RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO SABOR: EVOLUÇÃO RECENTE E RELAÇÕES COM MUDANÇAS SÓCIO-AMBIENTAIS. Adélia NUNES

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Transcrição:

RECURSOS HÍDRICOS NA BACIA DO RIO SABOR: EVOLUÇÃO RECENTE E RELAÇÕES COM MUDANÇAS SÓCIO-AMBIENTAIS Adélia NUNES Instituto de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Praça da Porta Férrea, 3004-530 Coimbra, Portugal, + 351 239859900 adelia.nunes@ci.uc.pt Resumo: O objectivo deste trabalho é analisar a evolução dos recursos hídricos superficiais na bacia do rio Sabor, desde a segunda metade do século XX até aos primórdios do XXI, e relacionar a sua dinâmica com a variabilidade climática e alterações socioeconómicas. Os resultados obtidos mostram uma diminuição no escoamento total anual deste curso de água, embora sem significado estatístico. Com excepção do Outono, que verifica um ligeiro incremento, todas as outras épocas do ano revelam tendências regressivas nos escoamentos observados, mais relevantes no Inverno e Primavera, embora no Verão, dada a acentuada estiagem manifestada por este rio, possam ocorrer situações de precariedade em termos de recursos hídricos. Esta tendência declinante dos recursos hídricos, em especial após o inicio dos anos 80, poderá dever-se a causas múltiplas, relacionadas com decréscimos na precipitação, dada a forte correlação que se estabelece entre estas duas variáveis, mas também poderá estar associada a factores, como por exemplo mudanças no uso e coberto vegetal do solo. Palavras-chave: Recursos hídricos, Mudanças sócio-ambientais, Rio Sabor, Portugal. 1. Introdução O balanço hidrológico ao nível da bacia hidrográfica é controlado pela inter-relação entre clima, solo e vegetação (Eagleson, 1978). A modificação de um destes factores deverá desencadear alterações na resposta hidrológica da bacia, tanto em termos de qualidade como quantidade. No caso do clima, a evolução que experimentam variáveis como a precipitação, temperatura e evapotranspiração, é determinante para avaliar a disponibilidade hídrica de um espaço devido ao seu papel-chave em qualquer balança hídrico (Dunne & Leopold, 1978). A nível europeu parecem verificar-se fenómenos contrastados nas relações entre os processos climáticos e hidrológicos (Shorthouse & Arnell, 1999), salientando-se para a Europa Setentrional os trabalhos realizados por Arnell (1998), para o Reino Unido, e kiely (1999), para a Irlanda, os quais mostram um incremento na precipitação, assim como nos caudais dos rios. Em contrapartida, para a Europa Meridional parece existir um consenso científico em torno da diminuição da precipitação e das contribuições fluviais, destacando-se os trabalhos de Ayala-Carcedo & Iglesias (2000), na Espanha, Mimikou et al. (2000), na Grécia, e o de Santos & Miranda (2006), em Portugal. Embora o factor climático seja um dos elementos determinantes na compreensão da hidrologia de uma região, para perceber os recursos hídricos, relacionados com a produção de escoamento, não se pode desprezar o papel da respectiva área tributária, especialmente no que se refere ao uso do solo e respectiva cobertura vegetal (Gupta & Waymire, 1990; Loaiciga et al., 1996, Barbancho & Tejeda, 2006). Aliás, as relações entre as mudanças no uso e cobertura vegetal do solo e as variações na resposta hidrológica das respectivas bacias encontram-se amplamente estudadas, destacando os trabalhos de Bosch & Hewlett (1982) e Zhang & Schilling (2006), entre outros. Um dos processos que mais interesse tem despertado na comunidade científica, sobretudo da Europa Mediterrânea, relaciona-se com as mudanças recentes no uso do solo, caracterizadas pelo abandono de vastas áreas agrícolas a par de um incremento na área de floresta, e nos

respectivos efeitos sobre a disponibilidade de recursos hídricos (Gallart & Llorens, 2001; Beguería et al., 2003; Barbancho & Tejeda, 2006; Nunes, 2007). A este propósito Gallart & Llorens (2001) observaram, após a análise do balanço hídrico em várias bacias espanholas durante os últimos 50 anos, que a maior parte das diminuições assinaladas não se explicavam pelo aumento do consumo de água por regadio ou pelas oscilações climáticas, mas sim devido a alterações registadas nas respostas das cabeceiras fluviais, na sequência da recuperação das massas florestais. Beguería et al. (2003) sugerem que a regeneração vegetal, após o abandono de terras de cultivo, é a principal causa da diminuição na produção de caudais nos Pirenéus Centrais Espanhóis. De facto, são múltiplas as investigações a concluir que a presença de densas comunidades arbustivas e arbóreas, apesar de favorecerem a infiltração e limitar o escoamento superficial, aumentam as perdas de água por intercepção e evapotranspiração (Belmonte Serrato et al., 1999; VanShaar et al., 2002; Keenan et al., 2004). Devido ao crescente interesse por este tipo de estudo, com o intuito de avaliar a estabilidade dos caudais, em regime natural, pretende-se com este trabalho analisar a evolução temporal dos recursos hídricos superficiais na bacia do rio Sabor, desde a segunda metade do século XX até aos primórdios do XXI, e relacionar a sua dinâmica com a variabilidade climática, em particular com as variações nos quantitativos de precipitação, e alterações socioeconómicas, sobretudo ligadas às mudanças no uso e cobertura vegetal do solo. Optou-se por este curso de água por dispor de séries de dados já, consideravelmente, longas e também por não ter sido afectado por nenhuma obra relevante de regularização, portanto os respectivos comportamentos podem ser considerados de representativos do regime natural. 2. Área de estudo O rio Sabor, afluente da margem direita do rio Douro (Figura 1), nasce em Espanha na Serra de Montesinho, e drena uma área de aproximadamente 3868 km 2, sendo que 555 km 2 se localizam em território espanhol. Com uma forma alongada, no sentido Norte/Sul, a bacia do Sabor e seus afluentes estende-se principalmente por Trás-os-Montes oriental, o que corresponde, em termos geomorfológicos, a um retalho bem conservado da superfície da Meseta. Acima dessa superfície encontram-se, em posição culminante, alguns relevos residuais de posição e de dureza. Por se integrar numa das grandes unidades geológicas da Península Ibérica, o Maciço Hespérico, predominam diversos tipos de rochas: granitóides, xistosas, quartzíticas e metamórficas. As formações do Complexo xisto-grauváquico anteordovícico e séries metamórficas derivadas são as que ocupam a maior extensão. As altitudes, só em território português, oscilam entre menos de 100m e mais de 1200m. A área drenada pelo Sabor e seus afluentes caracteriza-se por enormes gradientes pluviométricos, ultrapassando em média os 1000mm. De um modo geral, os totais anuais de precipitação vão-se incrementando no sentido Sul/Norte, em associação directa com a altitude. Pelo facto das precipitações se processarem dominantemente sob a forma líquida, as linhas de água respondem directamente aos seus quantitativos e, por consequência, o seu regime hidrológico assume-se marcadamente pluvial, em consonância com as fortes irregularidades intranuais e inter-anuais, manifestadas pelas chuvas sob clima Mediterrâneo. Os dados constantes no quadro 1, relativos ao posto hidrométrico da Qt. das Laranjeiras, atestam o carácter irregular desta linha de água, concentrando os maiores escoamentos nos

meses de Outono-Inverno, entre Dezembro e Março, devido às precipitações líquidas de carácter frontal, associadas à passagem de perturbações frontais de Oeste, típicas das nossas latitudes. De Julho a Setembro, os valores médios dos caudais são bastante baixos, chegando a mesmo a ser nulos, nos anos de estios mais marcados. Figura 1. Localização da bacia hidrográfica do Sabor e variações nos totais médios anuais da precipitação (apenas em território português) Quadro 1. Estatísticas relativas ao escoamento mensal observado no rio sabor (Qt. das Laranjeiras), entre 1950/51-2006/07 OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET Mínimo (dam 3 ) 0 3500 5100 4630 4100 6690 10760 5250 1350 27 0 0 Máximo (dam 3 ) 292000 669200 838930 1089850 1106100 911131 336700 230890 84807 41020 16210 18000 Média (dam 3 ) 20148 71810 165642 197319 202629 154130 75946 43495 18695 5812 1261 1801 Mediana (dam 3 ) 6080 20640 58476 93970 99187 75946 39900 30600 15900 3730 620 1100 D.padrão (dam 3 ) 51937 122498 212867 231811 246983 196889 77110 42956 17916 8213 2548 2837 C.Variação (%) 258 171 129 117 122 128 102 99 96 141 202 157 3. Métodos e técnicas A informação relativa ao escoamento superficial na bacia hidrográfica do rio Sabor bem como os dados referentes à precipitação foram extraídos do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) do Instituto da Água (INAG). Para analisar a dinâmica hidrológica deste curso de água optou-se pelos dados do posto hidrométrico Qt. das Laranjeiras, já bastante próximo da sua foz, por dispor de uma longa e contínua série de dados, superior a 50 anos (1950/51-2006/07). Analisou-se a evolução temporal das suas contribuições anuais e mensais, e expressou-se, graficamente, a tendência

observada para o período estudado. Para contrastar o grau de significado das tendências (positiva, negativa ou nula) com um determinando nível de confiança, aplicou-se o coeficiente ρ de Spearman, teste não paramétrico, recomendado por vários autores (Sneyers, 1992; Yue et al., 2002). Este coeficiente não é sensível a assimetrias na distribuição, nem à presença de outliers, não exigindo, portanto, que os dados provenham de duas populações normais. O coeficiente ρ de Spearman varia entre 1 e -1. Quanto mais próximo estiver destes extremos, maior será a associação, directa ou inversa, entre as variáveis. Como indicador da variação dos caudais médios diários analisou-se a frequência de dias em que se superaram determinados limiares. Estes limiares são de grande utilidade para definir eventos, como por exemplo caudais de cheia, tendo sido utilizados por diversos autores (López Moreno, 2003; Machín et al., 2005). Neste caso, determinaram-se os dias com caudais 10 vezes superiores e 10 vezes inferiores à média. Um outro método utilizado para melhor compreender a distribuição dos caudais baseia-se na sua ordenação por quartis e/ou percentis (López Moreno, 2003). Assim, depois de determinados os limiares para cada uma das classes de percentis, procede-se à quantificação da distribuição dos caudais. Esta classificação dá informação sobre se um reduzido número de dias se caracteriza por elevados caudais ou se, pelo contrário, assinalam caudais reduzidos, por largos períodos de tempo. Para examinar o grau de inter-relação entre as precipitações, em diversos pontos da bacia, e o escoamento superficial aplicou-se o coeficiente de correlação de Pearson. Trata-se de uma medida de associação linear que se utiliza quando as variáveis se distribuem normalmente, sendo o respectivo coeficiente de variação compreendido entre +1,00 e -1,00. Na análise das tendências evolutivas da precipitação aplicou-se o coeficiente ρ de Spearman. Na interpretação dos resultados foram tidos em conta níveis de significado inferiores a 0,05 (pvalue <0,05). A análise dos dados fez-se com o programa estatístico SPSS. Devido à importante extensão geográfica da bacia hidrográfica do Sabor, utilizaram-se os dados de vários postos hidrométricos, 11 no total (Figura 1), sendo no conjunto da rede disponível os que apresentavam as séries mais completas 1. Para análise das alterações experimentadas no uso e cobertura vegetal do solo, nos concelhos que se integram na bacia hidrográfica do Sabor, utilizaram-se os dados constantes nos dois últimos recenseamentos agrícolas, de 1989 e 1999, do Instituto Nacional de Estatística (INE). 4. Resultados 4.1. Regime fluvial: características e tendência evolutiva A análise ao gráfico da figura 2, no qual se representam os valores anuais de escoamento e a respectiva a tendência evolutiva, desde a década de 50 da passada centúria até aos inícios da actual, mostra a forte variabilidade interanual observada nos caudais, tendo-se se registado o valor máximo de escoamento no ano hidrológico de 2000/01. Os resultados obtidos mostram, 1.Períodos de monitorização nos diferentes postos udométricos: Celas: 1950/51-2006/07; Alfândega da Fé : 1950/51-2006/07; Cerejais: 1950/51-2006/07; Morais: 1950/51-1958/59 e 1961/62-2006/07; Mogadouro: 1950/51-1999/00 e 2004/05-2006/07; Carviçais: 1950/51-1999/00 e 2003/04-2005/06; Deilão: 1950/51-2000/01; Bornes: 1957/58-2005/05; Pinelo: 1956/60-2002/03: Vales: 1960/01-2000/01 2003/04-2006/07; Soutelo: 1957/58-1997/98.

ainda, uma tendência declinante no escoamento total anual desta linha de água, embora esse decréscimo não seja, para o período analisado, estatisticamente significativo (Quadro 2). Com excepção dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro que assinalam tendências crescentes, sem relevância estatística, todos os outros manifestam uma evolução negativa nos escoamentos observados (Quadro 2). As quebras mais relevantes, com significado estatístico ao nível de 0,05, ocorreram nos meses de Março, Abril, Junho e Julho. Em Agosto, a diminuição é expressiva ao nível de p 0,1. Esta perda de recursos hídricos na Primavera e no Verão, dada a acentuada estiagem manifestada por este rio, pode desencadear situações de elevada precariedade em termos de recursos hídricos. Figura 2. Evolução interanual e tendência temporal do caudal no rio Sabor (Qt. das Laranjeiras), entre 1950/51-2006/07. Quadro 2. Tendência mensal do escoamento, segundo coeficiente ρ de Spearman (1950/01-2005/06) OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET ANO 0,163 0,064 0,078-0,045-0,174-0,395-0,233-0,154-0,262-0,360-0,216-0,156-206 *** ** ** *** * Correlação significativa ao nível: *** p 0,01; ** p 0,05; * p 0,1. A comparação de alguns parâmetros estatísticos, antes e após os anos 80 (Quadro 3), mostra diferenças bastante expressivas. Com efeito, no primeiro período analisado, entre 1950-80, os caudais médios diários foram mais abundantes (33,7 m 3 /s), do que nos decénios subsequentes, após 1980, (24,9 m 3 /s), o que significa um decréscimo médio de 8,7 m 3 /s. Em termos relativos corresponde a uma quebra de 25,8% no escoamento médio diário. O confronto entre os valores médios anuais obtidos para o período estudado e a mediana revelam-se bastante díspares, indiciando a parca relevância da média enquanto elemento de caracterização do regime fluvial desta linha. De facto, a análise dos dados diários mostra uma tendência para o predomínio de águas baixas, com caudais 10 vezes inferiores ao valor tido como médio (1950-2006), em grande parte do ano, atingindo cerca de 140 dias/ano. Em contrapartida, os caudais mais elevados, 10 vezes superiores à média, estão presentes, em 6,5 dias/ano. A distribuição dos caudais médios diários por percentil (Figura 3A) corrobora os resultados anteriores e mostra que os escoamentos mais altos, integrados na última classe, supõem 69% do escoamento médio observado. A uma distância já significativa, situam-se os valores do nono percentil, os quais concentram cerca de 15% dos totais de caudal. As restantes classes, e

em particular as relativas aos 3 primeiros percentis, assinalam valores inferiores a 1% do total de caudal registado na série histórica de dados. Quadro 3. Comparação dos valores médios, medianos, desvio-padrão e escoamentos máximos e mínimos, para a série histórica e antes e após 1980. Unidades 1950-2006 Antes de 1980 Após 1980 Antes/ após 1980 Média m 3 /s 22,6 33,7 24,9-8,7 Mediana m 3 /s 5,7 6,5 5,0-1,6 D. Padrão m 3 /s 89,2 98,3 82,7-15,6 Escoam.10 vezes > média Média de dias/ano 6,5 7,7 5,0-2,6 Escoam. 10 vezes < média Média de dias/ano 141,3 135,2 148,4 +13,2 Escoam. nulo Média de dias/ano 12,6 5,1 27,2 +22,2 A distribuição das frequências referentes aos máximos e aos mínimos diários de caudal, antes e após os anos 80, sofre importantes variações, sobretudo quando se avaliam os dados referentes às águas baixas, os quais registam um incremento médio de 13 dias/ano quando confrontados os dois períodos (Quadro 3). Em relação aos caudais máximos, registam uma diminuição de, cerca, 3 dias/ano. Figura 3. Distribuição dos caudais médios diários por percentil (A) e evolução do número de dias sem escoamento (B), no rio Sabor (Qt. das Laranjeira)(1950/51-2006/07). Todavia, entre os dados mais relevantes, cabe destacar a importante ampliação no número de dias sem escoamento, isto é com caudal nulo, cuja média se situava em 5 dias/ano no período de 1950/80, e se alargou para mais de 27 dias/ano, após o inicio da década de 80. Na figura 3B representa-se o número de dias marcados pela ausência de caudal no ponto de monitorização seleccionado, cujos máximos ocorreram nos anos hidrológicos de 2004/05 e 2005/06, ao ultrapassar os dois meses. Esta tendência declinante dos recursos hídricos superficiais, em particular após o inicio dos anos 80, poderá dever-se a causas múltiplas, relacionadas com decréscimos na precipitação, dada a forte correlação que se estabelece entre estas duas variáveis, mas também poderá estar associada a outros factores, como por exemplo mudanças no uso e cobertura vegetal do solo. 4.2. Interacção entre as variáveis hidroclimáticas Com efeito, quando se correlacionam os quantitativos de precipitação observados nos diversos postos udométricos da área de estudo (Figura 1) com os caudais registados no Sabor verifica-se que existe uma correlação positiva apreciável, significativa ao nível de 1%,

embora sejam de assinar variações relevantes entre as estações seleccionadas (Figura 4A). As melhores associações são as que se estabelecem com os postos de Cerejais, Mogadouro, Carviçais e Soutelo, onde os coeficientes de determinação (r 2 ) rondam ou ultrapassam os 0.80. Figura 4. Coeficientes de determinação entre o caudal do rio Sabor (Qt. das Laranjeiras) e totais de precipitação registados nos postos udométricos da respectiva bacia (A) e tendência anual da precipitação, segundo coeficiente ρ de Spearman (B) As correlações significativas para um nível de confiança p 0,05 encontram-se a cinza. No gráfico correspondente à figura 4B pode verificar-se que o comportamento da precipitação total anual difere quando avaliada a respectiva tendência evolutiva, desde 1950. Assim, de acordo com os resultados obtidos através da aplicação do coeficiente ρ de Spearman, pode verificar-se um comportamento inverso entre as estações de Mogadouro, Celas, Carviçais e Bornes, com tendências declinantes, estatisticamente significativas ao nível de 0,05, e as de Morais, Alfandega da Fé e Pinelo, com tendências crescentes, embora só o primeiro posto revele significado estatístico (p<0,05). Quadro 4. Tendência mensal da precipitação, segundo o coeficiente ρ de Spearman (1950/01-2005/06) Postos udométricos OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET Alf. Fé 0,422** 0,077 0,246 0,162-0,146-0,174 0,274* 0,166-0,136 0,057 0,292* 0,039 Mougadouro 0,388** -0,122 0,025-0,101-0,255* -0,352** -0,012 0,010-0,245-0,099 0,174-0,173 Celas 0,120-0,201-0,011-0,18-0,283* -0,387** -0,088-0,212-0,391** 0,084 0,026-0,193 Deilão 0,151-0,140 0,065-0,115-0,189-0,391** 0,053 0,145-0,303* 0,039 0,079 0,011 Cerejais 0,037-0,217-0,028-0,206-0,237-0,497** -0,012-0,043-0,338* 0,064 0,114-0,153 Carviçais 0,147-0,117-0,056-0,268* -0,266-0,512** -0,007 0,048-0,421** 0,002 0,088-0,143 Morais 0,501** 0,095 0,195 0,043-0,075-0,149 0,184 0,147-0,163 0,212 0,415** 0,075 Bornes 0,130-0,177-0,141-0,225-0,387** -0,308* -0,031-0,024-0,432** 0,079 0,171-0,126 Pinelo 0,332* -0,017 0,214-0,035-0,197-0,130 0,146 0,174-0,177 0,351* 0,431** 0,107 Vales 0,255 0,030 0,175-0,195-0,210-0,139 0,064 0,100-0,134 0,100 0,327* -0,038 Soutelo 0,138 0,041 0,046-0,207-0,254-0,536** 0,116 0,193-0,143 0,068 0,123-0,023 Correlação significativa ao nível: ** p 0,01; * p 0,05; Não obstante as diferenças detectadas nos resultados referentes aos totais anuais de precipitação, quando se analise a respectiva variabilidade intra-anual, expressa no quadro 4, parece existir uma certa concordância relativamente a 4 meses, Outubro, Fevereiro, Março e Agosto. No primeiro detectam-se ganhos, com significado estatístico, nos postos de Alfândega da Fé, Mogadouro, Morais e Pinelo, e mais moderados nas restantes estações. Uma tendência positiva é, igualmente, evidenciada para Agosto em todos os pontos de observação, sendo mais relevante em Morais, Pinelo e Alfandega da Fé. Já no que se refere a Fevereiro e

Março, apresentam decréscimos em todos os postos, mais relevantes em Março e nos postos de Mogadouro, Celas, Deilão, Cerejais, Carviçais, Soutelo e Bornes. 4.3. A importância das mudanças no uso e cobertura vegetal do solo Embora o factor climático seja um dos elementos determinantes da hidrologia de uma região, não se pode desprezar o papel da respectiva área tributária, especialmente no que se refere ao uso do solo e respectiva cobertura vegetal. E na bacia hidrográfica do Sabor, à semelhança do que ocorreu por todo interior Centro e Norte de Portugal (Nunes et al., 2007), verificaram-se importantes alterações socioeconómicas, com consequências no uso e cobertura vegetal do solo. Figura 5. Variações no uso e cobertura vegetal do solo nos concelhos abrangidos pela bacia hidrográfica do rio Sabor (1989-99) 0-3000 -6000-9000 -12000-15000 (ha) -56% Alfândega da Fé -34% Bragança Terra arável limpa -9% Mogadouro -54% Macedo de Cavaleiros -15% -20% -25% Miranda do Douro Torre de Moncorvo Vila Flor -25% Vimioso 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 (ha) Alfândega da Fé Matas e florestas sem culturas sob-coberto +129% +52% Bragança +194% Mogadouro +19% Macedo de Cavaleiros +686% Miranda do Douro +204% +143% +157% Torre de Moncorvo Vila Flor Vimioso 5000 (ha) Culturas permanentes 2000 (ha) Olival 4000 3000 2000 1000 0-5% + 50% + 10% + 10% + 20% + 3% + 27% + 64% 1600 1200 800 400 + 10% + 41% + 34% + 41% + 11% + 158% + 24% + 163% -1000 Alfândega da Fé Bragança Mogadouro Macedo de Cavaleiros Miranda do Douro Torre de Moncorvo Vila Flor Vimioso 0 Alfândega da Fé Bragança Mogadouro Macedo de Cavaleiros Miranda do Douro Torre de Moncorvo Vila Flor Vimioso Fonte: Recenseamentos Agrícolas, 1989-1999, INE. O intenso êxodo rural operado desde a década de 50 do passado século, a terciarização das actividades económicas e as mudanças na Política Agrícola Comum, desencadearam importantes alterações no uso do solo e coberto vegetal, com destaque para o abandono de vastas áreas agrícolas, nomeadamente as terras aráveis destinadas principalmente à cultura de cereais. Como se pode observar na figura 5, todos os concelhos que se inserem na bacia do Sabor perderam, entre 1989 e 1999, uma boa parte da respectiva terra arável, oscilando em termos relativos entre os 9% em Mogadouro e os 54% em Macedo de Cavaleiros. Em termos absolutos, esse decréscimo ultrapassou os 34 600 ha.

A par do declínio observado nas terras aráveis, operou-se um importante acréscimo nas áreas de matas e florestas. No conjunto esse incremento rondou os 20 000 ha, o que significa ganhos de cerca de 200%. Uma das mais claras e evidentes consequências hidrológicas da crescente superfície ocupada por matas e florestas é que o escoamento superficial, para uma determinada quantidade de água, diminua, em consequência dos respectivos processos de intercepção e devido ao seu maior consumo por evapotranspiração (Gallart & Llorens, 2001; Beguería et al., 2003; Barbancho & Tejeda, 2006; Nunes, 2007). Em simultâneo às crescentes exigências hídricas por parte de um coberto vegetal, mais denso, verificou-se a implementação de determinados usos do solo, ligados a culturas permanentes, mais exigentes em água, como é o caso do olival ou até mesmo da vinha, que em sistema de regadio, acharam uma via para incrementar significativamente a respectiva produtividade. Os gráficos da figura 5 dão conta da importante ampliação das culturas permanentes em todos os concelhos, com excepção do de Alfândega da Fé, sendo que olival se expandiu em todos os casos, num total superior a 7 500 ha. 5. Conclusão Os resultados do presente estudo mostram que regime hidrológico do rio Sabor reflecte as variações interanuais da precipitação e, por conseguinte, mostra importantes flutuações nos respectivos caudais. No período hidrológico analisado, observa-se uma tendência decrescente no escoamento total anual, embora sem significado estatístico. Em termos sazonais, com excepção dos meses de Outono no qual se verifica um incremento, em todos os outros evidenciam tendências regressivas nos escoamentos observados, mais relevantes na Primavera e no Verão, o que pode ocasionar situações de elevada precariedade em termos de recursos hídricos, pois grande parte dos concelhos transmontanos dependem das sua reservas. A tendência declinante nos recursos hídricos superficiais do Sabor, mais evidente nas últimas décadas, após o inicio dos anos 80, poderá relacionar-se com causas múltiplas, associadas à precipitação, dada a forte correlação que se estabelece entre estas duas variáveis, mas também poderá estar dependente de outros factores, como por exemplo mudanças no uso e cobertura vegetal do solo. Com efeito, quando se avalia a tendência evolutiva dos quantitativos anuais de precipitação na área de drenagem do Sabor observam-se comportamentos inversos, com postos udométricos a mostrar perdas importantes nos totais pluviométricos e outros a assinalar ganhos, ainda que pouco relevantes. Uma diminuição generalizada nos totais de precipitação, parece ocorrer nos meses de Fevereiro e, em especial, no de Março, enquanto no de Agosto, a tendência é de acréscimo, embora sem relevância estatística na maioria dos casos. Já no que se refere às mudanças no uso e cobertura vegetal do solo, tendo por base os últimos dois recenseamentos agrícolas, são evidentes e apontam claramente para uma subsituação das terras aráveis, destinadas em especial à cultura de cereais de sequeiro, por áreas de mata e floresta ou culturas permanentes, com especial destaque para o olival. Tanto num caso como no outro, o consumo de água é superior. Assim, num cenário em que se anunciam alterações importantes na distribuição e na quantidade da precipitação, com especial incidência na península Ibérica e noutras regiões sensíveis do globo, o conhecimento da ocupação do solo e das respectivas tendências de evolução deverão constituir, no nosso país, mais um dos elementos a ponderar sobre as

estratégias de resposta e de adaptação com vista à eficaz gestão dos recursos hídricos no futuro. Referências bibliográficas Eagleson, P. S. (1978): Climate, soil and vegetation: The distribution of annual precipitation derived from observed storm sequences, Water Resources Research, 14(5), pp. 713-721. Arnel, N. (1998): Climate change and water resources in Britain, Clim. Change, 39, pp. 83 110. Ayala-Carcedo, F. J. and Iglesias López, A. (2000): Impactos del Posible Cambio Climático sobre los Recursos Hídricos, el Diseño y la Planificación Hidrológica en la España Peninsula,in El Campo de las Ciencias y las Artes, Servicio de Estudios, Banco Bilbao- Vizcaya-Argentaria, nº. 137, Madrid, Espanha, pp. 201-222. Barbancho, A. C. and Tejeda, E. M. (2005): Evolución de las aportaciones hídricas en una cuenca de montaña del Sistema Central: cabecera fluvial del río Tormes (1941-2004), Cuadernos de Investigación Geográfica, 32, pp.7-28. Beguería et al. (2003): Assessing the effect of climate oscillations and land-use changes on streamflow in the Central Spanish Pyrenees, Ambio, 32, pp. 283-286. Belmonte Serrato et al. (1999): Óptimo de la cobertura vegetal en relación a las pérdidas de suelo por erosión hídrica y las pérdidas de lluvia por intercepción, Papeles de Geografía, 30, pp. 5-15. Bosch, J. M. and Hewlett, J. D (1982): A review of catchment experiments to determinate the effect of vegetation changes on water yield and evapotranspiration, Journal of Hydrology, 55, pp.3-23. Dunne, T. and Leopold, L.B. (1978): Water in environmental planning, W.H. Freeman and Company, New York. Gallart, F. and Llorens, P. (2001): Water resources and environmental changes in Spain. A key issue for sustainable integrated catchment management, Cuadernos de Investigación Geográfica, 27, Univ. de La Rioja, pp. 7-16. Gupta, V and Waymire, E. (1990): Multiscaling properties of spatial rainfall and river flow distribution, J. Geophys. Res., 95, pp. 1999 2010. Keenan et al. (1998): Growth response of three rainforest cabinet Tibet to fertiliser application in plantations in North Queensland in Schulte, A. and Ruhiyat, D. (Eds.), Soils of Teropical Forest Ecossystems: Characterístics, Ecology and Management, Springer, Berlin, pp. 107-114. Kiely, G. (1999): Climate change in Ireland from precipitation and streamflow observation, Adv. Water Resour., 23, pp. 141 151. Loaiciga et al. (1996): Global warning and the hydrological cycle, Journal of hydrology, 174, pp. 83-127. López Moreno et al. (2003): Efecto de los embalses en el control de avenidas del Pirineo central español, Geographicalia, 44, pp. 57-74.

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