambientais (CEA) da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, campus de Rio Claro, de acordo com protocolo pertinente ao Standard Methods 21 th edição. Os outros parâmetros físico-químicos analisados (temperatura, ph, condutividade elétrica e potencial de oxirredução) foram medidos nas próprias cisternas de armazenamento, por meio de equipamentos portáteis, sempre nos mesmos horários, três vezes ao longo do dia - compondo amostras triplicatas. A caracterização microbiológica das amostras foi realizada por meio da determinação da concentração de bactérias heterotróficas. Esse parâmetro de análise foi adotado baseando-se nos resultados discutidos em Murakami e Moruzzi (2008) e mensurado semanalmente no laboratório de Microbiologia do Centro de Pesquisa da Fundação Mokiti Okada (CPMO). Todas as análises ocorreram conforme o protocolo estabelecido pelo Standard Methods for Water and Wastewater, 21 th. O monitoramento da concentração de cloro residual nas cisternas tratadas com hipoclorito de sódio foi realizado periodicamente, por meio de um kit comercial de ortotoluidina. Sempre que necessário, ajustes na concentração de cloro residual foram efetuados, mantendo a mesma entre 0,5 e 3 mg/l, conforme preconizado pela NBR15527/07. Com o intuito de se estudar os efeitos da interrupção do tratamento nas características das alíquotas cloradas, a adição de hipoclorito de sódio nas cisternas com água de chuva tratada foi encerrada dez semanas antes do término do período de armazenamento. 3. RESULTADOS OBTIDOS Em relação à temperatura da água (Figura 4), observou-se um padrão de comportamento semelhante em todas as amostras, cujos resultados oscilaram de acordo com as condições climáticas locais.

248 Figura 4: Variação da temperatura ao longo do período de armazenamento. Em relação ao ph da água armazenada (Figura 5), observou-se que os valores de leitura das cisternas com precipitação tratada com hipoclorito de sódio foram ligeiramente mais elevados que os valores das cisternas com chuva sem tratamento. Enquanto a média das leituras das amostras cloradas foi de 6,75; a média das leituras das amostras não cloradas foi de 6,5. Tal resultado demonstrou que a adição de desinfetante, na forma de hipoclorito, foi responsável pela elevação do potencial hidrogeniônico das amostras tratadas. Figura 5: Variação do ph ao longo do período de armazenamento.

249 Observando-se o comportamento da condutividade elétrica da água armazenada (Figura 6) verificou-se, nas amostras cloradas, um incremento das medidas aferidas até valores em torno de 30μS/cm, sendo esse patamar de condutividade mantido mesmo após a interrupção do tratamento das amostras. Em relação ao período total de estudo (6 meses), a média de leitura das amostras sem adição de cloro foi de 3,1μS/cm, enquanto que a das amostras com adição de cloro (descritas como amostras com tratamento) foi de 19,7μS/cm. Ainda em relação a esse parâmetro, observou-se que as amostras de precipitação sem descarte possuíam valores de condutividade elétrica ligeiramente superiores aos das amostras com descarte (amostras sem cloro: diferença da média entre as amostras sem descarte e com descarte = 0,45μS/cm; amostras com cloro: diferença da média entre as amostras sem descarte e com descarte = 2,32μS/cm). As observações descritas são explicadas pelo fato do valor da condutividade ser potencializado pelo incremento de materiais dissolvidos na água, presentes em maior quantidade nas amostras coletadas sem descarte bem como nas alíquotas cloradas com hipoclorito de sódio. Figura 6: Variação da condutividade elétrica ao longo do período de armazenamento. Em relação ao potencial de oxirredução das amostras (Figura 7), observou-se que os valores de leitura das cisternas com adição de cloro foram ligeiramente mais elevados que os valores de leitura das cisternas com água pluvial

250 sem tratamento. Enquanto a média das leituras das amostras cloradas foi de 539mV; a média das leituras das amostras não cloradas foi de 460mV. Observou-se, também, que os valores mensurados tanto nas amostras cloradas quanto nas amostras não-cloradas mantiveram o mesmo padrão de comportamento durante o período de estudo, aumentando e mantendo-se elevado no início e durante o período de tratamento e diminuindo visivelmente com o término da adição de hipoclorito de sódio nas amostras tratadas. Acredita-se que esse comportamento deveu-se a condições específicas referentes ao processo de armazenamento empregado no estudo como, por exemplo, o balanço de oxigênio dissolvido nas amostras armazenadas. Figura 7: Variação do potencial de oxirredução ao longo do período de armazenamento. Quanto ao índice de Langelier (Figura 8), pôde-se observar que todas as amostras analisadas possuíam valores negativos, indicando águas com tendência corrosiva. As alíquotas tratadas com hipoclorito de sódio apresentaram, de modo geral, valores menos negativos de I.L., o que significa uma água menos agressiva. Essa diferença no valor de I.L. verificada entre as amostras tratadas e não tratadas com hipoclorito de sódio deve-se, principalmente, ao valor de ph das amostras em questão (quanto maior o ph, maior o I.L.). De modo geral, as amostras coletas sem descarte também apresentaram menor tendência corrosiva, o que pode ser explicado pela maior quantidade de STD nessas alíquotas.

251 Figura 8: Índice de Langelier das amostras ao longo do período de armazenamento A Figura 9 ilustra os valores obtidos nas análises para contagem total de bactérias heterotróficas. Os resultados obtidos demonstram que a concentração de. microorganismos manteve valores residuais estáveis durante todo período de tratamento Figura 9: Concentração de bactérias heterotróficas durante o período de armazenamento. Fonte: Murakami & Moruzzi (2008) Verificou-se, na Figura 9, que o volume de descarte aplicado neste trabalho (2 mm de precipitação) não foi suficiente para eliminar a contaminação

252 microbiológica presente na superfície de captação, mas apenas reduzí-la. A contagem inicial de bactérias heterotróficas realizada nas amostras não cloradas indicou que a concentração desses microorganismos era uma vez e meia menor nas amostras coletadas com descarte de precipitação. Apesar disso, tais amostras ainda apresentavam valores elevados de concentração (9,9 x 10 3 UFC/mL), indicando que para a obtenção de menores valores residuais iniciais, maiores valores de descarte da primeira chuva deveriam ter sido empregados. Quanto à utilização de cloro na forma de hipoclorito de sódio como tratamento das amostras armazenadas, Murakami e Moruzzi (2008) confirmaram a ação desinfetante do produto. Em termos de concentração inicial de bactérias heterotróficas, a diferença observada entre as amostras tratadas e não tratadas foi da ordem de 10 3 UFC/mL nas amostras sem descarte e 10 4 UFC/mL nas amostras coletadas com descarte. No período em que as concentrações de cloro residual das amostras tratadas mantiveram-se de acordo com a faixa recomendada pela ABNT NBR 15527/07 (entre 0,5 e 3 mg/l), as concentrações de bactérias heterotróficas diminuíram consideravelmente e mantiveram-se dentro de níveis permitidos pela Portaria 518 (BRASIL, 2004), que estabelece valor até 500 UFC/mL. A interrupção do tratamento na 16ª semana de estudo (16 de agosto) acarretou um aumento na concentração de bactérias heterotróficas nas amostras tratadas, sendo o resultado de análise obtido em 22 de outubro em torno de 28 vezes superior ao valor encontrado nas amostras que não receberam tratamento. De acordo com Murakami e Moruzzi (2008), com a interrupção da cloração da água, as condições físico-químicas e biológicas do meio voltaram a ser favoráveis à proliferação desses microorganismos. Esses resultados demonstram a importância da manutenção do residual de cloro, bem como a freqüência de amostragem adequada para o monitoramento das amostras armazenadas. 4. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES Com base nos resultados obtidos no presente estudo referentes ao tempo de armazenamento na qualidade da água pluvial, pôde-se concluir: A manutenção da concentração de cloro livre nas amostras de acordo com a norma NBR 15527/07 foi responsável pelo decaimento das concentrações de bactérias heterotróficas - valores que permaneceram baixos (log < 2 UFC/mL) até a interrupção do tratamento.

253 Todas as amostras apresentaram tendência corrosiva (I.L. < -1,98) durante o período investigado. As alíquotas tratadas com hipoclorito de sódio apresentaram valores ligeiramente maiores quando comparadas às amostras sem adição de cloro (amostras cloradas: -3,0 < I.L.< -2,0; amostras não cloradas -3,8 < I.L.< -2,2). Assim, recomenda-se a adição de cal (CaOH 2 ) ou barrilha (Na 2 CO 3 ) para ajuste do índice de saturação. Como recomendações para trabalhos futuros, os autores sugerem: Estudar diferentes estratégias de descarte da chuva inicial, tanto em relação ao volume desprezado quanto em relação à duração, em função da intensidade da precipitação. Verificar a presença de organoclorados na água reservada. 5. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ao Centro de Estudos Ambientais da UNESP de Rio Claro; ao Centro de Pesquisa da Fundação Mokiti Okada e à Korin Agropecuária Ltda. pelo apoio na realização da pesquisa. 6. REFERENCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR15527: Água de chuva - Aproveitamento de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis Requisitos. São Paulo. 2007. 11p. AZEVEDO NETO, J. M.; RICHTER, C. A.; Tratamento de água: tecnologia atualizada. São Paulo: Edgard Blücher, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 518, de 25 de março de 2004. Estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade de água para consumo humano e seu padrão de potabilidade e dá outras providencias. Diário Oficial da União. Brasília. 2004. 34p. FERRAZ, R. de C. Avaliação de sistema alternativo de proteção contra a corrosão em circuito de água de refrigeração. 2007. 85f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2002. MARTINSON, D.B et al. Quantifying the first flush phenomenon. In: INTERNATIONAL RAINWATER CATCHMENT SYSTEMS CONFERENCE, 12., 2005, New

254 Delhi. Anais Nova Delhi, Índia, nov, 2005. MURAKAMI, M.F.; MORUZZI, R.B. Avaliação de parâmetros microbiológicos de água pluvial visando aproveitamento para fins não potáveis: o efeito do tempo de armazenamento. HOLOS Environment, Rio Claro, s.1, v.8, n2, 2008. TOMAZ, P. Aproveitamento de água de chuva. 2. ed. São Paulo: Navegar Editora, 2005.