ANATOMIA DOS OVÁRIOS E CORPOS ADIPOSOS DE SCINAX FUSCOVARIA (ANURA, HYLlDAE)

Documentos relacionados
Classius de Oliveira & Lia Raquel de Souza Santos

R. Bras. Zootec., v.27, n.4, p , 1998

RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DA ICTIOFAUNA NA ÁREA DA UHE MAUÁ

Aparelho Reprodutor Feminino

O sistema reprodutor feminino. Os ovários e os órgãos acessórios. Aula N50

Sistema reprodutor masculino e feminino: origem, organização geral e histologia

BIOLOGIA. Moléculas, Células e Tecidos Gametogênese. Prof. Daniele Duó

ANÁLISE MORFOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO OVOCITÁRIO DE PIRACANJUBA, Brycon orbignyanus, DURANTE O CICLO REPRODUTIVO*

Esplancnologia. Sentido restrito Digestivo Respiratório Urinário Genital masculino Genital feminino. Sentido lato Vascular endócrino

Sistema Reprodutor Feminino. Acadêmica de Veterinária Carolina Wickboldt Fonseca

ORGANIZAÇÃO GERAL DO ORGANISMO

19/11/2009. Sistema Reprodutor Masculino Adulto. Formação do sistema genital. Sistema reprodutor feminino adulto. 1ª Etapa: Determinação sexual

DESCRIÇÃO ANATÔMICA DOS TESTÍCULOS E CORPOS ADIPOSOS DE Scinax fuscovarius (ANURA, HYLIDAE)

Introdução à Anatomia

RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DA ICTIOFAUNA NA ÁREA DA UHE MAUÁ

COMPONENTES SOMÁTICOS E GERMINATIVOS OVARIANOS DO CARANGUEJO-UÇÁ, Ucides cordatus LINNAEUS, 1763 (DECAPODA: OCYPODIDAE)

Bloco X- Testes- Células germinativas

Introdução à Histologia e Técnicas Histológicas. Prof. Cristiane Oliveira

Reprodução. Biologia Ambiental Professora: Keffn Arantes

SISTEMA REPRODUTOR FEMININO. Prof. Dr. José Gomes Pereira

Morphological Characterization of Development Stages of Male Reproduction Apparel of Bullfrog, Rana catesbeiana, in the Intensive Anfigranja System

HISTOLOGIA DE GÔNADAS MASCULINAS E FEMININAS DE LEBISTE (Poecilia reticulata)

GAMETOGÊNESE DIFERENCIAÇÃO DOS GAMETAS. Profª Msc. Tatiane da Silva Poló

GAMETOGÊNESE ESPERMATOGÊNESE OVOLUGÊNESE

INTRODUÇÃO. Formação: Funções: Dois rins Dois ureteres Bexiga Uretra. Remoção resíduos Filtração do plasma Funções hormonais

SISTEMA REPRODUTOR FEMININO

Biodiversidade Pampeana, PUCRS, Uruguaiana ISSN :11-18, 28 de dezembro de 2005

28/04/2010. Espermatozóides são formados e lançados no espaço do tubos. Tubos Seminíferos. Epidídimo. Testículo Células em divisão (mitose x meiose)

Predominância do componente celular % do peso corporal. Tecido muito influenciado por estímulos nervosos e hormonais

CONSIDERAÇÕES ESTRUTURAIS SOBRE O OVIDUTO DO ANURO Scinax fuscovarius (AMPHIBIA, HYLIDAE)*

Efeito da desnutrição materna durante a gestação no desenvolvimento ovariano inicial e subsequente desenvolvimento folicular em fetos de ovelhas

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO

5 Ecologia e biologia do peixe Mugil liza (tainha)

CORPO HUMANO: UM TODO FORMADO POR MUITAS PARTES

SISTEMA REPRODUTOR. Profª Talita Silva Pereira

AULA PRÁTICA 03 TECIDOS EPITELIAIS - EPITÉLIOS GLANDULARES LÂMINA Nº 46 INTESTINO GROSSO - HE

TECIDO CONJUNTIVO São responsáveis pelo estabelecimento e

Ano Lectivo 2009/2010

Sandra Iara Lopes Seixas Professora Adjunta do Departamento de Morfologia da Universidade Federal Fluminense

Embriologia. Prof. Bruno Ramello

DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA DO COMPLEXO FOLICULAR EM Cichla kelberi (PERCIFORMES, CICHLIDAE).

AULA PRÁTICA 05. Tecidos Conectivos - Matriz e Classificação LÂMINA Nº 90 - DIFERENTES CORTES DE PELE - ORCEÍNA

DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA DA FOLICULOGÊNESE E OOGÊNESE DO Laetacara araguaiae (Perciformes, Cichlidae).

Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária FCAV UNESP - Jaboticabal. Tel: (16)

Paulo de Tarso da Cunha Chaves 2

Transmissão da Vida Bases morfológicas e fisiológicas da reprodução 1.2. Noções básicas de hereditariedade. Ciências Naturais 9ºano

Exercícios Práticos de Anatomia Veterinária

Sistema Urogenital 24/11/2014. O Sistema Urogenital é um sistema de DUTOS! Sistema Urinário: Rins Ureter Bexiga Uretra. M Intermediário.

II.3 - Exemplos de Epitélios de Revestimento:

Os resumos serão recebidos no período do dia 15 de setembro a 20 de outubro de 2008

Sistema Reprodutor Feminino

01- O tecido conjuntivo é muito diversificado, podendo ser subdividido em outros quatro tecidos. a) Quais são esses tecidos? R.: R.

Profa. Dra. Thâmara Alves

BIOLOGIA. Moléculas, células e tecidos. Estudo dos tecidos Parte 2. Professor: Alex Santos

Fundamentos de Saúde SISTEMAS DO CORPO HUMANO

PROF. ROMMEL BARRETO Mestre em Morfologia (UFRJ)

Tecido conjuntivo de preenchimento. Pele

LISTA DE LAMINÁRIO HISTOLÓGICO

ESTUDO MORFOLÓGICO COMPARATIVO DOS OVÁRIOS DE VACAS E NOVILHAS DA RAÇA NELORE (Bos taurus indicus)

13-Nov-14. Intestino de humanos; 6-7X tamanho do corpo Intestinto de ruminantes: 20x tamanho do corpo. Desenvolvimento Gastrointestinal

GAMETOGÊNESE. Processo de formação e desenvolvimento das células germinativas especializadas OS GAMETAS.

ESTUDO SOBRE AS CÉLULAS E SUAS ORGANELAS

ORGANIZAÇÃO DO CORPO HUMANO - CÉLULAS. 8 ano Prof. Jair Nogueira Turma 82 - Ciências

CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIOMEDICINA REPRODUÇÃO HUMANA PROF. ESP. DOUGLAS G. PEREIRA

AULA PRÁTICA 13. SISTEMA CIRCULATÓRIO e MÚSCULO CARDÍACO

Anatomia Funcional do Sistema Digestório das Aves

31. Com relação aos principais componentes orgânicos celulares, assinale a afirmativa INCORRETA.

REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM

hormônios do sistema genital masculino gônadas masculinas

Impacto de barragem hidrelétrica na reprodução de peixes NILO BAZZOLI

Níveis estruturais do corpo humano

BIOLOGIA. Moléculas, células e tecidos. Gametogênese Parte 2. Professor: Alex Santos

03/02/2018 MÉTODOS DE ESTUDO: CÉLULAS E TECIDOS

Lista Recuperação terceiro ano/bio/wellington

Diplofase. Haplofase

1. Elementos dos tecidos conjuntivo propriamente dito. Observação de mastócitos e de fibras elásticas

Rogério C. Parizzi 2, Maria A. Miglino 3, Marina O. Maia 4, Joel A. Souza 2, José M. Santos 5, Moacir F. Oliveira 6 e Tatiana C.

ESTUDO MORFOLÓGICO DE SCHISTOSOMA MANSONI PERTENCENTES A LINHAGENS DE BELO HORIZONTE (MG) E DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP)

ANATOMIA APLICADA. Roteiro de Dissecação do Abdome. 1- Região Abdominal Ventral

Profª LETICIA PEDROSO

Aparelho reprodutor masculino

Capítulo 2 Aspectos Histológicos

CICLO CELULAR. Conjunto de modificações por que passa uma célula, desde seu aparecimento até sua própria duplicação.

A célula como unidade básica da biodiversidade

MAMÍFEROS. 15 Sistema Poliedro de Ensino Professora Giselle Cherutti

Nome RA. Introdução ao Estudo da Anatomia Humana

ROTEIRO AULA PRÁTICA 3: CÉLULAS DO TECIDO CONJUNTIVO

ACERVO DIGITAL FASE II. Embriologia. I Anfíbios. Lâmina F Mórula da Rã

BIOLOGIA - 3 o ANO MÓDULO 39 GAMETOGÊNESE

Aulas Multimídias Santa Cecília Profª Edna Cordeiro Disciplina: Biologia Série: 1º ano EM

1. TECIDO MUSCULAR. Figura 1: Tipos de tecido muscular: liso, estriado cardíaco, estriado esquelético

Lia R. de S. Santos & Classius de Oliveira

ANDERSON DOMINGUES GOMES

TECIDOS. Professora Débora Lia Biologia

4ª semana do desenvolvimento. Prof a. Marta G. Amaral, Dra. Embriologia molecular

INTRODUÇÃO SISTEMA URINÁRIO RINS INTRODUÇÃO RINS. Formação: Funções: Formato. Excreção da urina. Coloração. Localização. Doisrins.

É composto por : Sistema reprodutor Vulva (órgão genital externo). Vagina Útero Duas tubas uterinas Tem Dois ovários Função: secretar o óvulo (célula

Fig. 18. Leptodactylus lineatus. Ultraestrutura das glândulas granulosas do tipo G1.

FISIOLOGIA CELULAR. 4. Diferenciação celular 5. Formação dos tecidos 6. Níveis de organização do corpo humano. 1.

Transcrição:

ANATOMIA DOS OVÁRIOS E CORPOS ADIPOSOS DE SCINAX FUSCOVARIA (ANURA, HYLlDAE) Classius de Oliveira Umberto Jorge Alves de Andrade KEV WORDS: Scinaxfusco varia, Anura, Hylidae, ovary, anatomy, morfology. Scinax fuscovaria, Anura, Hylidae, ovário, anatomia, morfologia. ABSTRACT ANATOMY OF THE OVARIES ANO FAT BOOIES OF SCINAX FUSCOVARIA (ANURA, HYUOAE). The propitiousenvironmental conditions are responsible for a wide diversity of amphibians in many Brazilian regions. However, the inner morphological characteristics of the majority of these animais are not completely known. This paper aims at describing some anatomical characteristicsof the Scinax fusco varia fat bodies and ovaries. The ovaries are lobulated organs bounded by a tenuous and transparent ovarian capsule, which a/lows the identification of different types of germ ce/ls. Itis also brief/y described the histological characteristics of that ce/lular strain (oogonia, oocytes I,11,111, IV). The fat bodies, which are structures juxtaposed to the reproductive system, are attached digitiform prolongations near the cranial edges of kidneys and gonads. 80th structures, ovaries and fat bodies, present great morphological changes during their reproductive cycle. Endereço dos Autores: Departamento de Biologia - Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas - UNESP. 15054-000 São José do Rio Preto, SP. Acta Biologica Leopoldensia Julho/Dezembro

174 RESUMO Uma somatória de condições ambientais privilegiadas em muitas regiões do territóriobrasileirofavorecem a existência de uma grande diversidade de anfíbios, porém as características morfológicas internas da maioria destes animais ainda são pouco conhecidas. Assim, este trabalho descreve algumas características anatômicas dos ovários e corpos adiposos do hilídeoscinax fusco varia. Os ováriossão órgãos lobulados delimitados por uma delgada e transparente cápsula ovariana, através da qual é possível identificar diferentes tipos celulares germinativos. As características histológicas gerais desta linhagem celular (ovogônias, ovócitos I, 11, 111e IV)são descritas sucintamente. Os corpos adiposos, estruturas anexas ao aparelho reprodutor, são prolongamentos digitiformes aderidos próximo das extremidades craniais dos rins e gônadas. Ambas estruturas, ovários e corpos adiposos, manifestam grandes alterações morfológicas no decorrer do ciclo reprodutivo. INTRODUÇÃO A subclasse Lissamphibia é a mais recente e a única existente dentre as três que compõem a classe Amphibia, atualmente com mais de 4.520 espécies descritas. Das três ordens a mais representativa é denominada de Anura (85%), da qual a maioria das espécies encontra-se nas regiões tropicais e subtropicais, como na América do Sul, onde ocorrem 11 famílias (DUELLMAN & TRUEB, 1986). Dentre estas, a família Hylidae está representada por uma grande variedade de espécies com ampla distribuição geográfica, alcançando nas regiões neotropicais um maior grau de diferenciação, o que ocorre no Brasil (ALMEIDA,1984). As gônadas dos anfíbios e os corpos adiposos associados a estas têm uma origem embriológica comum (HUMPHREY, 1927). Este corpo adiposo é uma característica comum a todos os anfíbios (DUELLMAN & TRUEB, 1986) e servem como uma reserva nutricional para as gônadas, como inicialmente proposto por DUBOIS (1927) e constatado por FITZPATRICK (1976) analisando vários outros trabalhos em diferentes espécies. Segundo KÜKENTHAL et ai. (1986) na margem anterior dos ovários estão presentes corpos adiposos abdominais com função e forma peculiares. Os ovários são estruturas saculares e lobuladas com um epitélio germinativo que confere à gônada uma capacidade cíclica para proliferação e diferenciação de grandes quantidades de gametas (FRANCHI, 1962; LOFTS, 1974). As fêmeas próximas da oviposiçãoapresentamováriosaumentadose com intensa atividade vitelogênica, com proporcionalaumento do complexo folículo-ovocitário (HERMOSILLAet ai., 1986),comodescritopara Rana esculentacujo peso do ovário e tamanho da desova têm correlaçãodiretacom o peso corporal, coincidindo com as fases de atividade ovariana ao longo do ano (RASTOGI et ai., 1983).

175 Com base nas informações apresentadas acima e na escassez de trabalhos que descrevem a anatomia dos órgãos reprodutores de anuros tropicais, propomos uma descrição das características morlológicas do aparelho reprodutor feminino de Scinax fuscovaria, abordando as gônadas e os corpos adiposos independentemente da fase reprodutiva em que se encontre o animal. MATERIAL E MÉTODOS Pela dificuldade de coleta de indivíduos do sexo feminino em seu ambiente natural, foram utilizados apenas cinco exemplares adultos de S. fuscovaria (A. Lutz, 1925), que foram anestesiados por saturação em éter e sacrificados para as análises morlológicas. Os animais foram capturados em Botucatu (SP), durante o período de junho a dezembro de 1992, que corresponde à época de atividade reprodutiva. As análises macroscópicas foram realizadas em dois espécimes que foram sacrificados e fixados em formalina neutra 10%. A dissecação foi realizada por meio de uma incisão ventral-mediana da cloaca à altura dos membros anteriores. A análise da sintopia das estruturas e suas descrições, bem como a documentação fotográfica, foi realizada sob estereomicroscópio. Para os estudos histológicos, três fêmeas foram submetidas a dissecação após a anestesia e tiveram os órgãos reprodutores gotejados" in situ" com a solução de Bouin. Após a retirada dos fragmentos gonadais, os mesmos foram fixados em Bouin durante 20 horas, lavados em álcool etílico 70% e encaminhados à rotina histológica de desidratação, diafanização, inclusão em parafina e microtomia. A técnica de hematoxilinaleosina foi utilizada para coloração. RESULTADOS As fêmeas de S. fuscovaria apresentam dois ovários lobulados, localizados ventralmente aos rins e mantidos na posição por uma delgada membrana conjuntiva, o mesovário (FIGURAS 1 e 2). Em associação com a porção superior de cada ovário estão aderidas estruturas anexas ao aparelho reprodutorque são denominadas corpos adiposos abdominais e apresentam "in vivo" uma coloração que varia do esbranquiçado ao amarelo vivo, com várias tonalidades intermediárias. Numa descrição geral, são corpos formados por prolongamentos digitiformes dispostos em feixes jungidos pela base e divergentes nos ápices. Encontram-se fixos ao mesentério pela sua base ou "raiz", na altura das extremidades craniais dos rins e gônadas (FIGURA 2). Os prolongamentos podem espalhar-se portoda a cavidade, dependendo da suaforma e volume,o que também é variável de acordo com a fase reprodutivaem que se encontrao animal.

176 FIGURA1- Representação esquemática dos órgãos da cavidade corporal em vista ventral: corpos adiposos (CA); estômago (E); fígado (F); intestino (I); ovário direito (OD) e esquerdo (OE); pulmão (P) e canal retal (R). Aproximadamente duas vezes o tamanho natural. Md M ge ÇSL- '-..8. FIGURA2 - Esquema dos órgãos em vista dorsal: porçôes cranial (Cr), medial (Md) e caudal (Cd) do oviduto; corpos adiposos (CA); estômago (E); ovário esquerdo (OE); pulmão (P); mesovário (M)e rim (R). Aumento aproximado de 4x.

177 Em uma observação superficial foram identificadas granulações ovarianas, que correspondemaos ovócitosem diferentes estádios de maturação, o que só é possível ser visualizado pela transparência da cápsula ovariana ou túnica albugínea, uma camada de tecido conjuntivo que envolve o órgão conferindo-lhe forma e consistência(figura3a). Macroscopicamente,os ovócitos imaturos são menores e têm coloraçãoesbranquiçada.já num estádio intermediário de desenvolvimento assumem uma cor creme devido ao acúmulo de vitelo. Finalmente, quando estão próximos da maturação, encontram-se parcialmente pigmentados, com um hemisférioque mantém a cor creme e o outro parda (FIGURA 38). FIGURA 3 - Ovócitos de diferentes tamanhos e colorações observados pela transparência da delgada cápsula ovariana sob estereomicroscópio. A - Vista geral de um lóbulo (22x). B - Identificação dos ovócitos I (1), 11(2), 111(3) em estádio inicial e IV (4), com aumento de 40x.

178 Os ovários, quando analisados histologicamente, apresentam diferentes tipos celulares germinativos e, de maneira simplificada, esta linhagem celular foi dividida segundo suas características morfológicas em ovogônias, ovócitos I, 11, 111e IV (FIGURA 4). A FIGURA 4 - A- Ovário com ovogênese avançada: ovócitos I (1), 11(2), 111(3) e IV(4); cápsula ovariana (c) e interstício (i) com escasso material entre os ovócitos. Coloração H-E (22x). B - Secção do ovário imaturo: ninho de ovogônias (Og), ovócitos I (1) e 11(2). Coloração H-E (160x).

179 As ovogônias encontram-se geralmente agrupadas em ninhos na periferia da gônada. São as menores células da linhagem germinativa e se caracterizam por apresentarem pouca afinidade aos corantes. Os ovócitos I apresentam um volume celular maior do que as anteriores e seu citoplasma assume intensa basofilia e o núcleo uma discreta acidofilia. Caracterizando o estádio de ovócitos 11,há um progressivo aumento no número de nucléolos, que apresentam dimensões variáveis e preferencialmente localizam-se na periferia nuclear (FI- GURA 48). Nos ovócitos 111uma característica fundamental refere-se à deposição de inclusões vitelínicas, que ocorre inicialmente na região cortical e posteriormente, de maneira centrípeta, preenche praticamente todo o citoplasma; o núcleo está centralizado e é proporcionalmente grande (FIGURA 48). Neste estádio inicia-se o processo de polarização celular, originando dois hemisférios (animale vegetal) morfologicamente distintos. Nos ovócitos IV a polarização celular é nítida. Nestes, uma distinta camada de citoplasma periférico repleta de pigmentos e com a vesícula germinal (núcleo) deslocada para esta porção representa o hemisfério animal e a metade complementar, cujo citoplasma está preenchido pelo vitelo é denominada hemisfério vegetal (FIGURA 4A). Neste estádio final, o ovócito atinge seu maior volume e macroscopicamente, na gônada ou na massadesovada, os ovócitos apresentam duas tonalidades distintas: cor creme no hemisfério vegetal e marrom no hemisfério animal (FIGURA 3). Quando o ovário prossegue em direção da maturação, ocorre um aumento extraordinário do ovócito e da própria gônada, bem como uma diferenciação de estruturas periovocitárias que constituirão o envoltório folicular. Com o desenvolvimento gonadal as células germinativas pré-vitelogênicas (ovogônias, ovócitos I e 11)se localizam na periferia, mantendo contato direto com a cápsula ovariana, já os ovócitos em vitelogênese final e maduros são deslocados para a região central do lóbulo. Simultaneamente, o interstício ovariano torna-se cada vez mais escasso (FIGURA 4A). É importante salientar que não foram descritas outras estruturas ovarianas de considerável significado como os envoltórios foliculares, folículos atrésicos e pós-ovulatórios. DISCUSSÃO A estrutura morfológica geral e relação sintópica dos órgãos e tecidos que integram o aparelho reprodutor de S. fuscovaria, apresentam o mesmo padrão de organização geral da maioria dos anfíbios da ordem Anura. Os ovários dos anfíbios são órgãos pares retroperitoneais, cuja estrutura é a de uma víscera sacular e lobulada, com um epitélio germinativo que propicia uma ciclicidade na proliferação e diferenciação de gametas (FRANCHI, 1962;

180 LOFTS, 1974; HILDEBRAND, 1995). Esta ciclicidade gonadal segue a sazonalidade reprodutiva de cada espécie e geralmente acarreta mudanças morfológicas muito acentuadas. Em S. fuscovaria, os ovários são órgãos lobulados e geralmente assimétricos em forma e volume, sua consistência é frouxa e a forma é conferida pelo arranjo dos ovócitos em diferentes estádios de desenvolvimento. Estes ovócitos são envolvidos conjuntamente pela cápsula ovariana, sendo a gônada sustentada pelo mesovário ventralmente aos rins. Os ovários moldam-se, com muitas variações, aos segmentos do tubo digestivo em suas diferentes porções e estados funcionais. Obviamente esta plasticidade visceral ocorre de forma mais notável nas espécies que têm grandes alterações morfológicas cíclicas, o que também depende do número e tamanho dos ovócitos produzidos. A descrição acima é concordante com aquelas propostas para Caudiverbera caudiverbera (HERMOSILLAet ai., 1986) e Rheobatrachus silus (HORTON & TYLER, 1982), ambos da família Leptodactylidae. Assim, para C. caudiverbera, os ovários são delimitados por uma membrana transparente que possibilita visualizar os folículos em diferentes estádios de desenvolvimento. Esta membrana se reflete constituindo o mesovário, o qual segura as gônadas, por sua porção dorsal, à parede anterior dos mesonefros. HORTON & TYLER (1982) constataram assimetria no número de lobos ovarianos na maioria dos indivíduos analisados, sendo que na maior parte, havia mais lobos no ovário direito. KYRIAKOPOULOU-SKLAVOUNOU & LOUM- BOURDIS (1990) observaram, em Rana ridibunda, que o ovário esquerdo é usualmente maior. Em C. caudiverbera,a diferença de lobulação não representa diferença significativa de peso entre os ovários. É possível que a lobulação permita melhor acondicionamento do material ovariano (HERMOSILLA et ai., 1986). Em nossas observações, tornou-se muito evidente a necessidade morfofuncional destas assimetrias, uma vez que os órgãos associados ao aparelho reprodutor sofrem drásticasvariações, principalmente de forma e volume. Estes, em conseqüência, acomodam-se de maneiras distintas na cavidade corporal. Em uma observação preliminar e pouco detalhada da granulação ovariana em S. fuscovaria, foram identificados ovócitos em distintos estádios de diferenciação e quando estes associam-se com células somáticas ao seu redor formam os complexos folículo-ovocitários. HERMOSILLA et ai. (1986) relataram que os maiores folículos possuem clara polarização de pigmento melânico no hemisfério animal e que, na teca externa, há abundância de vasos sanguíneos, fibras colágenas e fibroblastos. Essa amplificação na vascularização, supõem os autores, contribui para os processos vitelogênicos e, possivelmente, seja necessária para dar expressão funcional às células foliculares, cujas interações com o ovócito do mesmo complexo foiículo-ovocitário são evidentes nos processos de maturação folicular. Acreditamos que estas estruturas e suas possíveis funções sejam semelhantes em S. fuscovaria. Apesar de não existir consenso e padronização na divisão dos estádios de desenvolvimento dos tipos celulares germinativos, a maioria dos autores

181 costuma dividí-ios em cinco ou seis estádios, embora nem sempre se equivalham. A nomenclatura utilizada também não apresenta um padrão comum para as descrições em diferentes espécies. Desta forma alguns autores referem-se a estádios foliculares (REDSHAW, 1972; HERMOSILLA et a!., 1986; BEROIS & DE sá, 1988), enquanto que outros denominam de fases ovocitárias (PAN- CHARATNA & SAIDAPUR, 1985; DUMONT, 1972; AGOSTINHO, 1988). Independentemente destas classificações, entendemos que as células pré-vitelogênicas e em vitelogênese inicial se localizam na periferia ovariana em função do extraordinário crescimento pelo qual passarão, o que torna-se facilitado pela capacidade de distensão da cápsula ovariana. Por outro lado, caso as células em desenvolvimento estivessem intercaladas aos enormes ovócitos maduros, ao crescerem seriam simplesmente comprimidas por estes. A análise dos corpos adiposos de S. fuscovaria revelou que são constituídos por prolongamentos digitiformes amarelados, presos ao mesentério na altura das extremidades craniais dos ovários e rins, podendo espalhar-se por toda a cavidade corporal em função da forma, volume e fase reprodutiva. Descrições semelhantes são encontradas para outras espécies (RASTOGI et ai., 1983; KÜKENTHAL et a!., 1986; AGOSTINHO, 1988). De maneira similar àquelas observações em S. fuscovaria, foram documentadas variações morfológicas sazonais em Rana ridibunda (KYRIAKOPOULOU-SKLAVOUNOU & LOUMBOURDIS, 1990), Rana cyanoph/yctis (PANCHARATNA & SAIDAPUR, 1985) e várias outras espécies (FITZPATRICK, 1976). Em Chthonerpeton indistinctum (BEROIS & DE sá, 1988), os corpos adiposos são órgãos lobados presentes em ambos os sexos, sendo o número de lobos variável, e que se estendem do fígado à cloaca aderidos à parede dorso-medial pelo mesentério. São compostos de tecido adiposo bem desenvolvido e a irrigação sanguínea ocorre nos ângulos intercelulares.em S. fuscovaria, após observações nos animais recém-sacrificados, foi constatada a presença de vasos sanguíneos percorrendo longitudinalmente toda a extensão dos prolongamentos e a ocorrência de variação na coloração (do esbranquiçado ao amarelo vivo), provavelmente associada com a fase de maturação gonadal. As estruturas denominadas corpos gordurosos ou adiposos, associados às gônadas, são típicas da classe Amphibia (DUELLMAN & TRUEB, 1986). Constituem a principal fonte de energia lipídica nos anfíbios (FITZPATRICK, 1976), embora suas funções ainda não estejam esclarecidas, podendo estar relacionadas com hibernação, servindo de reserva energética neste período (BUSH, 1963). Os corpos adiposos são órgãos de reserva nutricional cuja principal função é suprir as gônadas. Os maiores corpos adiposos observados ocorrem em fêmeas na época da desova e podem bem ser um reservatório de nutrientes. São proporcionalmente muito menores em fêmeas com ovos imaturos (NOBLE, 1931). AGOSTINHO (1988) sugeriu que os corpos adiposos, aderidos à porção superior dos ovários, supostamente armazenam energia para ser utilizada durante o acasalamento e como reserva durante o inverno. Suavariação sazonal

182 foi correlacionada com períodos de dormência durante tempo desfavorável e com reprodução (produção de gametas e vitelo, atividade de procriação e cuidados com a ninhada) em muitos anfíbios, como nos gêneros Bufo, Rana, Scaphiopus (FITZPATRICK, 1976). Embora ainda persistam algumas dúvidas sobre os aspectos funcionais destas estruturas, seu arranjo estrutural é muito semelhante entre as espécies integrantes do mesmo grupo, como constatado para os anuros. AGRADECIMENTOS À FUNDUNESP pelo auxílio financeiro (proc. 109/94 DFP/F/CBS) e ao CNPq (PIBIC 95/96) pela concessão da bolsa de iniciação científica para Umberto J. A. Andrade. Aos Professores Gisele Manganelli Fernandes, João Carlos Gonçalves e Dra. Nívea Conforti Froes pela colaboração na versão do resumo para língua inglesa. REFERÊNCIAS AGOSTINHO, CA 1988. Estimativa dos parâmetros genéticos e fenotípicos de características de produção em rã-pimenta Leptodacty/us /abyrinthicus (Spix, 1824). Dissertação do Curso de Pós-Graduação em Genética da Universidade Federal de Viçosa, para Mestrado em Ciências. Viçosa. ALMEIDA, C.G. 1984. Aspectos biológicos e citogenéticos de Hy/a fuscovaria (Amphibia-Anura). Dissertação do Curso de Pós-Graduação em Biologia Celular na Universidade de Campinas, para Mestrado em Ciências. Campinas. BEROIS, N. & DE sá, R. 1988. Histology of the ovaries and fat bodies of Chthonerpeton indistinctum. J. Herpetol. 22(2): 146-151. BUSH, F.M. 1963. Effects of light and temperature on the gross composition of the toad, Bufo fowleri. J. Exp. Zool. 153: 1-13. DUBOIS, A.M. 1927. Les corrélations physiologiques entre les glandes génitales et les corps jaunes chez les batraciens. Rev. Suisse Zool. 34: 499-581. DUELLMAN,W.E. & TRUEB, L. 1986. Biology of amphibians. McGraw-Hill, New York, pp.670. DUMONT, J.N. 1972. Oogenesis in Xenopus laevis (Daudin). I. Stages of oocyte development in laboratory maintained animais. J. Morphol. 136: 153-179. FITZPATRICK,L.C. 1976. Ufe history patterns of storage and utilization of lipids for energy in amphibians. Amer. Zool. 16: 725-732.

183 FRANCHI, L. 1962. The structureof the ovaryvertebrates.in: ZUCKERMAN, S.S. (Ed.). The Ovary. Academic Press, New York, pp.129-131. HERMOSILLA, I.B.; COLOMA, L.S.; WEIGERT, G.T.H.; REYES, E.T. & GOME- ZO, V. 1986. Caracterizacion dei ovario de Ia rana Chilena Caudiverbera caudiverbera (Linne, 1758) (Anura, Leptodactylidae). BoI. Soe. Biol. 57: 37-47. HILDEBRAND, M. 1995. Análise da estrutura dos vertebrados. Atheneu, São Paulo, 700p. HORTON, P. & TYLER, M.J. 1982. The female reproductive system of the Australian gastric brooding frog, Rheobatrachus silus (Anura: Leptodactylidae). Aust. J. Zool. 30: 857-863. HUMPHREY, R.R. 1927. Extirpation of the primordial germ cells of Ambystoma: its effects upon the development of the gonad. J. Exp.Zool.49: 363-399. KÜKENTHAL, W.; MATTHES, E. & RENNER, M. 1986. Amphibia.ln: KÜKENT- HAL, W.; MATTHES, E. & RENNER, M. (Eds.). Guia de trabalhos práticos de zoologia. Almedina, Coimbra, p.391-418. KYRIAKOPOULOU-SKLAVOUNOU, P. & LOUMBOURDIS, N. 1990. Annual ovarian cycle in the frog, Rana ridibunda, in northern Greece. J. Herpetol. 24(2): 185-191. LOFTS, B. 1974. Reproduction. In: LOFTS, B. (Ed.). Physiology ofthe amphibia. Academic Press, New York, pp.107-218. NOBLE, G.K. 1931. The biology 01 the amphibia. McGraw-Hill, New York, pp.577. PANCHARATNA, M. & SAIDAPUR, S.K. 1985. Ovarian cycle in the frog Rana cyanoph/yctis: a quantitative study of follicular kinetics in relation to body mass, oviduct and fat body cycles. J. Morphol.186(2): 135-147. RASTOGI, R.K.; IZZO-VITIELLO, 1.;DI MEGLlO, M.; DI MATTEO, L.; FRANZE- SE, R.; DI COSTANZO, M.G.; MINUCCI, S.; IELA, L. & CHIEFFI, G. 1983. Ovarian activity and reproduction in the frog, Rana escu/enta. J. Zool. 200: 233-247. REDSHAW, M.R. 1972. The hormonal control of the amphibian ovary. Am. Zoologist 12: 289-306. Recebido em 06/05/97 Aceito em 16/06/97