Influência do preparo da base na aderência e na permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa



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Transcrição:

Influência do preparo da base na aderência e na permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa Luís Maurício Scartezini luismau@bol.com.br Tatiana Renata Jucá trpj@zipmail.com.br Henrique Linhares Fernando Teixeira fernando_alves@bol.com.br Glydson Antonelli glydson@yahoo.com.br Oswaldo Cascudo ocascudo@cultura.com.br Helena Carasek hcarasek@cultura.com.bri Recebido em 19/09/2001; aceito em 08/02/02 Este trabalho apresenta os resultados de uma avaliação experimental desenvolvida com o objetivo de verificar a influência do preparo da base na aderência e na absorção/permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa. Para tanto, foram testados cinco tipos de preparo da alvenaria de blocos cerâmicos: referência (sem preparo), aplicação de solução saturada de cal, chapisco usual 1:3 (cimento e areia, em volume), chapisco com PVA e chapisco com SBR. Quatro dias após preparadas as bases executou-se sobre todas elas um revestimento constituído por uma argamassa industrializada mista de cimento e cal que, aos 28 dias de idade, foi ensaiado quanto à absorção e permeabilidade à água, segundo o método do "cachimbo" proposto pelo CSTC da Bélgica (NIT 140), tendo também sido avaliado quanto a sua resistência de aderência à tração, segundo a NBR 13528 (ABNT, 1995c). Os resultados demonstraram que a absorção/permeabilidade à água do revestimento não é influenciada com a mudança do preparo do substrato. Por outro lado, a resistência de aderência é significativamente influenciada, sendo os substratos chapiscados os que apresentaram os melhores resultados, embora a sua modificação com polímeros não tenha implicado a rigor uma capacidade maior de aderência. Observou-se também uma boa correlação entre a absorção de água dos substratos já preparados e a resistência de aderência do revestimento, tendo-se como resultado uma relação de proporcionalidade direta entre as variáveis no trecho avaliado. Isto significa que, para as condições contempladas, uma maior absorção do substrato implicou em maior resistência de aderência, conseguida mediante chapisco e, em especial, sem adição de polímeros. Palavras-chave: revestimento, argamassa, chapisco, resistência de aderência, permeabilidade. This work presents the results of an experimental study developed with the purpose of verifying the influence of background pre-treatments on bond and water absorption/permeability of renders. Five types of ceramic block masonry pre-treatment were tested: reference (with no pre-treatment), lime saturated solution, 1:3 usual spatterdash (cement and sand, by volume), spatterdash with PVA and spatterdash with SBR. Four days after the backgrounds were treated, premixed cement and lime mortar was applied on them. This render was tested at the age of 28 days for water absorption and permeability, according to the NIT 140 method proposed by CSTC, from Belgium, as well as for tensile bond strength, according to NBR 13528 (ABNT, 1995c). The results showed that the types of substrate treatment do not influence the render water absorption/permeability. On the other hand, they have a significant influence on bond strength. The substrates with spatterdash showed the best results, although their modification with polymers did not show improvement of bonding capacity. A good correlation was also observed between water absorption of pre-treated substrates and obtained bond strength, having as a result a relation of direct proportionality between the factors within the evaluated interval. It means that, under the trial conditions, the higher the substrate absorption, the higher the bond strength, which was obtained as a result of spatterdash and specially with no addition of polymers. Keywords: render, mortar, spatterdash, bond strength, permeability. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 2, n. 2, p. 85-92, abr./jun. 2002. ISSN 1415-8876 - 2002 Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído. Todos os direitos reservados.

86 Scartezini et al. Introdução O mecanismo de aderência entre os revestimentos de argamassa e substratos porosos é conhecido pelo seu caráter essencialmente mecânico, ocorrendo através da penetração dos materiais aglomerantes nos poros e cavidades da base. Uma forma de melhorar a capacidade de aderência da argamassa aplicada ao substrato é a execução de prétratamentos da base, com o objetivo de aumentar a rugosidade superficial e regularizar a absorção de água, uniformizando-a. O chapisco é o pré-tratamento mais conhecido e utilizado nas obras, uma vez que promove bons resultados de aderência do revestimento aplicado, no entanto, existem no mercado novos produtos, como as resinas sintéticas, que modificam as características do chapisco convencional de cimento Portland e areia, com o intuito de melhorar a sua capacidade de aderência. Neste sentido, podem ser citados o chapisco rolado e o chapisco desempenado como exemplos de materiais e técnicas empregados para desenvolver um potencial maior de aderência associado a uma produtividade maior no canteiro de obras. Dentro desse contexto, visando testar novas alternativas de preparo do substrato confrontando-as com a técnica tradicional de execução, propõe-se neste trabalho a avaliação de um revestimento executado com uma argamassa industrializada à base de cimento e cal, no tocante à sua absorção/permeabilidade à água, bem como a sua resistência de aderência à tração, frente a diferentes pré-tratamentos da base de alvenaria executada com blocos cerâmicos, a saber: referência (sem tratamento), aplicação de pintura com solução saturada de cal, chapisco usual 1:3 (cimento e areia, em volume), chapisco modificado com resina PVA e chapisco modificado com resina SBR. Paralelamente, o trabalho visa verificar a influência dos tipos de pré-tratamento da base considerados na capacidade de sucção de água do substrato, relacionando este efeito com a resistência de aderência à tração do revestimento. Materiais e métodos A seguir, encontram-se detalhados a caracterização dos materiais empregados, o preparo das bases, a execução dos revestimentos, bem como a metodologia utilizada para a determinação da resistência de aderência e da permeabilidade à água. Caracterização dos materiais Como substrato foi empregada uma alvenaria de blocos cerâmicos de vedação assentados com argamassa mista de proporção 1:2:9 (cimento Portland CP II F-32, cal hidratada CH I e areia úmida, em volume), com juntas de assentamento de aproximadamente 1 cm. Os blocos foram caracterizados e os resultados encontram-se na Tabela 1. Para a composição dos chapiscos foi utilizada areia média lavada, cuja distribuição granulométrica encontra-se na Figura 1, e cimento Portland CP II F-32, na proporção 1:3 em volume. Foram utilizados também, como polímeros modificadores do chapisco convencional, resinas do tipo PVA (base acetato de polivinila) e SBR (estireno butadieno). De acordo com o fabricante, a resina PVA utilizada resulta de uma emulsão com teor de sólidos de 15 %, ph entre 4 e 5 e densidade aparente de 1,02 g/ml. O fabricante do polímero SBR não forneceu dados sobre o produto. Como revestimento foi utilizada uma argamassa do tipo industrializada, própria para revestimento em camada única, sendo necessário apenas a mistura com água. Os resultados da caracterização no estado fresco estão apresentados na Tabela 2. Metodologia do experimento Preparo da base A base de alvenaria foi preparada em cinco condições diferentes, sendo, previamente aos preparos, realizada uma escovação para a remoção de poeira e partículas soltas. Os tipos de preparo testados neste trabalho foram os descritos a seguir. (a) Sem preparo: o revestimento foi aplicado diretamente sobre a alvenaria. (b) Solução de cal: aplicação na forma de pintura de uma solução saturada de hidróxido de cálcio, na proporção 1:2 em massa (cal : água). (c) Chapisco comum: argamassa de cimento e areia média, na proporção 1:3, em volume, aplicada de modo convencional, ou seja, através do lançamento do material com o uso da colher de pedreiro. (d) Chapisco com PVA: argamassa de cimento e areia média, na proporção de 1:3, em volume, modificada com polímero de base acetado de polivinila, na proporção 1:2, em volume, e aplicada de modo convencional. (e) Chapisco com SBR: argamassa de cimento e areia média, na proporção de 1:3, em volume, modificada com polímero de base estireno butadieno, na proporção 1:2, em volume, e aplicada de modo convencional. O uso da solução de cal como preparo da base, justifica-se pelo trabalho de Chase (1985), que constatou um aumento significativo na resistência de aderência de argamassas aplicadas sobre tijolos cerâmicos pré-tratados com solução saturada de cal, quando comparadas com as argamassas aplicadas sobre tijolos secos ou molhados apenas com água. Analisando a microestrutura da interface através de microscopia eletrônica de varredura, o referido autor observou a formação de uma estrutura cristalina mais densa nesta região, o que explica o aumento na resistência. Execução do revestimento de argamassa Após quatro dias do preparo das bases foi aplicada, por um oficial pedreiro, a argamassa de revestimento, em

Influência do preparo da base na aderência e na permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa 87 painéis de 2,0 m x 0,8 m, com espessura aproximada de 1,5 cm. A mistura da argamassa foi realizada em betoneira com capacidade de 145 litros. A cura dos revestimentos ocorreu em local coberto com temperatura e umidade do ambiente do laboratório. Determinação da absorção/permeabilidade à água Para avaliar a absorção/permeabilidade à água das diferentes bases de aplicação, bem como do revestimento de argamassa sobre elas aplicado, foi utilizado o método do cachimbo, proposto pelo CSTC - Centre Scientifique et Technique de la Construction da Bélgica. O método avalia a permeabilidade de superfícies verticais através da absorção de água sob pressão inicial de 92 mm de coluna de água, o que corresponde à ação estática de um vento com velocidade de 140 km/h (CINCOTTO et al., 1995). O ensaio de absorção de água utilizando o cachimbo foi realizado em dois momentos diferentes. Inicialmente, o ensaio foi executado sobre os substratos dois dias após os seus tratamentos, visando dessa maneira identificar as alterações de absorção de água produzidas. Para cada painel foram efetuadas 6 medidas de absorção, sendo 3 sobre os blocos da alvenaria e mais 3 sobre as juntas horizontais de assentamento dos blocos. O segundo momento de realização do ensaio foi após 28 dias da aplicação da argamassa, ou seja, sobre o revestimento curado. Também nessa etapa foram realizados ensaios nas posições relativas aos blocos e às juntas de assentamento (3 determinações em cada posição). Neste caso, pretendia-se avaliar a influência do preparo da base na permeabilidade à água dos revestimentos. A Figura 2 ilustra as regiões de ensaio. Característica determinada Método de ensaio Número de determinações Resultados médios Taxa inicial de sucção Rilem LUM A.5 (RILEM, 1988) 10 18,5 g/200cm 2 /min Absorção total de água NBR 7184 (ABNT, 1991) 5 18,3 % Resistência à compressão NBR 6461 (ABNT, 1983a) 10 0,75 MPa Dimensões Determinação individual 10 Tabela 1 - Caracterização dos blocos cerâmicos Comprimento - 20,5 cm Largura - 20,2 cm Altura - 10,2 cm Porcentagem que passa em massa (%) Abertura da peneira Figura 1 - Distribuição granulométrica da areia utilizada no chapisco, que se enquadra na zona 3, segundo a NBR 7211 (ABNT, 1983b), classificando-a como areia média Característica determinada Método de ensaio Número de determinações Resultados médios Consistência pela penetração do cone ASTM C-780 (ASTM, 1991) 2 64,0 mm Densidade de massa no estado fresco NBR 13278 (ABNT, 1995b) 2 1,82 g/cm 3 Retenção de água NBR 13277 (ABNT, 1995a) 2 96 % Tabela 2 - Caracterização da argamassa de revestimento no estado fresco

88 Scartezini et al. Figura 2 - Posições para a realização do ensaio de absorção/permeabilidade Determinação da resistência de aderência à tração A determinação da resistência de aderência à tração dos revestimentos de argamassa seguiu o método da NBR 13528 (ABNT, 1995c). Para cada painel foram realizados, aos 28 dias, 10 ensaios de arrancamento, sendo que todos os corpos-de-prova foram locados nos centros dos blocos cerâmicos, evitando desta forma a influência da junta de assentamento na aderência. Resultados e discussão Os resultados obtidos nos ensaios de absorção de água e de resistência de aderência inicialmente são apresentados individualmente e, posteriormente, é discutida a relação entre estes resultados. Coeficientes de absorção de água Após a execução dos ensaios, para cada painel e posição analisada foram calculadas as médias das leituras de absorção de água ao longo do tempo. Os coeficientes de absorção foram determinados pela inclinação da reta obtida no gráfico absorção de água em função do tempo; os coeficientes de correlação (R) calculados variaram entre 0,87 e 0,99 (ou seja, R 2 entre 0,76 e 0,99). A Figura 3 ilustra este procedimento adotado para o caso da base referência; para as demais situações são apresentados diretamente os coeficientes de absorção (inclinação da reta). Absorção de água das bases preparadas A Figura 4 apresenta os coeficientes de absorção de água obtidos nas bases submetidas aos diferentes preparos. Apenas na base preparada com solução de cal não foi realizado o ensaio, isto porque a elevada pulverulência proporcionada pela cal não permitiu a fixação dos cachimbos. Tomando por referência os valores do painel sem preparo (alvenaria in natura ), nota-se que a presença do chapisco comum e do modificado com PVA levou a um aumento da absorção de água entre 8 % e 410 %, enquanto que a base chapiscada com o material modificado com SBR mostrou uma redução na capacidade de absorção de 54 % e 85 %, medidas, respectivamente, sobre o bloco e sobre a junta de assentamento. A base preparada com chapisco comum obteve um coeficiente maior de absorção devido à rica estrutura de poros, propiciada pela alta relação água/cimento, comum a este tipo de material. Para os chapiscos modificados com polímeros PVA e SBR, os coeficientes de absorção foram menores do que os apresentados pelo chapisco comum, provavelmente devido a um tamponamento dos poros pela ação dos polímeros, diminuindo a absorção de água. Na Figura 3 também fica nítida a diferença dos valores de absorção entre os blocos e a argamassa de assentamento (junta), sendo que, nesta última, geralmente a absorção é maior. Isto pode ser explicado pelo fato de que o material cimentíceo do substrato (juntas de assentamento) possui porosidade diferente da existente nos blocos cerâmicos Cabe salientar que esta diferença pode interferir nas propriedades de aderência dos revestimentos conforme verificaram Scartezini e Carasek (1999), os quais encontraram valores de aderência sobre as juntas de assentamento cerca de 100 % maiores do que os obtidos sobre os blocos. Na Tabela 3 estão calculadas as diferenças percentuais entre a absorção do bloco e da junta. Analisando a Tabela 3 percebe-se que a presença de chapisco consegue uniformizar parcialmente a absorção de água dos diferentes materiais da base (argamassa da junta e bloco) em relação à referência, sem preparo.

Influência do preparo da base na aderência e na permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa 89 Figura 3 - Resultados médios de absorção/permeabilidade de água obtidos para a base de referência, sobre os blocos e sobre as juntas de assentamento Figura 4 - Comparativo entre os coeficientes de absorção de água para os diferentes tipos de preparo do substrato Tipo do preparo Absorção sobre o bloco (cm 3 /min) Absorção sobre as juntas (cm 3 /min) Diferenças percentuais Sem preparo 0,11 0,26 + 136 % Chapisco comum 0,56 0,68 + 21 % Chapisco com PVA 0,20 0,28 + 40 % Chapisco com SBR 0,05 0,04-20 % Tabela 3 - Diferenças percentuais entre as absorções de água medidas sobre os blocos e sobre as juntas de assentamento, após o preparo da base Absorção de água dos revestimentos Os resultados do ensaio de absorção realizado nos revestimentos de argamassa aplicados sobre os diferentes preparos da base encontram-se na Figura 5. Nota-se que o coeficiente de absorção de água do revestimento de argamassa, quando determinado na região dos blocos cerâmicos da alvenaria, é pouco alterado pelos diferentes preparos da base, variando de 0,12 cm 3 /min a 0,14 cm 3 /min. Os coeficientes de absorção de água dos revestimentos para o painel de referência e preparado com solução de cal apresentaram diferenças significativas quando determinados sobre o bloco ou sobre as juntas de assentamento. A diferença percentual foi de 67 % para o painel de referência e de 38 % para o painel preparado com solução de cal. Nos demais painéis a diferença entre o coeficiente obtido sobre os blocos e sobre as juntas não é maior do que 7 %. Na prática isto significa que paredes revestidas sem chapisco irão

90 Scartezini et al. apresentar manchamento de umidade mais intenso quando forem molhadas pelas chuvas. Resistência de aderência à tração Os resultados médios de resistências de aderência à tração encontram-se no gráfico da Figura 6. Os substratos sem a aplicação de chapisco (sem preparo e solução de cal) apresentaram os menores valores de resistência de aderência, devido a uma textura e rugosidade inadequadas para a aderência do revestimento. O baixo valor de aderência também está ligado à qualidade dos blocos cerâmicos utilizados. A base preparada com a solução de cal mostrou-se totalmente ineficiente, deixando o substrato rico em material pulverulento e portanto não atendendo a expectativa de melhoria da aderência. Para os painéis chapiscados pode-se notar que o uso dos polímeros PVA e SBR não resultou em ganho de resistência de aderência, pois a ação destes materiais no chapisco foi a de tamponar parte dos poros deste material, conforme se constata pelos resultados de absorção de água da base preparada. Foi verificada uma alteração na forma de ruptura dos corpos-de-prova em função do tipo de preparo da base. Para os substratos sem chapisco, a ruptura ocorreu na região de interface revestimento/substrato, denotando assim uma baixa ancoragem da argamassa à base de aplicação. Para as bases chapiscadas a ruptura ocorreu parte na interface argamassa/chapisco e parte no substrato (interior da camada de chapisco), conforme mostra a Figura 7. Relação entre o coeficiente de absorção de água e a resistência de aderência O caráter essencialmente mecânico da aderência entre argamassa e substrato poroso ocorre pelo intertravamento dos compostos hidratados do cimento, principalmente etringita, no interior dos poros do substrato (CARASEK, 1996). Desta forma, a sucção promovida pelo substrato é fundamental para a evolução do mecanismo de aderência, sendo que a velocidade e a quantidade de água movimentada são responsáveis por um desempenho satisfatório do revestimento. Diversos autores citados por Goodwin e West (1980) obtiveram uma aderência máxima para um determinado teor de umidade inicial do substrato, mas a avidez de água da base depende do conteúdo de umidade inicial dos elementos. Nos experimentos realizados foi obtida uma relação entre o coeficiente de absorção de água médio dos diferentes preparos (sobre os blocos cerâmicos) e a resistência de aderência média, conforme pode ser visto na Figura 8. A Figura 8 mostra que para a maioria das situações estudadas, à medida que o coeficiente de absorção aumenta, a resistência de aderência também aumenta. Acredita-se que esta relação possui um ponto ótimo, onde uma absorção máxima resultará em aderência máxima e, além deste ponto, a elevada absorção poderá resultar em menores valores de aderência Figura 5 - Coeficientes de absorção de água para os revestimentos de argamassa aplicados sobre os diferentes preparos

Influência do preparo da base na aderência e na permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa 91 Figura 6 - Resistência média de aderência para os diferentes preparos do substrato Figura 7 - Tipo de ruptura para os diferentes preparos. Figura 8 - Relação entre o coeficiente de absorção de água e a resistência de aderência obtida para os diferentes preparos

92 Scartezini et al. Conclusões Após a análise dos resultados obtidos nos ensaios, podese tirar algumas conclusões específicas com relação à influência do preparo da base na aderência e na permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa aplicados sobre blocos cerâmicos como as relatadas a seguir: (a) os diferentes preparos da base alteram as características do substrato com relação à absorção de água, o que se traduz em uma mudança no comportamento quanto ao mecanismo de aderência dos revestimentos de argamassa; (b) as juntas de assentamento da alvenaria possuem características diferentes dos blocos, como estrutura e tamanho dos poros, o que influi nas características de absorção de água do substrato, principalmente quando o substrato não é tratado, sendo que o chapisco ajuda parcialmente na homogeneização, diminuindo as diferenças de absorção entre o bloco e a junta; (c) o preparo da base não altera a permeabilidade à água dos revestimentos de argamassa, mesmo com o uso de polímeros no preparo dos chapiscos, sendo registrada pequena diferença entre os resultados obtidos sobre o bloco e as juntas de assentamento; (d) o uso da camada de chapisco é favorável ao desenvolvimento da resistência de aderência, mas a sua modificação com polímeros não resulta necessariamente em melhoria desta propriedade, podendo até prejudicar o desempenho, como no caso do chapisco com SBR, que produziu uma base mais impermeável dificultando a aderência; e (e) neste estudo em particular, quanto maior o coeficiente de absorção de água da base preparada (bloco cerâmico com chapisco), maior a resistência de aderência alcançada pelo revestimento. Referências bibliográficas AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS (ASTM). ASTM C-780: Standard test method for preconstruction and construction evaluation of mortars for plain and reinforced unit masonry. Philadelphia, 1991. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 6461: Blocos cerâmicos para alvenaria: verificação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1983a.. NBR 7211: Agregado para Concreto: especificação. Rio de Janeiro, 1983b.. NBR 7184: Blocos vazados de concreto simples para alvenaria: determinação da resistência à compressão. Rio de Janeiro, 1991.. NBR 13277: Argamassas para assentamento de paredes e revestimento de paredes e tetos: determinação da retenção de água. Rio de Janeiro, 1995a.. NBR 13278: Argamassas para assentamento de paredes e revestimento de paredes e tetos: determinação da densidade de massa e do teor de ar incorporado. Rio de Janeiro, 1995b.. NBR 13528: Revestimentos de paredes e tetos de argamassas inorgânicas: determinação da resistência de aderência à tração. Rio de Janeiro, 1995c. CARASEK, H. Aderência de argamassas à base de cimento Portland a substratos porosos: avaliação dos fatores intervenientes e contribuição ao estudo do mecanismo da ligação. 1996. 285 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo. CINCOTTO, M.A.; SILVA, M.A.; CARASEK, H. Argamassas de revestimento: características, propriedades e métodos de ensaio. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1995. IPT 2378. CHASE, G.W. The effect of pretreatments of clay brick on brick-mortar bond strength. In: NORTH AMERICAN MASONRY CONFERENCE, 3., 1985, Arlington. Proceedings... Arlington: Masonry Society, 1985. Paper 11-2:11-12. GOODWIN, J.F.; WEST, H.W. A review of literature on brick/mortar bond. Staffordshire: British Ceramic Research Association, 1980. Technical 308. RÉUNION INTERNATIONAL DES LABORATORIES D ESSAIS ET MATÉRIAUX. RILEM LUM.A.5: Initial Rate of Suction (IRS). [S.l]: RILEM, 1988. SCARTEZINI, L.M.B.; CARASEK, H. Influência da junta de assentamento na resistência de aderência dos revestimentos de argamassa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIMENTO, 5., 1999, São Paulo. Anais... São Paulo, ABCP, 1999. Agradecimentos À Impercia Atacadista e à Cimento Tocantins S.A. pela doação de parte do material utilizado nesta pesquisa.