- Dispensa de sigilo profissional n.º 88/SP/2010-P Através de comunicação escrita, registada com o n.º ( ), recebida a 15.04.2010 pela Secretaria do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, o Ex.m.º Sr. Dr. ( ), advogado com inscrição em vigor, veio solicitar ao Presidente do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados a dispensa de segredo profissional, a fim de poder prestar depoimento no âmbito do processo de inquérito que corre os seus termos nos ( ), sob o n.º ( ). Juntou documentos. Fundamenta o pedido na circunstância de ter sido indicado como testemunha pela ofendida em processo crime de injúrias, sendo a única testemunha presencial dos factos de natureza criminal. Esclarece que tanto a ofendida como o participado eram seus clientes e que os factos de natureza criminal ocorreram no final de uma reunião onde tinha intervindo como advogado de ambos e que resultou num acordo extrajudicial celebrado por escrito e depois de alcançado este acordo. Cumpre analisar e decidir. O advogado está obrigado a guardar segredo profissional relativamente a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços. As normas que proíbem a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional estatutariamente imposto ao Advogado são de interesse e ordem pública, e não tanto, ou apenas, de natureza contratual (cfr. Bastonário Coelho Ribeiro, Parecer do Conselho Geral de 13/01/1983 - in ROA, Ano 43, Ano 1983, fls. 211 SS.). Só em circunstâncias muito excepcionais pode o advogado ser autorizado a revelar factos sujeitos a sigilo profissional. Tal consentimento apenas pode ocorrer quando seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, ou do cliente ou seus representantes.
Para que possa decidir-se da eventual dispensa da obrigação de sigilo, carece o Presidente do Conselho Distrital respectivo de analisar os factos que se pretendem revelar, assim como conhecer as circunstâncias concretas que levam a que, eventualmente, o levantamento do sigilo seja imprescindível para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente. Por isso, o pedido de dispensa de sigilo tem de obedecer aos requisitos consignados no respectivo Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional nº 94/2006 OA 2ª série, data de 25 de Maio de 2006. O art.º 4.º deste Regulamento acentua que a dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade e determina que o Presidente do Conselho Distrital deve aferir da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, analisando para tal os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa. Assim sendo, bem se compreende que o art.º 3.º do mesmo Regulamento determine a obrigatoriedade de identificação objectiva, concreta e exacta dos factos sobre os quais a desvinculação do sigilo é pretendida, outrossim determinando que o pedido de dispensa venha acompanhado com os documentos necessários à apreciação do pedido o que, desde já se diga, aconteceu no presente caso. Na verdade, para avaliar se os factos em causa se revestem da necessária essencialidade, neste caso invocada, para a defesa dos legítimos interesses do antigo patrocinado do requerente, temos de analisar a sua pretensão tal como o mesmo a configura, não cabendo ao decisor deste pedido substituir-se ao julgador do processo no que respeita ao mérito da pretensão. Necessário é, porém, acautelar que os interesses invocados são em abstracto legítimos e, em caso afirmativo, que a alegação do facto e a produção do meio de prova são essenciais e imprescindíveis para tentar fazer valer em Juízo tais interesses. No entanto, para que tal possa ser feito em consciência, nos casos de processos judiciais em curso, torna-se indispensável conhecer em toda a sua extensão os pedidos formulados nos autos, bem como os meios de prova indicados pelas partes, visto que só de posse de tais elementos pode o decisor aquilatar se o meio de prova a coberto de sigilo é ou não imprescindível para a boa decisão da causa.
Da exposição do requerente e dos documentos que a instruem, decorre que, na reunião em que, alegadamente, terão ocorrido os factos que dão fundamento ao processo crime, para além da ofendida e do participado, apenas esteve presente o requerente. Forçoso é, pois, concluir que, além do depoimento do requerente, inexistem quaisquer outros meios de prova que possam comprovar ou infirmar os factos alegados no número nove do requerimento de dispensa de sigilo, pelo que, encontra-se preenchido o requisito de essencialidade que a lei exige. A questão que se põe, prende-se com o facto de, inelutavelmente, o depoimento do requerente em favor de uma sua antiga constituinte irá ser prejudicial a um outro seu antigo constituinte. Estamos perante um manifesto conflito de deveres. Por um lado, apenas o depoimento do requerente será susceptível de assegurar que os legítimos interesses da sua antiga cliente possam ser defendidos. Por outro lado, se autorizado, o depoimento do requerente poderá causar a condenação de um outro seu antigo cliente em processo crime. Não se trata de uma questão de simples descoberta e apuramento da verdade material dos factos. O respeito pelo sigilo profissional, já que os factos de natureza criminal narrados acontecerem no final de uma reunião conciliatória entre dois antigos clientes do requerente e na sua presença, deverá justificar que o cliente vítima do acto ou actos puníveis criminalmente fique sem hipótese de ser judicialmente tutelado? E o mesmo sigilo profissional poderá constituir um prémio para o antigo cliente do requerente que, no final de uma reunião conciliatória, resolve praticar uma conduta criminosa contra o outro? Com todo o respeito por opinião contrária e com toda a cautela e melindre que a situação representa, parece-nos que não. Não se trata aqui de permitir ao requerente que escolha qual dos seus antigos clientes pretende agora representar.
E, muito menos, se trata de autorizar o requerente a escolher qual das posições jurídicas que por si foram encontradas para a conciliação que deverá prevalecer. Trata-se, apenas e tão somente, no âmbito de um crime de injúrias e ameaças praticado numa reunião conciliatória entre dois antigos cliente, permitir ao requerente que deponha em defesa da verdade e da honra de um dos seus antigos clientes, apesar de tal suceder em directo detrimento do outro. Se tal não fosse autorizado, nem o antigo cliente ofendido compreenderia o alcance de tal limitação imposta ao seu advogado, nem o antigo cliente agressor compreenderia a imunidade que para si resultaria de uma clara instrumentalização consciente ou inconsciente, do seu advogado. No limite, seria a própria honradez do advogado a ficar posta em causa em relação a ambos. A não autorização do requerente constituiria um mau sinal a transmitir a toda a sociedade civil e judiciária. Assim, embora não exista dúvida de que os factos sobre os quais pretende prestar o depoimento estão a coberto do sigilo profissional, por se tratar de factos que o requerente tomou conhecimento enquanto Advogado no exercício das suas funções, dúvidas também não subsistem de que, para a cabal descoberta da verdade e tutela legítima dos interesses de um antigo cliente e do próprio advogado, se impõe ouvir o seu depoimento como testemunha. Verifica-se assim que estão preenchidos os requisitos de essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo. Impõe-se por isso autorizar o levantamento do sigilo. Decisão: Considera-se que estão preenchidos os requisitos de essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade, para o depoimento do requerente como testemunha no âmbito do processo de inquérito que corre os seus termos nos ( ), sob o n.º ( ), pelo que se autoriza o requerente Dr. ( )
a depor, exclusivamente, à matéria de facto de natureza criminal que refere no ponto 9.º (nove) do seu requerimento. Atendendo à proximidade das datas e à notificação recebida dos ( ), notifique-se pelo meio ou meios mais expeditos: a) a presente decisão ao requerente; b) os ( ) de que já foi proferida decisão e comunicada ao requerente. Guimarães, 15 de Agosto de 2010 O vogal do Conselho Distrital, com competência delegada pelo Presidente do Conselho Distrital, ao abrigo do nº 3 do artº 2º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, João Luís Silva