Prosódia de sentenças SV no português brasileiro: experimentos perceptuais

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Prosódia de sentenças SV no português brasileiro: experimentos perceptuais Maria Cristina Figueiredo Silva 1, Izabel Christine Seara 2 1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/CNPq) 2 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) llv1mcf@cce.ufsc.br e izabels@linse.ufsc.br Resumo. Este artigo tenta lançar um pouco mais de luz sobre a questão da entoação das declarativas neutras constituídas apenas de Sujeito e Verbo (SV) no português brasileiro. A partir de resultados de um experimento de produção oral, foram realizados testes perceptuais com o objetivo de investigar a intuição de falantes nativos desta língua no reconhecimento de quais padrões entonacionais para sentenças apresentacionais seriam mais adequados em dois tipos de contextos discursivos: quando o sujeito é parte da pressuposição discursiva e quando não é. Abstract. This paper seeks to bring light into the study of neutral SV intonation in Brazilian Portuguese. Starting from the results of an experiment of oral production, a perceptual test is produced aiming to investigate the intuition of native speakers of this language in recognizing which intonational patterns are suitable to presentational sentences in two different discourse contexts: firstly, when the subject is part of the discourse presupposition (despite the fact that the sentence conveys new information); and, second, when the subject is not part of it. Palavras-chave: entoação; teste perceptual; ordem SV; português brasileiro 1. Introdução Este texto tem por objetivo discutir o comportamento da entoação de sentenças com a ordem Sujeito Verbo (doravante SV) no português brasileiro (doravante PB). Iniciamos nossa investigação a partir da apresentação de resultados e problemas ocorridos em um experimento de produção oral de sentenças monoargumentais em dois contextos discursivos: quando o sujeito (doravante DP) faz parte da pressuposição discursiva e quando não faz. De acordo com a literatura da área (CINQUE, 1973; LADD, 1996), esperamos que, quando o DP fizer parte da pressuposição, o principal movimento de pitch recaia sobre o verbo (V) e quando não, recaia sobre o DP. Na Fonologia Entoacional, apoiada em estudos acústicos, esses resultados serão interpretados como contornos entoacionais diferentes (ver MORAES (1998) sobre a plausibilidade desta interpretação). Para a coleta de dados de produção oral, estórias curtas com as situações discursivas desejadas (DP fazendo ou não parte da pressuposição) foram lidas pelos informantes e, a partir da leitura das estórias, eram apresentados itens lexicais que GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais

comporiam as sentenças monoargumentais. A ordem e a entoação a serem empregadas na produção das sentenças eram escolhidas pelos informantes. Os resultados desses experimentos de produção mostram que os informantes produzem sentenças com movimentos simultâneos tanto sobre o DP quanto sobre o V, faça o DP parte ou não da pressuposição discursiva. Tomando por base estes dados, foram elaborados dois testes perceptuais com falantes do PB, que ouviam como estímulos as respostas dadas pelos informantes no experimento de produção nas diferentes situações discursivas. No primeiro, os falantes deveriam escolher entre duas respostas, optando pela mais adequada à narrativa ouvida. No segundo, havia três possibilidades de resposta: as duas apresentadas no primeiro teste e uma terceira que seria escolhida no caso de ambas as respostas do primeiro teste parecerem adequadas à situação da narrativa. O interesse neste tipo de experimentos se deve ao fato de que a literatura especializada (BERLINCK, 1988; KATO, 2000; dentre outros) defende que o PB está perdendo a construção Verbo-Sujeito. Assim, deve-se observar a realização da ordem SV nesta língua qualquer que seja o contexto discursivo ou gramatical. A questão então é saber se há diferença nos padrões entoacionais das diferentes realizações desta ordem de palavras. É certo que os testes de produção podem fornecer dados esclarecedores a este respeito. Nesta pesquisa, todavia, privilegiamos testes perceptuais, que permitem a reescuta e, dessa forma, dão maior tempo de reflexão, fornecendo assim resultados que melhor representem a intuição do falante. Com o intuito de discutir as questões mencionadas, este trabalho está organizado da seguinte maneira: na Seção 2, são apresentados os resultados obtidos com os testes de produção oral bem como uma breve descrição de como o corpus foi construído para a gravação dos dados. Na Seção 3, descreve-se a metodologia usada nos testes de percepção e apresentam-se exemplos de estórias e contornos usados nos testes de percepção. A Seção 4 discute os resultados obtidos e na Seção 5 são apresentadas as conclusões e linhas para pesquisas futuras. 2. Experimentos de produção oral Sentenças SV neutras em línguas que não permitem a inversão livre entre sujeito e verbo (como o inglês) apresentam dois padrões diferentes de acento ( CINQUE, 1973; LADD, 1996). Exemplos desse tipo de evento podem ser observados pelos anúncios das mortes de Truman e de Johnson exibidas por um jornal televisivo americano. Quando anunciada, a morte de Truman, que estava muito doente e cuja debilidade física era notícia já há algum tempo antes de sua morte, é enunciada num padrão em que o DP é parte da pressuposição. No entanto, a morte de Johnson, totalmente inesperada, é enunciada num padrão em que o DP não é parte da pressuposição. O padrão acentual em cada um desses dois contextos pode ser visualizado em (1), onde as letras maiúsculas representam o acento principal da sentença. Truman DIED (1) JOHNSON died GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 2

A generalização aqui é que, em línguas como o inglês, quando o DP é parte da pressuposição discursiva, o acento principal recai sobre V, por outro lado, quando o DP não é conhecido, o acento principal recai sobre o próprio DP. Mas, se a língua permite a inversão do DP, como o italiano, o que se observa é uma mudança na ordem das palavras: SV para quando o DP é parte da pressuposição e VS para quando DP não é parte da pressuposição discursiva. Tal situação é apresentada em (2), uma tradução para o italiano dos exemplos em (1). Truman È MORTO È morto JOHNSON (2) O que se quer conhecer aqui é : (a) quais são os padrões entoacionais de SV no PB atual; (b) se a distribuição desses padrões varia segundo as situações discursivas como é observado em inglês; (c) se a ordem VS ainda é usada no PB em contextos apresentacionais que a favorecem (COSTA et alli, 2005). 2.1. Construção do corpus O corpus foi elaborado com base em pequenas estórias que apresentavam as situações discursivas requeridas segundo o estatuto informacional do DP. Ao final de cada uma dessas estórias, aparece um verbo conjugado e um DP simples que devem ser usados na resposta. Utilizando as ferramentas de apresentação do Power Point, a ordem de aparecimento de cada constituinte é aleatória, bem como a direção que eles tomam para entrar na tela (de baixo para cima, da esquerda para a direita, etc). O informante escolhe a ordem das palavras e a entoação que lhe pareçam mais adequadas ao contexto discursivo apresentado. Para cada situação discursiva, apresentaram-se diferentes tipos de verbos monoargumentais (inergativos e inacusativos), assim como diferentes tipos de DP (definido, indefinido, nomes próprios, animados, inanimados). A seguir examinaremos os eventos tonais H, aqueles com movimento ascendente da curva de pitch mais alto (anotado simplesmente como H) e aqueles com movimentos ascendentes mais baixos do que H (anotados como!h). 2.2. Resultados obtidos A Figura 1 resume os resultados encontrados no experimento de produção oral. Observamos, na Figura 1(a), os casos em que é esperado que o maior movimento de pitch recaia sobre o DP, já que ele não é parte de pressuposição. De fato, em 18 das 20 produções (90%) foi encontrado um H sobre o DP; no entanto, em duas produções (10% dos dados), observamos um evento tonal H sobre V. Em sete desses 18 casos, um evento H ocorreu em ambos os casos - sobre o DP e sobre V, correspondendo a 35% dos casos. Em quatro destes sete casos, o evento tonal que recaía sobre V era do tipo!h, o que significa dizer que em apenas três produções ocorreram dois movimentos de pitch com proeminências semelhantes. Se somarmos estes três casos aos dois anteriores que mostram um evento tonal H apenas sobre V, temos 5 casos, o que corresponde a 25% de produções não esperadas. GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 3

Figura 1. Número de ocorrências de eventos tonais H em sentenças SV: (a) DP não é parte da pressuposição e (b) DP é parte da pressuposição. Por outro lado, a Figura 1(b) apresenta os casos em que um movimento mais pronunciado sobre V é o esperado, isto é, um evento tonal H sobre V, uma vez que o DP é parte da pressuposição. Nesse caso, 15 das 20 elocuções exibiram um evento H sobre V, mas, novamente em nove casos, houve uma co-ocorrência deste evento tonal H sobre V com um outro sobre o DP. Em seis deles, ocorreu um evento tonal!h sobre o DP e, nos três restantes, um evento tonal H com proeminências similares ocorre simultaneamente sobre DP e V. No entanto, observamos também que em cinco dos 20 casos foi exibido apenas um evento tonal H sobre o DP, fato totalmente inesperado dada a situação discursiva. Uma estória produziu recorrentemente este padrão, ou seja, todos os informantes produziram somente um evento tonal sobre o DP. Somando os três eventos tonais sobre ambos, V e DP, aos cinco casos em que ocorreu um H apenas sobre o DP, temos um total de 40% das elocuções revelando um padrão contrário ao esperado. 3. Testes de percepção: metodologia Escutando atentamente as elocuções obtidas no experimento de produção oral, observamos que, em muitos casos, a resposta dos informantes não parece adequada à estória apresentada, isto é, ela não expressa exatamente o status informacional do DP, se ele é parte ou não da pressuposição. É preciso então saber se os falantes têm consciência das respostas dadas para as situações elicitadas. Assim, resolvemos preparar um experimento perceptual, no qual os informantes escutariam uma estória e duas respostas alternativas, devendo então apontar a resposta mais adequada à situação apresentada pela estória. Selecionamos assim algumas respostas com contornos de pitch distintos e outras com contornos similares para este novo experimento, que será detalhado na próxima seção. 3.1. Testes Para a avaliação perceptual, 10 estórias e 20 respostas foram selecionadas, exibindo contornos entoacionais similares e/ou distintos entre si. Para essa avaliação, foi GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 4

empregado o teste 1 de escuta Comparative Category Rating (CCR). Cinco informantes (falantes nativos do PB) foram questionados sobre a adequação das respostas às estórias apresentadas. Dois testes de percepção foram elaborados: no primeiro, os informantes escolheram entre duas alternativas e, no segundo, uma terceira escolha foi adicionada às duas anteriores e corresponde à situação em que o informante ache que as duas opções anteriores são adequadas para a situação apresentada. As sentenças que seriam apresentadas aos informantes passaram por um processo de normalização para que não exibissem diferenças em intensidade, capazes de influenciar nos resultados dos testes. Os resultados desses testes serão apresentados na Seção 4. 3.2. O corpus O corpus foi baseado nos experimentos de produção apresentados na Seção 2. Constituise de sentenças originais, ou seja, sentenças não sintetizadas pelo program Momel- Intsint. As estórias também foram extraídas desses mesmos experimentos, sendo excluídas apenas aquelas em que o status informacional do DP não estivesse muito claro. Em (3), mostramos um exemplo de uma estória e suas respostas correspondentes, empregadas nos testes de percepção. O mais movimento de pitch é destacado pelas letras maiúsculas. Estória 9: Tem sempre alguém sentado em cima da mesa da sala, porque não tem cadeira pra todo mundo ali. Mas outro dia a Maria, que estava sentada na mesa, desceu rapidinho, dizendo: (S1) a MEsa RANgeu ou (S2) a mesa RANgeu. 3.3. Exemplos de contornos exibidos nas sentenças Para a notação entoacional das sentenças, usamos eventos tonais empregados pelo TOBI para o PB (JILKA et al., 1999): um simples evento tonal H, L e!h (com altura menor do que a apresentada pelo H) e tons complexos: HL,!HL, LH e!h. O asterisco (*) marca o acento lexical e %, os tons de fronteira. Em (4b), apresentamos a descrição entoacional da resposta da Estória 1, apresentada em (4a). A Figura 2 exibe o contorno de pitch também dessa resposta. Estória 1: Um repórter está em um bar num pequeno vilarejo procurando algum fato interessante para fazer uma matéria para o jornal. Nisso uma mulher vem pela rua gritando: a garota sumiu. a ga ro ta su miu [ a ot su miw]!h* H!HL* L% (3) (4a) (4b) 1 ITU T Recommendation P.800, Methods for Subjective Determination of Transmission Quality, Int'l Telecomm. Union, Geneva, Switzerland, Aug. (1996). GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 5

Figura 2. Exemplo de uma elocução com dois movimentos de pitch: um sobre o DP e outro sobre V. Em (5a), apresentamos a Estória 17. A descrição entoacional e o contorno de pitch de uma das respostas dadas a esta estória são mostradas, respectivamente, em (5b) e na Figura 3. Estória 17: Foi notícia no começo do ano um acidente de carro na estrada para o norte da ilha, no ex-pedágio. O acidente foi sério e a moça que estava diringo o carro morreu na hora. O Pedro comentou que achava difícil fazer uma barbeiragem daquela, ao que a Maria respondeu: a garota dormiu a ga ro ta dor miu [ ot du miw] L* H* L% (5a) (5b) Figura 3. Exemplo de uma elocução que contém apenas um movimento de pitch sobre V Em (6b), apresentamos a descrição entoacional de uma das respostas da Estória 13, mostrada em (6a). Seu contorno de pitch pode ser visto na Figura 4. GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 6

Estória 13: Era um concerto do João Gilberto, violão e voz. De repente, ele levantou e saiu muito bravo. A Ana, que estava sentada atrás, não entendeu o que aconteceu e perguntou pro Pedro, que estava sentando na frente, ao que ele respondeu: uma cadeira rangeu u ma ca dei ra ran geu [ um ka dej x ew] LH* L* L% (6a) (6b) Figura 4. Exemplo de uma elocução com movimento de pitch apenas sobre o DP. Para termos certeza de que as faixas de pitch poderiam ser comparadas entre falantes, as respostas foram todas normalizadas. 4. Resultados dos experimentos perceptuais Resumimos, na Tabela 1, os resultados obtidos nos testes de percepção 1 e 2. Nessa tabela, S1 e S2 representam as sentenças escutadas pelos informantes. No Teste 1, como o DP não é parte da pressuposição, esperávamos que os informantes considerassem mais adequadas as respostas que apresentassem o acento sobre DP. De fato, em relação à Estória 4, não houve nenhuma escolha pela Sentença 1 (S1), a única que apresentava o acento de pitch somente sobre V. No entanto, na escuta da Estória 14, os informantes não mostraram preferência pela Sentença 2 (S2) que exibia acento somente sobre o DP. Em contraste, eles consideraram mais adequada a S1, que apresentava dois movimentos de pitch: sobre DP e V. Nas Estórias 1 e 15, que apresentavam dois movimentos, um sobre DP e outro sobre V, as escolhas foram pelas sentenças que apresentavam maiores valores de pico de f 0 sobre o DP. Aqui aparentemente a opção preferida pelos informantes foi determinada pela presença de maiores valores de pico para o pitch, como por exemplo a S2 da Estória 1, escolhida por todos os informantes. Igualmente em casos de contornos semelhantes, como os das GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 7

respostas à Estória 13, os maiores valores de pico de f 0 das sentenças parecem determinar a escolha de 80% dos informantes (em ambos os testes). Estórias Teste 1 Teste 2 S1 S2 S1 S2 S1 ou S2 DP e V DP e V DP e V DP e V (1) 0 100% 20% 20% 60% V DP V DP (4) 0 100% 0 80% 20% DP DP DP DP (13) 20% 80% 0 80% 20% DP e V DP DP e V DP (14) 60% 40% 40% 40% 20% DP e V DP e V DP e V DP e V (15) 60% 40% 20% 0 80% Percentual 28% 72% 16% 44% 40% Tabela 1. Estórias que requerem o acento de pitch sobre o DP, visto que ele não é parte da pressuposição discursiva Por outro lado, o Teste 2 fornece uma forte evidência de que a escolha dos informantes comanda as suas intuições de falantes nativos. Nos casos em que o contorno de pitch apresentados eram de fato muito similares, como nas sentenças das Estórias 1 e 15, o percentual de escolha pela terceira opção (aquela que considera tanto S1 quanto S2 adequadas) é alta, mas quando existe uma diferença significativa nos contornos das sentenças, o percentual pela terceira opção é mais baixo. A Tabela 2 apresenta os casos em que o DP é parte da pressuposição discursiva. Observemos que a Estória 19 apresenta o contorno considerado inadequado tanto para S1 quanto para S2 em todas as respostas. Nesse caso, o percentual de escolha por S1 e S2 são muito similares; no entanto, tal fato não pode ser visto como um sinal de indecisão dos informantes, já que as respostas para a Estória 5 apresentam o mesmo percentual. Podemos concluir que os falantes interpretaram a Estória 19 e suas possibilidades de resposta não como exemplos de sentenças SV neutras, mas como sentenças que carregam informação sobre V. Realmente, a informação sobre V pode ser inferida do contexto, uma vez que a cadeira rangeu pode ser semanticamente interpretada como a cadeira está quebrando e o verbo quebrar é mencionado na estória. GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 8

Estórias Teste 1 Teste 2 S1 S2 S1 S2 S1 ou S2 V DP e V V DP e V (5) 40% 60% 40% 20% 40% V V V V (7) 20% 80% 20% 20% 60% DP e V V DP e V V (9) 100% 0 20% 20% 60% V V V V (17) 60% 40% 60% 20% 20% (19) DP DP DP DP 40% 60% 40% 40% 20% Percentual 52% 48% 36% 24% 40% Tabela 2. Estórias que requerem acento de pitch sobre V, quando o DP é parte da pressuposição Todos os resultados apresentados no Teste 1 da Tabela 2 deveriam exibir preferência de acento sobre V, já que o DP faz parte da pressuposição discursiva. Deste modo, esperávamos que o maior percentual de adequação ocorresse tanto para S1 da Estória 5 quanto para S2 da Estória 9. Além disso, esperaríamos também que tanto S1 quanto S2 das Estórias 7 e 17 apresentassem percentuais similares. Contudo, os percentuais de aceitabilidade aqui exibidos são aparentemente sensíveis à proeminência do contorno entoacional, como foi visto nas discussões da Tabela 1. Por exemplo, no caso da Estória 17, existe uma preferência de 60% para S1 que exibe valores de pico de f 0 sobre V mais altos do que o apresentado em S2. Já, para o Teste 2, os resultados são menos conclusivos. A preferência pela terceira opção no caso de contornos similares (Estória 7 e 17) não é observada. Por exemplo, a Estória 7 apresenta 60 % de escolha pela terceira opção, enquanto a Estória 17 apresenta somente 20 %. Além disso, não observamos baixo percentual da terceira opção quando os contornos são distintos (Estórias 5 e 9). O caso mais complexo é relativo à Estória 9, que apresenta 60% de escolha pela terceira opção no Teste 2 e 100% de escolha pela S1 no Teste 1. Analisando o contorno apresentado pelas sentenças da Estória 9, percebemos que S2 exibe como tom de fronteira um tom H%, fato que pode ter tornado inadequada esta opção para aquela situação discursiva (mesmo que o acento estivesse na posição adequada). A S1, embora apresentando dois movimentos de pitch (um sobre V e outro sobre DP), exibe um tom de fronteira L% que torna esta opção mais natural como resposta à situação discursiva exibida pela Estória. 5. Notas finais e pesquisas futuras Os experimentos perceptuais realizados no presente estudo indicam resultados interessantes para a discussão sobre a intuição de falantes nativos, permitindo julgar a adequabilidade de estruturas entoacionais para situações discursivas quando certas GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 9

estruturas sintáticas são exibidas. Na pior das hipóteses, uma importante generalização pode ser aqui formulada: a proeminência do contorno de pitch parece dirigir o falante nativo em certas escolhas, principalmente nos casos de padrões entoacionais similares, uma consideração que deve ser confirmada em pesquisas futuras. Evidentemente, os testes e experimentos devem ser melhorados a fim de fornecerem resultados mais precisos. Em particular, os experimentos que não produziram resultados consistentes deveriam ser melhor avaliados. Talvez o experimento de produção oral usado para fornecer as sentenças resposta para o teste perceptual não apresentasse contornos suficientemente claros. Por esta razão, em testes futuros, objetivamos empregar sentenças sintetizadas a fim de permitir um controle mais preciso do contorno de pitch apresentado aos informantes. Dessa maneira, podemos testar opções nas quais outros parâmetros possam ser manipulados, tais como a duração e a faixa de pitch. Os testes alterando sinteticamente a faixa de pitch já estão em andamento. 6. Referências Auran, C., Bouzon, C. and Hirst, D.: ProZed: an editor for the automatic processing of prosodic variation. PAC Workshop. April 23-24 2004, Toulouse, 2004. Berlinck, R. de A. A ordem V SN no português brasileiro: sincronia e diacronia. 1988. Dissertação. Unicamp IEL, Campinas, Brazil, 1988. Cinque. G. A Null Theory of Phrase and Compound Stress. Linguistic Inquiry, 24, p. 239-297, 1993. Costa, J. et al. On VS order and null subjects in European and Brazilian Portuguese. Ms. Universidade Nova de Lisboa/Universidade do Porto/Universidade Federal de Santa Catarina, Lisboa/Porto/Florianópolis, Portugal/Brazil, 2005. Jilka, M., Möhler G., Dogil G. Rules for the Generation of ToBI-based American English Intonation. Speech Communication, 28: 83-108, 1999. Kato, M. A restrição da monoargumentalidade da ordem VS no português do Brasil. Fórum Lingüístico, vol. 2, n.1, p.97-127, 2000. Ladd, D.R. Intonational Phonology. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. Moraes, J.: Intonation in Brazilian Portuguese. In: Hirst, D. & Di Cristo. A. Intonation System. A Survey of Twenty Languages. Cambridge University Press, Cambridge UK, pp. 179-193, 1998. PRAAT doing phonetics by computer. Version 4.6.06. www.praat.org. ITU T Recommendation P.800, Methods for Subjective Determination of Transmission Quality, Int'l Telecomm. Union, Geneva, Switzerland, Aug. 1996. GT: Abordagens acústicas em estudos segmentais e supra-segmentais 10