Título: Solidão do ser falante. Autor: Laure Naveau psicanalista, AME da ACF, NLS e AMP

Documentos relacionados
AMOR SEM LIMITES: SOBRE A DEVASTAÇÃO NA RELAÇÃO MÃE E FILHA E NA PARCERIA AMOROSA

O amor e a mulher. Segundo Lacan o papel do amor é precioso: Daniela Goulart Pestana

Latusa digital N 10 ano 1 outubro de 2004

O gozo, o sentido e o signo de amor

As Implicações do Co Leito entre Pais e Filhos para a Resolução do Complexo de Édipo. Sandra Freiberger

Referências Bibliográficas

A devastação: uma singularidade feminina

O falo, o amor ao pai, o silêncio. no real Gresiela Nunes da Rosa

O OBJETO A E SUA CONSTRUÇÃO

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais - Almanaque On-line n 18

Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais - Almanaque On-line n 20

6 Referências bibliográficas

Referências bibliográficas

Sofrimento e dor no autismo: quem sente?

Um tipo particular de escolha de objeto nas mulheres

Histeria sem ao-menos-um

A INCOMPREENSÃO DA MATEMÁTICA É UM SINTOMA?

O estatuto do corpo no transexualismo

Latusa Digital ano 1 N 8 agosto de 2004

PERÍODO EDIPIANO. Salomé Vieira Santos. Psicologia Dinâmica do Desenvolvimento

Amor e precipitação: um retorno à história de Sidonie C., a paciente homossexual de Freud

Potlatch amoroso : outra versão para o masoquismo feminino Graciela Bessa

A dor no feminino: reflexões sobre a condição da mulher na contemporaneidade

ALIENAÇÃO E SEPARAÇÃO. Mical Marcelino Margarete Pauletto Renata Costa

FREUD E LACAN NA CLÍNICA DE 2009

ISSO NÃO ME FALA MAIS NADA! 1 (Sobre a posição do analista na direção da cura)

A constituição do sujeito e a análise

Um rastro no mundo: as voltas da demanda 1

O AMOR, O FEMININO E A ESCRITA. Valdelice Nascimento de França Ribeiro Maria Aimée Laupman Ferraz Ana Maria Medeiros da Costa O AMOR EM FREUD

PSICANÁLISE COM CRIANÇAS: TRANSFERÊNCIA E ENTRADA EM ANÁLISE. psicanálise com crianças, sustentam um tempo lógico, o tempo do inconsciente de fazer

DO MAIS AINDA DA ESCRITA 1

AMOR ÓDIO DEVASTAÇÃO NA RELAÇÃO MÃE E FILHA

Sexualidade na infância. Suas etapas e definições

A interpretação e suas ressonâncias. de uma adolescente 1 Alejandro Reinoso 2

UM RASTRO NO MUNDO: AS VOLTAS DA DEMANDA 1 Maria Lia Avelar da Fonte 2

Como a análise pode permitir o encontro com o amor pleno

NOME DO PAI E REAL. Jacques Laberge 1

6 Referências bibliográficas

Quando dar à castração outra articulação que não a anedótica? 1

NA PSICOSE. LACAN: na clínica das psicoses e no que tem em comum com a clínica da sexualidade feminina.

O amor de transferência ou o que se pode escrever de uma análise

5 Referências bibliográficas

NOME PRÓPRIO - EM NOME DO PAI

A Função Paterna. Falo. Criança. Mãe. Tríade Imaginária

7. Referências Bibliográficas

Incurável. Celso Rennó Lima

Palavras-chave: adolescência, contemporâneo, sexualidade, enigma, fantasma.

Resumo de Monografia de Conclusão do Curso de Graduação em Psicologia, do Departamento de Humanidades e Educação da UNIJUÍ 2

Nome-do-Pai. Integrantes: Eugénia de Jesus da Neves Francisca Maria Soares dos Reis (11/05/2010)

CDD: CDU:

Quando o ideal de amor faz sintoma Sônia Vicente

CARLOS INTERROGA AO ANALISTA: COMO DAR VOZ AO DESEJO? capacidade de simbolização, de historicização, de representação. A reativação do complexo

Latusa digital ano 4 N 30 setembro de 2007

O real escapou da natureza

A FUNÇÃO DO DESEJO NA APRENDIZAGEM. Freud nos ensina no texto Três ensaios sobre a sexualidade (1905/2006) que a

Amor no feminino. Ciça Vallerio. Homens e mulheres têm suas particularidades na maneira de lidar com esse sentimento tão desejado

A ANGÚSTIA E A ADOLESCÊNCIA: UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA 1

O estudo teórico na formação do psicanalista Uma lógica que não é a da. identificação 1

Drogas no sócio educativo: um alívio para a internação

De Freud a Lacan: um passo de saber sobre as mulheres!

Latusa digital ano 2 N 13 abril de 2005

MULHERES MASTECTOMIZADAS: UM OLHAR PSICANALÍTICO. Sara Guimarães Nunes 1

Vingança pornô, versão atualizada. degradação da vida amorosa? 1 Patricia Badari

AUSÊNCIA PATERNA E O IMPACTO NA MENTE DA CRIANÇA. Psicanalista - Membro da CSP - ABENEPI RJ Especialista em Gestão Materno-Infantil

O FRACASSO ESCOLAR E SEUS IMPASSES 1 THE SCHOOL FAILURE AND ITS IMPASSES. Mara Carine Cardoso Lima 2, Tais Cervi 3

Título: Histeria e manifestações na música contemporânea. Este trabalho tem um interesse particular no aspecto da histeria que a

Amar demais: um destino inevitável na sexuação feminina?

Latusa digital ano 3 Nº 26 dezembro de 2006

O Fenômeno Psicossomático (FPS) não é o signo do amor 1

6 - Referências Bibliográficas

Curso 2017: Os gozos na teoria e na clínica psicanalíticas. Aula 4 (28/9/2017)

Amar uma questão feminina de ser

O período de latência e a cultura contemporânea

8 Referências bibliográficas

DIMENSÕES PSÍQUICAS DO USO DE MEDICAMENTOS 1. Jacson Fantinelli Dos Santos 2, Tânia Maria De Souza 3.

Latusa digital N 12 ano 2 março de Sinthoma e fantasia fundamental. Stella Jimenez *

O sintoma da criança: produção. desejo e de gozo 1

ANEXO 1- Teste do Desenho da Família

A política do sintoma na clínica da saúde mental: aplicações para o semblante-analista Paula Borsoi

O MANEJO DA TRANSFERÊNCIA NA PSICOSE: O SECRETÁRIO DO ALIENADO E SUAS IMPLICAÇÕES

QUE AMOR NA TRANSFERÊNCIA? Ana Paula de Aguiar Barcellos 1

O real no tratamento analítico. Maria do Carmo Dias Batista Antonia Claudete A. L. Prado

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM TEORIA PSICANALÍTICA Deptº de Psicologia / Fafich - UFMG

Do sintoma ao sinthoma: uma via para pensar a mãe, a mulher e a criança na clínica atual Laura Fangmann

O PAI NA PSICANÁLISE ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PSICOSES

O ATO PSICANALÍTICO NO CAMPO DO GOZO. verificação e comprovação. Sendo esse o tema de nosso projeto de mestrado,

Latusa digital ano 3 N 22 maio de 2006

AH, O AMOR! IMPLICAÇÕES PSICANALÍTICAS RELATIVAS AO DESENVOLVIMENTO DA RELAÇÃO DE CIÚMES NO GÊNERO FEMININO

Os desdobramentos do gozo feminino na vida amorosa

SUBLIMAÇÃO E FEMINILIDADE: UMA LEITURA DA TRAGÉDIA ANTIGONA DE SÓFOCLES

Chamado à publicação em Amigos do Enapol: atividades de maio e junho

Devastação, o que há de novo?

AS DUAS VERTENTES: SIGNIFICANTE E OBJETO a 1

A OPERAÇÃO DO DISCURSO ANALÍTICO

Curso de Extensão: LEITURAS DIRIGIDAS DA OBRA DE JACQUES LACAN/2014

PSICOLOGIA E DIREITOS HUMANOS: Formação, Atuação e Compromisso Social

Coordenador do Núcleo de Psicanálise e Medicina

Palavras-chave: Sintoma, fantasia, Nome-do-Pai, sinthoma, parceiro_sinthoma.

OS IMPASSES DO AMOR: FRAGMENTOS DE UM CASO CLÍNICO

O AMOR NA PSICOSE. fórmulas da sexuação, entre o homem e a mulher. Já na articulação amor / suplência 3 o sujeito

Transcrição:

Título: Solidão do ser falante Autor: Laure Naveau psicanalista, AME da ACF, NLS e AMP E-mail: laure.naveau@wanadoo.fr Resumo: A psicanálise coloca em cena um paradoxo: Não há relação entre os sexos, por um lado; por outro, há uma relação possível ao corpo, ao falo, ao sintoma, ao gozo. Esse designador da existência revela, entretanto, ao mesmo tempo, um impasse lógico, aquele da solidão. É a tese lacaniana congruente com a primeira: a relação ao gozo isola, o gozo que há sublinha a não relação ao parceiro. A solidão está em jogo. Saber como cada um supre essa ausência, com o amor, com a fantasia ou com o sintoma, é o que a autora aborda a partir do caso clínico de uma jovem. Palavras-chave: adolescência, feminino, tabu, solidão. Costuma-se dizer que a adolescência é uma passagem, um momento de conflito. Freud a nomeou puberdade, e Lacan a evocou em termos de real e de sonho. O poeta a chama de delicada transição, o psicanalista fala de malentendido, de despertar, de exílio, tentativas de nomear o que sobressai de um real que escapa às palavras e que pode levar a perder seu caminho. Acontece de um psicanalista ser chamado de passador do real da adolescência, e dessa inscrição em um outro discurso ter consequências. Há e não há A sexualidade não embaraça apenas os adolescentes, e se as coisas do sexo se tornaram mais acessíveis, se o discurso evoluiu pela suspensão do recalque, em que a psicanálise tem sua parte, o encontro com o outro sexo permanece um enigma: nenhuma resposta codificada convém, ele escapa a qualquer norma. O exílio é estrutural. O que se chama sexualidade é o que, para Lacan, faz um furo no real, e como ninguém escapa ileso, as pessoas não se preocupam com o assunto (LACAN, 2003, p. 558): é uma maneira de dizer que não há relação sexual. Ao incidirmos a ausência de relação sexual sobre o adolescente, colocamos o destaque sobre o tempo de incerteza identificatória que lhe é próprio, tempo em que a separação da criança ideal que ele teria sido está em jogo. O que está em causa é o que se pode dizer, ou não se dizer, do mal-entendido que habita aquele

que fala. O semblante do amor é a via que, com maior frequência, torna possível esse acordo entre os sexos. Mas se a sexualidade é causa de embaraço, o amor é um labirinto de mal-entendidos (MILLER, 2008). A psicanálise coloca, então, em cena, um paradoxo: Não há relação entre os sexos, por um lado; por outro, há uma relação possível ao corpo, ao falo, ao sintoma, ao gozo. Esse designador da existência revela, entretanto, ao mesmo tempo, um impasse lógico, aquele da solidão. É a tese lacaniana congruente com a primeira: a relação ao gozo isola, o gozo que há sublinha a não relação ao parceiro. A solidão está em jogo. Jacques Lacan destaca particularmente a solidão como parceira da mulher, sobre o fracasso da união entre homem e mulher, a partir do gozo: mesmo que se satisfaça a exigência do amor, o gozo que se tem de uma mulher a divide, fazendoa parceira de sua solidão, enquanto a união permanece na soleira (LACAN, 2008, p. 467). No Seminário A angústia, o gozo do homem e o da mulher não se conjugam (LACAN, 2005, p. 290), e, em Televisão, menção especial é feita sobre a maldição sobre o sexo (LACAN, 2003, p. 531), enunciada por Freud em O mal-estar na civilização. Não há nenhuma fórmula matemática ou científica para escrever a relação sexual, mas, na língua, fórmulas românticas como estava escrito ou foi fatal tentam cifrar o que é da ordem da contingência. Lacan dirá mesmo que essas fórmulas acentuam a dimensão de semblante, de mascarada, de parada sexual uma mulher só tem um testemunho de sua inserção na lei [fálica], [...], através do desejo do homem (LACAN, 2009, p. 65). O artifício do desejo do Outro dá sua inscrição ao sujeito. E, para o encontro, é preciso que uma mulher caia bem, diz Lacan, que ela caia sobre o homem que lhe fala segundo sua fantasia fundamental, própria a ela (LACAN, 1980, p. 16). Saber como cada um supre essa ausência, com o amor, com a fantasia pois, esta, pode se escrever em uma fórmula ou com o sintoma, é um dos pontos que está em jogo em uma análise. O feminino e o tabu O encontro de que se trata, no momento da adolescência, concerne o feminino na medida em que é a falta que está em jogo no feminino, o confronto ao que falta, para cada um dos dois sexos: o encontro amoroso não completa, mas descompleta, ele introduz a falta. Nessa perspectiva, é do lugar que um psicanalista poderá vir a ocupar em relação à falta que dependerá a possibilidade de ele se tornar ou não um parceiro que valha para um adolescente. No texto de Freud sobre o Tabu da virgindade (FREUD, 1987, p. 175-192), é a mulher, inteiramente, que é tabu para o homem. Originalmente, escreveu Freud, o tabu foi colocado pelo homem primitivo que teme um perigo. A mulher,

outra ao homem, estrangeira, incompreensível, é percebida por ele como inimiga. O homem teme ser enfraquecido pela mulher, contaminado pela feminilidade, e tem medo de se mostrar incapaz. O tabu é uma potência que se opõe ao amor pela mulher e que provoca um exílio entre os sexos. A psicanálise intuiu, diz Freud, que a atitude de rejeição narcísica, misturada de desprezo, do homem em relação à mulher, deve ser atribuído ao complexo de castração e a influência deste complexo no julgamento feito sobre a mulher (FREUD, 1987). A tese permanece válida ainda hoje, quando assistimos, no mundo inteiro, a um ódio real, religioso ou não, dirigido às mulheres. A outra face do tabu é a tendência da mulher de se defender de uma ferida narcísica que lhe seria infligida pela defloração. Ferida ou desprezo, a questão se situa por isso, entre valorização e desvalorização, entre agalma e palea, ou seja, do ponto de vista do valor. Lacan dirá também que a mulher, visto que se quer falar dela, on la dit-femme (LACAN, 1983, p. 114), fazendo equivocar o dizer sobre a mulher com a difamação. Na fase fálica da infância, descrita por Freud, existe apenas um órgão sexual válido: o falo. A novidade de Lacan é radical: o falo não é tanto um órgão anatômico real, mas, sim, um significante; o significante fálico que introduz uma função simbólica e lógica no inconsciente. O significante recoloca o véu do pudor sobre o órgão fálico desvelado por Freud, Aufhebung. O pudor é o afeto próprio à operação de simbolização, uma posição subjetiva em relação à função do falo que faz com que um homem e uma mulher não demandem e não desejem da mesma maneira. Apenas passando pelos desfiladeiros do significante, nos diz Lacan, a sexualidade se constitui. A questão é então deslocada: não se trata mais de ter ou não ter o falo, mas de ser ou não investido, falicizado, pelo Outro materno. No desenvolvimento ulterior da lógica lacaniana, se a captura do sujeito na linguagem implica que o sujeito apenas habita seu corpo se a linguagem lhe atribuir um, logo, o osso do embaraço sexual se situa na própria lalíngua, nisso que, da linguagem não pode se dizer, nisso que, da sexualidade, faz furo. É desse estofo que é tecida a infernal mordaça sobre a boca da Princesa de Clèves, tecido desse gozo que só pode ser dito entre as palavras e que deixa cada um em exílio. Aceitação de sua ferida, dizia Freud, de seu exílio próprio à linguagem prossegue Lacan, reinventando o falasser, o que, com efeito, estará implicado em uma análise.

Elise, a ferida e o exílio Há quinze anos, recebi uma menina de quatro anos que acabara de perder seu pai e que demandava ter um psicanalista. Ela tinha escutado falar bem da psicanálise em sua família e, por isso, o acesso lhe foi facilitado. A análise transcorreu em três ocasiões, durante sua tenra infância, até uma primeira solução do luto. Ela a retoma em sua adolescência. Colocada precocemente no trabalho do inconsciente, Elise soube localizar, tal como uma etnóloga, o lugar de esperança que fora colocada por seus pais, bem antes de seu nascimento, e também da desaparição de seu pai, na sequência de um drama vivido pelo casal. Ela ainda ocupava esse lugar de esperança, e de uma maneira redobrada para sua mãe, que ficou sozinha após a morte de seu marido e teve muita dificuldade em suportar isso. Ela pode ver, então, que faltava algo à sua mãe em função da desaparição de seu marido: ela não ficou preenchida por seus filhos e desejava outra coisa, para além deles. Elise constrói, então, o mito de uma vida que se tornou complicada em função da ausência de um pai amado, ferida inaugural da criança que o pai abandona. Mas ela aprendeu a dispensar isso e a se servir do que ele lhe havia transmitido seu amor bem como um uso inventivo e artístico do lápis, que ela pôde constituir como um ideal para atenuar os efeitos do abandono. Ela pode também, por algum tempo, mobilizar seu avô para acompanha-la às suas sessões após a escola, tornar-se a melhor aluna de sua sala e conseguir queixar-se de suas colegas, com propósitos que revigoravam cruelmente a perda paterna e, ao mesmo tempo, lhe davam um estatuto de exceção. Uma nova etapa iniciou-se em seguida para a criança transformada em jovem, e ela pediu para rever-me, por ocasião de sua entrada na adolescência, mais uma vez apoiada por sua mãe, que fazia análise e tinha encontrado um outro homem que contava para ela. A adolescência, logicamente, confrontava Elise ao encontro amoroso e a seu cortejo de mal-entendidos, assim como à rivalidade com as outras meninas. Em função da perda precoce de seu pai, que a levava sempre a não ter confiança em si mesma, ela procurava, nas sessões, o suporte fálico que lhe faltava, e a fazia perder o norte e hesitar em suas escolhas. Então, ela retoma a palavra para expor as dificuldades nas quais mergulhava em situações diversas de sua existência, que podemos resumir em três pontos: Junto à família de seu pai, que lhe lembrava sem cessar, e sem consideração, a perda do pai falecido, Elise não sabe como manter a distância necessária sem receio de feri-los.

Junto a seus amigos, que, a seu ver, parecem mais leves e mais à vontade do que ela própria com os semblantes na relação entre os sexos, ela descobre que sua relação precoce com a falta, que parecia fragilizá-la, lhe deu um pequeno mais : essa vontade de analisar e compreender as coisas de seu inconsciente. Junto a seu namorado, enfim, ela descobre que mantém uma relação fundada mais sobre a fraternidade que sobre a sexualidade, o que contribuía para criar um hiato entre eles. Ela decide se separar dele. Mais uma vez, então, Elise escolheu encontrar as palavras para tentar fazer de seu sintoma, de sua falta de confiança, algo que a ajudaria a crescer. Para se separar da expectativa e do olhar muito opressivo de seu entorno o de sua mãe, que continuava a contar com ela para reparar sua perda narcísica e para encontrar seu lugar no discurso, ela se empenhou a reencontrar o ponto onde as palavras haviam falhado em nomear a coisa nova à qual ela se encontrava confrontada, do lado do sexual. Decidindo conversar com seu namorado para retificar a relação que lhe pesava, na qual ela experimentava às vezes tédio e apreensão, Elise alivia o peso de sua angústia de decepcionar o outro, uma angústia persistente que ela reconhece como um traço de sua infância. Sua relação ao bem-dizer lhe permite suportar o olhar carregado de censura que ela percebia nesse namorado, em função de seu distanciamento dele. Pelo poder que ela dá ao fato de não ceder de seu desejo em sua enunciação, ela sai do luto e do medo do abandono do outro. Ela encontra sua língua, eu poderia dizer, e sua inibição em fazer ouvir sua voz baixinha para nomear o mal-entendido ao qual ela estava confrontada desaparece. Mas se ainda lhe é difícil separar-se da relação ideal que mantém com sua mãe, Elise está decidida a entrar para uma Escola de Artes aplicadas. Assim, ela espera tirar proveito de seus dons artísticos e de sua criatividade, heranças de seu pai, que lhe foram tardiamente reveladas, ao mesmo tempo em que garantia sua relação ao bem-dizer. O nome do pai é, assim, reestabelecido. Tradução: Cristina Drumond Revisão: Ana Lydia Santiago Bibliografia: FREUD, S (1917). O tabu da virgindade. In: Contribuições à psicologia do amor III (Vol. 11, 2ª. Ed.). Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1987. LACAN, Jacques. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003.

LACAN, J. "Prefácio a O despertar da primavera". In: Outros escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003. LACAN, J. "O aturdito". In: Outros escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2003. LACAN, Jacques. O Seminário, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2005, p. 290. LACAN, Jacques. O Seminário, livro 18 : De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 2009. LACAN, Jacques. "Le seminaire: D écolage 11 mars 1980, Ornicar? n. 20-21 Paris: Lyse. MILLER, J-A. La psychanalyse enseigne-t-elle quelque chose sur l amour? Psychologie magazine, n. 278, octobre 2008.