Grupo Parlamentar PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 564/XIII-2.ª RECOMENDA AO GOVERNO MEDIDAS PARA UMA ESCOLA DE MAIOR QUALIDADE PARA OS ALUNOS SURDOS Exposição de motivos Ao longo da nossa história, e fruto da evolução do conhecimento e da influência de várias correntes de pensamento, a forma e os instrumentos de inclusão dos alunos surdos e /ou Surdos no nosso sistema de ensino tem variado. Um desses instrumentos, porventura o mais significativo, é a Língua Gestual, que permite a expressão de uma identidade e a sua comunicação aos outros. É processada através de gestos sistematizados e de captação visual é uma estrutura gramatical que equivale às línguas orais, com reconhecimento pela comunidade linguística, e faz parte da cultura e identidade das pessoas Surdas, com reconhecimento socio-antropológico. No nosso país, temos pois a Língua Gestual Portuguesa (LGP) utilizada por pessoas Surdas portuguesas na sua comunicação, muito importante para a sua capacidade de expressão e certamente um elemento unificador na comunidade de pessoas Surdas. A LGP é a língua através da qual a comunidade Surda em Portugal comunica entre si (cerca de 30 mil indivíduos), mas também com alguma da comunidade envolvente, designadamente os seus familiares, educadores, professores, técnicos, entre outros. O ensino das pessoas Surdas em Portugal remonta ao reinado de D. João VI, quando foi mandado chamar a Portugal o especialista sueco Per Aron Borg para formar no nosso país um Assembleia da República Palácio de S. Bento 1249-068 Lisboa Telefone: 21 391 9233 Fax: 21 391 7456 Email: gp_pp@cds.parlamento.pt http://cdsnoparlamento.cds.parlamento.pt
instituto para surdos-mudos. Daí decorrem os primeiros passos no ensino das pessoas Surdas, entre 1823 e 1828, em que a comunicação entre professor e aluno se baseou no Método Gestual e na Dactilologia, tendo como pressuposto que as pessoas Surdas deveriam ter acesso à leitura e à escrita e a uma profissão que proporcionasse a sua autonomia e independência económicas. Ao longo do final do século XIX e até cerca dos anos 70 do século XX, foram várias as iniciativas e métodos levados a cabo, em muitos casos promovidos por instituições ligadas à Igreja Católica. Mas é já em 1992 que a LGP, embora à data ainda não oficialmente reconhecida, é aos poucos inserida como meio de instrução dos alunos Surdos, dando origem à introdução sistemática e científica do Modelo da Educação Bilingue de Surdos tendo como modelo a Universidade de Gallaudet, nos EUA e o Instituto de surdos de Manilla, na Suécia. O reconhecimento da LGP na Constituição da República Portuguesa ocorre em 1997 (Lei Constitucional n.º 1/97, artigo 74º, alínea h), tendo o Estado a obrigação de proteger e valorizar a LGP como expressão cultural e instrumento de acesso à educação e à igualdade de direitos das pessoas surdas. 2 Quase dez anos mais tarde é publicado o Decreto-Lei 3/2008, através do qual são criadas as Escolas de Referência para o ensino bilingue de alunos surdos substituindo as Unidades de Apoio a Alunos Surdos (UAAS) e onde estão explanadas as estratégias para um bom desenvolvimento do ensino bilingue de surdos, assim como, os critérios para a elaboração de uma referenciação destes alunos, através dos Critérios Internacionais de Funcionalidade (CIF). Atualmente existem dezassete Escolas de Referência para a Educação Bilingue de Alunos Surdos (EREBAS) nos concelhos de Braga, Porto, Castelo Branco, Coimbra, Ílhavo, Lisboa, Seixal, Torres Novas, Évora e Faro. Mas uma escola de referência, verdadeiramente bilingue, deverá também garantir aos demais membros da comunidade educativa, desde logo aos alunos ouvintes, as respostas formativas que passam pela oferta da disciplina de LGP ao nível das opções de escola, como língua de opção. 2
Concorrentemente, e apesar de estarem estabelecidas quer as escolas quer o ensino ser bilingue, servindo quer alunos Surdos quer ouvintes, a forma de contratação dos docentes de LGP e, por exemplo, de Português, não é igual. A lei em vigor exige que um docente qualquer docente tenha habilitação conferida através de licenciatura e mestrado e este estrutura-se, por decreto-lei do Governo, em créditos obrigatórios de áreas consideradas fundamentais. Cumprindo estes requisitos, os docentes de LGP são contratados como técnicos especializados e estão sujeitos a enquadramentos variáveis em cada escola. Os docentes de LGP desempenham, no essencial, as mesmas funções dos docentes de outras línguas, mas não são considerados de forma idêntica no que respeita a condições de contratação e estatuto. As regras administrativas que regem o pessoal docente não são as mesmas dos técnicos especializados, nomeadamente no que diz respeito aos horários de trabalho, reuniões de avaliação, regime de faltas, tempos de preparação de materiais pedagógicos, horas letivas e não letivas díspares de escola para escola. 3 Acresce que, sendo considerados na categoria de técnicos especializados, muitas vezes são colocados na escola depois do início do ano letivo, o programa curricular de LGP, homologado pelo Ministério da Educação, inicia-se tardiamente, ficando os alunos Surdos prejudicados. A criação de um código de recrutamento específico para os docentes da LGP permitiria que estes docentes deixassem de ser contratados como técnicos, e assim desenvolver uma escola de maior qualidade para os alunos Surdos. *** O entendimento construído no CDS-PP é o de que a educação de alunos surdos deve prosseguir o desígnio máximo da verdadeira inclusão. Na verdade, as escolas de referência para alunos surdos nem sempre têm conseguido realizar esse desígnio e, mais vezes do que o razoável e por um conjunto variado de fatores, não têm sido instrumentos competentes de inclusão. 3
Convém deixar claro que, para o CDS-PP, a inclusão de alunos surdos deve - para além de outros fatores - contemplar inequivocamente a fluência no Português escrito, lido e interpretado. Não podemos nem devemos esquecer que o objetivo é um real bilinguismo e não a promoção de um sistema de ensino no qual as pessoas Surdas são fluentes em LGP mas não conseguem interpretar ou escrever um texto na língua das pessoas que os rodeia e aculturam. No respeito por este objetivo, deve, no entanto, cumprir-se o efetivo bilinguismo bem como a possibilidade de outros alunos não surdos poderem partilhar do domínio da LGP, para uma melhor sociabilização mútua. Em paralelo, devem ser garantidas aos docentes de LGP as condições para que efetivamente integrem os corpos docentes das escolas enquanto tal, a fim de poderem realizar um trabalho pleno e articulado com os restantes membros dos conselhos de turma. Nestes termos, o Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo: 4 1. Promova a oferta do ensino da Língua Gestual Portuguesa aos alunos ouvintes, nas escolas de referência para alunos Surdos, de forma faseada, nos 17 estabelecimentos atualmente em atividade. 2. Determine a criação de um grupo de recrutamento para docentes de Língua Gestual Portuguesa, a aplicar no concurso de professores para o ano letivo de 2017/2018. Palácio de S. Bento, 6 de dezembro de 2016 ANA RITA BESSA 4
ILDA ARAUJO NOVO CECILIA MEIRELES VANIA DIAS DA SILVA 5 5