III-045 ESTUDO DA GERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Rodolfo José Sabiá (1) Professor Adjunto do Departamento de Ciências Físicas e Biológicas da Universidade Regional do Cariri URCA, Doutorando em Engenharia Civil, Saneamento Ambiental (UFC), Líder do Grupo de Ciências Ambientais GCA. Paulo Henrique G. Duarte Engenheiro Mecânico, Mestrando em Engenharia Civil, Saneamento Ambiental (UFC). Maria da Conceição Bezerra Martins Bióloga, Pós-graduando (Especialização) em Educação Ambiental (URCA), Grupo de Ciências Ambientais GCA. Francisco Tarcísio Alves Júnior Engenheiro de Produção, Pós-graduando (Especialização) em Educação Ambiental (URCA), Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais PPGCF da Universidade Federal Rural do Pernambuco - UFRPE, Bolsista do CNPq, Grupo de Ciências Ambientais GCA. Endereço (1) : Rua Alemanha nº 746, Conjunto Jardim das Nações Itaperi, Fortaleza-CE, Brasil, CEP 60740-800 Telefone: (85) 3225-2906. E-mail: rodolfo.sabia@ig.com.br, rodolfosabia@urca.br RESUMO Este estudo tem por objetivo demonstrar o cenário atual do consumo de energia no mundo e no Brasil, apresentando a geração de energia através dos resíduos sólidos como uma importante alternativa. Inicialmente, trazemos dados sobre a problemática energética mundial, enfocando a crise de energia brasileira, iniciada em 2001. Nesta ocasião, mostraremos o cenário das fontes de energia no mundo e o comportamento da matriz energética brasileira. Em seguida, apresentamos os principais métodos de geração de energia a partir de resíduos sólidos, definindo suas vantagens e desvantagens, bem como o seu potencial de aplicação. Ainda falando sobre os métodos, demonstraremos as rotas energéticas dos resíduos sólidos, servindo como síntese dos métodos apresentados. Por fim, realizaremos um comparativo dos métodos em vista de estabelecermos as considerações finais sobre o assunto. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos sólidos, geração de energia, métodos de geração. INTRODUÇÃO A historicidade da vida humana revela que, desde os primórdios, a evolução do homem foi acompanhada pelo desenvolvimento de novas fontes de energia. A partir da descoberta do fogo, o homem tornou-se capaz de cozer os alimentos e manipular novos materiais. O fogo era garantia de tratamento de alguns materiais (metais) e proteção contra os animais. Mudanças ainda maiores ocorreram nos hábitos humanos com a revolução industrial, que proporcionou a sucessiva utilização do carvão, petróleo e gás natural para as atividades produtivas e de geração de energia. Com as grandes guerras, veio a evolução tecnológica do século XX. Embora a evolução tecnológica tenha possibilitado a crescente descoberta de novas fontes de energia, hoje, é evidente a crise energética por que passa o planeta. Rifkin (2003) destaca que diferentemente do que ocorreu durante os anos 70 e 80, quando o preço do barril de petróleo se elevou por questões políticas e econômicas, no momento atual a crise se daria em virtude de uma escassez real. Antes dessa observação, já havia dados suficientes para demonstrar a grande dependência mundial no tocante à geração de energia a partir dos combustíveis fósseis, conforme pesquisa realizada pela British Petroleum, em 1995, detalhada na Tabela 1. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 1
Tabela 1: Cenário Mundial das Fontes de Energia Área Analisada Energia Petróleo Carvão Nuclear Hidro Gás América do Norte 2158 40 23 7 4 26 Europa Ocidental 1384 46 22 12 2 18 CEI e Europa Oriental 1607 30 25 4 2 39 Ásia 1619 38 49 5 2 6 Oceania 101 36 41-3 20 África e Oriente Médio 422 49 33 1 2 15 América Latina 517 38 26 2 10 24 Total Global 7808 40 28 7 3 22 Fonte: British Petroleum Statistical Review of World Energy - 1995. Observação: Unidade de referência = Milhões de toneladas métricas de equivalente petróleo (MtEP), para Energia, e participação percentual por fonte energética (%). Ainda na Tabela 1, percebe-se que a América Latina é detentora do maior percentual de utilização de energia gerada a partir de hidrelétricas no mundo. Neste contexto, está inserido o Brasil que, de acordo com dados do Ministério das Minas e Energia (Maio, 2002), possui 83% de sua geração energética concentrada em hidrelétricas. Mesmo assim, no ano de 2001, o Brasil viveu a sua principal crise energética, tendo como uma das principais causas a redução de investimentos na área de geração de energia e de construção de linhas de transmissão. É sabido que o governo brasileiro, desde a década de 70, já previa tal fato. Porém, acrescido a essa realidade, ocorreu um aumento considerável da demanda, chegando a atuais 4,5% ao ano. O ponto de ruptura se deu exatamente em 2001, com a escassez das chuvas em todo o país, notadamente nas cabeceiras dos rios, onde estão os principais reservatórios das hidrelétricas brasileiras. Especialistas, como Clementino (2001), apontam que crises como a do ano de 2001 podem ser evitadas ou ao menos amenizados os seus efeitos se forem adotadas políticas de monitoramento, planejamento e diversificação dos meio geradores de energia. Sobre a diversificação das fontes geradoras de energia, deve-se ter em mente que quaisquer que sejam as alternativas ao sistema atual, estas devem prioritariamente buscar o equilíbrio da natureza. O aproveitamento energético de resíduos expande a vida útil das reservas de matéria-prima e energia, na medida em que reduz a demanda por esses recursos, tendo em vista que obriga a um uso mais eficiente dos mesmos (TOLMASQUIM, 2003). Nesse ínterim, faz-se necessário frisar que outros métodos de geração de energia estão sendo amplamente pesquisados, a fim de se construir alternativas sustentáveis para a problemática energética. MÉTODOS DE GERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DE RESÍDUOS SÓLIDOS Os resíduos sólidos urbanos são uma fonte inesgotável de energia, pois estão sendo gerados continuamente. Quanto maior for a cidade, maior será o seu potencial de geração de energia através destes resíduos, em virtude das suas características e da quantidade produzida (NOGUEIRA e LORA, 2003). Destacamos, aqui, quatro métodos para a geração de energia a partir de resíduos sólidos: a incineração, a gaseificação, a utilização do gás do lixo (GDL) e a tecnologia B.E.M. INCINERAÇÃO A incineração consiste no aproveitamento do poder calorífico do material combustível existente no lixo, para a geração de vapor. Devido à grande variedade de materiais presentes nos resíduos sólidos, os remanescentes ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 2
da queima são, geralmente, constituídos de gases (CO 2, SO 2, N 2 e vapor d água), cinzas e escória (materiais ferrosos e inertes). Como o enfoque é a geração de energia, é aconselhável a utilização de materiais de maior poder calorífico, como os plásticos, papéis etc. É importante ressaltar que este método possui vantagens, conforme descritas a seguir: uso direto da energia térmica para a geração de vapor; consumo contínuo de resíduos; processo relativamente sem ruídos e pequena área para instalação. O calor produzido pela incineração pode ser utilizado para produzir vapor para geração de energia ou utilizado na indústria (HINRICHS e KLEINBACH, 2003). Segundo Tolmasquim (2003) com a incineração controlada dos resíduos urbanos é possível com 500 toneladas diárias, abastecer uma usina termelétrica com potência de 16 MW (MegaWatt), o que representa um potencial energético de cerca 0,7 MWh/t (MegaWatt x hora/tonelada). Não obstante, as desvantagens são mais acentuadas, indicando: inviabilidade com resíduos clorados e de menor poder calorífico; umidade excessiva prejudica a combustão; necessidade de equipamento auxiliar para manter a combustão; possibilidade de concentração de metais tóxicos nas cinzas; emissão de dioxinas e furanos e altos custos de investimento, operação e manutenção. GASEIFICAÇÃO A gaseificação consiste na formação de gases mais simples (CH 4, CO, CO 2 e H 2 ) a partir do fornecimento de calor, para a desintegração das cadeias poliméricas dos materiais existentes no lixo. Esses gases podem ser diretamente queimados em turbinas ou utilizados na geração de vapor com fins de gerar energia elétrica. A gaseificação ainda não é utilizada em escala comercial. UTILIZAÇÃO DO GÁS DO LIXO (GDL) O gás do lixo é um composto de vários gases, originado da decomposição dos resíduos sólidos nos aterros sanitários. Provavelmente, este deve ser o método mais aplicado para a geração de energia nos dias atuais. O GDL é um gás composto em percentual molar de: 40 55% de metano, 35 50% de dióxido de carbono, e de 0 20% de nitrogênio. O poder calorífico do GDL é de 14,9 a 20,5 MJ/m 3, ou aproximadamente 5.800 kcal/m 3. O método para a utilização do GDL consiste basicamente na distribuição, ao longo do aterro sanitário, de uma tubulação que realize a captação do gás, o qual será armazenado sob pressão, a fim de ser utilizado para a geração de energia. As vantagens deste sistema são as seguintes: redução dos gases de efeito estufa; baixo custo para o descarte do lixo; permite a utilização para a geração de energia ou como combustível doméstico. Dentre as desvantagens da utilização do GDL, destacam-se: ineficiência no processo de recuperação do gás (50% do total de GDL produzido); inviabilidade da utilização do metano para lugares remotos; alto custo de upgrade das plantas; possibilidade da ocorrência de explosões. A TECNOLOGIA B.E.M. A tecnologia B.E.M. (biomassa-energia-materiais) consiste no aproveitamento da fração orgânica dos resíduos sólidos para a formação da celulignina catalítica. A celulignina é um combustível sólido, com poder calorífico de cerca de 4.500 kcal/kg, podendo ser utilizado para a produção de energia elétrica. Essa tecnologia é um método totalmente desenvolvido no Brasil, sendo patenteado. ROTAS ENERGÉTICAS DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Como podemos observar, na Figura 1, várias são as rotas que podem ser seguidas pelos resíduos sólidos, dependendo do tratamento ao qual são destinados. No entanto, todas estas levarão à possibilidade de produção ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 3
de energia. É importante ressaltar que essa produção poderá ser mais ou menos vantajosa de acordo com os aspectos aqui já abordados. Resíduos Sólidos Coleta Seletiva Seleção Recicláveis Não Recicláveis Combustíveis Não Combustíveis Tecnologia B.E.M. Incineração Gaseificação Geração de Vapor Geração de Eletricidade Aquecimento Lixo Aterro Fermentação GDL (Gás do Lixo) Distribuição do gás Figura 1: Rotas energéticas dos resíduos sólidos. COMPARATIVO ENTRE OS MÉTODOS Transcrevemos, aqui, uma comparação realizada por OLIVEIRA (2000), que estabelece os níveis de produção de energia para cada método. Os dados descritos a seguir, detalhados na Tabela 2, consideram como base de cálculo o fornecimento de 13 milhões de toneladas anuais de resíduos sólidos. Tabela 2: Comparação entre os métodos Método Incineração GDL B.E.M Potencial de geração de energia (TWh/ano) Fonte: Oliveira (2000) 6,8 2,1 22 CONCLUSÕES Com base no trabalho realizado, concluiu-se que: As pesquisas sobre geração de energia através de resíduos sólidos têm se multiplicado, realizando significativos avanços nesta área, como alternativa, frente aos métodos tradicionais que ora estão em escassez. Apesar disso, ainda são poucas as iniciativas, especialmente no Brasil, de utilização desta energia. Isso se deve ao fato, especialmente, dos elevados custos de implantação, operação e manutenção destas tecnologias. Aliado a isso, soma-se uma grande pressão por parte das empresas que detém o poder de exploração dos combustíveis fósseis, a fim de não perderem mercado. A questão ambiental exige a pesquisa e a aplicação dos métodos apresentados como alternativas necessárias, devido ao aumento da produção de resíduos sólidos e a escassez dos combustíveis fósseis no mundo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CALDERONI, S. Os bilhões perdidos no lixo. São Paulo. Humanitas Publicações, 1999. 2. CLEMENTINO, L. D. A Conservação de energia Por Meio da Co-Geração de Energia Elétrica. São Paulo: Érica, 2001. 3. HINRICHS, R. A.; KLEINBACH, M. Energia e meio ambiente. 3. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. 4. MAY, P. H., LUSTOSA, M. C., VINHA, V. da (Org.). Economia do meio ambiente: teoria e prática. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. 5. NOGUEIRA, L. A. H.; LORA, E. E. S. Dendrologia: fundamentos e aplicações. 2. ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 4
6. OLIVEIRA, L. B. Aproveitamento energético de resíduos sólidos urbanos e abatimento de emissões de gases do efeito estufa. Rio de Janeiro, 2000. Tese Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE. 7. RIFKIN, Jeremy. A economia do Hidrogênio. São Paulo, M. Books, 2003. 8. TOLMASQUIM, M. T. (Org.). Fontes renováveis de energia no Brasil. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 5