Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria



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GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina Estados Unidos e América Latina: o caso de Cuba no pós-guerra fria Isabella Duarte Pinto Meucci 1 Resumo: As interferências diretas dos Estados Unidos em Cuba foram iniciadas ainda nas guerras de independência. Posteriormente, a Revolução Cubana e a aproximação do país com o Bloco Socialista fizeram com que a política externa norte-americana se voltasse para um modelo de contenção, que tinha por objetivo reprimir o avanço do comunismo no hemisfério ocidental. Com o fim da Guerra Fria, a política externa dos Estados Unidos buscou um novo referencial para justificar suas intervenções no continente americano, principalmente em Cuba. A compreensão desse novo referencial é fundamental para que se possa entender a continuidade de políticas hostis em relação à Ilha, principalmente a manutenção formal do bloqueio econômico. Analisar a política externa norte-americana para com Cuba fornece, não apenas os mecanismos para a compreensão de tal referencial, como também o entendimento de como tais políticas estão voltadas para uma prática imperialista que se estende a todo o continente latinoamericano. Palavras-chave: Estados Unidos; Cuba; América Latina; política externa; imperialismo. A independência cubana e a interferência norte-americana Em 1898, após um período de trinta anos e duas guerras de independência, Cuba estava livre do domínio europeu, sendo a última colônia espanhola da América Latina a se emancipar. No entanto, ao status de colônia espanhola conferido a Cuba foi incorporada a dependência econômica para com os Estados Unidos (AYERBE, 2004, p.22). A presença norte-americana em Cuba já era constante, antes mesmo da Ilha se tornar independente do 1 Mestranda em Ciência Política na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Bacharel em Ciências Sociais pela mesma universidade. O presente artigo é resultado do Projeto de Iniciação Científica, intitulado Relações Cuba Estados Unidos: a política externa norte americana no pós- Guerra Fria, sob a orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto, com o financiamento do PIBIC, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no período compreendido entre 2010-2011. E-mail: isameucci@gmail.com GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 121

domínio espanhol. O país já havia passado à esfera de influência econômica dos interesses norte-americanos, que se voltavam para o açúcar, o minério de ferro, o tabaco e as ferrovias. Para Moniz Bandeira (1998), os interesses dos Estados Unidos eram diretos, não apenas relacionados ao açúcar e ao tabaco, mas também às questões estratégicas. A posse da Ilha era percebida como fundamental para a segurança das rotas no Golfo do México e para a defesa do canal que o governo norte-americano pretendia abrir no Panamá. O historiador Richard Gott (2004) declara que as sementes da intervenção norteamericana são ainda mais antigas. Em 1823 entrou em vigor a Doutrina Monroe, no governo de James Monroe (1817-1825). Por meio dessa doutrina, os Estados Unidos lançaram as bases de sua influência no continente americano antes mesmo de começarem seu envolvimento no sistema internacional (SANTOS, 2007). A Doutrina Monroe, que surgiu diante de ameaças de recolonização da América por parte das metrópoles européias, estendeu a garantia de segurança interna a todo o continente, preservando a excepcional República norte-americana e a segurança hemisférica. Em nome dessa suposta segurança, os Estados Unidos não só combateram potências e imperialismos rivais, como também formas de organizar a sociedade, a economia, a cultura e a política que não estivessem condizentes com os interesses e o modo de vida norte-americano. A Doutrina Monroe garantiu, assim, a América para os americanos, como almejaram os Estados Unidos, auxiliando nas guerras de independência do México, América Central e do Sul, e promovendo a emancipação política da América Latina. Em 1845, o Destino Manifesto associou-se à Doutrina Monroe, garantindo não só a América para os americanos, mas também colocando os Estados Unidos como únicos e legítimos protagonistas dessa ação. Para os norte-americanos, sua missão divina era civilizar regiões que não tiveram a mesma sorte que sua nação. Nesse sentido, essas duas doutrinas justificaram e impulsionaram a ação expansionista dos Estados Unidos na América Latina, principalmente após a consolidação de seu Estado moderno e de seu desenvolvimento econômico com o fim da Guerra de Secessão, em 1865. A Guerra Hispano-americana (1898), que culminou na emancipação de Cuba, Porto Rico, Guam e as Filipinas, representou a legitimação dessa política externa expansionista, proclamada muitos anos antes. Como parte da Guerra Hispano-americana, a intervenção dos Estados Unidos no desfecho da segunda guerra de independência cubana foi determinante para o resultado final do processo. Espanha e Estados Unidos põem-se de acordo para evitar que os representantes do povo cubano, que haviam lutado durante trinta anos, participassem da assinatura do GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 122

tratado, não sendo concedida aos mesmos qualquer participação no governo após a retirada das tropas espanholas. Segundo Moniz Bandeira, os Estados Unidos, ao assumirem o domínio sobre o espólio colonial da Espanha, revelaram o caráter imperialista de sua política, que se equiparou a de outras potências da Europa, àquela época, e assustou os povos da América Latina (MONIZ BANDEIRA, 1998, p.34). Posteriormente, o governo de Theodore Roosevelt (1901-1909) caracterizou a plena realização da política externa intervencionista norte-americana tanto em Cuba como no restante da América Latina através do Corolário Roosevelt, ou Big Stick. Por meio da garantia do direito de intervir nos assuntos internos e externos das repúblicas caribenhas e centroamericanas através da força, os Estados Unidos mantiveram as pressões sobre o governo cubano recém emancipado da Espanha (SCHILLING, 1984). Como reforço dessa política de intervenção, em 1901, aprovou-se a Emenda Platt, consolidando o domínio norte-americano sobre Cuba. Sob a ameaça de continuar ocupando militarmente a Ilha por um período indefinido, os Estados Unidos obrigaram Cuba a incorporar essa emenda como apêndice de sua primeira Constituição. Por meio desse apêndice, a Ilha aceitaria a tutela econômica e militar dos Estados Unidos, o que incluía o direito aos norte-americanos de instalar bases militares e portos em Cuba, além de concessões territoriais e privilégios econômicos que violavam a soberania política do país. Aprovada em 1901, a Emenda Platt vigorou até 1934, quando foi revogada no governo de F. Roosevelt (1933-1945) sob a Política da Boa Vizinhança. Durante esse período, o direito de intervenção garantido pela emenda aos Estados Unidos foi amplamente posto em prática, como demonstraram diversas intervenções, de 1906 a 1909, 1912 e de 1917 a 1923 (MORRONE, 2008). Para Gott (2004), essa emenda foi um dos documentos definidores da era imperial, perdurando por muito tempo mesmo depois de revogada. Os governos cubanos que sucederam o período pós-colonial estavam associados aos interesses norte-americanos, pois foram ocupados por altos setores da sociedade colonial, defensores de uma política de anexação. Segundo Sader (2001), Cuba passou a ser uma pseudo-república, além de uma neocolônia no plano econômico, tutelada pela presença dos Estados Unidos. Dessa forma, a situação de Cuba, desde o fim da dominação espanhola, era caracterizada por uma relação de dominação econômica, política, social e cultural com os Estados Unidos (SADER, 2001). Como observa Ayerbe (2004), a participação norteamericana no processo de independência cubano, frustrou expectativas de liberdade e soberania que alimentavam o movimento de independência desde o início. Para o autor a GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 123

desilusão com o desfecho, será fator essencial na formação de uma singular consciência nacionalista, que passa a reivindicar uma terceira guerra emancipatória, desta vez contra os Estados Unidos (AYERBE, 2004, p.25-6). O clima social tornou-se conturbado com o passar dos anos, exigindo regimes políticos cada vez mais duros e subservientes aos interesses das grandes empresas norteamericanas e a Washington. Em meio à violência, corrupção e intervenções militares, existia um clima de insatisfação de grandes parcelas populares que não haviam renunciado a seus objetivos de libertação nacional e que combatiam a submissão de Cuba ao poder norteamericano. Essa situação propiciou o surgimento de insatisfações internas e formação de grupos revolucionários que buscavam o fim da relação de submissão com os Estados Unidos. Em 1952, Fulgêncio Batista liderou um golpe militar, apoiado pelos Estados Unidos, que suspendeu a Constituição e lhe garantiu a presidência. Segundo Morrone (2008), o regime de Batista foi marcado pela corrupção no governo, pela violência da polícia, e principalmente, pela indiferença às necessidades básicas da população em relação à educação, habitação, saúde, justiça e progresso social. Enquanto isso, uma minoria, obviamente vinculada ao seu governo e aos capitais norte-americanos, era beneficiada e gozava de um alto nível de vida. Essa situação contrariou as expectativas da população, que esperava um governo que respondesse aos anseios sociais. Dessa forma, a postura ditatorial do regime de Batista deu margem à organização de movimentos de resistência, inaugurando um novo período para o movimento oposicionista. Iniciou-se, assim, a luta contra uma ditadura que favorecia os interesses norte-americanos. Em Sierra Maestra, com a incorporação e o apoio da população do campo, surgiu a força motora do novo movimento revolucionário, o Exército Rebelde, que agregava o antigo Movimento 26 de Julho e as novas forças incorporadas à luta. O novo movimento foi conduzido por Fidel Castro, seu irmão Raul Castro e Che Guevara. Os três comandaram as ações revolucionárias oriundas do campo que, em consonância com o fortalecimento dos movimentos das cidades, desenvolveram a ofensiva final contra Batista (MORRONE, 2008). Até março de 1958 os Estados Unidos apoiaram o regime de Batista econômica, política e militarmente. No entanto, quando perceberam o crescimento da insatisfação e a iminente força da guerrilha, passaram a promover uma política voltada para a saída de Batista com êxito, evitando assim uma revolução. Sem o apoio e o respaldo norte-americanos, e sob a ameaça do movimento revolucionário, em 31 de dezembro de 1958, Batista abandonou o poder e fugiu para República Dominicana. GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 124

O impacto da Revolução e o recrudescimento das relações Em 1º de janeiro de 1959, o movimento guerrilheiro conquistou poder. Fidel Castro foi nomeado primeiro ministro, e em seu discurso de posse declarou que naquele momento Cuba havia travado sua última batalha por independência e liberdade. O processo revolucionário, que derrubou Batista, retomou a trajetória dos movimentos por independência do século XIX, vinculando libertação nacional e social. A Revolução Cubana tornou-se uma grande preocupação para política externa dos Estados Unidos, visto que afetou suas relações históricas de interferência em Cuba, ao mesmo tempo em que representou um perigo para a hegemonia norte-americana no continente. O temor dos Estados Unidos era que o novo modelo adotado em Cuba pudesse ser visto pelos países do chamado Terceiro Mundo como uma via pacífica e não capitalista de desenvolvimento (MORLEY;MCGILLION, 2002). Dessa forma, à medida que a revolução se concretizava, através de mudanças estruturais e sociais, os Estados Unidos compreendiam que deveriam modificar suas ações em toda a América Latina para evitar que o mesmo ocorresse em outros países do continente. Administrações posteriores buscaram promover mudanças estruturais nos países latino-americanos para evitar que revoluções ocorressem, como foi o caso da Aliança para o Progresso, implantada no governo Kennedy (1961-1963). Ao mesmo tempo em que se modificou a política externa dos Estados Unidos em relação aos países latino-americanos, também se consolidaram intervenções e pressões que possibilitassem a derrubada do regime de Fidel Castro. A partir de 1960, a política de retaliação norte-americana pode ser vista de forma mais clara com o fim da administração Eisenhower (1953-1961) e as posteriores administrações de Kennedy e Johnson (AYERBE, 2002). As intervenções estavam voltadas tanto para uma derrubada do regime, através força, quanto por pressões econômicas que visavam enfraquecer as conquistas do novo governo. Durante os anos que se seguiram à Revolução, foram comuns os bombardeios da Ilha por aviões norte-americanos, o recrutamento de exilados a fim de desencadear ações paramilitares, a destruição de canaviais por meio de produtos químicos, além da recusa em comprar o açúcar cubano e a interrupção do abastecimento de petróleo. Segundo Sader (2001), todos esses fatores produziram uma rápida deterioração nas relações entre os dois governos. Em abril de 1961, o governo Kennedy promoveu a invasão do sul de Cuba, na chamada Baía dos Porcos. A ação foi organizada por grupos guerrilheiros de cubanos contra- GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 125

revolucionários treinados pela Central Intelligence Agency (CIA). O objetivo era derrotar militarmente o governo cubano e promover o fim da revolução. No entanto, esses guerrilheiros foram derrotados em três dias pelas forças cubanas e pela população. O governo Kennedy precisou assumir publicamente a responsabilidade pelo acontecimento, que foi organizado na surdina, como mais um ato de sabotagem e terrorismo do governo norteamericano em relação a Cuba. Do lado cubano, Fidel Castro pôde declarar que o imperialismo norte-americano havia sofrido sua primeira derrota na América (MONIZ BANDEIRA, 1998). De acordo com Sader (1985), o desenvolvimento desses acontecimentos compunha um quadro global de mudança histórica na Revolução Cubana. De um processo democrático radical de derrubada da ditadura de Batista e a implantação de um programa de democratização ampla da sociedade, ela passou a enfrentar a resistência de grandes empresas norte-americanas no país e dos setores da burguesia cubana ligadas a elas e do próprio governo dos Estados Unidos no plano externo. À medida que o governo revolucionário se afastava dos vínculos com o capitalismo norte-americano, a burguesia cubana deixava o país em direção a Miami, esperando que uma nova intervenção de Washington logo os recolocasse no desfrute de seus privilégios na Ilha. As pressões norte-americanas passaram a influenciar as relações de Cuba com os demais países do continente. Em 1962, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se viu obrigada pelos Estados Unidos a expulsar Cuba do organismo. Alegando que o regime revolucionário exportava a subversão para o restante do continente, a ação da OEA desencadeou uma sucessão de rupturas nas relações de governos latino-americanos com Cuba, com exceção do México. Para Sader (1985), essa medida teve repercussões internacionais, obrigando Cuba a aprofundar suas relações com países socialistas e com nações da Europa ocidental, como Espanha e Suécia. Além dos problemas nas relações externas, o bloqueio econômico e diplomático proposto por Washington em fevereiro de 1962, aumentou as dificuldades materiais na Ilha a fim de provocar uma crise de privações e insatisfação popular, acreditando que assim seria gerado um movimento interno contra a revolução. Outra modalidade da política externa norte-americana em relação a Cuba, como destaca Morrone (2008), estava relacionada à emigração. Os Estados Unidos se mantiveram como o principal receptor de emigrados cubanos, e desde os primeiros momentos os conceberam como base social da contra-revolução. Em 1963, o Presidente Kennedy acentuou esse estímulo em favor das saídas, anunciando que, os cubanos que chegassem aos Estados Unidos diretamente da Ilha, seriam recebidos como refugiados, enquanto que os que GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 126

procurassem entrar através de terceiros países seriam considerados estrangeiros e deveriam obedecer a todos os requisitos migratórios norte-americanos. Dessa forma, converteu-se o tema migratório em um componente constante no conflito histórico entre Cuba e Estados Unidos e, conseqüentemente, diferenciou os emigrados cubanos dos demais emigrados latinos, convertendo-os em singulares na política doméstica e na política externa norteamericana. Segundo Ayerbe (2002), essas práticas de intervenção dos Estados Unidos foram comuns em muitos países da América Latina, como é o caso da Guatemala, da Bolívia e da Argentina. As modalidades de intervenção estavam associadas a isolamentos diplomáticos e pressões econômicas. No entanto, o caso de Cuba representou um alcance nunca antes visto em relação a essas pressões. As medidas utilizavam boicote econômico, desestabilização política e sabotagens que acabaram por desempenhar um papel decisivo nos rumos da revolução, tanto no plano interno como nas relações exteriores. Moniz Bandeira (1998) afirma que todas essas pressões norte-americanas, que visavam o fim do regime de Castro, acabaram por promover a aliança de Cuba ao regime soviético. Segundo o autor, essa não era uma união inevitável, mas os Estados Unidos não deixaram outra opção ao país que não fosse aliar-se ao comunismo soviético, a fim de assegurar o respaldo econômico, político e militar da URSS. Para o governo norte-americano, a aliança de Cuba com a União Soviética, em plena Guerra Fria, representava não apenas um comprometimento de seus interesses como também um perigo de expansão comunista no continente americano. O momento de maior crise, tanto da relação entre os dois países, como de toda a Guerra Fria, aconteceu em outubro de 1962. Os Estados Unidos consideraram o aparecimento de seis bases de mísseis soviéticos em Cuba como uma grande ameaça à sua segurança nacional. O governo norte-americano afirmou que não hesitaria em utilizar armas nucleares contra a iniciativa da URSS. Durante os treze dias de negociações entre Estados Unidos e União Soviética, o temor de uma guerra nuclear havia atingido níveis mundiais. No entanto, os soviéticos optaram pela retirada dos mísseis a fim de evitar uma catástrofe. Deve-se ressaltar que, embora Cuba tenha sido o foco de um possível enfrentamento nuclear, as potências envolvidas não consideraram qualquer interferência do governo revolucionário. Segundo Moniz Bandeira (1998), a resolução para o episódio da Crise dos Mísseis desagradou Fidel Castro, visto que em nenhum momento o governo de Cuba foi consultado sobre a negociação. Após a Crise dos Mísseis, governantes norte-americanos compreenderam que qualquer intervenção direta em Cuba significaria o início de um conflito de proporções mundiais. Além GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 127

de não contar com o apoio da opinião pública na América Latina, nem na Europa Ocidental, nem mesmo dentro dos Estados Unidos, uma ação unilateral norte-americana para derrubar o governo de Castro poderia acarretar conseqüências ainda mais graves no contexto internacional. Uma intervenção armada não contaria com qualquer respaldo para se opor a uma represália da União Soviética na Europa Ocidental ou na Ásia (MONIZ BANDEIRA, 1998). Dessa forma, de 1963 a 1977, nos governos de L. Johnson (1963-1969), R. Nixon (1969-1974) e G. Ford (1974-1977), as ações contra o governo cubano foram marcadas por violações do espaço aéreo, financiamento de grupos contra-revolucionários, pressões para que demais países cumprissem o bloqueio econômico, além de diversas tentativas de atentados contra os líderes da Revolução. No entanto, nenhum enfrentamento direto entre os dois países ocorreu após a Crise dos Mísseis. Em 1977, quando o governo Carter (1977-1981) buscou mudar a face do império agressivo e sem escrúpulos, algumas negociações ocorreram. No entanto, a eleição de R. Reagan em 1980 promoveu uma mudança na política externa norte-americana, que reativou a política do Big Stick e retomou o mito do excepcionalismo dos Estados Unidos, promovendo uma política extremamente conservadora. Em seus dois mandatos (1981-1989), Reagan apresentou uma reformulação da política externa, que tinha por objetivo principal conter o avanço soviético e a ideologia comunista, fatores que contribuíram para o enfraquecimento da União Soviética e para o encaminhamento do fim da Guerra Fria. As análises até aqui apresentadas demonstraram que as interferências norteamericanas em Cuba possuíram, primeiramente, um caráter de promoção da soberania no continente. Aliando a Doutrina Monroe ao Destino Manifesto, a política externa norteamericana pôde se expandir em toda a América Latina, influenciando a história desses países em diversos momentos. A especificidade das relações dos Estados Unidos com Cuba surge após a Revolução Cubana, que modifica as estruturas políticas e sociais do país. Nesse momento, foram as mudanças cubanas que acabaram influenciando uma mudança na política externa dos Estados Unidos. Sucessivos governos norte-americanos buscaram não só derrubar o regime de Fidel Castro, como também conter qualquer novo movimento que pudesse evoluir para uma revolução no restante da América Latina. Nesse sentido, as relações com Cuba durante o período da Guerra Fria, e após a Revolução, passaram a ser justificadas por meio de uma política que visava conter a expansão do comunismo. A derrocada do bloco GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 128

soviético e o fim da Guerra Fria criaram a necessidade de novos paradigmas para justificar a continuidade das políticas hostis em relação a Cuba. A política norte-americana para Cuba no pós-guerra Fria Em 1989, as transformações ocorridas no Leste Europeu após a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética representaram o fim da ameaça comunista duramente enfrentada pelos Estados Unidos no período da Guerra Fria. Dessa forma, faria sentido que as relações com Cuba, a partir desse momento, deixassem de ser conflituosas e passassem a uma normalização gradual, visto que sem o respaldo da União Soviética, a Ilha deixaria de constituir uma ameaça ideológica de grande escala. Cuba não seria mais um perigo no que se refere à exportação do comunismo e da revolução no hemisfério ocidental (MORRONE, 2008). Segundo Moniz Bandeira (1998), até mesmo Fidel Castro esperava que com o fim do bloco comunista e a não derrocada de Cuba em virtude do bloqueio econômico, restaria aos Estados Unidos reformar sua política e aproximar-se da Ilha, que teria sua posição fortalecida em virtude de tais acontecimentos (MONIZ BANDEIRA, 1998). No entanto, para os Estados Unidos, as transformações ocorridas após 1989 criaram a expectativa de que sem o apoio da União Soviética, a queda do regime de Fidel Castro seria apenas uma questão de tempo. Apesar do fim da Guerra Fria representar o surgimento de um período difícil em Cuba, chamado por Castro de Período Especial em Tempos de Paz, a adoção de medidas internas e o reordenamento da economia possibilitaram a continuidade do regime, contrariando previsões norte-americanas. Dessa forma, ao sobreviver ao desaparecimento de todos os países socialistas do leste europeu, incluindo a URSS, Cuba demonstrou que manteve diferenças essenciais com aqueles regimes (SADER, 2001). O momento era propício para que as relações com os Estados Unidos pudessem ser normalizadas de forma gradual. No entanto, como já mencionado, a esperança norte-americana era de que as dificuldades econômicas da Ilha pudessem promover a derrubada de Fidel Castro por meio de um golpe interno. Quando a situação não pareceu caminhar para essa vertente, os governos norte-americanos continuaram suas políticas hostis em relação a Cuba. De acordo com Morley e McGillion (2002), durante as cinco décadas posteriores à Revolução, presidentes americanos, tanto democratas quanto republicanos, liberais ou conservadores, revelaram uma relutância em aceitar a permanência de Cuba como símbolo de resistência às ambições imperiais dos Estados Unidos. Essas administrações mantiveram as GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 129

sanções políticas e econômicas colocadas em prática nos anos sessenta, ao mesmo tempo em que procuraram por uma mistura de coerção com diplomacia para atingir um único objetivo: o fim do legado de Castro e de suas estruturas institucionais. A mudança do contexto global que se seguiu ao fim da Guerra Fria, entretanto, eliminou o motivo pelo qual a política de segurança dos Estados Unidos continuava sendo apoiada dos anos sessenta aos oitenta. Os governos de George H.Bush (1989-1993), Bill Clinton (1993-2001) e George W.Bush (2001-2009) recusaram em ponderar qualquer nova avaliação das premissas fundamentais que regiam as políticas para Cuba, ou qualquer possibilidade de mudança nas transformações da política econômica cubana. Na verdade, nem as mudanças na política externa cubana, nem o fim da União Soviética poderiam mudar a ordem das prioridades de Washington. De acordo com Morley e McGillion (2002), primeiro se exigia uma transição política na Ilha para que depois se pudesse conversar sobre um reatamento. Em 1992 foi aprovada pelo Congresso norte-americano a Lei de Democracia Cubana, que também ficou conhecida por Lei Torricelli. Os objetivos da Lei Torricelli consistiram em dois principais temas, o comércio e a democracia. Com o intuito de prejudicar e isolar o comércio de Cuba, acentuaram-se sanções econômicas através de três medidas: proibição de subsidiárias norte-americanas de comercializar com Cuba; proibição de que navios estrangeiros que aportassem em Cuba carregassem ou descarregassem em portos norteamericanos por um período de seis meses; e punição com sanções econômicas a países terceiros que prestassem assistência a Cuba. Todas essas sanções econômicas, bem como a Lei Torricelli, só seriam revogadas caso ocorressem em Cuba eleições democráticas semelhantes ao modelo ocidental e que fossem supervisionadas internacionalmente. Como era esperado, a Lei Torricelli causou uma substancial reação internacional contra o caráter unilateral e extraterritorial de seus principais preceitos. Deve-se ressaltar que essa lei foi inicialmente rejeitada por George H. Bush, mas posteriormente apoiada quando o então presidente percebeu que parcelas significativas do eleitorado norte-americano estavam em questão. Nesse contexto, a condução de novas medidas adotadas pelos Estados Unidos em relação a Cuba passou a contar com grande parcela da população cubana exilada em Miami, que possuía força eleitoral, influência no Congresso e capacidade de obter fundos para campanhas eleitorais. Dessa forma, observa-se que os cubano-americanos haviam adquirido posição relevante na política externa dos Estados Unidos para Cuba no período pós-soviético. Essa decisão reforçava a afirmação de que a política norte-americana para Cuba, nesse período, estava diretamente relacionada com a GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 130

agenda doméstica do país através do eleitorado constituído pelos exilados cubanos (MORRONE, 2008). Para Alzugaray (2004), a administração Clinton pareceu seguir essa política doméstica em relação aos assuntos cubanos. Em 1994, após uma grave crise de emigração cubana, o governo norte-americano precisou negociar com a Ilha um acordo migratório a fim de acabar com a imigração ilegal e normalizar as relações nessa esfera. Em 1996, a aprovação de uma nova lei, Lei para a Liberdade e Solidariedade Democrática Cubana, mais conhecida como Lei Helms-Burton. Para Alzugaray (2004), essa lei poderia ser comparada à Emenda Platt e às disposições da Doutrina Monroe, visto que buscava conter investimentos estrangeiros em Cuba a fim de impedir qualquer recuperação econômica da Ilha. A Lei Helms-Burton consistiu na ampliação de medidas já existentes contra o regime cubano, além de uma série de exigências para uma democratização tal como entendida pelos Estados Unidos e determinada por este país como necessária à normalização das relações entre os dois países. Para Morrone (2008), deve-se ressaltar, que assim como a Lei Torricelli, a Lei Helms-Burton não respondeu somente aos interesses da política externa norte-americana, mas também aos interesses da política interna, uma vez que ambos os mentores desta lei estavam comprometidos com setores cubano-americanos. Esses setores estavam interessados em recuperar propriedades expropriadas pela Revolução Cubana, e além de exercerem forte influência no poder legislativo do país, ainda constituíam parcela decisiva em período eleitoral no estado da Flórida. A ampliação das sanções econômicas afetou as relações de Cuba com a União Européia, pois concedeu aos cidadãos e empresas norte-americanas, expropriadas pela Revolução, o direito de requerer na justiça contra empresas de terceiros países o usufruto destas propriedades. Esse fato provocou a preocupação imediata dos investidores estrangeiros em Cuba, principalmente os países europeus. Como resposta a estas medidas, a União Européia tratou de contestar a legislação, percebida como uma nítida violação internacional e impedimento ao livre comércio. Os Estados Unidos cuidaram então de providenciar uma decisão para minar o impacto da lei nos aliados europeus, e Clinton aprovou uma emenda que dava ao presidente o direito de suspender a disposição do capítulo a cada seis meses e renovála se desejar. No que se refere à imposição da democracia, cláusulas específicas declaravam que nem Fidel Castro, nem seu irmão, Raúl Castro, poderiam participar de qualquer governo democrático futuro, como concebido pelos Estados Unidos (MORRONE, 2008). GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 131

Para Santoro (2010), a década de noventa reflete a convicção de setores mais conservadores da comunidade cubano-americana de que seria possível destruir o regime socialista por meio de um estrangulamento econômico. Enquanto Cuba diversificava suas relações internacionais, os Estados Unidos promulgavam leis que dificultavam qualquer possibilidade de acordo entre os dois países. No entanto, em 2000, a pressão de exportadores agrícolas norte-americanos fez com que os Estados Unidos repensassem o embargo econômico ao promulgar a Trade Sanctions Reform and Export Enhancements Act (TSRA), que permitia a venda de alimentos a Cuba, Irã e Sudão, desde que fossem atendidas certas condições, como situações de emergência humanitária, e que o pagamento fosse feito à vista. As permissões concedidas pela TSRA foram importantes para a resolução do problema de abastecimento cubano, tornando os Estados Unidos o principal fornecedor de alimentos para a Ilha. Naturalmente, a expansão foi possibilitada por interpretações bastante generosas do que constitui uma emergência humanitária. Esses negócios prosseguiram na administração norte-americana posterior. O governo de George W.Bush (2001-2009), enquanto atacava verbalmente Cuba, expandia o comércio de alimentos devido a pressões dos congressistas dos estados rurais e do agrobusiness. Segundo Santoro (2010), as exportações de alimentos para o mercado cubano se multiplicaram de US$ 4 milhões, em 2001, para US$432 milhões em 2007. Nesse contexto, pode-se perceber mais uma vez que a relação cubano-norteamericana pós-guerra Fria, associa-se, em grande medida, à uma pressão da política doméstica dos Estados Unidos. No entanto, ao mesmo tempo em que expandia a parceria comercial no setor de alimentos, a administração de George W.Bush aprofundava as políticas de endurecimento ao regime de Fidel Castro, sobretudo após os atentados de 11 de Setembro. Nesse momento, delinearam-se os novos contornos da política externa norte-americana por meio da chamada Doutrina Bush, que apresentava uma categorização especial para Cuba, acusada de manter relações com países terroristas, além de ser considerada como um modelo político não democrático (MORRONE, 2008). Ainda na administração de George W.Bush, dois importantes programas foram elaborados para afetar o sistema político cubano. O primeiro deles, Iniciativa para uma nova Cuba, previa medidas para mudar o sistema político de Cuba na direção do modelo político norte-americano. A ação desse programa estava concentrada no propósito de planejar e orientar uma rápida e pacífica transição para a democracia. O segundo programa, elaborado em 2002, adotou uma nova estratégia para Cuba, em que o programa anterior passou a GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 132

integrar as novas medidas, conhecidas como Comissão de Assistência para uma Cuba Livre (Comission on Assistance to a Free Cuba CAFC). Segundo Ayerbe (2004), esse programa possuía como orientação implementar medidas econômicas para dificultar a captação de divisas pelo governo e pela população cubana; restringir viagens de estudantes norteamericanos aos programas vinculados aos objetivos do governo; limitar visitas de familiares a Cuba a cada três anos, incluindo o estabelecimento de uma cota de gastos diários permitidos durante a estada na Ilha; o controle sobre investimentos estrangeiros no país, que usufruam bens expropriados pela revolução; e, principalmente, fomentar lideranças capazes de conduzir o processo de criação de uma economia de mercado. Deve-se ressaltar que ambas as medidas contaram com a influência da comunidade cubana, a qual constitui um dos alicerces sobre qual Bush se apoiaria na condução de uma política rígida para Cuba, haja vista o papel que exerceram durante seu processo eleitoral. De acordo com Morrone (2008), essas políticas sinalizam que a pressão norte-americana sobre o regime político inaugurado com Fidel Castro nunca cessou, sendo radicalizadas na administração de George W.Bush. Nos últimos anos, governos norte-americanos perderam significativas oportunidades de iniciar um processo de normalização nas relações com Cuba. Pelo contrário, adotaram posições que tiveram como resultado o endurecimento das sanções, tornando mais complexo e difícil um processo de normalização (ALZUGARAY, 2004). No entanto, essas posições tem sido cada vez mais questionadas no interior da sociedade norte-americana, tanto por setores da sociedade civil como por grupos dominantes. Para Santoro (2010), o pragmatismo comercial do agronegócio e as mudanças na opinião política da nova geração cubanoamericana constituem as bases de uma proposta de um novo diálogo com Cuba. Fiori (2008) também aponta para a dificuldade de uma atual mudança nas relações entre esses países. Para esse autor, a atração precoce e a obsessão permanente dos Estados Unidos, deve-se ao fato de que esse país sempre acreditou que Cuba lhes pertencia, fazendo parte de sua zona de segurança. Ao mesmo tempo, a posição soberana dos cubanos acabou transformando a Ilha em um aliado potencial de países que se propõem a exercer influência no continente americano de forma competitiva com os Estados Unidos. Dessa forma, qualquer negociação futura envolveria a destruição do núcleo do poder cubano. Segundo Alzugaray (2004), a maior parte dos críticos qualifica como obsessiva a atitude da elite dirigente norte-americana com respeito a Cuba, a Revolução e a Fidel Castro. Na verdade, para os dirigentes dos Estados Unidos, parece inexplicável que a Revolução GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 133

Cubana possa ter sobrevivido, e que depois de cinqüenta anos os irmãos Castro continuem no poder sem necessitar de nenhum acordo com os Estados Unidos. Não concebem uma Cuba independente, assim como não conceberam no século XIX. Nesse contexto, nota-se que a atual política norte-americana para Cuba mantém o padrão de isolamento e hostilidade iniciado após a vitória da Revolução. No entanto, esse padrão era anteriormente justificado pela ameaça comunista, enquanto atualmente, é conduzido sob o argumento da ausência de democracia em Cuba. Para Morrone (2008) a ausência de uma democracia e, portanto, a permanência de um modelo político que ainda distancia-se daquele vigente nos Estados Unidos, tornou-se o principal paradigma norteamericano para justificar a continuidade das políticas hostis naquela que é a sua área de influência direta e que constituí uma região de extrema importância para o exercício de sua hegemonia. Segundo Santos (2004), a hostilidade de Washington a Cuba, mesmo depois da Guerra Fria, relaciona-se a uma histórica posição norte-americana a toda e qualquer experiência social, política, econômica e cultural que não esteja em conformidade com objetivos geoeconômicos e geopolíticos do capitalismo preconizado por suas elites dominantes e governantes (SANTOS, 2006, p.214). Nesse sentido, as pressões ao governo cubano não estão associadas apenas ao intuito de garantir uma democracia política em um país marcado pelo regime de partido único e pela inexistência de pluralismo de opinião. Na verdade, os Estados Unidos visam garantir um determinado modelo de democracia que não aponte para estratégias revolucionárias, socialistas, nacionalistas ou bolivarianas na região. Considerações Finais Os interesses norte-americanos em Cuba iniciam-se ainda no período colonial cubano, quando a dominação européia na região poderia dificultar a expansão da hegemonia dos Estados Unidos no continente. Dessa forma, a intervenção norte-americana nas Guerras de Independência Cubanas foi crucial para o desfecho do processo, bem como para a garantia do fim de qualquer interferência européia na região. Nesse momento, a política externa dos Estados Unidos para Cuba associava-se a um contexto maior de expansão da hegemonia norte-americana em todo o hemisfério ocidental, como proclamado pela Doutrina Monroe. Anos mais tarde, o êxito do movimento revolucionário cubano modificou as relações entre esses países, pois significou uma ameaça à posição hegemônica ocupada pelos Estados Unidos no continente. No contexto da Guerra Fria, o paradigma utilizado pelos norte- GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 134

americanos para as ofensivas contra Cuba foi o da necessidade de contenção do perigo soviético na região. Os Estados Unidos não poderiam deixar que outros países latinoamericanos seguissem o exemplo cubano e se aliassem a União Soviética, por isso adotaram medidas de contenção ainda mais repressivas após a vitória da Revolução. Nas relações específicas com Cuba, os Estados Unidos promoveram os mais diversos tipos de ataques a fim de liquidar o regime de Castro. Ao contrário do que se esperava, após o fim da Guerra Fria, mantiveram-se políticas hostis justificadas com base no paradigma da democracia, que passou a ser evocado pelos Estados Unidos como necessário para a estabilidade e o pleno desenvolvimento político no mundo. As primeiras medidas norte-americanas, após 1989, buscaram desestabilizar economicamente a Ilha a fim de promover a queda do regime socialista. No entanto, administrações posteriores buscaram promover ações voltadas para o planejamento de intervenções que permitissem uma gradual transição democrática em Cuba. Deve-se ressaltar a emergência de demandas internas, por parte de cubano-americanos, nas relações entre Cuba e Estados Unidos no pós-guerra Fria. Os exilados cubanos em Miami passaram a representar uma importante parcela do eleitorado norte-americano, tornando muitas vezes as políticas norte-americanas em relação a Cuba mais como resoluções da política doméstica do que da política externa. Por fim, o novo referencial adotado pelo governo norte-americano permite concluir a dificuldade na normalização das relações cubano-norteamericanas. As demandas pelo modelo democrático ocidental em Cuba só poderão ser atendidas, da forma como querem os Estados Unidos, quando modificações políticas ocorrerem dentro da Ilha. Ao mesmo tempo, o regime cubano não parece disposto a efetuar tais concessões, assim como não esteve desde o início da Revolução. Nesse sentido, as políticas hostis em relação a Cuba parecem continuar acontecendo com base em diversos paradigmas que se alteram ao longo dos anos, exemplificando o imperialismo norte-americano na América Latina. Referências ALZUGARAY, Carlos. De Bush a Bush: balance y perspectivas de la política externa de los Estados Unidos hacia Cuba y el Gran Caribe. En publicación: América Latina y el (des)orden global neoliberal. Hegemonía, contrahegemonía, perspectivas. José Maria Gómez. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. 2004. AYERBE, Luis Fernando. A Revolução Cubana. São Paulo: Editora UNESP, 2004. AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina. A construção da hegemonia. São Paulo: Editora UNESP, 2002. GT 4. Imperialismo, nacionalismo e militarismo na América Latina 135

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