ESTUDO DO ESCOAMENTO DO VENTO DA CAMADA LIMITE ATMOSFÉRICA NA ZONA OESTE DO RIO DE JANEIRO UTILIZANDO O MODELO RAMS Fernanda Batista Silva 1 Isimar de Azevedo Santos 2 RESUMO Neste artigo são investigadas as características do escoamento do vento da camada limite atmosférica urbana na zona oeste do Rio de Janeiro, em especial na região de Bangu. Usaram-se como ferramentas o modelo atmosférico de mesoescala RAMS e a sua parametrização da mistura turbulenta. O modelo foi simulado para janeiro e julho, correspondentes às estações de verão e inverno, verificando-se a relação entre o escoamento do vento e as estatísticas de doenças respiratórias. Observa-se que esta região apresenta grandes flutuações térmicas devido à topografia da região que impede a máxima circulação dos ventos. Além disto, a topografia dificulta a diluição dos poluentes, o que conseqüentemente acarreta altos índices de doenças respiratórias. ABSTRACT This article investigates the characteristics of the wind flow in the urban atmospheric boundary layer over the west zone of Rio de Janeiro city, specially the region of Bangu. The atmospheric mesoscale model RAMS and its turbulent mixture parameterization was used as tools for this study. The model was simulated for January and July, corresponding to the summer and winter seasons, and the relation between the wind flow and some statistics of respiratory illnesses was verified. It was observed that this region shows great thermal fluctuations due to the regional topography that hinders the maximum wind circulation. Moreover, the topography make difficult the pollutants dilution, what consequently causes bigger indexes of respiratory illnesses. Palavras-chave: Escoamento do vento, camada limite atmosférica, modelo RAMS. INTRODUÇÃO A camada limite planetária é fortemente afetada pela fisiografia da superfície, exigindo em sua modelagem um tratamento criterioso e diferenciado, tanto nas equações do movimento quanto nas equações termodinâmicas referentes às trocas de calor e umidade entre a superfície e a baixa troposfera. Neste trabalho enfatizam-se, na região estudada, as características cinéticas dos escoamentos em relação à topografia da região, além das trocas térmicas e hídricas, que afetam o escoamento do vento regional. O modelo RAMS (Regional Atmospheric Modeling System), Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geociências - Departamento de Meteorologia Ilha da Cidade Universitária. 21949-900 Rio de Janeiro. RJ Telefone: (55-21) 2598-9471 1 E-mail: fernandabatista20@gmail.com 2 E-mail: isimar@acd.ufrj.br
amplamente reconhecido, tanto no Brasil quanto nos países desenvolvidos, por sua habilidade em simular tanto a atmosfera livre, onde o escoamento é essencialmente laminar, quanto a camada limite, onde adquirem importância os processos de mistura turbulenta do ar em decorrência da proximidade com a rugosidade da superfície. Procurou-se investigar as características da camada limite atmosférica urbana na cidade do Rio de Janeiro e os efeitos das flutuações térmicas e do escoamento do vento associados às concentrações de poluentes na cidade. Em especial a Zona Oeste, na região de Bangu, possui como características peculiares barreiras topográficas que afunilam a poluição produzida por industrias e pelo transporte na zona norte da cidade e dificultam a sua exaustão. Usou-se como ferramenta o modelo atmosférico de mesoescala RAMS e, em especial, a parametrização da mistura turbulenta. É analisado o comportamento desse módulo do RAMS em situações reais a partir de grades aninhadas, buscando assim simular a camada limite atmosférica urbana com suas características físicas e meteorológicas. MATERIAL E MÉTODOS No presente trabalho foi construído um sistema de simulação dos campos atmosféricos na região do município do Rio de Janeiro através do aninhamento de um modelo de previsão de área limitada a análises produzidas por um modelo global, no caso as reanálises do NCEP (Kalnay et al, 1996 e Kistler et al., 2001). Estas análises forneceram a configuração apropriada da circulação de grande escala decorrente dos forçamentos globais, enquanto que o modelo atmosférico de mesoescala RAMS pôde descrever os efeitos na escala sub-grade devidos a uma topografia complexa, aos contornos costeiros detalhados, à presença de corpos d água e às características da vegetação (Giorgi, 1990, Giorgi et al., 1993 e Storch, et al., 1993). O modelo RAMS (Pielke et al., 1992; Trípoli & Cotton, 1982) foi integrado usando quatro grades aninhadas, sendo que a de maior resolução horizontal tinha 2.5 km de espaçamento. As simulações foram feitas para os meses de janeiro e julho, representativas das estações do ano verão e inverno. Para estudar detalhadamente o escoamento do vento na região foi preciso que se fizessem médias horárias ao longo do mês, para que fosse possível captar as flutuações mais significativas do vento ao longo do dia. CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO A Zona Oeste do município do Rio de Janeiro estende-se desde a Baía de Sepetiba até o Oeste do Maciço da Tijuca. Nesta região tem ocorrido um acelerado processo de desmatamento e degradação, com o assoreamento dos rios e canais e com a poluição de suas águas, devido à carência no sistema de esgotamento sanitário. Além disto, tem se observado a destruição dos solos
devido à exploração de areia e de pedra para a indústria da construção civil. As pedreiras ativas ou abandonadas e as construções em solos impróprios, em geral com vocação agrícola, constituem problemas ambientais sérios que comprometem a qualidade de vida das populações aí instaladas ou que ainda serão alocadas (MOURA et al, 1998). Figura 1: Topografia interpolada pelo modelo RAMS na grade mais detalhada e o ponto de estudo. A região de Bangu ocupa a porção central do corredor limitado por dois importantes maciços da paisagem carioca, os Maciços da Pedra Branca e de Gericinó-Mendanha, cujos rios drenam, a leste, para a Baía de Guanabara e, a oeste, para a Baía de Sepetiba. As características topográficas locais e a presença de dois corpos d água nos extremos oeste e leste deste corredor certamente são condicionantes ao escoamento do vento na zona oeste do Rio de Janeiro e é o que motivou este trabalho. RESULTADOS As figuras mostradas abaixo (Figuras 2, 3 e 4) representam o ciclo diurno do escoamento do vento na região para os meses de janeiro e julho. Figura 2: Escoamento regional do vento às 07 horas locais (10UTC), para (a) janeiro e (b) julho.
Figura 3: Escoamento regional do vento às 14 horas locais (17 UTC), para (a) janeiro e (b) julho. Figura 4: Escoamento regional do vento às 03 horas locais (06 UTC), para (a) janeiro e (b) julho. Os resultados mostram que o escoamento do vento, tanto em janeiro como em julho, possuem direções muitas próximas, sendo que a brisa terrestre é mais intensa no inverno, como mostra as figuras 2a e 2b, enquanto que a brisa marítima é mais intensa no verão, como mostram as figuras 3a e 3b. Durante o dia o escoamento do vento é essencialmente para dentro do continente, fazendo com que poluição lançada na atmosfera seja jogada para dentro do continente e fique concentrada próximo da Serra da Mantiqueira. À noite e durante a madrugada este escoamento é inverso, o que faz com que os poluentes sejam remetidos de volta para a região de Bangu. Esta situação é agravada, principalmente no inverno, porque durante a madrugada, como mostra a figura 4b, há uma confluência dos ventos na região Bangu. Desta forma, é neste período que há a maior concentração de poluentes. Por outro lado, no verão (figura 4a) ocorre difluência, favorecendo a diluição. No restante do dia o escoamento é oriundo do sudoeste e sudeste, o que faz o com que os
poluentes sejam escoados, mas devido à barreira topográfica estes poluentes ainda ficam concentrados na região em foco, o que explica o elevando número de doenças respiratórias. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Observou-se que, na Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, a topografia local afunila a poluição produzida pelas indústrias e pelos meios de transporte da zona norte da cidade e dificulta a sua exaustão, acarretando, em conseqüência, altos índices de doenças respiratórias. Com base nos resultados obtidos, demonstrou-se que o modelo RAMS permite uma melhoria significativa nas avaliações da circulação do vento local, constituindo-se numa ferramenta útil na prevenção de variações ambientais e na proposição de medidas mitigadoras dos problemas de saúde pública da região. Embora ainda preliminares, os resultados mostram que o escoamento do vento é mais intenso no inverno do que no verão, além de mostrarem o ciclo diurno das brisas. Deve-se considerar que, como em qualquer área urbana, a quantidade de poluentes lançados ao ar, tanto pelas industrias quanto pelos transportes, tem também o seu ciclo diurno, com volumes mais altos no período do dia. Portanto, vê-se claramente que a coincidência entre os horários do dia em que mais poluição é gerada e quando os ventos afunilam esta poluição na região de Bangu, explica os problemas ambientais e de saúde pública aí encontrados. Esta pesquisa deve prosseguir com uma assimilação de dados de estações meteorológicas próximas da região, procurando validar o escoamento do vento e caracterizar as seqüências temporais de outras condições meteorológicas para enriquecer os resultados até aqui obtidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS KALNAI, E., KANAMITSU, M. KISTLER, R. et. al., 1996: The NCEP / NCAR 40-year reanalysis project. Bull. Amer. Meteor. Soc., 77: 437-471. KISTLER, R., E. KALNAY, W. COLLINS et.al., 2001: The NCEP-NCAR 50 Year Reanalysis: Monthly Means CD-ROM and Documentation. Bull. Amer. Meteor. Soc., 82:247-267 MELLOR, G. L & T. YAMADA, 1982: Development of a turbulence closure model for geophysical fluid problems. Rev. Geophsys. Space Phis., 20 (4): 851-875. PIELKE, R. A., W. R. COTTON, R, L, WALKO, et al., 1992: A comprehensive meteorological modeling system RAMS. Meteorol. Atmos. Phys., 49: 69-90. MOURA, J. R. S. et al. Modificações Sócio-Ambientais e Zoneamento de Risco na Zona Oeste do Município do Rio de Janeiro. Relatório Final vols. 1 e 2. in: Projeto Interinstitucional Porto de Sepetiba. Rio de Janeiro: CFCH/UFRJ, 1999.