Telecomunicações Introdução O nosso trabalho irá versar sobre as taxas cobradas pela ICP-ANACOM autoridade independente para as comunicações electrónicas e seu enquadramento legal, tentando qualificá-las juridicamente no panorama tributário português. À luz do regime legal, serão estes tributos considerados imposto ou taxa? Ou, rompendo com a tradicional visão dicotómica dos tributos, poderão ser considerados como contribuição especial? Sendo, portanto, este o tema do nosso trabalho, não podemos deixar de nos referir à proliferação de entidades administrativas independentes e à regulação feita, nos diversos sectores pelas mesmas, centrando-se no ICP-ANACOM autoridade para as comunicações electrónicas. Telecomunicações No que diz respeito ao sector das telecomunicações, a partir da década de 80 do século passado deu-se a liberalização do mercado, pondo fim à tradição de monopólio, não só em Portugal como em toda a Europa. A liberalização do mercado (ou a desregulaçao como também se chamou a essa fase de transição) não levou à retirada da regulação pública, pelo contrário, a liberalização e a criação de um mercado de telecomunicações com competição comercial trouxeram exigências de regulação, sendo que é de referir que essa regulação exigida para o mercado emergente seria totalmente inovadora porque até aí o sector, dominado por monopólio, nunca tinha conhecido uma disciplina específica, limitando-se à existência de algumas regras que disciplinavam as relações entre o Estado e os seus próprios operadores. Na esteira do direito comunitário, a liberalização do mercado de telecomunicações foi desde o inicio associada à separação entre a função de regulação e outras actividades públicas, devendo caber a uma entidade reguladora independente a função de regular o sector (rompendo-se com o principio da subordinação de toda a administração estadual ao governo). Pugna-se então pela separação entre política e economia, defendendo-se que só uma autoridade reguladora independente, constituída por técnicos politicamente
neutros evita a instabilidade dos ciclos eleitorais, garantindo a previsibilidade que os operadores necessitam. Desta forma verificam-se, neste sector, muitas inovações, pois abolindo-se o serviço público de comunicações enquanto prestação do Estado, criou-se uma autoridade independente para o sector em Portugal, o ICP - ANACOM com amplos poderes regulamentares e com funções de resolução de litígios entre operadores, desenvolvendose um modelo de regulação europeu no sector das comunicações electrónicas, tendo o Estado apenas função de garante e já não de prestador do serviço. ICP ANACOM Em Portugal, com já se referiu, as funções de administração e supervisão do sector das comunicações electrónicas são desempenhadas pelo ICP ANACOM, autoridade administrativa, independente do poder político e responsável. Sendo uma pessoa colectiva de direito público, o ICP - ANACOM, é uma entidade administrativa, pertencendo à organização da administração pública portuguesa, desempenhando funções tipicamente administrativas. Apesar de alguma doutrina levantar dúvidas sobre este ponto, qualificando as autoridades independentes como entidades híbridas, nós qualificamos o ICP - ANACOM como uma autoridade administrativa, tutelando o interesse público, está incumbida de atribuir títulos de acesso ao mercado das comunicações electrónicas em Portugal, supervisionando os agentes que nele intervém, e tendo também poder sancionatório tipicamente administrativo (coimas, suspensões, revogações de licenças), não sendo uma instituição híbrida, pois não está investida de poder legislativo ou jurisdicional, detém apenas os poderes que lhe forem conferidos por lei ou por norma de competência (decreto-lei, regulamento comunitário, regulamento administrativo), em obediência ao principio da legalidade da Administração. Assim, sendo uma autoridade administrativa e independente, é de referir que essa independência é limitada, traduzindo-se: - Independência funcional; - Independência orgânica;
- Independência financeira De acrescentar apenas que a ANACOM é também uma entidade responsável, tendo o dever público de prestar contas. O serviço universal A ANACOM, no desempenho das suas funções de regulação, visa também tutelar o interesse público, nos termos do artigo 5º, nº1, al. c) da Lei 5/2004. Assim deve a autoridade nacional assegurar que todos os cidadãos tenham acesso ao serviço universal, que consiste no conjunto mínimo de prestações definido na presente lei, de qualidade especificada, disponível para todos os utilizadores, independentemente da sua localização geográfica e a um preço acessível. Cabe assim, a ANACOM zelar para que seja garantida a acessibilidade dos preços do serviço universal (cfr.artigo 93º Lei 5/2004), abrangendo o serviço social, nos termos da referida lei, várias prestações: i) ligação à rede telefónica pública num local fixo e acesso aos serviços telefónicos acessíveis ao público num local fixo; ii) disponibilização de uma lista telefónica completa e de um serviço completo de informações de listas telefónicas; iii) oferta adequada de postos públicos. Para concluir este ponto, resta acrescentar que o artigo 99º da Lei das comunicações electrónicas (lei 5/2004) estabelece que cabe ao governo designar a empresa ou empresas responsáveis pela prestação do serviço universal através de concurso, no entanto, devido a uma opção tomada anteriormente esta prestação foi entregue à PT Comunicações, SA até 2025, razão que já valeu a Portugal um processo de infracção instaurado pela Comissão por falta de transparência nesta atribuição. Financiamento do Serviço Universal: Este serviço Universal deverá ser financiado pela entidade que o presta, no entanto, se a ANACOM, considerar que este é um encargo excessivo para os respectivos prestadores, deve calcular os custos líquidos daquelas obrigações, devendo compensar esses custos através de fundos públicos (financiados através de impostos) ou através de fundos criados pelas outras empresas que operam no mercado, nos termos dos artigos 95º e 97º.
Taxas cobradas pelo ICP-ANACOM aos regulados: Como referimos anteriormente, a ANACOM, sendo uma autoridade independente, goza de independência financeira, constituindo receita da entidade, nos termos do artigo 43º do Estatuto do ICP-ANACOM: a) As taxas e outras receitas cobradas no âmbito da gestão do espectro radioeléctrico e do plano nacional de numeração; b) As taxas e outras receitas cobradas no âmbito da atribuição de títulos de exercício de actividade e fiscalização dos operadores e prestadores de serviços de comunicações; c) O produto da aplicação de multas contratuais, bem como das coimas aplicadas nos termos da lei; d) As receitas provenientes da prestação de serviços, designadamente dos seus laboratórios; e) Quaisquer outras receitas, rendimentos ou valores que provenham da sua actividade ou que por lei ou contrato lhe venham a pertencer ou a ser atribuídos, bem como quaisquer doações, subsídios ou outras formas de apoio financeiro; f) O produto da alienação de bens próprios e da constituição de direitos sobre eles; g) Os juros decorrentes de aplicações financeiras. Tendo também em conta o artigo 105º da Lei das comunicações electrónicas: Estão sujeitos a taxa: a) As declarações comprovativas dos direitos emitidas pela ARN nos termos do nº 5 do artigo 21º; b) O exercício da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas, com periodicidade anual; c) A atribuição de direitos de utilização de frequências; d) A atribuição de direitos de utilização de números e a sua reserva; e) A utilização de números; f) A utilização de frequências. Podemos então dizer, resumindo, que a ANACOM cobra taxas pela atribuição do direito de utilização do espectro radioeléctrico e pelo fornecimento de redes e prestação de serviços de comunicação [alíneas a) a d)] e também pela supervisão da actividade dos prestadores do serviço de comunicação [alínea d) e e)].
Ora, no primeiro caso, sendo o espectro radioeléctrico, domínio público, deveria ser de uso gratuito, mas a relevância económica que tem, dada a procura que origina, leva a que se cobre tributos, que à primeira vista poderiam ser visto como taxa pela utilização do domínio público, ou pela atribuição de título habilitante a aceder ao mercado, havendo o sinalagma necessário para serem qualificados como taxa. Por outro lado, é também de referir que está aqui subjacente uma intenção de regulação económica, pois cabe ao ICP-ANACOM a gestão do espectro radioeléctrico, estando também presentes interesses extrafiscais. Queremos com isto dizer, que a ANACOM usa o direito fiscal, não só com o intuito financeiro, mas, neste caso, sobretudo para racionalizar o acesso ao espectro radioeléctrico que tem capacidades limitadas, tendo assim, esta tributação objectivos económicos e sociais. É de questionar a opção, pois, tendo o direito fiscal um carácter subsidiário, e devendo a extrafiscalidade ser excepcional, não deveria ser de reflectir sobre outras medidas, antes de usar os tributos para este fim? Parece-nos, neste caso, apropriada a medida, sendo a mais eficaz na regulação ao acesso do espectro radioeléctrico. Assim, concluímos que estará aqui em causa uma contribuição especial, não envolvendo uma contra-prestação efectiva, um benefício particular, mas beneficiando um grupo de entidades (afastando-se do conceito de taxa), tem, no entanto um fim compensatório (afastando-se do conceito de imposto). É assim uma figura híbrida, uma contribuição especial (figura tributária que alguma doutrina questiona, mas que está presente na nossa Constituição e em nossa opinião deve ser autonomizada e regulada por lei, pois não existe ainda regime próprio) 1. No segundo caso, as taxas cobradas pela supervisão, poderiam ser qualificadas, juridicamente, como taxa, havendo aqui correspectividade entre o serviço público prestado (supervisão) e o valor cobrado. No entanto não nos parece haver um benefício individualizado, os verdadeiros beneficiários deste serviço não são os sujeitos passivos (prestadores do serviço), mas os utentes, pelo que está em causa um interesse geral. Podemos então concluir, pelo exposto, que este tributo não se configura como taxa. 1 SUZANA TAVARES DA SILVA, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, CEJUR, 2008, p.48. De referir esta posição que nos parece acertada, propondo a autora uma classificação tripartida das contribuições especiais: 1) as contribuições especiais financeiras instrumentos de financiamento de novos serviços de interesse geral que ocasionam um benefício concreto imputável a alguns destinatários diferenciados ; 2) as contribuições especiais parafiscais instrumento de financiamento de novas entidades administrativas cuja actividade beneficia um grupo homogéneo de destinatários ; 3) contribuições especiais extrafiscais instrumentos de orientação de comportamentos.
Então, tendo em vista a superação da visão dicotómica dos impostos, será um imposto ou, antes uma contribuição especial? Defendemos haver aqui também uma contribuição especial, sendo necessário referirmos a parafiscalidade. Na verdade, este tributo serve, sobretudo, para a cobertura de despesas da própria autoridade reguladora. Coloca-se aqui outra questão, pois com a proliferação de entidades independentes, que necessitam de ser financiadas, não estará aqui em causa uma duplicação do Estado? Quanto ao cálculo destes tributos, devemos ter em conta os números seguintes do citado artigo: 4 Os montantes das taxas referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 são determinados em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas referidas no artigo 28.o, os quais podem incluir custos de cooperação internacional, harmonização e normalização, análise de mercados, vigilância do cumprimento e outros tipos de controlo do mercado, bem como trabalho de regulação que envolva a preparação e execução de legislação derivada e decisões administrativas, como decisões em matéria de acesso e interligação, devendo ser impostos às empresas de forma objectiva, transparente e proporcionada, que minimize os custos administrativos adicionais e os encargos conexos. ( ) 6 As taxas referidas nas alíneas e) e f) do nº 1 devem reflectir a necessidade de garantir a utilização óptima das frequências e dos números e devem ser objectivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam, devendo ainda ter em conta os objectivos de regulação fixados no artigo 5º. Quanto a taxas cobradas a operadores de comunicações, temos apenas de fazer uma breve referencia a taxa por direitos de passagem, cobrada, não pela ANACOM, mas pelos municípios, sendo este tributo uma verdadeira taxa pela utilização do domínio publico (cfr. Artigo 106º da lei das comunicações electrónicas).