A CELEUMA DAS BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS: A LIBERDADE COMO ELEMENTO IDEOLÓGICO DO CAPITAL Na baixa Idade Média, o modo de produção feudal que tinha como estrutura, o Rei e a nobreza assessorados pela Igreja Católica em que a vontade do déspota era a vontade da lei, criava um cenário de insegurança socioeconômica para a emergente classe social que posteriormente foi denominada Burguesia. A Burguesia neste contexto histórico compunha o que ficou denominado de Terceiro Estado, estamento social que há época sustentava todo o antigo Regime. A situação era incômoda na medida em que não havia uma previsibilidade jurídica no sistema feudal, tendo como única baliza os humores do monarca. Esta imponderabilidade era um óbice para a proliferação dos ideais burgueses, que tinha no iluminismo o substrato ideológico. Em 1789 na França, a burguesia gritou Liberté, Egalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), como bandeira para destituir o antigo regime. A Burguesia liderada pelos jacobinos utilizou todo o Terceiro Estado como bucha de canhão para implementar as ações mais agressivas ao Antigo Regime, tendo como standard destas ações o guilhotinamento dos monarcas e a queda da bastilha, antiga prisão francesa. O terror jacobino e posteriormente a governabilidade girondina não são considerados atos de mera anarquia, mas uma revolução, pois estavam pontuados axiologicamente no iluminismo burguês, em que pregava a Liberdade do Estado, ou seja, o controle do Leviatã através de garantismo legal; a igualdade jurídica ou formal dentro do Estado, ou seja, não haveria mais tratamento diferenciado em razão de sua origem; e a fraternidade, como elemento de integração nacional em nome de um País unido, guiado pelas palavras de ordem iluministas.
A tríade axiológica burguesa atualmente está presente nos textos Constitucionais de todos os Países democráticos ocidentais como garantismo legal frente ao Estado. A própria Declaração Universal de Direitos Humanos, criada pela Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, composta pelos Países vencedores da segunda Grande Guerra, delineia-se em cima das palavras de ordem de 1789. Surge o rol de Direitos mínimos a serem observados pelos Estados que compunham as Nações Unidas, após a tragédia do nazi-facismo. A liberdade foi classificada como Direito de primeira Geração ou Dimensão, como é atualmente conhecido. A Igualdade de segunda dimensão e a fraternidade como terceira dimensão. Em 1968, 14 dias após a decretação do AI-5, Caetano Veloso, um dos fundadores do Tropicalismo, movimento musico-cultural que pretendia mudar os paradigmas (e mudou) da música popular brasileira, reinterpretando os valores e cultura Brasileiros, lança no teatro da PUC-SP, a música é proibido proibir. Ao discursar sobre o conservadorismo do Público que o vaiava, Caetano comparou a percepção que aquela plateia tinha da (nova) música ao que tinha de política, haja vista à época, boa parte da população brasileira apoiava o golpe militar. A postura libertária e rompedora de paradigmas daquele Caetano de 1968, hoje é posta em xeque, quando encabeça movimento contrário às Biografias não autorizadas e a liberdade pregada à época não mais se coaduna com a postura conservadora dos tempos atuais. O argumento utilizado pelos artistas que são contrários à possibilidade de publicação de biografias sem as suas autorizações é que fere à privacidade, Direito Fundamental Constitucionalmente protegido, por se caracterizar como parcela dos Direitos da personalidade do cidadão. Acrescentam que não se trata de censura, aliás isso eles deveriam saber bem do que se trata, pois durante à Ditadura Militar no Brasil suas músicas só eram autorizadas à execução após o censor analisar e entender que não eram subversivas e não ofereciam risco à Segurança Nacional.
A polêmica sobre a publicação de biografias chegou ao Supremo Tribunal Federal. A Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de dois artigos do Código Civil, que afirmam a necessidade de autorização para a publicação ou uso da imagem de uma pessoa e que a divulgação de escritos, a transmissão, publicação ou exposição poderão ser proibidas se atingirem a honra, a boa fama, a respeitabilidade ou se tiverem fins comerciais. O outro artigo diz que a vida privada é inviolável, in verbis: Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais. Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. A Associação dos Editores alega que a necessidade de autorização prévia é uma forma de censura. E que isso ataca a Constituição, que prevê a liberdade de expressão e o direito à informação. Os editores pedem que o Supremo declare a inconstitucionalidade parcial dos artigos, deixando claro que não deve haver autorização prévia para a publicação de biografias. Ora, qual é o problema de se publicar biografias sem a autorização do biografado? Se existirem informações inverídicas ou que atentem contra a dignidade do biografado, o próprio ordenamento jurídico determina que o lesado poderá acionar civil e criminalmente o autor da lesão, sendo possível obter diversas providências, desde a retirada do material de circulação, perpassando por indenização civil e até sanções criminais, quando se tratar de crimes contra a honra, a saber:
art. 5º, CRFB... XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; É sabido que nenhum Direito Fundamental é absoluto, exceto a Dignidade da Pessoa Humana. Sendo assim a tutela do Direito à imagem da pessoa pública tem tratamento diferenciado, portanto a relação da liberdade de imprensa e a proteção dos Direitos da personalidade tem neste caso ponderação particular, já que é possível em casos específicos, a limitação do Direito à imagem de uma pessoa, mesmo sem a sua anuência. A doutrina civilista elenca algumas hipóteses, a saber: a) Se tratar de pessoa notória. A pessoa que se torna de interesse público pela fama ou significação intelectual, moral, artística ou política não poderá alegar ofensa ao seu direito à imagem se sua divulgação estiver ligada à ciência, às letras, à moral, à arte e à política. Isto é assim porque a difusão de sua imagem sem seu consenso deve estar relacionada com sua atividade ou com o direito à informação; b) Se referir ao exercício de cargo público, pois quem tiver função pública de destaque não pode impedir, que, no exercício de sua atividade, seja filmada ou fotografada, salvo na intimidade; c) Se a informação atender à administração ou serviço da justiça ou de polícia, desde que a pessoa não sofra dano à sua privacidade; d) Se tiver de garantir a segurança pública, em que prevalece o interesse social sobre o particular, requerendo a divulgação da imagem, por exemplo, de um procurado pela polícia ou a manipulação de arquivos fotográficos de departamentos policiais para a identificação do delinquente; e) Se busca atender ao interesse público, aos fins culturais, científicos e didáticos. Quem foi atingido por uma doença rara não pode impedir, para esclarecimento de cientistas, a
divulgação de sua imagem em cirurgia, desde que preserve seu anonimato, evitando focalizar sua fisionomia; f) Se houver necessidade de resguardar a saúde pública. Assim, portador de moléstia grave e contagiosa não pode evitar que se noticie o fato; g) Se a imagem, em que a figura é tão somente parte do cenário (congresso, exposição de obras de arte, enchente, praia, tumulto, show, desfile, festa carnavalesca, restaurante etc), sem que se a destaque, pois se pretende divulgar o acontecimento e não a pessoa que integra a cena; h) Se tratar de identificação compulsória ou imprescindível a algum ato de direito público ou privado, neste caso ninguém pode se opor a que se coloque sua fotografia em carteira de identidade ou em outro documento de identificação, nem que a polícia tire sua foto para serviço de identificação. Nesta hipótese, só será permitido à identificação criminal, se não for possível a identificação civil. Portanto, pode-se concluir que diante a ponderabilidade de interesses é possível em cada caso concreto limitar a liberdade de imprensa e em outros o Direito à imagem, já que nenhum deles tem caráter absoluto. E no caso em tela o que deve prevalecer? Antes de se possibilitar uma solução para este litígio, convêm determinar o cerne da discussão. Será que se têm de fato um confronto entre LIBERDADES? Liberdade de imprensa x liberdade de imagem? Ou o epicentro da lide somente tangencia a liberdade, mas tem como foco outra questão? Se os biografados não autorizarem suas biografias ou se outorgarem onerosamente a um preço inviável para publicação do livro, a consequência será que aquele personagem não poderá ser retratado para a coletividade, ou seja, afeta a liberdade de expressão. O cerne da discussão não perpassa além de dinheiro. A Liberdade que os editores querem para suas publicações é porque vivem disso e se tiverem que pedir autorização (PAGAR A OUTORGA) para publicar seus
textos biográficos poderão perder material de trabalho e com certeza perderão dinheiro. A privacidade (Direito à imagem) que os artistas também querem resguardar, pode muito bem ser relativizada caso os escritores paguem pelo uso de suas imagens. Enfim, se pagar pode devassar a vida dos famosos! A liberdade de outrora era, é e será elemento ideológico para atingir o fim maior que é o CAPITAL. Afinal qual sempre foi à meta dos burgueses? Salvador, 03 de Dezembro de 2013. Autor: Nilton Roberto Martins Cabral Guimarães Advogado e Sócio Fundador do escritório Nilton Roberto Guimarães Advocacia e Consultoria Jurídica