NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA

Documentos relacionados
ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968

Populismo II e Regime Militar I. História C Aula 13 Prof. Thiago

9º ano Fênix Caderno 3 Continuação História RAFA NORONHA = ]

DO REGIME MILITAR A NOVA REPÚBLICA

DITADURA CIVIL MILITAR ( )

HISTÓRIA. História do Brasil. República Autoritária a 1984 Parte 1. Profª. Eulállia Ferreira

A cultura durante a ditadura militar

5 Direitos, cidadania e

Revisão IV Brasil República

XXII. A República dos Generais I

Eurico Gaspar Dutra ( ): Getúlio Vargas ( ): Jucelino Kubitschek ( ): Jânio Quadros (1961): João Goulart ( ):

Teoria da Constituição Prof.ª Helena de Souza Rocha

DITADURA MILITAR ( ) PARTE I. Prof. Cristiano Campos

TOTALITARISMO AUTORITARISMO

XIX. A República Populista

DIREITO CONSTITUCIONAL

O fim da. Quarta República. e o golpe civil-militar

CONSTITUIÇÃO DE 1934

REGIME MILITAR ( ) Dormia a nossa Pátria mãe tão distraída. Sem perceber que era subtraída. Em tenebrosas transações.

JÂNIO QUADROS (1961): Sem base partidária: Teatral, contraditório, apresentava-se como a renovação política. Apoio da UDN UDN de porre

Instituições de Direito Profª Mestre Ideli Raimundo Di Tizio p 49

Era Vargas. Do Governo Provisório ao Estado Novo

A cultura durante a ditadura militar

Exercícios de Ditadura Militar: do golpe a Castelo Branco

INTEIRATIVIDADE FINAL CONTEÚDO E HABILIDADES DINÂMICA LOCAL INTERATIVA. AULA 11.1 Conteúdo: Anos 60 e Golpe Militar no Brasil

DO REGIME MILITAR A NOVA REPÚBLICA

Resistência à Ditadura Militar. Política, Cultura e Movimentos Sociais

BANCO DE ATIVIDADES Presente História 5 ano - 4 bimestre Avaliação

Ditadura Militar no Brasil

Imagem: Propaganda do Estado Novo (Brasil) / desconhecido / Creative Commons CC0 1.0 Universal. Public Domain Dedication

prefeitos das capitais, Os futuros governadores seriam submetidos à aprovação das Os futuros prefeitos seriam indicados pelos governadores.

2017 AULA 06 - DIREITO CONSTITUCIONAL I AS 7 CONSTITUIÇÕES DO BRASIL

Disciplina: História. Período: I. Professor (a): Liliane Cristina de Oliveira Vieira e Maria Aparecida Holanda Veloso

História 5 o ano Unidade 7

Democracia e Sistema Eleitoral Brasileiro

República Populista ( ) Profª Ms. Ariane Pereira

HISTÓRIA. História da América Latina Guerra Fria e as Ditaduras Militares Parte 4. Profª. Eulália Ferreira

Brasil: os anos mais repressivos do

TRE/RN CICLO DE PALESTRAS

Cotas para mulheres?

TURMA FDV BREVE ANÁLISE DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS. Professor Davidson Abdulah

Projeto Memória do Parlamento Brasileiro

Direito Constitucional Aspectos Gerais

Capítulo. A ditadura militar no Brasil

Jimboê. História. Avaliação. Projeto. 5 o ano. 2 o bimestre

Constituição Brasileira Completa 30 Anos

Programa de Recuperação Paralela

Análise de Cenários Políticos e Econômicos

Uma Comuna na América Latina

TESTE DE AVALIAÇÃO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA DE PORTUGAL

Jornalista e político brasileiro Carlos Lacerda

As propostas da Reforma Política que pode ser votada na Câmara em abril

Cenário Político e Eleitoral Perspectivas para o novo governo e novo Congresso Nacional

ARTES 9 ANO PROF.ª GABRIELA DACIO PROF.ª ARLENE CALIRI ENSINO FUNDAMENTAL

Modulo 11 - Brasil. Prof. Alan Carlos Ghedini

DISCIPLINA: TÓPICOS EM HISTÓRIA DO BRASIL:

Eleições 2018 e o Movimento Sindical Brasileiro

Populismo no Brasil ( )

INFORME ESPECIAL ASSESSORIA PARLAMENTAR Nº 01

1. Observe a imagem a seguir:

DIREITO CONSTITUCIONAL

PRINCIPAIS ATRIBUIÇÕES

Cultura e política no Brasil: de Getúlio a Ditadura Militar

GOVERNOS POPULISTAS NA AMÉRICA LATINA

DIREITO ELEITORAL. Sistemas Eleitorais Sistema Majoritário e Sistema Proporcional. Prof. Roberto Moreira de Almeida

Arquivo Público do Estado lança exposição Povo, praça, participação: 30 anos das Diretas Já

Jogo. A Ditadura Militar e você, jovem, na história do Brasil!

Avaliação da unidade II Pontuação: 7,5 pontos

A O PAIS EM REVOLUÇÃO. Coordenação". J. M. BrandãoMe Brito. HT notícias editorial

HISTÓRIA - 2 o ANO MÓDULO 23 O GOVERNO CASTELO BRANCO ( )

História da América Latina

A redemocratização do Brasil: de 1985 aos dias de hoje

Resumo das propostas de reforma política

Na ditadura não a respeito à divisão dos poderes (executivo, legislativo e judiciário). O ditador costuma exercer os três poderes.

50 ANOS DO GOLPE MILITAR

CURSO FORMAÇÃO CIDADÃ DEMOCRACIA REPRESENTATIVA. Victor Barau

ANÁLISE DA PESQUISA DE OPINIÃO SOBRE A REFORMA POLÍTICA

OS ANOS : A BOSSA, A DEMOCRACIA E O PAÍS SUBDESENVOLVIDO

BRASIL REPÚBLICA (1889 ) REPÚBLICA POPULISTA ( )

Para uma nova cultura política dos direitos humanos

Genoíno quer enquadrar bancada e evitar problemas

representantes do colunismo político no Brasil.

História 5 o ano Unidade 8

SISTEMA CONSTITUCIONAL DAS CRISES. Profa. Me. Érica Rios

mesa: Reforma Política e Democracia Emerson Urizzi Cervi UFPR 20/05/2015

Por José Antonio Moroni

Direito Constitucional

HISTÓRIA. Prova de 2 a Etapa SÓ ABRA QUANDO AUTORIZADO. FAÇA LETRA LEGÍVEL. Duração desta prova: TRÊS HORAS. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Era Vargas: Era Vargas: Estado Novo ( )

Aula 03 1B REVOLUÇÃO FRANCESA I

Direito Constitucional

Após o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, liderado pelo General Gomes da Costa, inicia-se a Ditadura Militar. Salazar é convidado para o governo.

SUMÁRIO NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS Capítulo 1

SUMÁRIO TEORIA DA CONSTITUIÇÃO Capítulo 1

Temas de redação / Atualidades Prof. Rodolfo Gracioli

Estado Novo Autor: Prof. Mário Rui

REPÚBLICA MILITAR BRASILEIRA ( )

POLÍTICA OPERÁRIA. Sigla: POLOP Doação: Eduardo Navarro Stotz Datas-limite:

7. Revolução francesa A PARTIR DA PÁGINA 38 ATÉ PÁGINA 47.

Módulo 13 - Brasil. Prof. Alan Carlos Ghedini

Transcrição:

17. NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA No espírito radicalizado da Guerra Fria, duas agendas políticas, à esquerda e à direita, disputavam para se transformar num projeto para o país e a disputa seguiu seu curso sem disposição e sem capacidade de se resolver dentro das regras democráticas. As forças civis e militares que planejavam a tomada do poder desde o colapso do segundo governo Vargas fizeram de tudo para inviabilizar o mandato de Jango. Já ao governo faltava habilidade de convencimento, um rumo claro e organização, e sobrava radicalismo às forças políticas que atuavam dentro e fora do Congresso Nacional. As reformas de base eram o ponto central do programa de Jango para enfrentar as desigualdades sociais e regionais e estimular o desenvolvimento do país. O movimento sindical, cada vez mais organizado e abrangente, exigia a reforma urbana e a melhoria das condições salariais. Os estudantes universitários e secundaristas, reunidos em grêmios e diretórios acadêmicos, haviam adquirido voz estridente e ativa nos debates políticos. As tensões sociais e os protestos no campo e na cidade se acirravam na esteira da radicalização ideológica. O Brasil vivia uma era de ouro na cultura erudita e popular: Guimarães Rosa, Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Ariano Suassuna e Clarice Lispector, mas também Tom Jobim e João Gilberto, Cinema Novo e Teatro de Arena. Em 31 de março de 1964, tropas do Exército baseadas em Minas Gerais se rebelaram contra o presidente. O regime democrático fundado pela Cons- NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA 105

17.1. Geisel, fotografia de Orlando Brito, maio de 1977. Coleção particular.* tituição de 1946 caiu no dia seguinte. João Goulart partiu para o exílio. Em 11 de abril, o general Castelo Branco foi eleito presidente da República por um Congresso Nacional mutilado. Quem estava nas listas de esquerdistas e comunistas e não conseguiu fugir para o exterior foi preso ou teve que se esconder. Dezenas de milhares de detenções, cassações, demissões e torturas foram registradas antes do final do ano. Começavam duas décadas de ditadura militar. Foram 21 anos de ditadura. A política partidária e parlamentar ficou restrita a dois partidos: a Arena, agremiação oficial, e o mdb, a oposição que os militares imaginavam que se comportaria apenas como a oposição consentida pelo governo e, nesse caso, estavam enganados. Embora o pib tenha se multiplicado com o milagre econômico implementado pela mão de ferro dos militares e seus burocratas, e apesar da milionária propaganda ufanista, as desigualdades sociais se acirraram num país repartido entre regiões avançadas e regiões muitíssimo atrasadas onde havia fome, miséria absoluta, baixa expectativa de vida e alta taxa de mortalidade infantil. A violação sistemática dos direitos humanos de opositores e dissidentes foi executada por uma máquina estatal de extermínio construída pelos militares. Por outro lado, surgiram vários focos de oposição direta ao governo dos militares estudantes, religiosos, artistas, intelectuais, organizações de esquerda armada. Uma parte do mundo da cultura inventou estratégias para resistir: na canção popular, no teatro, na literatura, no cinema, nas artes plásticas. * As legendas interpretativas das autoras estão no final deste capítulo. 106 CADERNO DE ATIVIDADES

ATIVIDADES PROPOSTAS 17.2. João Goulart em Campina Grande (PB), fotografia de autor desconhecido, 1962. 1. João Goulart, popularmente conhecido como Jango, foi o herdeiro político de Vargas. Tinha um projeto de reformas para o país de viés distributivo de renda e vocação socialmente inclusiva. Mas a instabilidade política e administrativa do seu governo era grande. Havia paralisia decisória no Executivo, ausência de uma sólida maioria parlamentar e radicalização das forças políticas. Também se consolidara uma frente de oposição ao governo, com capacidade de mobilização e composição social heterogênea. Com base na leitura do capítulo, solicite aos alunos as seguintes atividades: a. Comentar o percurso político de Jango desde a renúncia de Jânio Quadros até sua posse como presidente. Destacar as alterações, adaptações e oposições formadas no período; b. Tendo em mente as reformas de base, comentar os fatores que levaram ao golpe militar de 1964. 2. Leia com os alunos o trecho do ato institucional n o 1, de 1964 (disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-01-64.htm>): [ ] É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir ao Brasil uma nova perspectiva sobre seu futuro. O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. A partir desse texto e da leitura do capítulo, peça aos alunos que diferenciem os termos revolução e golpe. Em seguida, solicite que tracem um panorama do desenvolvi- NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA 107

mento da economia no Brasil no período da ditadura militar e, com base nele, verifiquem se é possível afirmar se houve ou não crescimento econômico. 3. A imagem 17.1. (imagem 120 do livro) mostra um general, presidente do Brasil durante a ditadura militar, sob a grandeza de uma bandeira que parece estar de luto. Proponha aos alunos as seguintes atividades: a. Comentar os artifícios de publicidade que foram utilizados pelo governo militar ao longo da ditadura; b. Diversos movimentos políticos tentaram se opor à ditadura. Um exemplo é a iniciativa de Lacerda e a Frente Ampla. Comentar o significado desse grupo e seus planos, procurando explicar a participação dos seus integrantes. 4. Leia com os alunos o trecho do ato institucional n o 5, de 1968 (disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm>): considerando que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria (Preâmbulo do ato institucional n o 1, de 9 de abril de 1964); [ ] Art. 2 o O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por ato complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República. 1 o Decretado o recesso parlamentar, o poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios. 2 o Durante o período de recesso, os senadores, os deputados federais, estaduais e os vereadores só perceberão a parte fixa dos seus subsídios. [ ] Art. 5 o A suspensão dos direitos políticos, com base neste ato, importa, simultaneamente, em: I cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; 108 CADERNO DE ATIVIDADES

III proibição de atividades ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de frequentar determinados lugares; c) domicílio determinado. O ai-5 era uma ferramenta de intimidação pelo medo, não tinha prazo de vigência e seria empregado pela ditadura contra a oposição e a discordância. Depois da leitura do capítulo e do trecho acima, proponha uma discussão com a turma a partir da pergunta: em que medida as regras do jogo mudaram e pioraram com esse ato? 5. Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Caetano Veloso e tantos outros fizeram parte de uma geração genial de cantores e intérpretes do Brasil. Há também uma série de teatrólogos, artistas plásticos e cineastas que se opuseram frontalmente ao novo regime. Como a censura procurava suprimir qualquer tipo de contestação produzida no campo da cultura, do pensamento e das ideias, muito do que disseram, pintaram ou cantaram representava uma estratégia para criticar a ditadura e burlar a censura. Proponha à turma as atividades a seguir: a. O engajamento nas formas de resistência política alterou radicalmente o destino de diversos artistas, e o exílio mostrou-se necessário. Comentar diferentes trajetórias de artistas brasileiros, mostrando como a vida deles foi alterada nesses contextos; b. Escolher uma canção do período e analisar sua letra, justificando a escolha e comentando as possíveis relações do documento com o período; c. Selecionar um trabalho de artes plásticas criado na época e comentá-lo à luz do contexto da ditadura. LEGENDAS INTERPRETATIVAS DAS AUTORAS 17.1. A composição da imagem provavelmente resultou da combinação entre experiência profissional e um bocado de sorte do fotógrafo Orlando Brito. A clássica imagem do governante em estilo triunfal foi invertida, e o mais imperial dos generais que exerceram a Presidência da República, Ernesto Geisel, virou um pequeno detalhe diante do tamanho colossal da bandeira brasileira. Numa projeção de luz, porém, a sombra ao fundo trajou de luto a bandeira e, numa fração de segundo, escancarou uma janela de interpretação para a realidade do país. 17.2. João Goulart, conhecido popularmente como Jango, foi o 24º- presidente brasileiro, e seu mandato durou de 1961 a 1964. Até vestir a faixa presidencial, Jango e seus aliados enfrentaram momentos de tensão. No dia 28 de agosto de 1961, ele foi impassível no telefonema que deu ao deputado San Tiago Dantas: Dentro de 24 horas estarei no Brasil para assumir o governo do país, ou morrer lutando. Tomou posse sob protestos da oposição, e foi deposto pelo golpe de 1964. NO FIO DA NAVALHA: DITADURA, OPOSIÇÃO E RESISTÊNCIA 109