Efeitos visuais e seus usos em filmes brasileiros entre os anos de 2009 a 2013 1 Roberto TIETZMANN 2 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Resumo O uso de efeitos visuais em filmes nacionais vem se tornando recorrente no período posterior à retomada. Aqui analisamos as aproximações e distanciamentos entre os indicados à categoria de efeito visual na premiação da Academia Brasileira de Cinema entre 2009 a 2013 e seus dados de bilheteria em salas, discutindo as temáticas narrativas que motivam seus usos. Concluímos que efeitos visuais discretos ou como suporte à fantasia são predominantes, sendo raros os usos de maior destaque e espetáculo. Palavras-chave: cinema; efeitos visuais; cinema brasileiro; pós-retomada Introdução Efeitos visuais estão presentes em grande parte das obras cinematográficas de grande circulação contemporâneas, seja em sua aplicação mais evidente na elaboração de objetos, personagens, cenários e movimentos de câmera através de técnicas que aproximam a realização cinematográfica com a flexibilidade possível na animação ou em usos mais discretos como retoques em detalhes da imagem ou o reenquadramento de planos. No cinema brasileiro por restrições técnicas, narrativo-ideológicas ou de orçamento tradicionalmente observa-se um menor uso de tais recursos com um comparável grau de sofisticação ao cinema internacional. Ao longo da trajetória da produção nacional temos, por exemplo, as caravelas de Pedro Álvares Cabral realizadas com auxílio de maquetes em O Descobrimento do Brasil (Humberto Mauro, 1937), efeitos de animação e composição de imagens realizados com tecnologias de televisão e transpostas para o cinema de maneira inovadora em Os Trapalhões na Guerra dos Planetas (Adriano Stuart, 1978), além de sobreposições de imagem, acelerações e outras manipulações em truca óptica buscando um 1 Trabalho apresentado no DT 4 Audiovisual - GP Cinema do XIV Encontro dos Grupos de Pesquisa em, evento componente do XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da. 2 Professor do programa de pós-graduação da faculdade de comunicação da PUCRS, email: rtietz@pucrs.br 1
fim cômico em diversos filmes. Ao contrário de seus contrapartes internacionais, a cinematografia brasileira tem suas imagens baseadas no trabalho de câmera e fotografia do que na síntese de imagens com efeitos visuais. No período mais recente do cinema brasileiro, definido como pós-retomada e situado cronologicamente a partir de 2003 é possível observar mudanças neste panorama incluindo a contínua digitalização das ferramentas, a qualificação técnica-tecnológica da realização e a incorporação de processos de pós-produção que facilitaram a inclusão de efeitos visuais nos filmes. Este panorama recente coloca novas possibilidades que tensionam convenções estabelecidas do bem fazer. Neste artigo discutimos o uso de efeitos visuais em filmes brasileiros de grande circulação realizados de fins da década de 2000 em diante, questionando como ocorre sua incorporação: a partir de matrizes de representação inspiradas naquelas usadas em filmes de grande orçamento norte-americanos? Há características nacionais neste movimento? Este artigo atualiza os dados e a metodologia de observação e análise primeiro aplicada em Tietzmann (2011) onde foram observados a presença e os usos de efeitos visuais na produção brasileira de grande circulação de 2005 a 2010. A discussão será realizada a partir da observação da presença de efeitos visuais e de seu vínculo com a narrativa nos filmes nacionais indicados e vencedores da categoria no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro entre os anos de 2009 a 2013 com bilheteria acima de um milhão de espectadores a partir de dados consolidados pela Ancine. Definindo efeitos visuais Entendemos efeitos visuais como o resultado de técnicas adicionais de produção de imagens que substituem ou complementam a captação integral da imagem com uma câmera em um único momento. Em comum a todos os conceitos sobre efeitos visuais presentes em Aumont&Marie (2006), Fielding (1985), Goulekas (2001), Katz (1998), Mitchell (2004), Netzley (2000), Pinteau (2004), Rickitt (2000), Sawicki (2007), Urrero (1995) e Wilkie (1996) é constante esta ideia de substituição através da aplicação de uma ou mais técnicas específicas que buscam aproximar-se das convenções de registro de uma câmera tradicional. Presentes desde os primeiros dias do cinema ao final do século XIX, tais 2
recursos de manipulação, tratamento e criação de imagens foram sendo integradas ao processo de realização em todas as suas etapas até se tornarem um elemento determinante da identidade do cinema de grande circulação a partir da década de 1970. Matrizes conceituais para os efeitos visuais partem dos instrumentos mecânicos para os palcos do teatro grego, capazes de fazer voar personagens e substituir cenários com agilidade chamando pouca atenção para o maquinário (CHONDROS, 2004; REHM, 1994) e também da tradição de edição e manipulação de fotografias com propósitos artísticos e criativos a partir da metade do século XIX (CLARKE, 1997; WHEELER, 2002; ZAKIA & STROEBEL, 1993). Esta bagagem foi adaptada rapidamente ao novo meio de Edison e Lumière e proporcionou ao nascente cinema avanços nas formas de representar, situações e sugerir narrativas anteriores à consolidação da montagem e da decupagem. As, efeitos visuais são técnicas diversas de produção de imagens que na maioria dos casos pretendem se parecer com as imagens produzidas por uma câmera. O caráter de diferença na produção da imagem bem como sua intenção de assemelhar-se aos meios tradicionais pode ser observado nas regras de seleção dos finalistas ao prêmio de efeitos visuais nos Oscars: é solicitada uma amostra do trecho do filme submetido onde os efeitos estejam em destaque e também uma descrição do processo usado para atingir o resultado (AMPAS, 2014), algo não requerido de categorias como roteiro, direção ou melhor filme. Na competição nacional, a Academia Brasileira de Cinema estabelece em seu regulamento a categoria de "melhor efeito visual" sem oferecer mais detalhes (ACADEMIA BRASILEIRA DE CINEMA, 2014) o que interpretamos como sintoma da pouca tradição da área no país. Aproximação e afastamento entre prêmios e a bilheteria Efeitos visuais chamam a atenção do público para o cinema brasileiro? Para buscar uma resposta estabelecemos um recorte cronológico dos filmes a serem analisados, com lançamentos em salas de cinema entre 2008 e 2012, escolhido como o ano final para os dados de bilheteria porque o prêmio de efeitos visuais entregue em 2013 reflete as produções do ano anterior. A escolha por lançamentos em salas de cinema, ao contrário de outras janelas que recebem a produção nacional como canais de televisão aberta e por 3
assinatura, vendas em DVD/Blu-Ray e transmissões digitais é justificada pela tradição que esta janela de exibição tem como espaço de debate e repercussão. Como critério de seleção definimos a bilheteria de mais de um milhão de espectadores segundo os dados divulgados pela Ancine como o marcador de quais filmes seriam observados. Não prestamos atenção neste texto a dados de circulação do filme pelas demais janelas de exibição ou pela pirataria. Tampouco estabelecemos uma categoria diferenciada para as obras que superaram em muito esta quantidade de ingressos vendidos. Segundo este critério a lista de obras foi de vinte e dois filmes 3 no período delimitado. Este conjunto foi então cruzado com a lista de finalistas e vencedores da categoria de efeito visual no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro dos anos de 2009 a 2013. Os oito filmes que atenderam aos critérios e formam nosso corpus de análise são: Meu Nome Não é Johnny (Mauro Lima, 2008), Se eu Fosse Você 2 (Daniel Filho, 2009), Tropa de Elite 2 (José Padilha, 2010), Chico Xavier (Daniel Filho, 2010), Nosso Lar (Wagner de Assis, 2010), O Homem do Futuro (Cláudio Torres, 2011), Bruna Surfistinha (Marcus Baldini, 2011), Gonzaga de pai para filho (Breno Silveira, 2012). A tabela 01 detalha os finalistas e vencedores, indicando quando houve coincidência entre a premiação e a bilheteria. A leitura da tabela 01 oferece algumas conclusões preliminares. Em primeiro lugar, apenas nas premiações de 2011 e 2012 há um alinhamento entre o prêmio de efeitos visuais e a bilheteria, o que acontece com Nosso Lar e O Homem do Futuro respectivamente. Os demais anos traçam uma relação menos próxima entre as duas listas, com o vencedor em efeitos visuais vendendo menos ingressos que outros filmes indicados em 2009, 2010 e 2013. Esta curiosa diferença se aprofunda se observarmos diferenças temáticas entre os filmes e como há distância entre eles nas bilheterias. 3 Os vinte e dois filmes com mais de um milhão de espectadores na bilheteria no período são: Meu Nome Não é Johnny (Mauro Lima, 2008), Se Eu Fosse Você 2 (Daniel Filho, 2009), A Mulher Invisível (Cláudio Torres, 2009), Os Normais 2 - A Noite Mais Maluca de Todas (José Alvarenga Jr., 2009), Divã (José Alvarenga Jr., 2009), Xuxa em O Mistério de Feiurinha (Tizuka Yamasaki, 2009), Tropa de Elite 2 (José Padilha, 2010), Nosso Lar (Wagner de Assis, 2010), Chico Xavier (Daniel Filho, 2010), Muita Calma Nessa Hora (Felipe Joffily, 2010), De Pernas pro Ar (Roberto Santucci,2011), Cilada.com (José Alvarenga Jr.,2011), Bruna Surfistinha (Marcus Baldini,2011), Assalto ao Banco Central (Marcos Paulo,2011), O Palhaço (Selton Mello,2011), O Homem do Futuro (Claudio Torres,2011), Qualquer Gato (Tomas Portella, 2011), Até que a sorte nos separe (Roberto Santucci,2012), E Aí, Comeu? (Felipe Joffily,2012), Os Penetras (Andrucha Waddington, 2012), Gonzaga de pai para filho (Breno Silveira,2012) e De pernas para o ar 2 (Roberto Santucci,2012). 4
GP 2013 GP 2012 [v] Carlos Faia, Gus Martinez E Xico De Deus Por 2 Coelhos [>1m] Claudio Peralta Por Gonzaga De Pai Para Filho Hugo Gurgel Por Xingu Robson Sartori Por Paraísos Artificiais Sergio Farjalla Jr Por Corações Sujos André Kapel Por Bróder [ V, >1m] Cláudio Peralta Por O Homem Do Futuro Cláudio Peralta E Marcelo Siqueira Por Lope Diego Velasco-De Armas Por Onde Está A Felicidade? [>1m] Eduardo Souza E Rodrigo Lima Por Bruna Surfistinha GP 2011 [>1m] Bruno Van Zeenbroeck Por Tropa De Elite 2 [v, >1m] Darren Bell, Geoff D. E. Scott E Renato Tilhe Por Nosso Lar Luciano Neves (TRIBO Post) Por Quincas Berro D Água Marcelo Siqueira Por Eu E Meu Guarda-Chuva [>1m] Tamis Lustre Por Chico Xavier GP 2010 GP 2009 [v] Marcelo Siqueira, Abc, Por Besouro [>1m] Marcelo Siqueira, Abc, Por Se Eu Fosse Você 2 Marcelo Siqueira, Abc, Por Tempos De Paz Marcelo Siqueira, Abc E Robson Sartori, Por Salve Geral Tamis Lustre, Por À Deriva [v] André Waller, Renato Tilhe, Ricardo Gorodetcki E Tamis Lustre Por Ensaio Sobre A Cegueira Kapel Furman Por Encarnação Do Demônio [>1m] Marcelo Mm Por Meu Nome Não É Johnny Marcelo Siqueira Por Última Parada 174 Renato Cavalcanti E Tatiana Machnicki Por Estômago Tabela 01: Indicados ao Grande prêmio do cinema brasileiro - categoria efeito visual, com destaque dos [v] vencedores com os respectivos supervisores de efeitos visuais e os filmes com [>1m] mais de um milhão de espectadores por ano. Fontes: Academia Brasileira do Cinema (2013a, 2013b, 2012a, 2012b, 2011a, 2011b, 2010a, 2010b, 2009); ANCINE (2014, 2013, 2012a, 2012b, 2011, 2010, 2009) Em 2009, o vencedor de efeitos visuais foi Ensaio Sobre a Cegueira (Fernando Meirelles, 2008), uma adaptação de José Saramago sobre a vida urbana sob uma inexplicável epidemia de cegueira aparentada com as temáticas do gênero de ficção científica que alcançou 892.272 espectadores nas salas (ANCINE, 2009). Mas o indicado que o superou em bilheteria foi Meu Nome não é Johnny, drama biográfico sobre um jovem que transita do consumo de drogas ao tráfico mesclando gêneros de drama, comédia e crime que vendeu 2.099.294 ingressos (ANCINE, 2009). 5
O vencedor de efeitos visuais de 2010 foi Besouro (João Daniel Tikhomiroff, 2009), um filme de inspiração biográfica sobre um capoeirista que enfrenta o racismo e os legados da cultura escravagista com suas habilidades físicas sobre-humanas que alcançou 481.381 espectadores em salas (ANCINE, 2010). Foi superado na bilheteria pelo finalista Se Eu Fosse Você 2, comédia farsesca sobre a troca de corpos estrelado por Tony Ramos e Glória Pires que levou 6.112.851 espectadores aos cinemas (ANCINE, 2010). Por fim, em 2013, Dois Coelhos (Afonso Poyart, 2012) venceu o prêmio de efeitos visuais ao ilustrar a juventude urbana do irônico protagonista que se aproxima do crime com diversas técnicas de animação e design gráfico, alcançando 336.460 espectadores (ANCINE, 2013), sendo superado nas bilheterias pela biografia de Luís Gonzaga e sua relação com Gonzaguinha que atingiu 1.457.988 no mesmo período. Discussão temática das motivações narrativas Uma vez que as evidências discutidas anteriormente apontam para o predomínio de características narrativas sobre os efeitos visuais como força de atração das plateias aos filmes brasileiros, questionamos também quais temáticas se utilizam de efeitos visuais de maneira recorrente no corpus de oito filmes escolhidos. Buscamos as compreender quais demandas trazidas pelas narrativas ganham apoio dos efeitos visuais no cinema nacional. A partir de uma revisão dos filmes e de suas sinopses oficiais propomos as seguintes categorias: deslocamento temporal (o filme se passa total ou parcialmente em uma época significativamente diferente 4 do tempo presente de sua rodagem), religiosidade (as manifestações de fé são explicitadas visualmente), sobrenatural/fantasia (os personagens demonstram algum contato com forças ou propriedades sobrenaturais ou o personagem visita espaços ou situações imaginárias onde os laços de causa e consequência da narrativa não são conduzidos baseados em um viés realista), ação/violência (cenas baseadas em ações e conflitos físicos) e vinhetas e gráficos (parte da informação visual, progressão narrativa 4 A diferença aqui é na distância cronológica entre o tempo presente da realização e o tempo narrativo. Em Bruna Surfistinha, por exemplo, a história começa alguns anos antes do tempo presente, mas a caracterização do período é feita com detalhes de direção de arte sem necessitar de efeitos visuais. Nosso Lar ou Gonzaga de pai para filho se passam décadas antes do momento de sua captação, e a caracterização destes períodos mais distantes pode se beneficiar de efeitos visuais ao apagar de cenários elementos mais contemporâneos. 6
ou representações é conduzido por elementos gráficos ou colagens de imagens), detalhado na tabela 02. O corpus de pesquisa apresenta algumas peculiaridades nos gêneros dos filmes: dos oito filmes, quatro são cinebiografias (Meu Nome Não é Johnny, Chico Xavier, Bruna Surfistinha e Gonzaga); duas são comédias românticas com um toque de sobrenatural (Se eu fosse você 2 e O Homem do Futuro) um é um filme de temática espírita (Nosso Lar) e um é um thriller sócio-policial (Tropa de Elite 2). Esta delimitação de gêneros já define parte dos usos possíveis dos efeitos visuais. Filme Deslocamento temporal Religiosidade Sobrenatural / Fantasia Ação / Violência Vinhetas e gráficos Meu Nome Não é Johnny (2008) Se eu Fosse Você 2 (2009) Tropa de Elite 2 (2010) Chico Xavier (2010) Nosso Lar (2010) O Homem do Futuro (2011) Bruna Surfistinha (2011) Gonzaga de pai para filho ( 2012) Tabela 02: Temáticas narrativas que motivam a presença de efeitos visuais nos filmes observados. Fonte: o autor. As cinebiografias guardam em sua estrutura uma promessa de proximidade com os fatos mostrados da vida do biografado, um grau de realismo esperado pelas plateias (Pinel, 2000). A essência deste realismo reside na crença depositada que o objeto representado 7
existe de forma semelhante para além da representação. Fiske (1983) afirma que isto envolve o uso de dispositivos de representação e que a comparação entre o que é realista e o que não é depende do conhecimento do objeto, que é o árbitro da verdade na representação (FISKE, 1983, p.192). Desta maneira, e uma observação dos filmes confirma, nestes quatro títulos efeitos visuais são usados de maneira discreta e transparente à narrativa sem perturbar este regime de representação. Figura 01 - Frames selecionados de uma versão preliminar de Bruna Surfistinha, indicando o uso de efeitos visuais como complementos de arte às cenas originais ou tratamento de closes e detalhes. Fonte: Disponível online no endereço https://www.youtube.com/watch?v=l0ztrgy2 s, acessado em 13/07/2014. Na figura 01, uma versão preliminar do filme Bruna Surfistinha que foi circulado na internet antes da estreia nas salas de cinema serve para ilustrar o regime de verosilhança esperado dos efeitos visuais em cinebiografias. Ali os complementos na pós-produção estão situados principalmente nos conteúdos das telas dos computadores, em vinhetas de aceleração do tempo onde vemos o progresso da protagonista em suas postagens online e em poucos planos que indicavam um tratamento diferenciado da imagem. As duas comédias românticas com toques de sobrenatural utilizam os efeitos visuais de maneira semelhante. Se eu Fosse Você 2 pontua o início do processo com uma vinheta de alinhamento planetário, um pretexto para as ações cômicas de seu elenco que pouco 8
dependem de efeitos visuais para provocarem risos. O Homem do Futuro incorpora os efeitos visuais de maneira mais evidente, os utilizando tanto para explicitar o funcionamento das tecnologias de viagem no tempo quanto para mostrar consequências das mudanças realizadas na história. Em ambos filmes os efeitos visuais servem para firmar um acordo com o espectador: a partir de sua presença nas telas as plateias deveriam aceitar o fantástico como algo possível, abrindo espaço a partir dali para o desenvolvimento da história e a química do elenco. Mais uma vez, o filme que incorporou mais espetáculo visual alcançou aproximadamente cinco vezes menos espectadores do que o outro: a presença de efeitos não é garantia de assiduidade dos espectadores. Tropa de Elite 2 utiliza os efeitos visuais de três modos: um modo transparente, naturalizado no desenrolar das cenas, um que tem o propósito de amplificar a intensidade sensorial das ações e outro que afasta o espectador, revelando a ilusão. Naturalizadas estão todas as aplicações de vídeos nas telas de monitores e televisores, diagramas em telas de computadores e demais tratamentos de imagem no limiar da percepção dos espectadores. Mais explícitos são os tiros das armas de fogo, cujas faíscas são ampliadas na pós-produção e complementos em cenas de enfrentamento físico entre os personagens. O uso irônico, que revela ao espectador a estrutura do truque, reside no programa sensacionalista de televisão Mira Geral, apresentado por Fortunato (André Mattos). O cenário do programa conta com paredes verdes (preparadas para o recorte de imagem por cor) e fotos ampliadas, prática corrente em direção de arte para a televisão. Ao apresentar o bastidor do efeito à plateia o filme de José Padilha também se posiciona a respeito de onde está a falsidade e onde está a verdade na trama, convidando o espectador a se alinhar com os efeitos discretos. O filme ainda ironiza a qualidade de produção deste tipo de programa na televisão, reunindo o exagero e o histrionismo do personagem Fortunato com o mau gosto envolvido. Por fim, o filme Nosso Lar se apresenta como o filme brasileiro utiliza efeitos visuais de maneira mais próxima aos blockbusters internacionais. Ao fazer imagem tanto do limbo quanto da cidade espírita descrita por Chico Xavier ele atende às demandas da narrativa com o propósito de impressionar suas plateias, o que está explícito em seu pressbook: 9
Com uma direção de arte grandiosa e efeitos especiais jamais vistos em produções locais, o filme leva às telas a mais importante obra do médium mineiro Chico Xavier que, através de relatos do espírito do médico André Luiz, descreve em detalhes a vida em 'Nosso Lar' (NOSSO LAR O FILME, 2011, p.3). O que separa Nosso Lar das cidades extraterrenas dos filmes de grande circulação é, mais do que as técnicas de efeitos visuais utilizadas, a ética e preceitos do espiritismo que são a base da narrativa. Se em um filme internacional possivelmente a cidade-efeito seria o sítio de guerras e combates, Nosso Lar é o refúgio para longe da violência, lugar para evoluir espiritualmente segundo a doutrina que define a história e tem grande número de fiéis no país. Considerações finais A pesquisa aponta que efeitos visuais claramente não conquistam sozinhos a atenção e o investimento das plateias brasileiras para assistir a filmes brasileiros em salas de cinema. Isto fica evidente nos prêmios de 2009, 2010 e 2013 onde a distinção da academia e a bilheteria não se alinham e as plateias preferem filmes de gêneros mais acessíveis como a comédia, as cinebiografias ou a mescla de gêneros (como no caso de Meu Nome Não é Johnny) onde a aplicação dos efeitos visuais tende a ser mais discreta. No entanto tampouco podemos entender o uso de efeitos visuais como um fator que espanta as plateias nacionais, uma vez que nenhum dos vencedores da categoria teve uma bilheteria que poderia ser considerada inexpressiva e os mesmos relatórios da Ancine apontam que o sucesso de blockbusters internacionais nas salas brasileiras permanece ano a ano. Filmes mais ousados em seus efeitos visuais como Dois Coelhos ou Besouro se afastam das temáticas de apelo massivo e as circulam menos em salas de cinema, continuando a encontrar seu público em outras janelas de exibição fora do escopo deste artigo. Os anos de 2011 e 2012 são o momento onde ocorre um alinhamento das temáticas narrativas de apelo massivo às plateias brasileiras com recursos técnico-tecnológicos em ambos os filmes. Embora tanto em Nosso Lar quanto em O Homem do Futuro os efeitos visuais sejam evidentes ao espectador e parte inerente do apelo de venda dos filmes, destacamos que o primeiro é uma adaptação da série de livros de grande sucesso com temática espírita do médium Chico Xavier e o segundo uma comédia romântica mesclada 10
com um pastiche de ficção científica, apelos à numerosa comunidade espírita do país e ao gênero de diálogo fácil. Estas considerações sustentam aquelas encontradas em Tietzmann (2011) sugerindo que o caminho principal dos efeitos visuais no cinema brasileiro continua sendo aquele que busca um naturalismo na imagem. Mesmo quando há a necessidade ou a intenção de dar mais destaque aos efeitos, isto não repercutirá com as plateias a menos que a narrativa que os motiva também tenha forte apelo popular. Ação e violência no cinema nacional somente são aceitas se guardarem uma proximidade com o cotidiano exterior às telas, especialmente em um contexto urbano de descrédito das instituições e corrupção. Isto situa o cinema nacional com um registro de uso de efeitos visuais distinto do cinema internacional especialmente norte-americano onde é frequente o espetáculo se destacar mais que a densidade narrativa e as temáticas que mais evidenciam as realizações técnicas de pós-produção girarem em torno de ação, aventura ou violência. REFERÊNCIAS Bibliográficas AUMONT, J.; MARIE, M. Análisis del film. Barcelona : Paidós, 1990., Dicionário técnico e crítico de cinema (segunda edição). Campinas : Papyrus Editora, 2006. CHONDROS, T. G. "Deus Ex-Machina" Reconstruction and Dynamics. em International Symposium on History of Machines and Mechanisms. Proceedings HMM2004. Springer, 2004. CLARKE, G. The Photograph. Nova Iorque : Oxford University Press, 1997. FIELDING, R. Techniques of Special Effects Cinematography. Boston : Focal Press, 1985. FISKE, J. (et al). Key Concepts in Communication. London : Methuen, 1983. GOULEKAS, K. E. Visual Effects in a Digital World. London : Morgan Kaufmann, 2001. HILL, J. & GIBSON, P. C. (ed.). The Oxford Guide to Film Studies. Oxford: Oxford University Press, 1998. JULLIER, L.; MARIE, M. Lire Les Images de Cinéma. Paris : Larousse, 2007. KATZ, E. The Film Encyclopedia (3rd Edition). Nova Iorque : Perennial; 1998. MITCHELL, A.J. Visual Effects for Film and Television. Oxford: Focal Press, 2004. NETZLEY, P. D. Encyclopedia of Movie Special Effects. Phoenix : Oryx Press, 2000. PINEL,V. Ecoles Genres Et Mouvements Au Cinema. Paris : Larousse, 2000. PINTEAU, P. Special Effects: an oral history. Nova Iorque : Harry N. Abrams, 2004. REHM, R. Greek Tragic Theatre. Londres : Routledge, 1994. RICKITT, R. Special Effects, the history and the technique. Nova Iorque : Billboard Books, 2000. 11
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