Entrevista à Coordenadora Nacional do PAR Programa de Apoio à Reconstrução Por Pedro Cardoso (Jornalista), 2004



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Transcrição:

Entrevista à Coordenadora Nacional do PAR Programa de Apoio à Reconstrução Por Pedro Cardoso (Jornalista), 2004 Podíamos estar muito mais longe do que estamos, revela a Coordenadora Nacional do PAR em Angola Contratada após a avaliação intermédia do programa iniciada em Junho de 1999, a Coordenadora Nacional do PAR, Ana Emília Martinho, opina sobre as forças e as fraquezas do programa que tem como pretensão reconstruir infraestruturas básicas das povoações rurais do Planalto Central angolano. Até ao final de 2005 o PAR deverá investir nas províncias de Benguela, Huíla, Bié e Huambo cerca de 20 milhões de euros, no âmbito da segunda fase do projecto. Como define o PAR? O PAR é um programa do Governo de Angola financiado através de uma Convenção de Financiamento assinada entre este e a União Europeia (UE). Inscreve-se no âmbito das acções propostas na Mesa Redonda de Doadores realizada em Bruxelas em Setembro de 1995, alguns meses após a assinatura do protocolo de paz em Lusaka. O programa arrancou cerca de dois anos depois, em Agosto de 1997, nas quatro províncias de intervenção Benguela, Huíla, Bié e Huambo dotado de uma quantia orçada em 55 milhões de euros. Incidia prioritariamente nas áreas onde as condições de segurança favoreciam a intervenção. Por que razão foram escolhidas unicamente estas quatro províncias? Foram as províncias mais gravemente afectadas pela guerra que estalou em Angola depois das eleições de 1992. As populações da região estavam numa situação crítica. O PAR pretendia então, fazer a transição entre uma situação de emergência e de desenvolvimento, mas a intensificação das acções armadas no planalto não o permitiram. Durante aqueles anos tivemos que levar a cabo acções de emergência, como a desminagem de algumas áreas em torno das cidades do Kuíto e Huambo. Quais foram os pilares de intervenção do PAR, durante esse período? Durante a primeira fase, que decorreu entre 1997 e 2001, o PAR apostou em quatro componentes o apoio à produção, infra-estruturas de base e sociais e apoio institucional. Com o trabalho realizado nestas áreas pretendíamos, por exemplo, fomentar a produção agrícola, reabilitar estradas, sistemas de distribuição de água e energia eléctrica ou dotar os municípios de estruturas de educação e saúde.

Em Junho de 1999 foi feita uma avaliação intermédia do funcionamento do PAR. Quais foram as principais conclusões a que chegaram? Chegou-se à conclusão que havia a necessidade de se descentralizar o programa para as províncias e municípios e de criar um Comité de Selecção (CS) a nível provincial, que detivesse o poder de proposta e aprovação dos projectos. Estes CS s seriam formados por organizações não governamentais, pelo Governo Provincial, e outras entidades. Nesta avaliação concluiu-se também que havia a necessidade de se criar uma Unidade de Gestão do Programa, liderada por um Coordenador Nacional, o cargo que ocupo actualmente. Depois desta reavaliação, quais foram as novas linhas de actuação adoptadas e que efeito estão a ter no terreno? O trabalho do PAR assenta nesta segunda fase prioritariamente sobre três pilares: a educação, a saúde e a água e saneamento. Espera-se que se criem assim condições favoráveis ao desenvolvimento sustentável das regiões, apostando na satisfação das necessidades básicas das populações. O projecto aposta agora fortemente no Município como unidade de intervenção. Isto na prática traduz-se pelo apoio às Administrações Municipais ou Comunais no que toca ao diagnóstico das necessidades locais e à planificação das intervenções a efectuar. Sendo o diagnóstico e a planificação as tónicas desta segunda fase do PAR, que mecanismos o PAR encontrou para as tornar efectivas? Há dois elementos que se tornaram fundamentais: o Diagnóstico Municipal Participativo, delineado em reuniões onde se discutem os problemas locais com a população e com os responsáveis regionais da educação, saúde, água e saneamento, e o Programa de Reabilitação Municipal, que define as estratégias de desenvolvimento, com base nos dados recolhidos nos diagnósticos. Estes instrumentos de trabalho são formalizados por um Operador de Referência Municipal (ORM), em sintonia com representantes administrativos, comunitários e das autoridades tradicionais. Que outras funções desempenham os ORM s? Os ORM s são organismos responsáveis pela articulação e funcionamento do PAR nos diferentes municípios em que o programa está implementado. Presta apoio institucional aos municípios e formação às administrações comunal e municipal, com vista a garantir a continuidade do processo de reabilitação dos serviços. São seleccionados através da participação num concurso limitado com base em factores como a experiência nas áreas da capacitação e apoio institucional ou a qualidade do pessoal envolvido. Podem ser organizações não governamentais, instituições religiosas, empresas de consultoria, organizações comunitárias, o próprio governo, ou outras entidades. A Movimondo, por exemplo, é o ORM do município do Kunhinga, na província do Bié.

A segunda fase do PAR vai-se alargar até ao final de 2005. Quais vão ser os principais enfoques das vossas actividades? A actualização dos diagnósticos realizados no início da segunda fase e a realização dos que estão ainda em falta, que deverão estar concluídas em final de Fevereiro do próximo ano. Pretendemos ainda até ao final de 2005 alargar o número de aldeias a ser abrangidas pelo projecto, se o acharmos necessário. Queremos ainda dar maior atenção às questões de formação de quadros administrativos, principalmente nas áreas da informática, estatística, etc, ao mesmo tempo que se vão continuar as intervenções a nível de infraestruturas. Qual tem sido o nível de coordenação e de entendimento entre o PAR e o Governo Angolano? Como já referi, o PAR é um programa do Governo de Angola. Uma vez que a sua acção está direccionada para o apoio institucional, fundamentalmente para as questões de planificação Municipal, está afecto ao Ministério do Planeamento. Entretanto, esta experiência está a ser aproveitada em Angola para a planificação e realização de outros projectos. Entre estes destaco o FAS Fundo de Apoio Social, um programa do Governo de Angola financiado pelo Banco Mundial e o PNUD, que vai intervir no apoio à descentralização das Administrações Municipais. Existe também um projecto relacionado com base de dados dos municípios. Exacto. Com base na informação que foi colhida em todo o processo de diagnóstico, está a ser construída uma base de dados chamada Sistema de Informação do PAR (SIPAR). O SIPAR vai ser instalado nos Gabinetes de Estudos, Planificação e Estatística dos Governos Provinciais das quatro províncias e no Gabinete de Desenvolvimento Regional do Ministério do Planeamento. Para além da instalação desta base de dados será criada também capacidade local para a sua utilização. Tenho a informação que o PAR atravessa dificuldades decorrente de atrasos de pagamentos. Essa situação é real? As dificuldades registam-se não por falta de verbas, mas porque os processos financeiro, administrativo e burocrático do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) são extremamente pesados. A adaptação dos procedimentos desta instituição à realidade de Angola não tem sido possível, o que dificulta consideravelmente a obtenção dos resultados que se pretendem. Já para não falar nos atrasos que estes procedimentos provocam. As ORM s, por exemplo, ainda não receberam a segunda tranche do primeiro contrato e aqui, na Unidade de Gestão estamos há oito meses sem salário. Outro constrangimento que surgiu foi o das consecutivas mudanças dos Peritos ou Conselheiros da Delegação da Comunidade Europeia que acompanham o Programa. Muitos acertos feitos com anteriores conselheiros ficam invalidados com a chegada dos novos, o que faz com que tudo tenha de ser alterado. É uma dificuldade muito grande.

Qual pensa ser a solução para estes problemas? Penso que deveria ser possível adaptar os procedimentos do FED às condições e realidade do País. Este não é um país europeu, é muito menos desenvolvido, mas esta questão não é entendida. Este é um programa bastante complicado quer em termos de procedimentos FED, que são inflexíveis, quer em termos de realização. È preciso que o financiador conheça a realidade da área de intervenção e saiba o que os beneficiários esperam de um programa ou acção. Se estes aspectos não são tidos em conta nas implementações, não é possível obter bons resultados e ajudar este país a sair da situação de emergência e a começar a caminhar para o desenvolvimento. Tem que haver vontade e acreditar-se no que se está a fazer, não se podem financiar acções se não acreditamos no que se está a fazer. Estas situações colocam em causa a continuação do PAR? Põe em causa alguns resultados do programa. A própria Comissão Europeia reconhece que estes obstáculos dificultam o desenvolvimento do PAR. Mas dizem que não podem fazer nada, porque é assim que o Fundo Europeu para o Desenvolvimento funciona. Mas não tenho dúvidas que podíamos estar muito mais longe do que estamos actualmente. A Comissão Europeia em Angola rejeita as críticas da Coordenadora do PAR Confrontada com as declarações de Ana Emília Martinho, a delegação da Comissão Europeia (CE) em Luanda afirma que estas não passam de opiniões pessoais, e que por isso não reflectem o ponto de vista do Governo de Angola nem da CE. Em resposta enviada por correio electrónico, Alexandre Borges-Gomes, Encarregado dos Negócios da delegação da CE em Luanda, admite que os procedimentos do Fundo Europeu de Desenvolvimento não são os mais simples, e que têm mesmo vindo a complicar-se nos últimos anos, mas que são indispensáveis, como forma de assegurar a transparência com que são geridos os recursos da União Europeia e de garantir aos cidadãos europeus que os seus impostos sejam aplicados de forma correcta naquilo para que forma destinados. No que respeita às críticas lançadas por Ana Martinho à alternância do pessoal diplomático da Delegação da CE em Angola, Alexandre Borges-Gomes acusa a Coordenadora Nacional do PAR de parecer ignorar a natural rotatividade dos expatriados praticada por todas as missões diplomáticas através do mundo, e ainda de não estar a par de todo o trabalho de planificação dos fundos que é levado a cabo antes da implementação de qualquer programa ou projecto.