VARIAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DE BOSQUES DE MANGUE CUNHA-LIGNON, M. 1 INTRODUÇÃO: Os manguezais são ecossistemas característicos das zonas estuarinas tropicais e subtropicais. Por muitos anos, os manguezais foram considerados como áreas improdutivas e insalubres. A perda de áreas de manguezal deve-se ao desconhecimento do verdadeiro valor dos recursos em questão. Conservando as funções, os valores e os atributos desse ecossistema, mantém-se os processos ecológicos. Sob condições ambientais apropriadas, os mangues podem formar bosques extensos e produtivos, sendo utilizados, há milhares de anos, por populações humanas costeiras, como um importante recurso econômico (DUGAN, 1992). As espécies vegetais (mangues) apresentam uma série de adaptações morfológicas, fisiológicas e reprodutivas comuns, que as permitem desenvolver-se em ambientes instáveis e estressantes. A estrutura dos bosques de mangue reflete as características e os hábitos de crescimento das espécies que o constituem. O grau de desenvolvimento que pode alcançar um bosque e sua composição específica são influenciados pelas energias subsidiárias do local, que representam diferentes tipos de energia, incluindo fluxo dos rios, marés, radiação solar e precipitação (TWILLEY, 1995). Em um sistema hierárquico de análise, com diferentes recortes espaciais, todos eles devem ser considerados. Para entender o comportamento dos manguezais em um nível de detalhe, há que se buscar explicações em unidades espaciais maiores (VALE, 2004). Técnicas de sensoriamento remoto, SIG e GPS fornecem informações de comparação do estado atual de áreas naturais com o passado, 1 Pesquisadora associada ao Laboratório BIOMA Bioecologia de Manguezais / Centro de Ensino e Informação sobre Zonas Úmidas Costeiras Tropicais. Instituto Oceanográfico / Universidade de São Paulo cunham@usp.br
possibilitando projeções antecipadas de impactos ou alterações em uma dada região. Essa característica subsidia medidas mitigadoras para determinada área (DAHDOUH-GUEBAS, 2002), auxiliando no gerenciamento costeiro. ÁREA DE ESTUDO: O Sistema Costeiro Cananéia-Iguape, localiza-se no litoral sul do Estado de São Paulo, entre as latitude de 24 o 40 S e 25 o 20 S. Os canais lagunares, que constituem esse sistema, apresentam tendências ao assoreamento, formando feições características de ambientes de sedimentação, onde se desenvolvem manguezais. Os canais lagunares apresentam comportamentos hidrodinâmicos característicos, em função da fisiografia do trecho considerado, do aporte de água doce e da carga sedimentar dos rios, que deságuam na área (TESSLER & FURTADO, 1983). Os manguezais da região são os mais conservados do Estado de São Paulo, abrigando inúmeras espécies de aves, sendo também utilizados como berçário por diversos peixes marinhos e dulcícolas. Estudos sobre os manguezais na região são realizados desde meados dos anos 80 (CUNHA-LIGNON et al., 2003). MÉTODOLOGIA: Utilizou-se abordagem hierárquica, proposta por SCHAEFFER-NOVELLI et al. (2000; 2005), considerando-se os níveis paisagem, unidade de paisagem, bosque e árvore de mangue. Nessa proposta de estudo em manguezais foram utilizadas ferramentas adequadas para cada escala. Os resultados se referem aos estudos desenvolvidos por CUNHA-LIGNON (2001; 2005). Imagens de satelite e fotografias aéreas foram tratadas com uso de sensoriamento remoto. O desenvolvimento estrutural de bosques de mangue foi monitorado durante dois anos, em parcelas fixas, segundo metodologia de SCHAEFFER-NOVELLI & CINTRÓN (1986).
RESULTADOS E DISCUSSÃO: Análise temporal de imagens de satélite (anos 1986 e 1999, com escala 1: 250.000) destacaram novas áreas de manguezal relacionadas às áreas de deposição de sedimento, sobretudo nos meandros dos canais lagunares do sistema costeiro. As fotografias aéreas com escala 1:35.000 deram origem a mapas com escala de 1: 10.000. O tratamento de fotografias aéreas em série temporal indicou progradação diferenciada em duas áreas de estudo, durante o mesmo intervalo de tempo (1981-1997), indicando resposta dos bosques de mangue à sedimentação diferenciada. Em escala local (1:1), o monitoramento de bosques de mangue em parcelas fixas (2001 a 2004) possibilitou a melhor compreensão da instalação de novos bosques no sistema. A gramínea Spartina alterniflora é determinante no estabelecimento de propágulos, uma vez que as maiores densidades de plântulas e indivíduos jovens de mangue encontram-se em região colonizada pela gramínea, enquanto que nos bancos de sedimento exposto poucos propágulos se fixam. Contrariamente ao estabelecido pela literatura, Laguncularia racemosa (mangue branco) dominou em áreas com sedimento pouco consolidado na superfície (lamas), enquanto que Rhizophora mangle (mangue vermelho) colonizou áreas constituídas por areias, em ambientes distintos. Nesse caso, acredita-se que o tamanho dos propágulos de cada espécie e a energia do agente transportador sejam fatores determinantes para instalação e desenvolvimento dos bosques de mangue. A partir do monitoramento de bosques de mangue em parcelas fixas, foram propostos padrões de sucessão. Bancos de sedimento emersos são colonizados primeiramente por S. alterniflora (espécie pioneira), que facilitaria a ocupação por L. racemosa ou por R. mangle, de acordo com o cenário geomorfológico e ambiental de cada área. A medida que novos bosques de mangue se desenvolvem, substituem
a gramínea naquela área. A espécie dominante nos bosques com maior desenvolvimento estrutural variou em cada área. Bosques de mangue bem desenvolvidos (cerca de 10m de altura) podem ser dominados por Avicennia schaueriana ou R. mangle, em função das características das áreas. CONSIDERAÇÕES: Segundo SCHAEFFER-NOVELLI et al. (2005), a aplicação da visão hierárquica exige perspectiva multidimensional, a fim de subsidiar o desenvolvimento de medidas de conservação de zonas úmidas costeiras tropicais. A abordagem hierárquica de estudo auxilia na compreensão das respostas dos manguezais localizados em diferentes cenários geomorfológicos e ambientais, onde as energias subsidiárias correntes de marés, fluxo dos rios, granulometria, geomorfologia e transporte de sedimento são distintas. Oferece também subsídios à gestão ambiental do trecho do litoral considerado, uma vez que fornece dados sobre novas colonizações e desenvolvimento de bosques de mangue. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CUNHA-LIGNON, M. 2001. Dinâmica do manguezal no Sistema de Cananéia- Iguape, Estado de São Paulo Brasil. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, Instituto Oceanográfico, São Paulo, 105p. CUNHA-LIGNON, M., 2005. Ecologia de manguezais: desenvolvimento espaçotemporal no Sistema Costeiro Cananéia-Iguape, São Paulo, Brasil. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, Instituto Oceanográfico, São Paulo, 178p. CUNHA-LIGNON, M.; R. ALMEIDA; C.. COELHO-JR; G. NOGUEIRA-PATU; R. PALAMAR MENGHINI, & Y. SCHAEFFER-NOVELLI, 2003. Information,
Awareness and Education at Cananéia-Iguape Coastal System (Brazil). 5th International Conference on Environmental Future, Zurich (Suíça), em CD-ROM. DAHDOUH-GUEBAS, F., 2002. The use of remote sensing and GIS in the sustainable management of tropical coastal ecosystems. Environment, Development and Sustainability, 4: 93-112. DUGAN, P.J., 1992. Conservación de Humedales: un análisis de temas de actualidad y acciones necesarias. IUCN, Gland, Suiza, 100p. SCHAEFFER-NOVELLI, Y. & CINTRÓN, G. 1986. Guia para estudos de áreas de manguezal: estrutura, função e flora. São Paulo, Caribbean Ecological Research, 150p. + apêndices. SCHAEFFER-NOVELLI, Y.; CINTRÓN-MOLERO, G.; SOARES, M.L. & DE-ROSA, M.T. 2000. Brazilian mangroves. Aquatic Ecosystem Health and Management, 3: 561-570. SCHAEFFER-NOVELLI, Y.; CINTRÓN, G.; CUNHA-LIGNON, M. & COELHO-JR., C. 2005. A conceptual hierarchical framework for marine coastal management and concervation: a Janus-like approach. Journal of Coastal Research. Special Issue, (42): 1-7. TESSLER, M.G. & FURTADO, V.V. 1983. Dinâmica de sedimentação das feições de assoreamento da região lagunar Cananéia-Iguape, Estado de São Paulo. Bolm. Inst. Oceanogr., São Paulo, 32 (2): 117-124. TWILLEY, R.R. 1995. Properties of mangrove ecosystems in relation to the energy signature of coastal environments. In: C.A.S. Hall ed. Maximum Power. University Press of Colorado, Niwot. p: 43-62. VALE, C.C., 2004. Séries geomórficas costeiras do Estado do Espírito Santo e os habitats para o desenvolvimento dos manguezais: uma visão sistêmica. Tese de Doutorado, FFLCH, São Paulo, 386p.