A REFORMA ACABOU? Uma Declaração de Convicções Evangélicas 1

Documentos relacionados
REFORMA E CONTRARREFORMA

SUMÁRIO. CAPÍTULO 1 Por que ainda estamos divididos? 7. CAPÍTULO 2 Os evangélicos são católicos? 11. CAPÍTULO 3 Os católicos são evangélicos?

A Declaração de Jerusalém

DECRETO UNITATIS REDINTEGRATIO. Coleção revisitar o Concílio. Elias Wolff. São Paulo: Paulinas, 2012

As transformações de saberes, crenças e poderes na transição para a Idade Moderna. Profª Ms. Ariane Pereira

A espada foi no passado uma ferramenta de guerra, um instrumento de batalha, um símbolo de conflito. E talvez um dos maiores problemas que a igreja

Dogmas marianos: conheça as verdades de fé sobre Maria

Sumário detalhado 1. A Reforma: uma introdução O cristianismo no final da Idade Média O humanismo e a Reforma...54

06. REFORMAS RELIGIOSAS

1º Ciclo. Educação Moral e Religiosa Católica 2016/ º Ano. 4º Ano. 1º Ano. 2º Ano

1º Ciclo - Ano letivo 2018 / 2019

1º Ciclo - Ano letivo 2017/2018

Sumário. Prefácio... 13

Queriam uma religião mais simples, mais próxima dos ensinamentos de Jesus.

HISTÓRIA 1 ANO PROF. AMAURY PIO PROF. EDUARDO GOMES ENSINO MÉDIO

Editorial - Dossiê Lutero e a Reforma: 500 anos

REFORMA CATÓLICA OU CONTRARREFORMA?

CHAMADOS A VIVER EM COMUNHÃO MEMBROS DE UM SÓ CORPO EM CRISTO JESUS (1COR 12,12)

SUMÁRIO INTRODUÇÃO. A revelação A. A revelação em geral B. A revelação geral C. A revelação especial... 30

COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ

Críticas à Igreja Católica

REMEMORANDO A REFORMA: REFLEXÃO BÍBLICA Alderi Souza de Matos

HISTÓRIA DA IGREJA. Prof. GUILHERME WOOD. APOSTILA NO SITE:

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA COMPÊNDIO

!" #$! %&% '( CAUSAS: ! "# $ % & ' $ (% & ) * + *, -$. / ++.) */ 0.) 0 0 0*

Evangelhos e atos. Observações

REFORMA PROTESTANTE. 1- CONTEXTO HISTÓRICO: 1.1- Início do século XVI no Norte da Europa.

Coleção Chamados à Vida Chamados À Vida, Chamados À Vida Em Jesus Cristo,

TEMA-PROBLEMA. A experiência religiosa como afirmação do espaço espiritual do mundo FENÓMENO UNIVERSAL

A finalidade pastoral do Código de Direito Canônico. Tiago Nascimento Nigro. Pe. Luiz Henrique Bugnolo

Ser e estar na igreja

LIÇÃO 13 UM CHAMADO PARA EVANGELIZAR. Prof. Lucas Neto

CNLB. Conselho Nacional do Laicato do Brasil

No contexto da fé cristã, a teologia não é o estudo de Deus como algo abstrato, mas é o estudo do Deus pessoal revelado na Escritura.

Há quatro pontos importantes nesse livro: o primeiro anúncio, a catequese, a vida das comunidade e a missão

COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO GABINETE DO DEP. JOSÉ DE ARIMATEIA

Os bispos, como pastores e guias espirituais das comunidades a nós encomendadas, somos chamados a fazer da Igreja uma casa e escola de comunhão.

A fé nos liberta do isolamento do eu, porque nos conduz à comunhão. Isso significa que uma dimensão constitutiva

Fiéis em cristo. Direitos e deveres dos fiéis leigos. Paróquia São Francisco de Assis Ribeirão Preto 05/08/2015

Semana de Oração propõe diálogo e unidade dos cristãos Qua, 11 de Maio de :27 -

A CONFIABILIDADE E A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS. Augustus Nicodemus Lopes

IDADE MODERNA A REFORMA PROTESTANTE

A História do Culto Cristão

Leitura responsiva na sala de aula.

Agrupamento de Escolas de Mira. Departamento de Ciências Sociais e Humanas

Os Anciãos na Igreja. As Escrituras designam o serviço dos anciãos. Desde o início da igreja do Novo Testamento, a liderança na comunidade de crentes

PLANO DE ESTUDOS DE EMRC 8.º ANO

QUARTO PERÍODO: A IDADE MÉDIA CRISTÃ Séculos V a XV

Conclusão LIÇÃO 3 - A FORMAÇÃO DE OBREIROS Introdução I - A função principal dos ministérios de Efesios 4:11 II. O Discipulado Intensivo III - A

Religiões Proféticas

FILOSOFIA - 2 o ANO MÓDULO 08 A REAÇÃO DE ROMA: O CONCÍLIO DE TRENTO

1.! Quem'somos?' 2.! Visão'

Teologia Sistemática. Fernando Catarino

DISCI PULOS MISSIONÁ RIOS EM COMUNHÁ O CICLO DE ESTUDOS DO IDEP

COPYRIGHT TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - SABER E FÉ

IDADE MODERNA A REFORMA PROTESTANTE

RENASCIMENTO CULTURAL

SER CATEQUISTA NOS DIAS DE HOJE

Roteiro de leitura e síntese para compreender. o significado da Comunidade Eclesial

REFORMA PROTESTANTE E REFORMA CATÓLICA VISÃO PANORÂMICA

Princípios para uma Catequese Renovada. Eu vim para que tenham a vida Jo 10,10

3. Panorama das Crenças Religiosas e Cosmovisões

LIÇÃO 1 Por que liderança masculina? Atos 14.23; Tito 1.5-9

Série IGREJA QUE AGRADA A DEUS. Tem ESPERANÇA AMOR

Trata-se, portanto, de um Preceito que obriga sob grave, em condições normais. Falando da obrigação do Domingo, o Catecismo da Igreja Católica diz :

EVANGELISMO. Por Evaristo Filho. SEMINÁRIO TEOLÓGICO EVANGÉLICO BÍBLICO SETEB Global

Nova Estrutura do Curso: Avisos

O Ano Santo é um tempo de paz, reconciliação e perdão. Ele começa quando o Papa abre a

HISTÓRIA. aula Reforma e Contrarreforma

CREIO EM DEUS PAI Catequese com adultos Chave de Bronze

EDITORIAL/ EDITORIAL

1- ASSUNTO: Curso de liturgia na Paróquia Santo Antônio

Condições Gerais. Políticas: Crise do Feudalismo Crescimento da Burguesia Rei não aceita interferência da Igreja Supranacionalismo Papal

Sua religião é uma escolha pessoal e deve ser respeitada

resguardar o verdadeiro cristianismo; conhecer a verdade para reconhecer uma fraude; evitar cair no erro, ter respostas às aberrações heréticas; ser

CATECISMO do Século XXI

O MAGISTÉRIO DA IGREJA NA FORMAÇÃO

Contrarreforma. Autores: Maria Eduarda Cordeiro Maria Luísa Relosi Lara Bianchi Marina De Carli Pedro Pérez Pedro Henrique Thomé

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

REFORMAS RELIGIOSAS SÉC XVI.

Uma Introdução. História

IDADE MODERNA A REFORMA! PROTESTANTE REFORMA PROTESTANTE

Introdução do Editor. John MacArthur

EVANGELISMO. Uma ideia nada popular. razão externa: religião como fenômeno particular. razão interna: confusão entre evangelismo e proselitismo

Temos aqui um assunto importante para analisar em relação à natureza do homem: A alma e a vida do homem na sua concepção temporal.

MINISTÉRIO DE FORMAÇÃO RCCBRASIL

C I C - CADASTRO DE INFORMAÇAO DO CANDIDATO

Sumário. Prefácio, 13. Primeira parte - Fundamentação, 15

Conferência Doutrinária, Pastoral e Teológica 20º Concílio Geral. Palavra do Bispo Luiz Vergílio da Rosa Bispo da 2ª Região Eclesiástica

Homilia na celebração pela unidade dos cristãos Porto

Teologia Sistemática

Convênio de Cooperação IELB IECLB

HAMARTIOLOGIA: DOUTRINA DO PECADO

Transcrição:

A REFORMA ACABOU? Uma Declaração de Convicções Evangélicas 1 Às vésperas do quingentésimo aniversário da Reforma Protestante, cristãos evangélicos de todo o mundo têm a oportunidade de refletir novamente sobre o legado da Reforma tanto na igreja global de Jesus Cristo como no desenvolvimento do trabalho evangelístico. Após séculos de controvérsias e tensões entre evangélicos e católicos, a cordialidade ecumênica de tempos recentes criou condições propícias para que líderes de ambos os lados afirmassem que a Reforma está em seus momentos finais e que as principais discordâncias teológicas que levaram à ruptura do cristianismo ocidental no século 16 já estão resolvidas. Por que alguns afirmam que a Reforma acabou Em apoio à ideia de que a Reforma acabou, são geralmente citadas duas razões principais: 1) Os desafios para os cristãos em todo o mundo (como, por exemplo, o secularismo e o Islã) são tão atemorizantes que protestantes e católicos não podem mais se dar ao luxo de permanecer divididos. Um testemunho unificado, talvez com o Papa como porta-voz, beneficiaria grandemente o cristianismo global. 2) As divisões teológicas históricas (por exemplo, a salvação somente por meio da fé, a autoridade última da Bíblia, a primazia do bispo de Roma) são consideradas questões de diferença legítimas em termos de ênfase, mas não são pontos críticos de divisão e contraste que impeçam a unidade. A força cumulativa desses argumentos tem amenizado a compreensão e a avaliação de alguns evangélicos acerca da Igreja Católica Romana. 1 Documento traduzido por Jonathan Silveira e revisado por Norma Braga Venâncio. Fonte: http://www.isthereformationover.com/documents/is%20the%20reformation%20over- %20A%20Statement%20of%20Evangelical%20Convictions.pdf Copyright 2016 Reformanda Initiative 1

É também importante notar que, no último século, o evangelicalismo global tem crescido em uma velocidade avassaladora, enquanto o mesmo não ocorre no catolicismo romano. O fato de milhões de católicos tornarem-se evangélicos nos últimos anos não passou despercebido por líderes católicos romanos, que buscam responder a essa perda de fiéis de maneira estratégica: adotando uma linguagem evangélica tradicional (conversão, evangelho, missão, misericórdia) e estabelecendo diálogos ecumênicos com igrejas que outrora condenaram. Onde antes havia perseguição e animosidade, agora há relacionamentos e diálogos mais amistosos entre católicos e protestantes. A questão, porém, permanece: as diferenças fundamentais entre católicos e protestantes ou evangélicos desapareceram? A Reforma acabou? A Reforma Protestante, em todas as suas variantes e por vezes tendências conflitantes, foi, em última instância, um chamado para (1) resgatar a autoridade da Bíblia sobre a igreja e (2) reconhecer novamente o fato de que a salvação chega até nós somente por meio da fé. Há cinco séculos, o catolicismo romano é um sistema religioso que não é baseado exclusivamente na Escritura. De acordo com a perspectiva católica, a Bíblia é apenas uma fonte de autoridade: não se mantém autônoma, nem é a fonte mais importante. De acordo com esta visão, a tradição precede a Bíblia, é maior do que a Bíblia e não é revelada somente pela Escritura, mas através do ensino contínuo da Igreja e de sua agenda atual, de acordo com os tempos. Uma vez que a Escritura não tem a última palavra, a doutrina e a prática católicas permanecem indeterminadas e, portanto, confusas em sua própria essência. A promulgação de três dogmas (ou seja, crenças obrigatórias) sem qualquer base bíblica ilustra perfeitamente o método teológico do catolicismo romano. São eles: o dogma da imaculada conceição de Maria, de 1854; o dogma da infalibilidade papal, de 1870; e o dogma da assunção corpórea de Maria, de 1950. Esses dogmas não representam o ensinamento bíblico e, na verdade, claramente os contradizem. No sistema católico, isso não importa, pois não depende da autoridade exclusiva da Escritura. Talvez sejam necessários dois milênios para se formular um novo dogma, mas, tendo em vista que a Escritura não detém a última palavra, a Igreja Católica pode eventualmente adotar tais inovações. Copyright 2016 Reformanda Initiative 2

Quanto à doutrina da salvação, muitos têm a impressão de que há uma convergência crescente no que diz respeito à justificação pela fé e que as tensões entre católicos e evangélicos têm diminuído consideravelmente desde o século 16. No Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja Católica reagiu fortemente contra a Reforma Protestante ao declarar anátema (amaldiçoados) aqueles que defendessem a justificação somente pela fé, ao mesmo tempo em que afirmou o ensino de que a salvação é um processo de cooperação com infusão da graça, ao invés de ser um ato alicerçado exclusivamente na graça e na fé. Alguns argumentam que a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, assinada pela Igreja Católica Romana e a Federação Mundial Luterana em 1999, uniu a ambos os lados. Conquanto o documento favoreça, por vezes, uma tendência mais bíblica no entendimento da justificação, explicitamente afirma a visão de justificação do Concílio de Trento. A condenação sobre convicções protestantes e/ou evangélicas históricas permanece; apenas não se aplica àqueles que afirmam a desfocada posição da Declaração Conjunta. Assim como em Trento, na Declaração Conjunta a justificação é um processo representado pelo sacramento da Igreja (o batismo); ela não é recebida exclusivamente pela fé. É uma jornada que requer colaboração do fiel e uma participação contínua no sistema sacramental. Não há qualquer entendimento de que a justiça de Deus é imputada por Cristo ao crente; logo, não há qualquer segurança de salvação. Além disso, a visão da Igreja Católica Romana é revelada por seu uso contínuo de indulgências (ou seja, a remissão da punição temporal por pecado atribuído pela Igreja em ocasiões especiais). Foi a teologia das indulgências que desencadeou a Reforma, mas esse sistema tem sido invocado recentemente pelo Papa Francisco no Ano da Misericórdia (2015-2016). Isto mostra que, para a Igreja Católica Romana, a visão básica da salvação que depende da mediação da Igreja, da distribuição de graça por meio dos sacramentos, da intercessão dos santos e do purgatório permanece a mesma após a elaboração da Declaração Conjunta. Perspectivas O que dissemos sobre a Igreja Católica Romana como realidade doutrinal e institucional não é necessariamente verdadeiro para indivíduos católicos. A graça de Deus está trabalhando em homens e mulheres que se arrependem e confiam somente em Deus e Copyright 2016 Reformanda Initiative 3

que respondem ao seu evangelho, vivendo como discípulos cristãos que buscam conhecer a Cristo e fazê-lo conhecido. Entretanto, por conta de suas afirmações dogmáticas flutuantes e de sua estrutura política complexa e diplomática, a instituição Igreja Católica deve ser examinada com muito mais cautela e prudência. Iniciativas atuais para renovar aspectos da vida e adoração católicas (como, por exemplo, a acessibilidade à Bíblia, a renovação litúrgica, o papel crescente dos leigos e o Movimento Carismático) não indicam, por si mesmas, que a Igreja Católica Romana esteja compromissada com uma reforma substanciosa em consonância com a Palavra de Deus. Em nosso mundo globalizado, encorajamos a cooperação entre evangélicos e católicos em áreas de preocupação comum, tais como a proteção da vida e a promoção da liberdade religiosa. Essa cooperação se estende a pessoas de outras orientações religiosas e ideológicas. Em pontos onde valores comuns estão em jogo questões éticas, sociais, culturais e políticas, os esforços colaborativos devem ser encorajados. Todavia, quando se trata de cumprir a tarefa missionária de proclamar e viver o evangelho de Jesus Cristo em todo o mundo, os evangélicos devem ser cautelosos, mantendo padrões bíblicos claros ao formar plataformas e coalizões. A posição que articulamos aqui é um reflexo de convicções evangélicas históricas, junto a uma paixão pela unidade entre crentes em Jesus Cristo de acordo com a verdade do evangelho. 2 As questões que suscitaram a Reforma 500 anos atrás ainda estão muito presentes no século 21 em toda a igreja. Enquanto acolhemos de bom grado toda 2 Essas convicções fundamentais são expressas em papers oficiais de duas organizações evangélicas mundiais: Fraternidade Evangélica Mundial e Movimento Lausanne. Após abordar temas como mariologia, autoridade na igreja, o papado e a infalibilidade, justificação pela fé, sacramentos e a Eucaristia, e a missão da igreja, este foi o pronunciamento da Fraternidade Evangélica Mundial: A cooperação na missão entre evangélicos e católicos está seriamente impedida por conta de obstáculos insuperáveis (Fraternidade Evangélica Mundial, Evangelical Perspective on Roman Catholicism (1986) in Paul G. Schrotenboer (ed.), Roman Catholicism. A Contemporary Evangelical Perspective (Grand Rapids: Baker Book House 1987) p. 93). A mesma visão é refletida no documento de Lausanne intitulado Occasional Paper on Christian Witness to Nominal Christians among Roman Catholics, de 1980, bem como em uma declaração de John Stott, principal autor do Pacto de Lausanne: Estamos dispostos a cooperar com eles (católicos romanos, ortodoxos ou protestantes liberais) em boas obras de compaixão cristã e justiça social. É no momento em que somos convidados a evangelizar com eles que nos vemos em um duro dilema, pois o testemunho comum necessita de uma fé comum e a cooperação no evangelismo depende de concordância sobre o conteúdo do evangelho (Lausanne Committee for World Evangelization. Lausanne Occasional Paper 10 on Christian Witness to Nominal Christians among Roman Catholics (Pattaya, Thailand, 1980); John Stott, Make the Truth Known. Maintaining the Evangelical Faith Today (Leicester, UK: UCCF Booklets, 1983) p. 3-4.). Copyright 2016 Reformanda Initiative 4

oportunidade para esclarecê-las, nós evangélicos afirmamos, juntamente com os reformadores, as convicções fundamentais de que nossa autoridade final é a Bíblia e que somos salvos somente por meio da fé. Copyright 2016 Reformanda Initiative 5