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Transcrição:

DIREITO PROCESSUAL PENAL 4.º ANO DIA/2018-2019 Regência: Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes Colaboração: Prof. Doutor Rui Soares Pereira, Mestres João Gouveia de Caires, David Silva Ramalho e Mafalda Moura Melim e Licenciada Joana Reis Barata Exame escrito 18 de junho de 2019 Duração: 90 minutos Hipótese A (pequena) caixa Abel, Berta e Carlos foram detidos e constituídos arguidos nas respetivas habitações, em Lisboa, às 7h00 da manhã do dia 3 de junho de 2019, na sequência dos mandados de detenção emitidos pelo MP, no âmbito de um processo-crime em que eram suspeitos de vários crimes. Foram realizadas buscas, autorizadas por Juiz de Instrução, e apreendida documentação relevante quer nas habitações, quer nas instalações do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT), Lisboa. Foi ainda apreendida a quantia de 1000 que estava dentro de uma caixa na casa de Abel e Berta (casados), embrulhada em uma cópia certificada da escritura de partilha de uma herança de um familiar de Berta. Os arguidos foram apresentados no dia seguinte a interrogatório judicial, tendo sido informados que sobre os mesmos recaía a suspeita de vários crimes, nos seguintes termos: - Quanto a todos os arguidos, e em coautoria, a prática de um crime de associação criminosa (p. e p. pelo art. 299.º, n. os 1, 2 e 5, do CP), dado todos colaborarem para, e em conjugação de esforços, simularem a realização de formação profissional necessária à certificação de motoristas de mercadorias e de passageiros e, em troca, receberem vantagens, pagas pelos motoristas que efetivamente não realizavam qualquer formação; - Quanto aos arguidos Abel e Berta, e em concurso efetivo, a prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito (p. e p. pelo art. 373.º, n.º 1, em conjugação com o art. 386.º, n.º 1, al. d), e com o art. 28.º, todos do CP), na medida em que aquele, na qualidade de Coordenador de uma Equipa de Fiscalização das Escolas de Condução e Centros de Formação do IMT fornecia informação relevante aos demais sobre como se manterem fora do radar da atividade inspetiva daquele Instituto. Já Berta angariava os potenciais motoristas que pretendiam obter tal certificação sem a receberem, pagando uma quantia em troca. Uma quantia que seria repartida entre todos os membros, não se sabendo ainda em que proporção; - Quanto ao arguido Carlos, e em concurso efetivo, a prática de um crime de corrupção ativa para ato ilícito (p. e p. pelo art. 374.º, n.º 1, do CP), bem como de um crime de falsificação de documento (p. e p. pelos arts. 255.º, al. a), 256.º, n.º 1, als. a) e e), n.º 4, e 386.º, n.º 1, al. d), todos do CP), na medida em que, sendo dono da Escola de Condução e Formação sempre em linha torta, simulava fornecer formação aos motoristas e emitia os respetivos documentos com vista a que obtivessem ou renovassem a respetiva licença. 1

Responda fundamentadamente às seguintes questões: 1. Aprecie a detenção dos arguidos nos termos suprarreferidos. (2,5 valores) 2. Considere que o MP requereu, no primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, a proibição de contactos entre todos e a suspensão do exercício de funções ao arguido Abel, atendendo ao perigo de continuação de atividade criminosa e de perturbação do inquérito. Poderá o arguido reagir (e com que fundamento) perante uma eventual aplicação da prisão preventiva com fundamento no perigo de perturbação do inquérito? (3,5 valores) 3. Admita que foi deduzida acusação contra os arguidos pelos factos e crimes suprarreferidos. Entre outras provas, a acusação sustenta-se em mensagens de correio eletrónico trocadas entre os arguidos, que demonstrariam a atividade criminosa. O arguido Abel considera que tais provas não deveriam ser valoradas, dado que foram obtidas aquando da referida busca domiciliária com apreensão do seu computador portátil, tendo o mesmo sido forçado a fornecer a palavra-passe do respetivo equipamento. De que modo e com que fundamento poderá Abel fazer valer a sua pretensão? (4 valores) 4. Imagine que se apurou, durante o inquérito, que Berta não praticou os factos que lhe foram imputados, tendo o MP arquivado o inquérito nesta parte. Daniela, jornalista de investigação, durante a preparação de uma reportagem, apurou novos elementos de prova que indiciam que a pessoa que praticara os factos inicialmente imputados a Berta era um dos 20 trabalhadores da Escola de Condução X, sem, contudo, ter conseguido proceder à sua identificação. Poderá Daniela constituir-se assistente? Em caso afirmativo, poderá reagir ao despacho de arquivamento? (4 valores) 5. Admita que os arguidos Abel e Berta tinham requerido a abertura de instrução. No final da mesma, poderia Abel impugnar o despacho de pronúncia que o tivesse pronunciado nos termos da acusação pública, bem como pela prática, em concurso efetivo, de um crime de abuso de poder (p. e p. pelo art. 382.º do CP), por considerar o Juiz de Instrução que a conduta do mesmo violou diversos deveres funcionais pretendendo obter vantagem ilegítima? (4 valores) Para realizar o exame, pode usar: Constituição da República Portuguesa (CRP), Código Penal (CP), Código de Processo Penal (CPP) e Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ). Apreciação Global (sistematização e nível de fundamentação das respostas, capacidade de síntese, clareza de ideias e correcção da linguagem): 2 valores. Nota: os exames com caligrafia ininteligível/ilegível não serão classificados. 2

Tópicos para a correção 1 A detenção poderia ser realizada, nos termos do art. 257.º do CPP. Deveria identificar-se que, por não haver qualquer flagrante delito em curso, não poderia a detenção fundar-se no regime previsto nos arts. 255.º e 256.º do CPP. Consequentemente, a detenção dos arguidos apenas poderia ser feita de acordo com o art. 257.º do CPP. Deveria identificar-se que a regra seria a do mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, mandado do MP, como efetivamente sucedeu. Deveria mencionar-se quais os requisitos de admissibilidade da prisão preventiva, nomeadamente os requisitos específicos do art. 202.º do CPP. Em especial, os fortes indícios relativos a um crime de catálogo do art. 202.º, n.º 1, do CPP. No caso, seria aplicável a al. c), por se tratar de criminalidade altamente organizada, nos termos do art. 1.º, al. m), do CPP, a que corresponde pena de prisão superior a 3 anos, no tocante ao crime de associação criminosa imputado a todos os arguidos. Haveria ainda que referir que pelo menos uma das circunstâncias previstas no n.º 1 do art. 257.º do CPP teria de estar verificada. Não havendo elementos no enunciado, ter-se-ia de ponderar a eventual aplicação das als. a) ou b) do n.º 1 do art. 257.º do CPP. Por fim, haveria que discutir se a emissão dos mandados de detenção fora de flagrante delito satisfaria o princípio da proporcionalidade, tendo em conta a finalidade pretendida, a saber: assegurar a presença dos arguidos para primeiro interrogatório judicial ou acautelar um dos perigos previstos no art. 204.º do CPP e que só a detenção permitisse prevenir. Haveria que evidenciar por que razão a realização das buscas nos diversos locais e em simultâneo, ademais com a notificação aos arguidos para comparecerem a primeiro interrogatório judicial, não seria suficiente face ao perigo concreto. 2 O arguido poderia impugnar através de interposição de recurso, pedido de revogação e/ou arguição de nulidade a aplicação da prisão preventiva, dado a mesma ter sido aplicada em violação dos requisitos legais. Independentemente das condições gerais, princípios, requisitos gerais e específicos das medidas de coação que poderiam estar verificados, o problema neste caso centra-se na relação do princípio da reserva de juiz com a direção do inquérito pelo MP. O Juiz de Instrução ao aplicar a medida de prisão preventiva ao arguido Abel com 3

fundamento no perigo de perturbação de inquérito (art. 204.º, al. b), do CPP) violou assim aquele papel de garante ou de juiz das liberdades durante a fase de inquérito cuja direção cabe ao MP, incluindo a definição da estratégia quanto ao teto máximo das medidas coativas, pelo que não poderia, sob pena de nulidade, aplicar medida mais grave do que a requerida (art. 194.º, n.º 3, do CPP). Seria valorizada a discussão sobre a constitucionalidade da solução legal prevista no art. 194.º, n.º 2, do CPP. Haveria que discutir o tipo de nulidade subjacente ao art. 194.º, n.º 3, do CPP. Não se tratando de nulidade insanável por não integrar o catálogo do art. 119.º do CPP, nem a sua insanabilidade estar especialmente prevista, ter-se-ia de concluir que se trata de nulidade dependente de arguição, nos termos do art. 120.º, n.º 1, do CPP. O arguido poderia interpor recurso da medida de coação, nos termos do art. 219.º do CPP, cumulando tal pretensão com o pedido de revogação, nos termos do art. 212.º, n.º 1, al. a), e n.º 4, do CPP, ou simplesmente invocando a nulidade perante o Juiz de Instrução, nos termos dos arts. 120.º, n.º 1, e 194.º, n.º 3, do CPP. Não parece haver fundamento para o habeas corpus perante o STJ, ao abrigo do art. 222.º, n.º 2, do CPP. 3 O arguido poderia requerer a abertura de instrução invocando a proibição de prova ou deduzindo requerimento avulso, a todo o momento, com idêntico teor, ou ainda através da contestação. Relativamente à busca domiciliária, tendo-se referido que a mesma foi realizada pelas 7h da manhã ao abrigo de despacho de autorização emitido pelo Juiz de Instrução (art. 177.º, n.º 1, do CPP), havendo indícios da prática de crime e do respeito pelo princípio da proporcionalidade, a mesma seria válida. No que respeita à apreensão do portátil de Abel, a resposta deveria centrar-se na expressão forçado a fornecer a palavra-passe do respetivo equipamento. Quanto à apreensão, nos termos do art. 178.º, n. os 4 e 6, do CPP, os OPC poderiam validamente apreender o portátil, sujeita a validação em 72h por despacho da autoridade judiciária competente. Já o acesso ao conteúdo do portátil, bloqueado através de palavra-passe, e considerando que tal constitui um elemento criativo e não preexistente (na terminologia doo TEDH), o arguido gozaria do direito a não se autoincriminar. O conteúdo da correspondência eletrónica sempre poderia ser alcançado através da injunção aos prestadores de serviços para acesso a tais dados, nos termos do art. 14.º, n.º 4, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro). Deveria discutir-se se o regime de 4

apreensão do correio eletrónico obedece ao art. 189.º, n.º 1, do CPP, ao art. 179.º do CPP ou apenas à Lei do Cibercrime. Seja como for, o acesso ao conteúdo do portátil não poderia ser obtido através de violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare através de coação moral, sob pena de constituir um método absolutamente proibido de obtenção de prova (art. 126.º, n. os 1 e 2, al. c), do CPP). Tal geraria uma violação de proibição de prova, cominada com nulidade sui generis. Deveria referenciar-se o regime da nulidade sui generis da prova proibida, a saber: proibição de obtenção e de valoração da prova proibida, sendo apenas permitida a sua valoração para a responsabilização dos agentes que utilizaram tal método proibido, nos termos do artigo 126.º, n.º 4, do CPP, devendo em princípio ser desentranhada dos autos, sendo de conhecimento oficioso e insanável mesmo para além do trânsito em julgado, constituindo ademais fundamento de recurso extraordinário de revisão de sentença, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea e), do CPP. Tal nulidade da prova principal contaminaria as eventuais provas secundárias que com aquela estivessem numa relação de causalidade ou, na terminologia da jurisprudência nacional, em que se estabeleça um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa, através do chamado efeito-à-distância, devido à teoria, originária na jurisprudência dos EUA, dos frutos da árvore envenenada ou da sua congénere alemã teoria da nódoa ou da mancha, nos termos do art. 32.º, n.º 8, da CRP e art. 122.º, n.º 1, do CPP. Por fim, e apesar de tal nulidade ser de conhecimento oficioso, o arguido, tendo sido notificado da acusação, poderia invocar a mesma. Desde logo através de requerimento para a abertura de instrução, devendo identificar-se os requisitos para este efeito, nomeadamente da legitimidade, prazo, representação judiciária e conteúdo, nos termos do art. 287.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP. Ainda que tal questão pudesse circunscrever-se à matéria de direito, tal seria admissível através requerimento avulso a todo o tempo ou ainda em sede de contestação, nos termos do art. 315.º do CPP. 4- A resposta, apesar de controvertida, parece ser positiva, devendo a assistente requerer a intervenção hierárquica. Em primeiro lugar, haveria de dizer-se que Daniela ao pretender participar no processo apenas poderia fazê-lo através do requerimento de constituição de assistente, devendo identificar-se os requisitos do mesmo: legitimidade, prazo, representação judiciária e pagamento da taxa de justiça, nos termos dos arts. 68.º, n.º 1, al. e), n.º 3, 69.º 5

e 519.º, todos do CPP, bem como art. 8.º do RCP. O requisito discutível seria precisamente o da legitimidade, pois deveria equacionar-se se os jornalistas têm legitimidade ao abrigo da al. e) do n.º 1 do art. 68.º do CPP. Ainda que a tenham, a sua intervenção seria restrita aos crimes de corrupção para os quais a al. e) atribui legitimidade a qualquer pessoa. A admitir-se a constituição de assistente, haveria que discutir-se qual o meio processual pars Daniela exercer a sua pretensão. Não seria admissível o requerimento para abertura de instrução (art. 287.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPP), dado que esta não poderia identificar os suspeitos a serem constituídos arguidos, pelo que não poderia cumprir com o requisito de conteúdo deste requerimento (uma acusação em sentido material), nem poderia cumprir com o disposto nas als. b) e c) do n.º 3 do art. 283.º, n.º 3, ex vi art. 287.º, n.º 2, in fine, todos do CPP. O que significaria que Daniela apenas poderia requerer a intervenção hierárquica, nos termos do art. 278.º do CPP. 5- Abel poderia invocar a irregularidade ou nulidade do despacho de pronúncia que tivesse procedido a uma mera alteração da qualificação jurídica (AQJ) face à acusação sem cumprir com os trâmites legalmente impostos. Em primeiro lugar, haveria que identificar que o despacho de pronúncia não adicionara qualquer elemento factual à acusação (i.e., acontecimento histórico, pedaço de vida, caso ou problema submetido à apreciação judicial). O Juiz de Instrução ao pronunciar o arguido Abel nos termos da acusação pública, bem como pela prática, em concurso efetivo, de um crime de abuso de poder p. e p. pelo art. 382.º do CP, por considerar que a sua conduta violara diversos deveres funcionais pretendendo obter vantagem ilegítima, não tomou em consideração qualquer elemento factual novo. A violação dos deveres funcionais já estava factualmente sustentada na acusação. Ou seja, trata-se de uma mera AQJ. Consequentemente, o Juiz de Instrução deveria ter cumprido com os trâmites legalmente previstos, nos termos do art. 303.º, n.º 1, ex vi n.º 5 do mesmo preceito do CPP. Se tivesse cumprido, comunicando a AQJ, concedendo prazo (não superior a 8 dias) e produzindo a nova prova que o arguido eventualmente tivesse requerido, e não fosse supérflua ou dilatória, a pronúncia seria totalmente válida. Não havendo elementos que permitam concluir que o Juiz de Instrução respeitou aqueles procedimentos, haveria então que retirar as respetivas ilações, a saber: o despacho 6

de pronúncia seria, no mínimo, irregular (art. 123.º do CPP) ou mesmo nulo quanto a esta parte, se se considerar que houve preterição de ato legalmente obrigatório, nos termos do art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP. Em qualquer caso, a pronúncia não seria nula nos termos do art. 309.º do CPP, dado que não há qualquer facto novo e porque, ao contrário do regime do julgamento/sentença, a preterição na instrução do regime da AQJ ou da ANSF é sancionada de modo diverso da preterição do regime da ASF. Do eventual despacho que indeferisse a invalidade em causa admitir-se-ia recurso, nos termos gerais do art. 399.º do CPP, sob pena de o regime previsto no art. 303.º, n.º 1, ex vi n.º 5, do CPP não ter qualquer utilidade. 7