Direito O ABUSO DO PODER ECONÔMICO DURANTE O PERÍODO DE CAMPANHA ELEITORAL E SUA REPERCUSSÃO JURÍDICA PARA O CANDIDATO INFRATOR

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Transcrição:

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito O ABUSO DO PODER ECONÔMICO DURANTE O PERÍODO DE CAMPANHA ELEITORAL E SUA REPERCUSSÃO JURÍDICA PARA O CANDIDATO INFRATOR Autor: Anderson Zacarias Lima Orientador: Luiz Otávio de Oliveira Amaral

ANDERSON ZACARIAS LIMA O ABUSO DO PODER ECONÔMICO DURANTE O PERÍODO DE CAMPANHA ELEITORAL E SUA REPERCUSSÃO JURÍDICA PARA O CANDIDATO INFRATOR Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientador: Luiz Otávio de Oliveira Amaral Brasília 2009

RESUMO Referência: LIMA, Anderson Zacarias. O abuso do poder econômico durante o período de campanha eleitoral e sua repercussão jurídica para o candidato infrator. 2009. 81 folhas. Monografia de Direito Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, 2009. A busca desenfreada dos partidos e candidatos políticos para elegerem seus representantes nas esferas executiva e legislativa, faz com que os custos das campanhas tornem-se cada vez mais altos, atingindo quantias astronômicas se comparadas com a atual conjuntura financeira brasileira. Não raro, são praticados verdadeiros abusos do poder econômico no financiamento de tais campanhas eleitorais, seja por meio do uso indevido dos recursos públicos, oriundos dos fundos partidários, quanto pelos aportes de recursos privados, arrecadados por intermédio de doações. As interferências dessas vultosas quantias são significativas afetando diretamente o resultado dos pleitos eleitorais, haja vista que na prática quanto maior a quantidade de recursos a disposição do candidato, maiores serão as possibilidades de vitória. Ademais, quando a origem dos recursos é privada, forma-se uma intrínseca ligação entre o doador e o candidato eleito, gerando uma dívida de favores que será cobrada durante o exercício do mandato. Em face da baixa coibição do abuso do poder econômico no Brasil, necessário se faz a reformulação da legislação pertinente objetivando a preservação da soberania nacional, e garantir a prevalência do interesse público na escolha dos mandatários políticos. Palavras-chave: Abuso do poder econômico. Financiamento de campanha eleitoral.

RÉSUMÉ La poursuite effrénée des partis politiques et des candidats pour élire leurs représentants dans les milleux éxecutif et législatif, signifie que le coût des campagnes dévient de plus en plus élevé, atteignant des quantités astronomiques par rapport à la situation financière actuelle au Brésil. Il n'est pas rare que des véritables abus du pouvoir économique soient pratiqués dans le financement des campagnes électorales tels que le détournement de ressources publiques, provenant des fonds des partis politiques, ou encore par l'apport de contributions privées, soulevées par des dons. Les interférences de ces énormes sommes sont très importantes et affectent directement les résultats des élections. En effet, plus le candidat dispose d'une quantité de moyens élevée, plus les chances de victoire sont accrues. En outre, lorsque la source des fonds est privée, il se crée un lien très serré entre le donateur et le candidat élu, créant ainsi une dette de faveurs qui serà facturée au cours du mandat. En raison de la faible dissuasion de l'abus de puissance économique au Brésil, il est nécessaire de réviser la législation pertinente visant à préserver la souveraineté nationale et assurer la prééminence de l'intérêt public dans le choix des représentants politiques. Mots-clés : Abus de puissance économique. Financement des campagnes électorales.

LISTA DE ABREVIATURAS ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental AIJE Ação de Investigação Judicial Eleitoral AIME Ação de Impugnação de Mandato Eletivo Art. - Artigo CE Código Eleitoral CF/88 Constituição Federal de 1988 CPC Código de Processo Civil LC Lei Complementar LE Lei das Eleições LI Lei das Inelegibilidades LOPP Lei Orgânica dos Partidos Políticos LPP Lei dos Partidos Políticos RAIME Recurso em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo RCED Recurso Contra Expedição de Diploma STF Supremo Tribunal Federal TRE Tribunal Regional Eleitoral TSE Tribunal Superior Eleitoral

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 7 CAPÍTULO 1 ABUSO DO PODER ECONÔMICO: NECESSIDADE DE COIBIÇÃO PARA GARANTIA DA LEGITIMIDADE E LISURA DO PROCESSO ELEITORAL 10 1.1 ABUSO DO PODER ECONÔMICO... 13 CAPÍTULO 2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA VEDAÇÃO AO ABUSO DO PODER ECONÔMICO NAS CAMPANHAS ELEITORAIS DESDE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988... 17 CAPÍTULO 3 ARRECADAÇÃO E APLICAÇÃO DE RECURSOS NAS CAMPANHAS ELEITORAIS... 21 3.1 LIMITES DE GASTOS COM CAMPANHAS ELEITORAIS... 21 3.2 COMITÊS FINANCEIROS... 25 3.3 APORTES FINANCEIROS... 27 3.4 FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA... 31 3.5 GASTOS ELEITORAIS... 32 3.6 PRESTAÇÃO DE CONTAS... 33 CAPÍTULO 4 REPERCUSSÃO JURÍDICA DO ABUSO DO PODER ECONÔMICO PARA O CANDIDATO INFRATOR... 36 4.1 AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL AIJE... 37 4.1.1 Legitimidade para propor AIJE... 37 4.1.2 Rito processual e foro competente da AIJE... 38 4.1.3 Efeitos da decisão proferida na AIJE... 39 4.2 AIJE COM FUNDAMENTO NO ART. 30-a DA LEI DAS ELEIÇÕES... 46 4.2.1 Legitimidade para propor a AIJE fundada no art. 30-A, LE... 47 4.2.2 Rito processual e foro competente da AIJE fundada no art. 30-A, LE... 48

4.2.3 Efeitos da decisão proferida na AIJE fundada no art. 30-A, LE... 48 4.2.4 Proporcionalidade como requisito da AIJE fundada no art. 30-A, LE... 50 4.2.5 Início dos efeitos da decisão da AIJE fundada no art. 30-A, LE... 51 4.2.6 Principais diferenças entre AIJE com fundamento em abuso do poder econômico e AIJE com fundamento no art. 30-A, LE... 52 4.3 RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA RCED... 53 4.3.1 Competência para diplomação de candidato e processamento do RCED... 54 4.3.2 Legitimidade para interpor o RCED... 56 4.3.3 Rito processual do RCED... 57 4.4 AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO AIME... 58 4.4.1 Rito processual da AIME... 59 4.4.2 Legitimidade e foro competente... 60 4.4.3 Principais diferenças entre RCED e AIME... 61 4.5 DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE EM SEDE DE RCED E AIME... 62 4.6 POTENCIALIDADE CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL... 62 4.6.1 Recurso Ordinário 1445... 64 4.6.2 Recurso Contra Expedição de Diploma 703... 65 CONCLUSÃO... 71 AIJE com fundamento em abuso do poder econômico... 73 AIJE COM FUNDAMENTO NO ART. 30-A DA LEI DAS ELEIÇÕES... 74 RCED E AIME... 75 EXIGUIDADE DO PRAZO DE INELEGIBILIDADE... 76 PROPORCIONALIDADE E POTENCIALIDADE... 77 REFERÊNCIAS... 79

7 INTRODUÇÃO A influência do poder econômico acompanha os prélios eleitorais desde os tempos mais remotos. Mesmo que de forma insipiente, a história das eleições é marcada pela tentativa de coibir práticas abusivas que interferem na escolha dos mandatários políticos. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi contundente ao estabelecer a necessidade de proteção da normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico. Pesquisar o abuso do poder econômico eleitoral implica em perscrutar todo o sistema de financiamento e aplicação de recursos nas campanhas eleitorais. Este tema é recente no Ordenamento Jurídico dos diversos países do globo. O marco inicial da legislação brasileira ocorreu com a edição da Lei 4.740 de 15/07/1965, Lei Orgânica dos Partidos Políticos. Nos demais países, com exceção da Grã-Bretanha, cujas normas iniciais são datadas de 1863, a regulação do financiamento de campanha eleitoral ocorreu a partir da década de 60 do século passado, conforme informado por Schlickmann (2007, p. 13/14). Tais normas foram criadas em razão do crescente dispêndio de recurso para financiamento dos gastos com campanhas eleitorais que, a cada eleição, são dotadas de maior complexidade e abrangência. Os candidatos e partidos políticos não hesitam em envidar esforços na busca de alcançarem os cargos políticos que disputam. Atualmente, as campanhas eleitorais são marcadas pela contratação de grandes agências publicitárias, grupos musicais, grande produção gráfica, produção cinematográfica, criação slogan, jingles, pesquisas de opinião, gerando elevados custos. Em razão da importância que os cargos políticos representam para o cenário político e econômico do país, é comum as campanhas eleitorais serem marcadas pela maciça influência do poder econômico. Atualmente, grande parte do financiamento de campanhas eleitorais no Brasil é realizado com recursos privados, por meio de doações.

8 Os aportes privados interferem substancialmente no processo eleitoral, com as evidentes conseqüências nefastas na representatividade polícito-eleitoral, haja vista que na prática, portanto, vigora a regra de quanto maior a quantidade de recursos, maiores as possibilidades de vitória., conforme asseverou Araújo (2004, p.62 apud, 2009, p. 46), evidenciando a latente desigualdade entre os candidatos. Outro ponto negativo de tal interferência é a intrínseca ligação que se forma entre o doador e o candidato eleito, tendo-se em conta que inevitável será a dívida de favores deste para com aquele. Nesse sentido a frase famosa de Milton Friedman: Não há almoço grátis. Não obstante o rigor da legislação pertinente à arrecadação, aplicação e prestação de contas de recursos de campanha, a sociedade brasileira ainda não conseguiu conter com a eficácia que se espera a interferência do abuso do poder econômico nos certames eleitorais. O presente trabalho monográfico visa identificar os instrumentos jurídicos capazes de promover a responsabilização dos candidatos que praticarem o abuso do poder econômico durante o processo eleitoral, apontando a abrangência de seus efeitos e identificando se a sua finalidade tem sido atingida. Serão abordados os posicionamentos da doutrina eleitoral brasileira, bem como da jurisprudência contemporânea do Tribunal Superior Eleitoral, com o escopo de perfilar os principais aspectos do tema proposto. Com tais propósitos, o trabalho foi estruturado em quatro capítulos, sendo o primeiro reservado à conceituação do abuso do poder econômico face os preceitos eleitorais constitucionais. O segundo capítulo reservou-se à abordagem da evolução legislativa do abuso do poder econômico desde a CF/88 até os dias atuais, o que permitirá contextualizar seu arcabouço normativo contemporâneo. O terceiro capítulo destina-se à análise das normas concernentes à arrecadação e aplicação dos recursos financeiros de campanhas eleitorais, matéria tratada pela Lei 9.504/97,

Lei das Eleições, visando identificar suas possíveis falhas na tentativa de coibir o abuso do poder econômico e demais irregularidades de ordem financeira. 9 Por fim, o último capítulo dedica-se à demonstração da repercussão jurídica em razão do abuso do poder econômico promovido pelo candidato, analisando minuciosamente os instrumentos processuais cabíveis para se promover a responsabilidade dos infratores, bem como apurar se os efeitos de tais instrumentos tem garantido a coibição de práticas abusivas durante as campanhas eleitorais. Outro escopo da pesquisa consiste em apresentar proposições adequadas para melhoramento dos instrumentos processuais que visam a coibição do abuso do poder econômico partindo-se da reflexão da seguinte questão: Como impedir o abuso do poder econômico no processo eleitoral evitando-se a conspurcação da vontade política do eleitor, na perspectiva individual, e da sociedade brasileira e sua soberania nacional, garantindo-se a transparência e autenticidade dos pleitos e a equidade na disputa entre os candidatos? A pertinência do tema proposto se justifica face sua contemporaneidade e interferência direta no processo de eleição dos mandatários políticos. Numa sociedade onde os conflitos éticos são latentes, com instituições públicas fragilizadas e conflitantes entre si, se faz necessário concentrar os esforços científicos nos sentido de se propor alternativas para se atingir um processo eleitoral cada vez mais equânime e igualitário. Os empenhos para erradicação de condutas imorais e ilícitas para escolha dos representantes políticos devem ser constantes, objetivando sempre a prevalência do interesse público face o privado.

CAPÍTULO 1 ABUSO DO PODER ECONÔMICO: NECESSIDADE DE COIBIÇÃO PARA GARANTIA DA LEGITIMIDADE E LISURA DO PROCESSO ELEITORAL 10 A sociedade se organiza politicamente por meio do Estado (unidade formal e ideológica), e é governada por um grupo de pessoas específico, ao qual é conferido o exercício do poder institucional para gerir os órgãos responsáveis pela manutenção da soberania nacional. Este grupo seleto é escolhido pela maioria dos integrantes da sociedade por meio de instrumentos legítimos e previamente fixados. O processo de escolha dos grupos específicos, a quem serão conferidos o poder institucional, necessita de legitimidade, elemento essencial e estrutural da sociedade. Noutro ponto, obrigatória é a delimitação do poder conferido para que se possa possibilitar a devolução do poder à sociedade, realizando a rotatividade indispensável para se garantir a prevalência do regime democrático. O jurista Cavalcanti (apud SCHLICKMANN, 2007, p. 21), afirma que o regime democrático é [...] uma organização política que transfere ao povo, não somente o exercício pleno da soberania, mas também imprime certo estado de espírito à consciência coletiva. Por certo que a definição e conceituação de democracia é trabalho para cientistas políticos ou jurisconsultos de notável experiência e cabedal teórico. Portanto, trazemos a definição lincolniana apontada por Bonavides (2001, p. 267): democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo; governo que jamais perecerá sobre a face da Terra. A atual Constituição Federal do Brasil, logo em seu primeiro artigo, estabeleceu que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direitos, e no parágrafo único deste mesmo artigo assegura que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Os poderes de caráter político previstos na CF/88, em seus artigos 14 e 16, são, segundo o autor Ramayana (2007, p. 84), consectários lógicos e naturais do artigo 1º,

parágrafo único. O mesmo autor aponta vários conceitos de direitos políticos elaborados por doutrinadores diversos, dentre eles cita-se o de Antonio Carlos Mendes: 11 Os direitos políticos são situações subjetivas expressas ou implicitamente contidas em preceitos e princípios constitucionais, reconhecendo aos brasileiros o poder de participação na condução dos negócios públicos: a) votando; b) sendo votado, inclusive investindo-se em cargos públicos; c) fiscalizando os atos do Poder Público, visando ao controle da legalidade e da moralidade administrativa. Seguindo a linha democrática trazida como primado pela CF/88, o legislador constitucional preocupou-se em estabelecer os direitos políticos basilares dos cidadãos, asseverando que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (CF, Art. 14, caput). Nos dizeres de Bonavides (2001, p. 228), o sufrágio é o poder que se reconhece a certo número de pessoas (o corpo de cidadãos) de participar direta ou indiretamente na soberania, isto é, na gerência da vida pública. A coletividade se manifesta para a escolha de seus representantes por meio do voto, a jurista Telles (2007, p. 21) afirma que o voto é entendido como o instrumento maior de que se utiliza a sociedade, organizada ou não, para eleger, ou seja, escolher livremente, a quem conferir o poder político de administração de seus interesses, posto que a vontade da maioria não reflete a vontade de todos os indivíduos. Portanto, em razão da grande significância do processo de escolha dos representantes políticos para a sociedade, tendo vista que os mandatários escolhidos serão responsáveis pelo exercício do poder conferido pelo povo, imperioso destacar que a legitimidade 1 e lisura 2 do pleito eleitoral devem ser preservadas para se garantir a manutenção da harmonia social. A proteção constitucional à legitimidade e lisura dos processos eleitorais é disposta principalmente nos parágrafos nono ao décimo primeiro do art. 14. Dentre outros arrimos, nesses parágrafos, o legislador dedicou-se à coibição da influência abusiva do poder econômico nos certames eleitorais. 1 Retidão com a previsão legal. 2 Conformidade com os princípios constitucionais, valores sociais, boa-fé.

12 O abuso do poder econômico nos pleitos eleitorais deve ser combatido para, além de preservar a legitimidade e lisura das eleições, garantir que não sejam violadas a vontade do eleitor, propiciando-se a pureza volitiva do voto, haja vista que o vício de vontade vicia o resultado, bem como a vontade coletiva da sociedade por meio da soberania nacional, para que não sejam escolhidos candidatos que tenha se valido de meios ilícitos para sua eleição. Outro motivo para a contenção do abuso econômico diz respeito à isonomia de condições que sempre deve existir entre os candidatos em todo processo eleitoral, proporcionando-se aos eleitores o acesso e conhecimento igualitário de todas as informações dos concorrentes. Em atenção ao princípio da isonomia entre os candidatos, mister se faz que as campanhas políticas sejam promovidas de forma a possibilitar aos eleitores condições de escolher os seus candidatos definindo seu voto se valendo de critérios como melhores projetos ou propostas, a qualificação e preparação do candidato para o cargo em disputa, os serviços já prestados à comunidade, a legenda e ideologia política às quais o candidato está vinculado. Havendo favorecimentos ou discriminações em razão da influência econômica no exercício das campanhas eleitorais em detrimento de determinados candidatos, a consciência popular será afetada, culminando em uma eleição cuja maioria de votos alcançada pelo candidato eleito não será dotada de autenticidade, fulminando o regime democrático. Seguindo esta linha de intelecção, o professor Ramayana (2007, p. 32) ao lecionar sobre o princípio da lisura das eleições assevera que: Toda a atuação da Justiça Eleitoral, do Ministério Público, dos partidos políticos e candidatos, inclusive do eleitor, deve pautar-se na preservação da lisura das eleições. A preservação da intangibilidade dos votos e da igualdade de todos os candidatos perante a lei eleitoral e na propaganda política eleitoral ensejam a observância ética e jurídica deste princípio básico do Direito Eleitoral. As eleições corrompidas, viciadas, fraudadas e usadas como campo fértil da proliferação de crimes e abusos do poder econômico e/ou político atingem diretamente a soberania popular. Outrossim, o autor Gomes (2008, p. 42) ao tratar acerca do princípio da legitimidade das eleições afirma: A legitimidade do exercício do poder estatal por parte de autoridades públicas decorre da escolha levada a cabo pelo povo. Em uma sociedade verdadeiramente democrática, os governados é que elegem seus governantes. Essa escolha deve ser feita em processo pautado por uma disputa limpa, isenta de vícios, corrupção ou fraude. A escolha é sempre fruto do consenso popular, que, de certa maneira,

13 homologa os nomes dos candidatos, consentindo que exerçam o poder políticoestatal. Destarte, toda esta estrutura normativa constitucional para coibir e punir o abuso do poder econômico nas campanhas eleitorais, seguida de leis complementares e ordinárias como se demonstrará ao longo do trabalho, configuram os pilares para resguardar a democracia brasileira de forma que as eleições não sejam viciadas, nem tão pouco se deturpe a vontade popular por meio da coerção aos eleitores, elegendo-se mandatários ilegítimos que exercerão seus mandatos com o escopo de promover exclusivamente interesses de determinados extratos da sociedade, deixando ao largo as verdadeiras aspirações populares. O professor Coêlho (2008, p. 242) ao discutir o abuso de poder nas eleições asseverou que ele corrompe o processo democrático, por um lado, e impede, dificulta e desestimula a participação de numerosos sujeitos da vida política, por outro ângulo. Acaba por contribuir, deste modo, com o enfraquecimento do exercício da cidadania plena. Deste modo, passa-se à conceituação de abuso do poder econômico, explorando suas origens históricas, possibilitando ao leitor familiarizar-se com a principal expressão objeto do presente trabalho. 1.1 ABUSO DO PODER ECONÔMICO Em relação à historicidade do abuso do poder econômico, utiliza-se como referencial teórico o brilhante trabalho desenvolvido pelo eminente Professor Walter Ramos Da Costa Porto 3, o qual sintetizou em um único dicionário as principais expressões relacionadas ao voto. 3 PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. Brasília: Editora Universidade de Brasília. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.

14 Segundo Porto (2000, p. 18/19) o abuso do poder econômico é tão antigo quanto aos próprios escrutínios. Na civilização romana há vários registros das chamadas leges de ambitus, conhecidos como diplomas editados para proteger a lisura das eleições. Na Inglaterra, até o século XIX, era prática comum entre os candidatos comprar votos e proporcionar transporte aos eleitores para os locais de votação, além de atemorizar os eleitores contrários com grupos armados. Em Yorkshire, no ano de 1827, o autor cita que haviam burgos que só os proprietários de certas casas eram eleitores, portanto, teria mais votos aqueles que possuíssem mais casas. No Brasil, o professor Porto (2000, p. 19/23) aponta que na própria colônia havia reclamações em razão da prática de sobornos e induzimentos durante as eleições. As irregularidades e pouca punição atravessaram todo o período monárquico. Na 1ª República, o abuso do poder econômico é marcado pelo coronelismo, forma peculiar de manifestação do poder privado. Na 2ª República, PORTO citando João Cabral, um dos autores do Código Eleitoral de 1932, indica que praticamente não havia punição para as infrações eleitorais naqueles tempos, haja vista que os crimes, por vezes, eram reconhecidos pela sociedade como virtudes e habilidades políticas. A primeira tentativa de corrigir as deformações no quadro eleitoral apontada por Porto (2000, p. 18/19) é datada de 1832, na Inglaterra, seguida da Corrupt Illegal Practices Act, em 1854, pela primeira vez eram definidas as diversas formas de corrupção direta e indireta, e as despesas eleitorais dos candidatos eram examinadas. O mestre Porto (2000, p. 22/23) indica ainda que a primeira tentativa de coibir o abuso do poder econômico na legislação brasileira foi realizada pela Emenda Constitucional nº 14, de 3 de junho de 1965, seguida pela Lei 7.493/86, que regulou as eleições de 1986, culminando na promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual será tratada no próximo capítulo. A análise do resultado da pesquisa promovida pelo professor Porto permite concluir que a pouca regulação existente acerca do abuso do poder econômico ao longo da história, confundia-se com a coibição da captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, LE), delito para o qual atualmente se reserva um tipo específico cujas conseqüências são diferentes da condenação pelo abuso do poder econômico, conforme se demonstrará mais adiante.

Contemporaneamente, o abuso do poder econômico é conceituado pelos doutrinadores da seguinte forma: 15 O jurista Cândido (2008, p. 142) ao comentar a respeito da Ação de Investigação Judicial Eleitoral AIJE, assim conceitua o abuso do poder econômico: É o emprego, em todo o período das campanhas eleitorais, pelos partidos políticos, coligações ou candidatos, de recursos que, mesmo oriundos de fonte lícita, pela desproporção de seus altos valores para com os objetivos a que se destinam, venham desigualar a busca pelos votos em relação aos demais partidos políticos, coligações ou candidatos. O autor Gomes (2008, p. 156) afirma que abuso do poder econômico é espécie do gênero abuso de poder, em seguida assevera que: Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário ou a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. Ademais, Gomes (2008, p. 245) cita que se configura o abuso do poder econômico quando houver oferta ou doação, a eleitores, de produtos ou serviços diversos, como atendimento médico, hospitalar, dentário, estético, fornecimento de remédios, próteses, gasolina, cestas básicas, roupas, calçados, materiais de construção, recursos de caixa dois, assim compreendidos aqueles ilicitamente arrecadados ou não declarados, e a realização de gastos que superem a estimativa apresentada por ocasião do registro. O jurista Garcia (2000, p. 30/31) aponta as seguintes formas mais comum de configuração do abuso do poder econômico, devidamente dotados de potencialidade: a) Utilização indevida de transportes nas eleições; b) Recebimento e utilização de doações oriundas das entidades proibidas de realizar doações; c) Realização de gastos eleitorais em montante superior ao declarado; d) Utilização de numerário e serviços do próprio candidato, sem incluí-los no montante dos gastos eleitorais. O autos Costa (2008, p. 354) traz a seguinte conceituação de abuso do poder econômico, in verbis:

16 Abuso do poder econômico consiste na vantagem dada a uma coletividade de eleitores, indeterminada ou determinável, beneficiando-os pessoalmente ou não, com a finalidade de obter-lhes o voto. Para que a atuação do candidato, ou alguém em seu benefício, seja considerada abusiva, necessário que haja probabilidade de influenciar no resultado do pleito, ou seja, que haja relação de causalidade entre o ato praticado e a repercussão no resultado das eleições. Desse modo, o conceito de abuso de poder, econômico ou político, é relacional: apenas há abuso juridicamente relevante se, concretamente, trouxer possibilidade de modificar o resultado da eleição. Assim, apenas no contexto do caso concreto poderá ser observada a existência de abuso relevante para incoar a sanção de inelegibilidade. Por fim, o autor Ramayana (2007, p. 331) ao tratar do abuso de poder, assim o conceituou: Abuso do poder econômico ou político é toda a conduta ativa ou omissiva que tenha potencialidade para atingir o equilíbrio entre candidatos que almejam determinado pleito eleitoral. Portanto, sob a luz das conceituações supra, entendemos que o abuso do poder econômico é toda a conduta com a finalidade de obtenção de votos e capaz de promover desigualdade entre os candidatos e influenciar o prélio eleitoral, dotada de potencialidade. Sob o prisma das conceituações ora apresentadas, adentramos ao próximo capítulo que se destinará à abordagem da evolução legislativa da coibição ao abuso do poder econômico a partir da Constituição Federal de 1988, possibilitando a compreensão atual da normatividade positivada do tema discutido.

17 CAPÍTULO 2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA VEDAÇÃO AO ABUSO DO PODER ECONÔMICO NAS CAMPANHAS ELEITORAIS DESDE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição Federal de 1988, ao estipular disposições acerca dos direitos políticos, estabeleceu em seu art. 14, 9º 4, que caberia a lei complementar estabelecer normas contra a influência do poder econômico com o escopo de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato e a normalidade e legitimidade das eleições. Asseveramos, portanto, o interesse coletivo da sociedade, por meio do legislador constitucional, de resguardar todo o processo eleitoral contra a interferência do abuso do poder econômico que desnivela o pleito e interfere na escolha justa dos mandatários políticos. A Lei Complementar a que faz referência o dispositivo constitucional foi editada em 18 de maio de 1990, sob o número 64, publicada no Diário Oficial da União de 21/05/1990. Ela estabeleceu um extenso rol de casos de inelegibilidade, os prazos de cessação, a competência, o rito e o processamento para julgamento das argüições de inelegibilidade, além de outras providências. Dentre os casos de inelegibilidade elencados, instituiu-se aquele oriundo da condenação pela justiça eleitoral após constatação de abuso do poder econômico praticado por candidato durante as eleições em disputa, como conseqüência fixou-se a inelegibilidade do candidato para aquele pleito, bem como nos três anos seguintes, art. 1º, I, d, LC nº 64/90 5. 4 CF, Art. 14, 9º: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. 5 LC nº 64/90, Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem 3 (três) anos seguintes;

18 As leis visando regular as eleições editadas após a CF/88 até as eleições de 1992, não dispunham sobre nenhuma norma relativa à arrecadação, aplicação e prestação de contas das campanhas, fatos que podem levar ao abuso do poder econômico, são elas: eleições nos municípios criados até maio/88 Lei nº 7.710/88; eleições presidenciais de 1989 Lei nº 7.773/89; eleições municipais de 1992 Lei nº 8.214/91. A previsão legislativa do controle contábil e apuração das infrações relativas aos recursos de campanha eleitoral era reservada de forma bastante insipiente à antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP), Lei nº 5.682/71. A disciplina dos gastos de campanha eleitoral e da contabilidade dos partidos políticos se confundiam, a apuração de responsabilidades era limitada aos dirigentes do partido e dos comitês financeiros responsáveis por gerir os recursos, não havia previsão clara a respeito das conseqüências e penalidades a serem fixadas aos infratores, os candidatos eram proibidos de financiar quaisquer gastos em suas campanhas. A eleição de 1994 foi um marco para a legislação nacional no que se refere ao controle da arrecadação de recursos financeiros e gastos durante as campanhas eleitorais. A sociedade brasileira, motivada pela turbulência política e numerosos indícios de irregularidades na administração de campanha eleitoral que marcaram o governo Collor, entendeu pela latente necessidade de coibir o abuso do poder econômico e dos demais ilícitos oriundos da má administração financeira das campanhas, estabelecendo formas de controle que pudessem identificar as fontes de recursos, sua administração e aplicação, e a devida prestação de contas, visando identificar irregularidades e promover a devida responsabilização dos infratores. Assim, a Lei nº 8.713/93 dedicou uma série de dispositivos para regular a arrecadação e aplicação de recursos financeiros especificamente das campanhas eleitorais, com maior abrangência e riqueza de detalhes do que a antiga LOPP. As principais inovações versaram sobre: responsabilidade direta do candidato sem excluir a do partido e comitê financeiro; fixação de datas para constituição dos comitês financeiros; faculdade do candidato para abrir conta bancária; fixação de data para recebimento de doações; possibilidade de recebimento de recursos de pessoas jurídicas abrangendo inclusive empresas privadas com finalidade de lucro; fixação de limites para doações; possibilidade de o candidato financiar sua própria campanha; estabeleceu um rol maior de instituições proibidas de financiar campanhas