A MISERICÓRDIA DE DEUS E O SACRAMENTO DA RECONCILIAÇÃO Vários nomes foram dados ao longo da história a este sacramento, através do qual Deus perdoa nossos pecados. Cada um deles expressa um aspecto da imensa riqueza que abrange este sacramento da misericórdia de Deus. a) Sacramento da penitência Desde os primeiros tempos do cristianismo, este sacramento foi chamado, e com razão, sacramento da penitência. Isto é, a celebração que manifesta e realiza adequadamente a conversão de uma pessoa no interior da Igreja. Penitência significa uma mudança radical na maneira de pensar, de sentir e de agir. Não é, portanto, tão somente uma mudança superficial. Não é mudança de imagem nem de aparência. É uma mudança radical, que acontece em nós, com a ajuda da graça de Deus, que toma a iniciativa dessa transformação em nós. São Paulo diz: Exorto-vos, portanto irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito" (Rm 12,1-2). Desse modo, é tarefa da Igreja procurar levar os fiéis a converterem-se pouco a pouco, cada dia mais, quanto ao pensamento e ao sentir de Deus e, assim, através da transformação da maneira de ser e de viver, dar testemunho, que o sacramento da penitência, como dimensão missionária, anuncia e convence o mundo de que existem maneiras melhores para viver, sentir e agir. A celebração do sacramento que manifesta e realiza nossa conversão é chamada a ser sinal de salvação para o mundo. Naqueles que buscam a conversão sincera, o mundo recebe um testemunho de fé. b) Sacramento da reconciliação 1
É Jesus Cristo quem reconcilia os céus e a terra, Ele é o Verbo de Deus que se faz carne por amor, unindo assim Deus e a humanidade. Cristo, ao cumprir sua missão de morrer na cruz, nos reconciliou em seu corpo, unindo nele o que estava disperso. Oferecendo-se Ele mesmo, para que todos possam entrar na morada de Deus. A Igreja tem consciência de ser em Cristo "como um sacramento, isto é, sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano" (LG 1,1). Essa é sua missão. Com ela, promove-se a vocação da humanidade a viver reconciliada, consciente de si e de que provém da vontade reconciliadora de Deus, nosso Pai. c) Sacramento do perdão Chega-se à reconciliação pelo perdão, um ato que provém da iniciativa amorosa do Pai e da resposta da pessoa humana. Jesus começa seu ministério no Evangelho de Lucas, declarando-se o Ungido de Deus que vem anunciar o evangelho aos pobres, libertar os oprimidos e anunciar o tempo da graça de Deus (cf. Lc 4,16ss). E fica claro em todo o Evangelho que esse anúncio da proximidade de Deus se expressa na pregação, na cura dos enfermos e no perdão dos pecados, o que escandaliza os fariseus, que não entendem como Deus pode ter dado esse poder aos homens (cf. Mc 2,8-12). A proclamação do perdão será característica de todo o ministério de Jesus, pois Ele veio para os pecadores e não para os sadios. Dessa maneira, devolve a alegria aos tristes, a saúde aos enfermos, a vida aos mortos... Entre suas últimas palavras, verdadeiro testamento da vida, Jesus dirá: "Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem" (Lc 23,34). Cristo não é só perdão; é a remissão de Deus para a humanidade (cf. Cl 2,13-15). São Paulo comenta com acerto que Jesus foi "entregue pelas nossas faltas e ressuscitado para a nossa justificação" (Rm 4,25). Jesus envia seus discípulos a fim de serem testemunhas "e que, em seu Nome, fosse proclamado o arrependimento para a remissão dos pecados a todas as nações, a começar por Jerusalém" (Lc 24,45). 2
Jesus dá aos apóstolos o poder de ligar e desligar na terra o que será ligado e desligado no céu (cf. Mt 16,18-20) e recomenda à comunidade que é preciso perdoar "setenta vezes sete" (cf. Mt 18,21). Mais explícito é o encontro com os discípulos na tarde do dia da Ressurreição, quando os envia "Como o Pai me enviou, Eu envio vocês." e vincula essa missão ao "perdão dos pecados" (cf. Jo 20,19-23). d) Sacramento da confissão O primeiro sentido da palavra confissão é o de proclamar as maravilhas de Deus e de seu poder salvador (cf. Jo 5,36; Rm 10,9-10; Mt 16,13-20; Jo 9,15ss; Lc 7,6-9; Mc 15,39). O outro sentido da palavra confissão está vinculado com a acusação dos pecados (cf. Tg 5,16; Jo 1,8-10). A confissão dos pecados diante do sacerdote é um elemento essencial deste sacramento (cf. Cat. 1424). A Tradição da Igreja vai ensinar que: ao confessar nosso pecado, estamos também confessando a bondade de Deus que cura e salva. A Igreja exerce o ministério da confissão, acolhendo com amor o pecador arrependido e ouvindo atentamente a confissão de suas culpas para encaminhá-lo à plena reconciliação e ao perdão de seus pecados. Este ministério suscita a humildade em nós, pecadores, a fim de que nos ponhamos em nosso lugar, diante de Deus Pai, e com amor filial possamos olhar nossa vida à luz de sua misericórdia. O PODER DE PERDOAR OS PECADOS NA IGREJA A Igreja, ao longo de toda sua história, sempre teve a consciência de possuir o poder de perdoar os pecados, continuando a mesma missão que o Filho de Deus veio trazer ao mundo. Cristo dá início à sua missão profética usando o tema da penitência-conversão que fora próprio de João Batista (Mt 3,11; Mc 1,4). Depois de João ser preso, "Jesus... começou a pregar e dizer: 'Arrependei-vos, porque está próximo o Reino dos Céus'" (Mt 4,1-17; Mc 1,14-15). Trata-se de um chamado geral. 3
Jesus afirma que sua missão é a de ter vindo para "chamar os pecadores" (Mt 9,13; Mc 2,17) e especifica que veio chamá-los para que se convertam e vivam (Lc 5,32). Mas, para Cristo, não se trata apenas de alguns pecadores, mas de todos, em geral. Justamente foi enviado para todos, a fim de que se convertam (Mt 11,20-21; 12,41; Lc 13,2; 15,7; At 5,31; 11,18). Nos Evangelhos, principalmente em Mateus e João, aparecem claramente os momentos em que o próprio Cristo transmite esse poder a seus apóstolos. Mateus apresenta estas palavras de Jesus: "Em verdade vos digo: tudo quanto ligardes na terra será ligado no céu e tudo quanto desligardes na terra será desligado no céu" (Mt 18,18). Os termos ligar e desligar se referiam à autoridade que os responsáveis da comunidade judaica, tinham de afastar da comunidade algum de seus membros que cometeu alguma falta de tipo doutrinal ou disciplinar. O evangelista João cita a primeira aparição de Jesus a seus discípulos e sublinha a importância da frase final: "Aqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; aqueles aos quais retiverdes ser-lhes-ão retidos" (Jo 20,23), indicando que foi dado aos discípulos a autorização e o poder de perdoar os pecados. O perdão dos pecados no Novo Testamento não é simplesmente uma mensagem que se anuncia ou prega, mas, constitui-se num dom e numa graça que Cristo dá e oferece como realidade presente que é fruto de sua obra redentora. Nos dois evangelistas se destaca a plenitude de um poder sobre o pecado e as forças do mal, que Cristo concede a Pedro e aos outros apóstolos sem limites. Não é simplesmente um poder de perdoar, mas de ligar e desligar, isto é, de enfrentar o pecado com o poder da graça de Cristo que venceu ao Maligno. É um poder de perdoar e reter os pecados, isto é, um poder que a Igreja deve exercer tendo em consideração a realidade do pecado e da graça na comunidade cristã, operando de acordo com as exigências do perdão. A ABSOLVIÇÃO COMO SINAL SACRAMENTAL De modo especial, a absolvição deve se manifestar liturgicamente. O penitente diz em voz alta sua oração -ato de contrição- que também pode ser o Painosso ou o "Eu, confesso". Ou simplesmente: "Pequei, Senhor, estou arrependido, tem 4
misericórdia de mim"; "Pecamos, Senhor, estamos arrependidos, tem misericórdia de nós", que pode recitar junto com o sacerdote (cf. Várias orações no RP 45). Em seguida o sacerdote, levantando as mãos ao céu, em atitude orante, diz a primeira parte da absolvição: Deus, Pai de misericórdia, que pela morte e ressurreição de seu Filho reconciliou o mundo consigo... Em seguida impõe as mãos sobre a cabeça do penitente e diz: E enviou o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E faz o sinal da cruz dizendo: E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. O penitente responde: Amém. Se o ministro está de pé e o penitente de joelhos, o sacerdote o ajuda a se levantar e dá-lhe o abraço da paz. Este é o gesto do Pai misericordioso na parábola do filho pródigo. A liturgia ainda não terminou. Falta a oração final do penitente agradecendo ao Senhor a graça do perdão. Pode ser simplesmente: "O Senhor fez em mim maravilhas, glória ao Senhor". Que não volte a se repetir no sacramento da Reconciliação a cena dos dez leprosos em que um só -e estrangeiro- voltou para agradecer ao Senhor por sua cura... A EXPERIÊNCIA GOZOSA DO PERDÃO Definitivamente o sacramento do perdão é uma experiência de misericórdia, um evangelho gozoso, tanto na vida do penitente como na do ministro da Igreja. Esta é a atitude fundamental para poder celebrá-lo, já que é a que corresponde ao coração do Pai. Para o penitente é um momento de graça muito especial, onde sai reconfortado depois de ter tido a coragem de mostrar suas chagas à Igreja, para que esta lhe conceda o perdão que as transforma em chagas gloriosas, uma vez que Deus perdoa o pecado, cura as feridas e salva nossas vidas. Por fim, a celebração é um tempo de graça, para o penitente que depois de ter sido acolhido, sai aliviado e em paz para recomeçar sua vida e para o ministro que representa o Senhor, apesar de ser também um homem ferido, é eleito para ser portador da graça do perdão. É um dom imerecido, que o ministro nunca deve se cansar de agradecer. 5