Os constituintes focalizados na aquisição do PB

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Transcrição:

Os constituintes focalizados na aquisição do PB Sandra Quarezemin Centro de Comunicação e Expressão Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Abstract. This work investigates the acquisition of focused constituent in Brazilian Portuguese (BP). The research is based in data of spontaneous production of a child's speech, with the purpose of verifying if the child focuses constituent and which types of focus occur. We also observe how the domain CP becomes operative in children's linguistic production, contributing to the increase of the infantile grammar. We analyzed the data carefully bringing into the discussion of data the Hypothesis of Truncamento (Rizzi, 1994). Keywords. Acquisition; focus; system-cp; syntax Resumo. Este trabalho investiga a aquisição do constituinte focalizado no Português Brasileiro (PB). A pesquisa está fundamentada em dados de produção espontânea da fala de uma criança, com a finalidade de verificar se a criança focaliza constituintes e quais os tipos de foco por ela exibidos. Também observa como o domínio CP torna-se operativo na produção lingüística das crianças, contribuindo para o crescimento da gramática infantil. Analisamos os dados cuidadosamente trazendo para a discussão destes a Hipótese do Truncamento (Rizzi, 1994). Palavras-chave. Aquisição; foco; sistema-cp; sintaxe 0. Introdução Este trabalho trata de um estudo de caso que procura investigar a aquisição do constituinte focalizado mediante o desenvolvimento lingüístico de uma criança adquirindo o Português Brasileiro (doravante PB). O estudo aborda a aquisição da sintaxe dentro da Teoria Princípios e Parâmetros da gramática gerativa. A hipótese que norteou este trabalho é a de que o foco de informação está presente desde o início da aquisição da linguagem da criança. Enquanto que o foco contrastivo e o de identificação se ocorrerem será quando o sistema CP não estiver mais truncado, pois estes tipos de focos precisam ser interpretados na periferia esquerda da sentença. A categoria foco constitui um domínio particularmente fértil de investigação, pois é um fenômeno de interface. Embora tenha uma função discursiva, é inquestionavelmente um produto da gramática. Sua manifestação pode ser fonológica, morfológica, ou sintática. Além disso, há evidências em muitas línguas de que ele é quantificacional. Buscando a melhor forma possível de tratar dos constituintes focalizados na aquisição do PB, o texto está estruturado da seguinte forma: na primeira seção Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1099-1104, 2005. [ 1099 / 1104 ]

apresentamos uma descrição teórica sobre o foco, em seguida esboçamos brevemente a Hipótese do Truncamento (Rizzi, 1994), na última seção, dedicamo-nos à análise dos dados da criança, procurando investigar se a criança exibe constituintes focalizados na aquisição da sua língua alvo e, ainda, averiguar quais são os tipos de foco recorrentes neste processo. 1. Descrição teórica de foco O elemento que exibe o foco de uma sentença está associado à informação nova do discurso. Normalmente uma sentença é bipartida entre o foco e a pressuposição, constituindo esta a informação partilhada previamente pelos participantes do discurso, isto é, o pano de fundo (background) da cena. Zubizarreta (1998), levando em consideração o traço [±contraste], descreve dois tipos de foco: o contrastivo e o não-contrastivo. O primeiro além de expressar a informação nova da sentença, exibe um contraste/correção em relação a uma declaração feita anteriormente. Ainda, há um pico entonacional sobre o elemento exibindo esta característica. Já o segundo, realiza apenas a informação nova, não está associado a qualquer tipo de contraste e pode ou não ser marcado por algum tipo de acento. O discurso precedente para a verificação deste foco é uma sentença interrogativa. A interpretação destes tipos de foco realiza-se, conforme Zubizarreta (1998), após a LF, em uma Estrutura de Asserção (AS). A AS de uma sentença é representada na forma de duas asserções ordenadas, codificando a pressuposição (A 1 ) e a asserção principal que veicula o foco (A 2 ). Kiss (1998), considerando o traço [±exaustivo], diferencia duas noções de foco: o de identificação versus o de informação. Relaciona o primeiro com o constituinte da sentença que realiza uma operação de quantificação, enquanto o segundo apenas conduz a informação não compartilhada pelos interlocutores, isto é, a informação não pressuposta. Este último está diretamente relacionado ao foco não-contrastivo de Zubizarreta (1998). Segundo Mioto & Negrão (2004) a propriedade da exaustividade se realiza como identificação por exclusão, e poderia ser parafraseada por [x e apenas x]. Buscando compatibilizar as idéias de Zubizarreta e Kiss, Mioto (2003) apresenta para o PB três tipos de foco, considerando os traços [contrastivo] e [exaustivo]. Vejamos: (1) a. [-contrastivo, -exaustivo] informação (K), não-contrastivo (Z) b. [-contrastivo, +exaustivo] de identificação (K) c. [+contrastivo, +exaustivo] contrastivo (Z) e (K) 1.2. Posições sintáticas Uma sentença é composta por constituintes complexos, de natureza funcional (CP e IP) e lexical (VP), que se estruturam de maneira hierárquica para formar sentenças. Rizzi (1997) enriqueceu o sistema CP expandindo a periferia esquerda da sentença para alojar funções, entre uma destas está o foco, representado pela categoria funcional FocP, o seu especificador está destinado a alojar o foco, assim como as expressões-wh da sentença. Esta categoria é estruturada conforme a teoria X-barra, projetando seu próprio especificador e complemento. Antes da expansão do sistema CP o constituinte focalizado era tratado Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1099-1104, 2005. [ 1100 / 1104 ]

como adjunto a IP ou a CP, devido ao fato deste tipo de elemento não ocorrer na sentença por necessidades selecionais. Belletti (2001), semelhantemente ao que Rizzi (1997) apresentou, elabora uma cartografia estrutural mais refinada para a área interna ao IP, a qual podemos chamar de periferia interna da oração. Assim sendo, entre o IP e o VP também teríamos outras posições, como de tópico e foco. O que motivou Belletti (2001) a expandir a periferia do VP foram as sentenças VS do Italiano, já que nestas construções, o sujeito pode ser interpretado como foco ou tópico e, assim, ocupar posições baixas de FocP ou TopP. A posição de foco deslocada à esquerda, na periferia de CP, não está destinada a receber outro tipo de foco que não o de identificação e o contrastivo. Já a posição de foco interna ao IP, na periferia de VP, aloja perfeitamente o foco de informação. Conforme Belletti (2001) não é somente a interpretação de foco contrastivo que é possível na posição de foco da periferia esquerda, mas de fato esta interpretação é possível somente naquela posição (hipótese restritiva). 2. A hipótese do Truncamento Rizzi (1994) postula um princípio para a gramática adulta que afirma que a raiz de qualquer sentença, seja esta interrogativa ou declarativa, é um CP. Tal princípio, conforme o autor, não é operativo nas gramáticas infantis. Assim, na fase de aquisição da linguagem, as crianças podem variar o inventário de categorias que podem ser selecionadas como raiz da sentença. Caso escolha a categoria IP como raiz da oração, partes externas da estrutura universal, como toda a periferia esquerda da sentença (Force, Top, Foc, Fin), serão omitidas. O estágio em que a criança alterna entre produzir estruturas funcionais plenas como a do adulto (sentenças contendo CP e IP) e estruturas em que ela omite um ou mais nódulos do esqueleto funcional encontrado nas estruturas do adulto (CP e IP truncados, ou somente o CP), é abordado por Rizzi (1994) como a hipótese do Truncamento. Segundo esta hipótese, a criança tem a estrutura universal da sentença disponível, mas alguma categoria pode estar truncada. Desta forma, se algum tipo de fenômeno gramatical, por exemplo, o movimento da expressão-wh para Spec-CP, o qual é visível na gramática adulta, não ocorre na gramática infantil, isto pode estar relacionado ao truncamento da categoria funcional CP. 3. Os dados de aquisição Os dados discutidos neste trabalho são de produção espontânea de AC, criança adquirindo o Português do Brasil, coletados longitudinalmente em situações de brincadeiras não dirigidas pela investigadora. As gravações foram realizadas entre 1;8,12 aos 3;7,6 na casa de AC. A finalidade deste estudo é verificar se a criança desde o início da aquisição da linguagem já focaliza constituintes na sentença, bem como observar quais os tipos de foco são exibidos por ela durante este processo, recorrendo à classificação de Mioto (2003) para o PB. Não será feito nenhum tipo de quantificação dos dados, pois o objetivo principal do Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1099-1104, 2005. [ 1101 / 1104 ]

trabalho é checar a entrada da categoria funcional Foc. Portanto, metodologicamente, os dados serão analisados de forma qualitativa. Seguindo a análise de Zubizarreta (1998), podemos observar que a criança desde muito cedo exibe constituintes focalizados. Em um contexto pergunta/resposta o constituinte que substitui a expressão-wh da pergunta constitui o foco da sentença. Então, já na primeira gravação (1;8,12), AC focaliza elementos como DP e NP, vejamos: (12) a. Adulto: quem é essa? AC: teia. b. Adulto: que que é aqui? AC: a barriga. Tanto o NP teia quanto o DP a barriga são meros focos de informação, apenas conduzem a informação nova, não conhecida pela investigadora. Este tipo de foco sempre está in situ, ocupando Spec de FocP interno ao IP. Durante este período a criança omite o sistema CP e o IP, a estrutura lingüística da criança é formada apenas FocP+VP. Por volta de 1;10.25, na segunda gravação, AC responde as perguntas empregando a cópula e outros tipos de verbo: (14) a. Adulto: que que é esse? AC: é caminhão. c. Adulto: que que a AC gosta de comer? AC: gosta de papá! AC: gosta de banana. Nesta fase ainda encontramos apenas simples focos de informação, mas a estrutura aumentou, agora o IP não está mais truncado. Aqui o domínio CP ainda não está operativo. Quando AC atinge os dois anos o sistema CP começa a ser explorado, nesta fase as estruturas estão mais complexas (S+V+O), encontramos interrogativas-wh, e, até mesmo, uma situação de tópico. (16) a. AC: e isso o que que é?. AC: quem é? b. Adulto: e o que tu faz lá na praia? AC: eu eu desenhei uma uma cob(r)a. AC: a cob(r)a foi lá no mar. No exemplo (16c) o constituinte a cobra pode ser interpretado como o tópico da última sentença de AC, o qual estaria deslocado para periferia esquerda da sentença e poderia ser retomado pelo pronome ela (a cobra, ela foi lá no mar). Estes exemplos constituem evidências empíricas para afirmarmos que o sistema CP desde muito cedo aparece na gramática infantil, isto nos remete ao fato de que a criança tem uma estrutura lingüística hierárquica universal formada pelo CP+IP+VP. Caso a criança não empregue o sistema CP nas suas sentenças, não quer dizer que ele não faça parte da sua representação, é que o mesmo está truncado. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1099-1104, 2005. [ 1102 / 1104 ]

Depois que o CP é ativado na estrutura, passando a ser a raiz da oração, o pressuposto natural é que outros tipos de foco, como o contrastivo e o de identificação, passem a ser vistos nos dados das crianças. Como a interpretação destes focos somente ocorre na periferia esquerda da sentença, faz sentido que os mesmos só apareçam quando o sistema CP não mais estiver truncado. Desta forma, encontramos exemplos de foco contrastivo nos dados de AC também bem cedo, por volta dos 2;3. Vejamos os dados a seguir: (17) a. Adulto: tu ía montar uma casinha? AC: não. Adulto: não? AC: essa é uma cadeira. b. Adulto: tá brincando com a Carla? AC: com o Cebolinha. Nestes exemplos, os elementos uma cadeira e o Cebolinha veiculam o foco contrastivo das sentenças. AC nega o valor da variável dada pelos interlocutores e depois assinala um outro valor. Estes dados são muito interessantes, uma vez que dão indícios de que a criança já na fase inicial da aquisição da linguagem, está operando com a Forma Lógica da sua língua, fazendo interface com o sistema conceitual-intencional, buscando garantir a relação som/significado. Com 2;3 AC parece já usar sentença clivada, vejamos: (18) Adulto: foi o Papai Noel que te trouxe esse Cebolinha? AC: foi da mamãe. Quando AC responde foi da mamãe parece haver uma continuação da sentença fonologicamente não realizada, no caso que eu ganhei esse Cebolinha. Neste contexto AC parece compreender a pergunta clivada, pois responde igualmente com uma clivada, não fornecendo mais informações do que a pergunta solicita. Este dado é relevante, pois o foco veiculado pelas clivadas no PB não pode ser um mero foco de informação, segundo Krug de Assis (2001) o constituinte clivado expressa identificação exaustiva. Então, estes dados veiculam o foco de identificação, por exemplo, foi da mamãe que eu ganhei esse Cebolinha (e de ninguém mais). A criança vai tornando o sistema CP cada vez mais produtivo, aumentam os contextos de uso do foco contrastivo e das interrogativas-wh. Com 3;0,29 AC apresenta construções perfeitamente clivadas tendo o constituinte focalizado entre a cópula e o complementizador, com o foco deslocado para a periferia esquerda da sentença encaixada. (19) Adulto: que que tá caindo? AC: as frutas. Adulto: ah, as frutas. AC: é minhas frutas que tá caindo. Neste exemplo verificamos que, em um primeiro momento, AC responde corretamente empregando apenas a informação nova, em um segundo momento, AC produz a sentença é Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1099-1104, 2005. [ 1103 / 1104 ]

minhas frutas que tá caindo, a qual não responde adequadamente à pergunta, já que fornece mais informações do que está sendo solicitado. Isto porque uma sentença clivada não serve como resposta a uma interrogativa-wh, a qual apenas requer um mero foco de informação como resposta. 4. Comentários finais Por meio da evidência empírica fornecida pelos dados de AC, em fase de aquisição da linguagem, constatamos que os três tipos de foco realizados na gramática adulta do PB, seguindo a classificação de Mioto (2003) - o de informação, o contrastivo e o de identificação - também fazem parte da gramática infantil desta língua. O que AC nesta fase ainda parece não conseguir distinguir são os contextos apropriados para cada tipo de foco. Desta forma, tanto usa o foco de informação quanto o foco contrastivo e/ou de identificação para responder a uma interrogativa-wh. O problema do uso adequado do foco tem a ver com questões pragmáticas/discursivas que a criança ainda não domina. Enquanto AC possui estruturas lingüísticas formadas pelo IP+VP apenas o foco de informação aparece nos seus dados, pois a categoria CP está truncada. Assim que a gramática de AC passa a exibir estruturas plenas CP+IP+VP, como a gramática do adulto, todos os três tipos de foco estão presentes na sua fala, da mesma forma como ocorrem no input desta criança. 5. Referências Bibliográficas BELLETTI, A. Aspects of the low IP area, ms, Università di Siena, 2001. HAMANN, C. Phenomena in French normal and impaired language acquisition and their implications for hypotheses on language development. Probus, 15, 2003. p. 91-122. KISS, Katalin. Focus Identificational versus Information Focus. Language, Vol 74, n o 2, 1998. p. 245-273. KRUG DE ASSIS, C. A. Sentenças clivadas e pseudo-clivadas no Português Brasileiro, ms, Universidade Federal de Santa Catarina, 2001. MIOTO, C. Sobre o sistema CP no Português Brasileiro. Revista Letras. Curitiba : Editora UFPR, 56, 2001. p. 97-139. ; Focalização e Quantificação. Revista Letras. Curitiba : Editora UFPR, 61, 2003. p.169-189. ; NEGRÃO, E. V. As sentenças clivadas não contêm uma relativa, 2004. RIZZI, L. Some Notes on Linguistic Theory and Language Development: The Case of Root Infinitives. Language Acquisition, 3, 1994. p. 371-393, also in Rizzi (2000a). ; The fine structures of left periphery. In: L. Haegeman (ed) Elements of Grammar, 1997. p. 281-337. Klumer Academic Publishers. ZUBIZARRETA, M. L. Prosody, Focus and Word Order. MIT Press, 1998. Estudos Lingüísticos XXXIV, p. 1099-1104, 2005. [ 1104 / 1104 ]