UMIDADE DO SOLO SOB FLORESTA E PASTAGEM NO LESTE DA AMAZÔNIA José Ricardo Santos de Souza 1, Saulo Prado de Carvalho 1, Júlia Clarinda Paiva Cohen 1 Regina Célia dos Santos Alvalá 2, Adilson Wagner Gandú 3 RESUMO O conteúdo de umidade volumétrica nos solos sob sítios de floresta (Caxiuanã) e pastagem (Soure), no leste da Amazônia, foi continuamente monitorado no período de 01/12/2001 a 28/02/2005. Os dados dos sensores tipo reflectômetro de sonda dupla correspondem aos valores médios da umidade na camada superior de 30 cm de profundidade. Os valores coletados em intervalos de 30 minutos foram processados para análise das respostas diárias e mensais dessa variável. A análise levou em consideração as variações sazonais da precipitação pluviométrica nos dois locais selecionados, representativos desses dois extremos de cobertura vegetal existentes naquela região. Os resultados das umidades volumétricas dos solos mostram os regimes contrastantes dessa variável, sob esses dois tipos de ecossistemas, e podem ser usadas para outros estudos ambientais ou modelagem numérica do clima. ABSTRACT The volumetric moisture contents in soils beneath forest (Caxiuanã) and pasture (Soure) sites, in eastern Amazonia, was continuously measured during the 01/12/2001 to 28/02/2005 period. Dual probe reflectometer data, representative of the 30 cm depth upper layer of the soil moisture, collected at 30 minutes intervals, were processed for analysis of the soils daily and monthly responses of this variable. The analysis took into consideration the seasonal variations of pluviometric precipitation at the two selected sites, as well as the two extremes of existing vegetation covers in that region. The results of the soil volumetric moisture show the contrasting regimes of this variable, beneath these two ecosystem types and may de used for other environmental studies or numerical climate modelling. Palavras-chave: Amazônia, umidade do solo, floresta, pastagem, clima. INTRODUÇÃO A quantidade de água armazenada no solo desempenha um importante papel na interação solo-planta-atmosfera. O estudo e monitoramento desta variável têm grande relevância nos estudos agrometeorológicos, através da disponibilidade hídrica para culturas, e também tem igual importância para estudos micrometeorológicos e ambientais em geral, devido à umidade do solo ser fator fundamental nas trocas de calor sensível e latente com a atmosfera. Além disso, é uma variável indispensável para o entendimento de muitos processos hidrológicos que estão envolvidos em uma 1 Departamento de Meteorologia/CG/UFPA jricardo@ufpa.br, spc_meteor@yahoo.com.br, jcpcohen@ufpa.br 2 Centro de Previsão e Estudos Climáticos - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais regina@cptec.inpe.br 3 Departamento de Ciências Atmosféricas Universidade de São Paulo adwgandu@model.iag.usp.br
grande variedade de processos naturais que atuam em diferentes escalas espacial e temporal (Entin et al. 2000; Alvalá et al., 2002). No leste da Amazônia, ecossistemas como floresta natural e pastagem são representativos da região como coberturas vegetais naturais, os quais são parametrizados nos modelos numéricos para estudos climáticos. Neste contexto, o projeto MilênioLBA monitorou de modo intensivo as variáveis meteorológicas e de solo nos ecossistemas citados acima, no Estado do Pará, por meio de estações automáticas, O objetivo deste trabalho é analisar as umidades volumétricas dos solos nos sítios do projeto LBA na floresta (Caxiuanã) e pastagem (Soure). Este experimento compreendeu o período de 01/12/2001 a 28/02/2005, durante o qual foram armazenados de 30 em 30 minutos valores de umidade volumétrica média dos solos, na camada de 30 cm de profundidade abaixo da superfície. Para este trabalho em particular foram avaliados dados obtidos durante o período seco e de transição do ano de 2002 (01/07 a 20/11) e no período chuvoso de 2003 (20/02 a 30/06). MATERIAIS E MÉTODOS Descrição dos Sítios Experimentais Floresta O local de floresta selecionado situa-se em 01 42 30 S e 51 31 45 W, na Reserva Florestal de Caxiuanã, no município de Melgaço-PA, com área de 33.000 hectares e cerca de 500 km do Atlântico. Essa reserva é constituída, em 85% de sua área, por floresta densa de terra firme, com dossel das arvores maiores a níveis entre 30 e 40 m de altura, as quais, entretanto, só interceptam pouco mais de 10% da precipitação incidente (Moraes et al, 1997). No interior dessa área foi erguida uma torre de 54 m de altura, no topo da qual estão os sensores de precipitação e de radiação, bem como o sistema de aquisição de dados, conectado por cabos aos sensores de temperatura e umidade do solo, instalados próximo à base da torre. O solo do local é latossolo amarelo distrófico constituído em sua camada superior de 50 cm de profundidade por argila arenosa a média (53% de argila, 37% de areia e 10% de silte), caracterizada por boa porosidade (Souza et al., 2002). Na cidade de Porto de Moz, que fica aproximadamente a 30 km a oeste de Caxiuanã, a temperatura média anual do ar é de 26,3ºC, com extremos diários em torno de 22,3 a 31,6 C (DNMET, 1992). A precipitação acumulada anual média é de 2389,4 mm, com estiagem máxima em outubro, quando a precipitação média mensal cai à cerca de 52 mm (DNEMET, 1992). Pastagem A pastagem de Soure é de origem natural, representativa da parte sul e leste da Ilha do Marajó, que é coberta por campos utilizados para criação de gado bovino e bubalino. Nas
coordenadas 00 43 25 S e 48 30 29 W, no meio da pastagem selecionada, foram instalados os sensores no solo e no ar a 2 m acima da superfície. O solo do local ainda não foi classificado, mas é bastante arenoso e coberto por capim com cerca de 30 cm de altura. Existem poucos arbustos na área e algumas árvores baixas, à distância maior que 500 m do local experimental. A temperatura em Soure varia diariamente entre os máximos e mínimos em torno de 31,0 e 24,3 C, respectivamente, com média anual de 27,3ºC. O clima local é quente e úmido, com precipitação média anual de 3216 mm (DNMET, 1992). Essa precipitação atinge índice máximo em março, quando a ZCIT se centraliza no local. Entretanto, a borda avançada de nebulosidade da ZCIT alcança Soure em meados de dezembro, definindo o início da estação chuvosa. Instrumentação A umidade volumétrica do solo foi medida com sensores de Reflectometria no Domínio do Tempo TDR CS165 (Campbell Scientific Instruments, EUA) com precisão da medida em solo poroso e pouco argiloso com erro de aproximadamente 2%. Este tipo de reflectômetro é constituído de duas sondas paralelas de 30 cm de comprimento que no caso desse trabalho foram inseridas verticalmente no solo. Uma sonda emite pulsos de energia eletromagnética que são detectados pela sonda paralela receptora dos sinais. O teor de umidade volumétrica do solo (m 3 de água contido em 1 m 3 de solo) atenua os sinais da fonte controlada. Assim sendo, a magnitude dos sinais detectados na sonda receptora determina a média dessa variável ao longo do comprimento das sondas. Os valores usados para a análise desta variável são representativos da camada de 30 cm de profundidade, nos dois sítios. A precipitação acumulada foi medida com um pluviômetro de reservatório basculante CS700- L (Campbell Scientific Instruments, EUA) o qual tem resolução de 0,25 mm de precipitação e erro de 2%, para intensidades de chuva em torno de 100 mm/h. Todas as variáveis foram registradas pelo sistema de aquisição de dados CR10X (Campbell Scientific Instruments, EUA). RESULTADOS E DISCUSSÕES Na Figura 1 é mostrado o comportamento da umidade volumétrica do solo durante o período seco, com um espaçamento semanal entre os dias. O sítio da floresta registrou valores mais de três vezes maior que o sítio da pastagem. Pode-se também notar que a flutuação da umidade é muito mais expressiva na floresta. Os valores de umidade na pastagem mantiveram-se estáveis durante todo o período analisado.
Umidade do Solo (m 3. m -3 ) Julho a Novembro de 2002 0,45 5 0,40 45,00 0,35 4 0,30 35,00 3 0,25 25,00 0,20 2 0,15 15,00 0,10 1 0,05 5,00 1/7 8/7 15/7 22/7 29/7 5/8 12/8 19/8 26/8 2/9 9/9 16/9 23/9 30/9 7/10 14/1021/1028/10 4/11 11/1118/11 Dias PRP (mm) PRP Floresta PRP Pastagem Um. Solo Floresta Um. Solo Pastagem Figura 1: Médias diárias da umidade volumétrica dos solos na camada de 30 cm abaixo da superfície sob floresta (Caxiuanã) e pastagem (Soure) e totais diários de precipitação. Comportamentos na estação de transição e no período seco de 2002. No período chuvoso (Figura 2), a diferença de conteúdo de umidade no solo diminui entre os dois sítios. Quanto à flutuação da umidade, observa-se que nos dois sítios a variabilidade dentro do período chuvoso é significativa. No entanto, como confirmado na tabela 1, a maior flutuação foi encontrada na pastagem. Fevereiro a junho de 2003 Umidade do Solo (m 3. m -3 ) 0,50 0,45 0,40 0,35 0,30 0,25 0,20 0,15 0,10 0,05 20/2 27/2 6/3 13/3 20/3 27/3 3/4 10/4 17/4 24/4 1/5 8/5 15/5 22/5 29/5 5/6 12/6 19/6 26/6 Dias 14 12 10 8 6 4 2 PRP (mm) PRP Floresta PRP Pastagem Um. Solo Floresta Um. Solo Pastagem Figura 2: Médias diárias da umidade volumétrica dos solos na camada de 30 cm abaixo da superfície sob floresta (Caxiuanã) e pastagem (Soure) e totais diários de precipitação no período chuvoso de 2003. Na Figura 3 apresentam-se a média mensal das umidades com a precipitação total correspondente de cada mês na floresta e na pastagem dentro do período estudado. Na floresta e na pastagem, os meses mais chuvosos se concentram nos meses de janeiro a março, sendo que na pastagem os valores são maiores em relação à floresta. Ao longo dos outros meses, o total de precipitação na pastagem decai até não haver ocorrência de chuva nos meses mais secos, de agosto a novembro. No entanto, na floresta o regime de chuvas é sempre distribuído ao longo dos meses.
Os comportamentos médios mensais da umidade do solo na floresta e pastagem são bem distintos. Na pastagem, os maiores valores de umidade do solo ocorreram na época dos máximos de precipitação. Assim que iniciou a estiagem, a umidade do solo diminuiu até a faixa de 0,10 m 3.m -3. Na floresta, a ocorrência de chuvas em todos os meses permitiu uma suavização no comportamento da umidade do solo, com valores de até 0,42 m 3.m -3 nos meses chuvosos. No período seco, a umidade do solo da floresta teve valores mínimos, superiores a 0,30 m 3.m -3. Umidade do Solo (m 3.m -3 ) 0,50 0,45 0,40 0,35 0,30 0,25 0,20 0,15 0,10 0,05 dez/01 jan/02 fev/02 mar/02 abr/02 mai/02 jun/02 jul/02 ago/02 set/02 out/02 nov/02 dez/02 jan/03 fev/03 mar/03 abr/03 mai/03 jun/03 jul/03 ago/03 set/03 out/03 nov/03 dez/03 jan/04 fev/04 mar/04 abr/04 mai/04 jun/04 jul/04 ago/04 set/04 out/04 nov/04 dez/04 jan/05 fev/05 Meses 800 700 600 500 400 300 200 100 0 PRP (mm) PRP Floresta PRP Pastagem Um. Solo Floresta Um. Solo Pastagem Figura 3: Médias mensais das umidades dos solos e precipitação na Floresta e Pastagem no período experimental (01/12/2001 a 28/02/2005). Na Tabela 1 são apresentados os valores máximos, médios, mínimos e os desvios padrão da umidade volumétrica do solo na floresta e na pastagem durante o período seco no ano de 2002 e no período chuvoso do ano seguinte. Os valores máximos de umidade do solo foram registrados na floresta em ambos os períodos, sendo 0,396 m 3.m -3 no período seco e 0,459 m 3.m -3 no período chuvoso. Os valores mínimos encontrados na pastagem no período seco e chuvoso foram respectivamente 0,081 m 3.m -3 e 0,177 m 3.m -3. Pode-se observar ainda que, em termos de variabilidade sazonal, o desvio-padrão da umidade do solo foi alto na floresta durante o período seco, em torno de 0,027 m 3.m -3 contra 4 m 3.m -3 na pastagem. Durante o período chuvoso esta situação se inverte, sendo observado 0,022 m 3.m -3 na pastagem e apenas 0,015 m 3.m -3 na floresta. A cobertura vegetal de alto porte, bem como a porosidade no solo da floresta, permitem um armazenamento hídrico mais eficaz neste ecossistema quando comparado à pastagem, cujo solo é arenoso e a vegetação é de pequeno porte. Outro fato distinto é a diferença entre os dois sítios quanto ao aumento de umidade do solo entre os períodos seco e chuvoso. Na floresta houve um aumento de 34,6% enquanto que na pastagem houve um aumento de 176%.
Tabela 1: Valores Sazonais da Umidade dos Solos nos sítios de floresta (Caxiuanã) e pastagem (Soure). Período Seco Período Chuvoso Umidade (11/08/2002) - 20/11/2002) (20/02/2003-30/06/2003) Volumétrica (m 3.m -3 ) Floresta Pastagem Floresta Pastagem Máxima 0,396 0,106 0,459 0,272 Média 0,318 0,085 0,428 0,235 Mínima 0,285 0,081 0,383 0,177 DP 0,027 4 0,015 0,022 CONCLUSÃO No estudo da umidade volumétrica dos solos em floresta e pastagem no leste da Amazônia foram observados altos valores absolutos, bem como variabilidade dos conteúdos de umidade no solo da floresta em relação à pastagem. De um modo geral, todos os picos de umidade do solo registrados, tanto no período seco quanto no chuvoso nos sítios, representam ocorrência de precipitação diária acima de 20 mm. O alto valor do desvio-padrão na floresta no período seco mostra que a precipitação na floresta é bem distribuída temporalmente. No período de transição para o período seco, a pastagem é o sítio em que se verifica uma maior diminuição de umidade do solo, devido às condições fisiográficas do sitio de Soure serem desfavoráveis à etenção de umidade e a sua marcante dependência de precipitação associada a ZCIT. É conveniente afirmar ainda que independente dos períodos, o conteúdo de água no solo na floresta é muito maior do que na pastagem. O maior valor de umidade do solo registrado na pastagem no período chuvoso (0,272 m 3. m -3 ) não supera o menor valor encontrado na floresta (0,285 m 3. m -3 ) no período seco. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVALÁ, R. C. S.; et al. Intradiurnal and seasonal variability of soil temperature, heat flux, soil moisture content, and thermal properties under forest and pasture in Rondônia. Journal of Geophysical Research - Atmospheres, v. 107, p. 10-1-10-20, 2002. DNEMET. Normais Climatológicas (1961-1990), Ministério de Agricultura e Reforma agrária- Secretaria Nacional de Irrigação-Departamento Nacional de Meteorologia-Brasília (DF), Brasil. 1992, 84 p. ENTIN, J. K., et al. Temporal and spatial scales of observed soil moisture variations in the extratropics. Journal of Geophysical Research. v. 105, n. D9, p. 11865-11877, May, 2000. MORAES, J. C.; COSTA, J. de P. R.; ROCHA, E. J. P. e SILVA, I. M. O. Estudos hidrometeorológicos na Bacia do rio Caxiuanã. In: Lisboa, P. L. B. (org). CNPq/Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, p. 85-95, 1997. SOUZA, J. R. S. ; et al. Variabilidade da temperatura e umidade em solos sob Floresta, Pastagem e Manguezal, no Leste da Amazônia. In: Anais do XII Congresso de Meteorologia. Foz do Iguaçu- PR, 2002.