DAS INFLUÊNCIAS DA NOÇÃO DE ESTADO DE NATUREZA NAS CONCEPÇÕES DE CONTRATO DE HOBBES E ROUSSEAU



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Transcrição:

DAS INFLUÊNCIAS DA NOÇÃO DE ESTADO DE NATUREZA NAS CONCEPÇÕES DE CONTRATO DE HOBBES E ROUSSEAU Bruna Andrade Pereira Faculdade de Direito CCHSA bruna.ap1@puccamp.edu.br Prof. Dr. Douglas Ferreira Barros Faculdade de Filosofia CCHSA Grupo de Pesquisa: Ética, política e religião: questões de fundamentação dfbarros@puc-campinas.edu.br Resumo: A presente pesquisa busca analisar o modo como se deu a passagem do estado de natureza para o estado civil em Hobbes e em Rousseau e como ambos os filósofos pensaram o estabelecimento dos contratos. Nosso intento é avaliar sobre que bases se assentam as críticas de Rousseau ao modelo conceido por Hobbes. Uma vez que o estado de natureza dos homens - anterior à concepção do Estado - influenciou o tipo de contrato adotado pelos autores, buscaremos entender de forma objetiva e sucinta como se deu este estado sob a ótica de ambos os filósofos. As principais obras utilizadas nesta pesquisa serão O Contrato Social, de Rousseau, e Leviatã, de Hobbes, pois nelas encontraremos o material necessário para entender os contratos e como foram articulados, que é o objeto de nosso estudo. Mas também, como pano de fundo, usaremos as obras Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (data da obra), de Rousseau e Do cidadão (data da obra), de Hobbes, onde se acham a base de suas concepções de estado de natureza entre os homens. Em princípio, buscaremos brevemente entender o estado de natureza do homem, para depois analisarmos o que levou os homens aos respectivos contratos e a forma como estes se deram. Por último, trabalharemos as críticas de Rousseau quanto ao contrato de Hobbes, que são basicamente constituídas em torno da concepção de soberano, de liberdade dos súditos e da forma como o primeiro exercerá seu poder sobre os segundos. Palavras-chave: estado de natureza, estado civil e passagem. Área do Conhecimento: Filosofia - Ciência da Religião CNPq. 1. INTRODUÇÃO A presente pesquisa busca refletir em especial como Hobbes e Rousseau pensaram a instituição do contrato. E tendo em vista que o modo como os homens viveram no estado de natureza influenciou os tipos de contratos adotados pelos filósofos em questão, faz-se necessário iniciar nossa pesquisa assim como os pensadores de nosso estudo, pelo Estado de natureza. Deste estado, importa-nos saber de que maneira os homens vivam, como se comportavam, entre outras coisas. Em seguida, estudaremos conceitos importantes das bases contratuais de cada autor, como por exemplo, em que condições os homens instituíram o contrato e quem era o soberano estabelecido por tal pacto. E, por fim, buscaremos entender as críticas feitas por Rousseau ao contrato hobbesiano, haja vista que ambos possuem concepções diferentes em relações aos contratos. Como base bibliográfica desta pesquisa faremos uso da obra Leviatã (1983), de Thomas Hobbes, onde podemos encontrar informações desde o estado de natureza até a passagem do homem para o estado civil, bem como quem era o soberano e as cláusulas contratuais definidas por Hobbes. E também as obras Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da desigualdade entre os homens (1987) e O Contrato Social (2006), ambas de J-J Rousseau, ambas cruciais para o entendimento do estado de natureza dos homens e os fundamentos do contrato estabelecido por eles.

Como pano de fundo, utilizaremos a obra Rousseau e a ciência política de seu tempo (data da obra), do comentador Robert Derathé, pois contém um capítulo sobre as influências de Hobbes sobre Rousseau, o que será de grande valia para que nos mantenhamos no campo do debate filosófico-político sobre os contratos e as formas de governo. 2. DO ESTADO DE NATUREZA E SUAS INFLUÊNCIA SOBRE OS CONTRATOS 2.1 O Estado Natural e a guerra de todos contra todos em Hobbes Grande parte dos autores contratualistas, que dizem ser a instituição do Estado realizada a partir de um contrato social, recorrem ao estado de natureza como ponto de partida para pensar a instituição do poder. É importante ressaltar que este estado é hipotético, ou seja, ele pode nunca ter existido de fato, mas é de grande relevância sua influência sobre os tipos de contratos adotados pelos autores em questão posteriormente. Para Hobbes, os homens no estado de natureza eram iguais em relação às faculdades do corpo e do espírito, e dessa igualdade na capacidade se deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. O mais fraco era totalmente capaz de aniquilar o mais forte, por meio de maquinação ou aliando outros que estejam sofrendo a mesma ameaça. A igualdade quanto à esperança de alcançarmos nossos fins consiste em que se dois homens desejam a mesma coisa ao passo que ela não pode ser gozada pelos dois ao mesmo tempo, eles irão se tornar inimigos. E na tentativa de conseguir o que se deseja (p.43), o homem irá invadir e se apossar do que é do outro até que este invasor também encontre um homem para temer e dessa forma, estará na mesma situação de perigo. Quanto à constante situação de ameaça mútua, o melhor a fazer é antecipar-se, ou seja, por meio da força ou astúcia dominar o maior número de homens possível, até que chegue o momento em que não tenha ninguém tão grande a ponto de ameaçá-lo e dessa forma, não haverá a quem temer; e que aqueles que optarem por viver de forma tranquila, sem expandir seu poder por meio de invasões não permanecerão assim por muito tempo. Nessa guerra de todos os homens contra todos os homens não podem existir conceitos como o de justiça ou injustiça. Isso se deve ao fato de que ainda não havia lei e, sem um parâmetro a seguir, não há como se falar em injusto. Também, não existe para Hobbes a distinção de propriedade neste estado, nem tampouco a concepção do meu e teu, a cada homem só pertencia aquilo que ele era capaz de conquistar e por quanto tempo ele fosse capaz de conservar. O autor atribui a miséria do homem à obra da natureza, mas, com uma possibilidade de sair dela usando em parte as paixões e em partes a razão. Hobbes nos fala que o homem tem por natureza três principais razões de discórdia, a saber: a competição, a desconfiança e a glória; sendo que a primeira é o motivo pelo qual os homens atacam uns aos outros visando lucro, a segunda diz respeito à segurança e a ultima, à reputação. Nesse período os homens não tinham outra segurança senão a que sua própria força poderia lhes assegurar. Por isso, viviam em temor e perigo de morte violenta e sua vida era "sórdida, pobre, solitária, embrutecida e curta" (Cap. XIII, p.46). De acordo com Hobbes, os homens no estado de natureza agiam conforme suas paixões, que são movimentos de aproximação ou de aversão a determinado objeto. Tais paixões levavam o homem aspirar à paz, e são elas: o medo da morte, o desejo de tudo quanto é necessário para que se tenha uma vida confortável e a esperança de conseguir essas coisas através do trabalho. 2.2. Estado de natureza para Rousseau, o homem como bom selvagem Segundo Rousseau, o homem em seu estado de natureza vivia isolado nas florestas, em total liberdade como seres iguais, não tendo capacidade de se distinguir de outro ser humano porque ele nem tinha a noção de que existiam outros como ele e essa distinção requer a habilidade de abstração, o que ele ainda não possuía, mantendo perfeito equilíbrio com a natureza e o ambiente, pois sabia reagir e se adaptar à natureza e às suas exigências sobrevivendo com o que ela lhe oferecia. Para este filósofo, tal homem estava limitado a atender somente suas necessidades, que não passavam da esfera física. Neste estado o homem não possuía a intenção de prejudicar, antes temia o mal que poderia receber. E como não existia nele nenhum sentimento como vaidade e a noção de propriedade privada, o único motivo passível de guerra era o alimento.

Considera-se que o homem pensado por Rousseau neste período é algo como o bom selvagem, no sentido de que ele vivia feliz na simplicidade, mas como um selvagem. Não possuía noções morais como, por exemplo, a de bem ou mal. Estas noções são adquiridas com o processo de civilização. Rousseau apresenta dois princípios anteriores à razão: o amor de si e a piedade. O amor de si é uma paixão inata, anterior a todas as outras. Tal princípio leva cada animal a cuidar da sua preservação, ou seja, é um desejo ardente pelo próprio bem estar, e quando desenvolvido pelo homem e pela razão, cria a humanidade e a virtude. É importante ter clara a distinção entre o amor de si e o amor-próprio, conceitos importantes para Rousseau, pois o amor de si, como já explicado acima, é uma paixão que nasce com o homem e está relacionado à conservação e não se desvincula da piedade, mas o amor-próprio é um sentimento nascido na sociedade, está relacionado com o egoísmo e desvinculado da piedade, porque leva um homem a dar mais valor a si do que a outro: noutras palavras, o amor-próprio surge na relação do homem como o outro. Já a piedade, o autor descreve como um sentimento natural, uma "repugnância inata ao ver o semelhante sofrer". Rousseau nos mostra que, apesar do modo um tanto não civilizado no sentido positivo, em que o homem vivia, ele apresenta duas diferenças cruciais em relação aos outros animais e que ao passar do tempo farão com que ele se afaste de sua condição primária: a liberdade e a faculdade de aperfeiçoarse. A liberdade é a capacidade que o homem tem de escolher ou rejeitar as leis naturais, mesmo que isso venha a prejudicá-lo. O homem o faz por um ato de liberdade, já os animais o fazem por instinto e não podem afastar-se das leis naturais. O autor chama esse aperfeiçoar-se de perfectibilidade e vale lembrar que ela é fonte de todas as infelicidades do homem (1987, p. 174), um conceito importante em Rousseau, porque com o tempo essa perfectibilidade faz com que o homem se afaste do seu estado de natureza. 3. DA INSTITUIÇÃO DO CONTRATO 3.1 Princípios e fundamentos do contrato Hobbesiano É necessário fazermos distinção de três princípios cruciais em Hobbes, são eles: o direito de natureza, a liberdade e a lei de natureza. O primeiro diz respeito à liberdade que cada indivíduo possui de utilizar seu próprio poder, do modo como lhe convir, para preservação de sua própria vida. Como consequência, esses homens podem fazer tudo o que julgarem necessário como meio para garantirem o fim, ou seja, tudo é válido quando o objetivo é a preservação de sua vida. Com relação à liberdade, essa é entendida pelo autor como a ausência de impedimentos externos, que podem tirar parte do poder que cada homem tem de fazer aquilo que seu julgamento e razão lhe ditarem. Por fim, a lei de natureza (lex naturalis) é uma regra geral, estabelecida com o intuito de proibir o homem de fazer tudo aquilo que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la. É de grande valia uma observação à cerca da condição de guerra a qual o homem foi naturalmente submetido, segundo Hobbes, trata-se de uma condição de guerra de todos os homens contra todos os homens, de modo que cada indivíduo é guiado por sua própria razão, todos os homens têm direito a todas as coisas, incluindo o corpo dos outros. Dessa forma, durante todo o período em que os homens permanecerem submetidos a essa condição de guerra, para nenhum deles haverá a segurança de viver o tempo que a natureza eventualmente lhes permitiria. O autor conclui da primeira parte da primeira regra que procurar a paz, e segui-la constitui a primeira e fundamental lei de natureza. A segunda parte desta regra, diz respeito ao direito de natureza, por todos os meios que pudermos, defendermo-nos a nós mesmos. Da primeira lei fundamental de natureza, em que os homens devem procurar a paz, Hobbes deriva sua segunda lei fundamental de natureza. Pois, enquanto cada indivíduo possuir o direito de fazer tudo que lhe convir, a condição de guerra perdurará. Mas se, no entanto apenas um homem renunciar a seus direitos, sem que os outros façam o mesmo, este estaria se oferecendo aos outros como presa, o que seria inútil na busca para estabelecer a paz. Segundo Hobbes, é possível abandonar um direito por meio de renúncia ou transferência. Quando o meio empregado é a transferência, pretende-se beneficiar pessoa ou pessoas determinadas. Já pela renúncia, é irrelevante sobre quem irá recair tal benefício. De qualquer maneira, o ato de abandonar seu direito é uma expressão, mediante um sinal ou sinais voluntário e suficiente de que houve a renúncia ou transferência.

O que o autor chama de sinais, podem ocorrer apenas por palavras ou por ações, ou ainda pelas duas formas. Segundo o autor, entende-se o mesmo em relação aos ferimentos, a cadeia e o cárcere, pois dessas coisas não resultará nenhum benefício. Por fim, o abandono ou transferência do direito só poderá ocorrer se for em prol da segurança de todos os indivíduos. Para Hobbes a transferência mútua de direitos chama-se contrato. Quando uma das partes entrega a coisa contratada, mas permite que o outro cumpra a sua parte posteriormente, o contrato chama-se pacto ou convenção. No Estado Civil, para que se cumpra o pacto firmado, é necessário que haja um poder coercitivo, ou seja, deve-se estabelecer um poder que possa coagir aqueles que queiram deixar de cumprir o pacto. Quando os homens estabeleceram em comum acordo (pelo menos a maioria deles) a instituição do Estado, eles, depois de o instituírem devem entender às decisões do soberano como suas e nunca contestá-las. Caberá ao soberano ditar as regras sobre de que bens os homens poderão gozar e que ações poderão praticar sem que invadam os direitos dos outros. Somente essas normas impostas pelo estado serão chamadas normas jurídicas, pois serão as únicas que deverão ser obedecidas sob coerção do Estado. O ato de se associar traz consigo um compromisso recíproco do público com os particulares, porém, de acordo com Hobbes, é possível que os homens sejam liberados do pacto de duas formas, cumprindo ou sendo perdoados. Cumprindo, pois seria o fim natural de uma obrigação e sendo perdoado porque dessa forma há a restituição da liberdade. Existem alguns casos em que os pactos são inválidos, isso ocorre quando já tendo sido firmado um pacto anterior, o indivíduo decidir firmar outro pacto. O pacto anterior anula o posterior, haja vista que: Um homem que transferiu seu direito hoje a outro, não pode transmiti-lo amanhã a um terceiro. Também não é válido um pacto na qual o homem se comprometa a não se defender da força por meio da força. Como dito anteriormente, ninguém deve transferir seu direito de se defender da morte. O último caso de invalidez pactual ocorre quando alguém se acusa a si mesmo, sem garantia de que possa vir a ser perdoado, porque segundo Hobbes, todos os homens são juízes e não lugar para acusação. Se tratando do Estado Civil, a acusação antecede o castigo e ninguém é obrigado a não resistir. 3.2 O Contrato Social de Rousseau Rousseau relata que houve um momento em que os obstáculos para a conservação do homem no estado de natureza fizeram com que eles mudassem seu jeito de ser, afim de que não perecessem. Por isso, o estado primitivo não pôde subsistir e os homens começaram a somar suas forças, por agregação. As cláusulas contratuais de Rousseau podem ser resumidas a apenas uma, na alienação total de cada associado e seus bens, visando favorecer toda a comunidade, pois se todos os homens adquirem os mesmos direitos que lhe foi cedido, eles ganham o equivalente a tudo que perdeu e maior força para conservarem aquilo que possuem. Rousseau define o soberano como sendo o próprio povo, e seus interesses serão chamados vontade geral que tem como finalidade escolher o melhor para toda a sociedade. Vontade geral não se confunde com vontade de todos, pois esta significa a junção dos interesses particulares e egoístas de cada homem. Esse poder soberano, atribuído ao corpo formado pelos cidadãos, é transferido a um representante. Trata-se de uma assembléia de homens. O pacto social produz um corpo político, que é chamado de Estado quando passivo e de Soberano quando ativo, ou seja, quando o povo está reunido, em assembléia, este constitui o soberano, porque é dele o poder de decisão tendo como base apenas a vontade geral, após isso, o corpo político assume a forma de Estado, fazendo com que o povo cumpra o que ele mesmo estabeleceu. A associação civil ou do Contrato é a única forma de se garantir a liberdade dos homens, haja vista que a liberdade individual só existe se houver primeiramente a liberdade coletiva e sem a existência de uma convenção que estabeleça os direitos de cada homem, um poderia dominar o outro. Rousseau defende que com o contrato social há perdas e ganhos por parte dos contratantes. Para ele a perda proveniente do contrato é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que deseja e por ventura pudesse alcançar. Mas por outro lado o homem ganha no que diz respeito a liberdade civil e a propriedade de tudo aquilo que possui.

3.3 Das críticas de Rousseau ao contrato de Hobbes Após termos adquirido conhecimento de como os homens viviam no estado de natureza, de que forma ele influenciou e como se deram o estabelecimento dos contratos, partiremos agora para o que Rousseau diz com relação ao contrato e estado civil de Hobbes, que diz respeito basicamente a forma de governo, forma de contrato e o soberano. Quanto às formas de governo, Hobbes vê na monarquia a melhor forma de governo, pois defende que ela é mais eficaz, mas é importante deixar claro que para ele o que está em questão é a conveniência dos governos, ou seja, qual governo será mais capaz de garantir aquilo para qual ele foi instituído (segurança e paz). Já Rousseau, tem como principal objetivo preservar a liberdade natural do homem, mas ao mesmo tempo garantir sua segurança e bem estar, por isso ele dá a entender que a democracia neste caso seria mais conveniente, pois o contrato de Rousseau é de associação e não de submissão, ou seja, o estado será apenas representante do povo. A principal crítica de Rousseau quanto ao contrato hobbesiano em minha concepção é que para Hobbes o homem só poderia viver em paz sob a dominação de um senhor que o coagisse a obedecêlo e mesmo este estado de servidão da qual o homem passa a viver depois de instituído o soberano seria ainda melhor do que a perpétua guerra de todos os homens contra todos os homens. Quanto a isso Rousseau opõe-se incisivamente, porque para ele a liberdade é o bem mais precioso que os homens possuem e nada poderia compensar a perda desta. Portanto, a guerra civil parecia-lhe melhor do que submeter-se a um soberano. Para ele a escravidão é algo injusto tanto no caso dos escravos de guerra quanto nos casos de escravidão civil, porque no primeiro caso seria o mesmo que condená-lo a morte, mas desta vez de modo favorável ao Estado vencedor. E no segundo caso, ele julga questionável, pois aquele que abre mão de sua liberdade ou está sob coerção ou não está em sã consciência, e assim sendo, este homem não tem poder de ceder nenhum direito ao Estado. Dessa forma, o escritor Robert Derathé nos leva a entender que segundo Rousseau a segurança proveniente do soberano de Hobbes é puramente ilusória, ao passo que coloca os homens em situação pior do que a guerra vivida no estado de natureza e justifica sua afirmação dizendo que os súditos deste soberano não têm nenhuma garantia quanto aos abusos que este rei absolutista poderá vir a cometer. Em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau refuta também o tipo de contrato utilizado por Hobbes, e diz que em sua concepção não se trata de uma associação, de forma que não poderia ser considerada uma sociedade um grupo de homens sob dominação de um senhor. Haverá sempre uma grande diferença entre subjugar uma multidão e reger uma sociedade. Que homens esparsos, qualquer que seja seu número, submetam-se sucessivamente a um único, vejo nisso apenas um senhor e seus escravos, e não um povo e seu chefe; trata-se, se quisermos, de uma agregação, mas não de uma associação; não há ai nem bem político nem corpo político. E Rousseau não refuta as teorias de Hobbes apenas porque discorda do despotismo utilizado por ele, mas também porque tais teorias não dão lugar à bondade natural do homem. Assim como Hobbes, Rousseau também defende que o estado deve ser um só e ambos não são favoráveis a partilha da soberania. Contudo, para o primeiro, o soberano pode ser um só homem ou uma assembléia contanto que o poder seja absoluto, isso é, atribuído a um rei. E para o segundo a vontade do povo reunido em forma de assembléia pode ser entendida como vontade geral, ou seja, o poder é atribuído ao povo. O comentarista Derathé diz ainda que Hobbes possui o gênio que mais se aproxima de Rousseau, pois os dois sempre preferem as soluções mais radicais. E Rousseau preferiria o absolutismo de Hobbes às soluções dos jurisconsultos. Rousseau buscava por uma forma de governo que colocasse a leia acima do homem, e diz que na impossibilidade de encontrá-la e ele chega a dizer que não acredita que essa forma exista - é necessário passar para a outra extremidade e estabelecer o despotismo arbitrário e o máximo possível. Em uma palavra, não vejo meio-termo suportável entre a mais austera democracia e o hobbismo mais perfeito: pois o conflito entre os homens e as leis, que coloca no Estado uma guerra intestina contínua, é o pior de todos os estados políticos. Embora estes dois pensadores divirjam em vários aspectos, o que representa um grande ganho para nós, pois para refutar a teoria de Hobbes, Rousseau teve que pensar e argumentar toda uma forma diferente de governo, começando pelo estado de natureza.

4. CONCLUSÃO Pudemos perceber até aqui que o estado de natureza proposto por cada um deles é totalmente diferente, enquanto para Rousseau os homens viviam tranquilos e sem intenção de prejudicar seu próximo, para Hobbes os homens viviam em constante guerra, porém devemos lembrar que eles partem do mesmo pressuposto, apenas não chegam às mesmas conclusões. Nossos filósofos também não acordam quanto à forma de governo que melhor atende às necessidades do homem, isso se deve, de acordo com interpretação própria, ao fato de que para Rousseau o homem age de forma inocente, vive de forma simples e tranquila, por conta disso, basta organizá-lo da forma mais livre possível. Por isso Rousseau, adota a democracia. No entanto, o homem pensado por Hobbes viviam constantemente em guerra, pela posse da propriedade, por poder, enfim, neste caso era preciso um governo que tenha poder de coação sobre os homens, a quem os homens temam e obedeçam. Esse governo é a monarquia. Concluo por fim, que a grande discórdia de Rousseau quanto ao contrato Hobbesiano se deve ao fato de que para Rousseau a liberdade é o bem mais precioso do homem e nada compensa sua perda. Ele defende que submeter-se a um soberano é o mesmo viver em escravidão. Porém, Hobbes justifica que por pior que seja o estado de servidão da qual o homem se submete após a instituição do soberano seria ainda melhor do que a infindável condição de guerra ao qual o homem vivia. AGRADECIMENTOS A FAPIC pela oportunidade e custeio da pesquisa; ao meu orientador pelo trabalho incansável e dedicação no ensino e aos meus pais pelo amor e incentivo constantes. REFERÊNCIAS 1. DERATHÉ, Robert. J-J. Rousseau e a ciência política de seu tempo. São Paulo: Discurso; Barcarolla, 2009. 2. HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 3. HOBBES, Thomas. Do Cidadão. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 4. [4] LIMONGI, Maria Isabel. O homem excêntrico: Paixões e virtudes em ThomasHobbes. São Paulo: Edição Loyola, 2009. [5] ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martins Fontes, 2006. [6] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem das desigualdades entre os homens. São Paulo: Abril, 1987.