AGROTÓXICOS. JOSÉ ROBERTO MARQUES Promotor de Justiça, Ribeirão Preto



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Transcrição:

AGROTÓXICOS JOSÉ ROBERTO MARQUES Promotor de Justiça, Ribeirão Preto 1. INTRODUÇÃO AO TEMA Agrotóxicos são produtos químicos que ajudam a controlar pragas e doenças das plantas e podem causar danos à saúde do homem e ao meio ambiente. O uso de agrotóxicos sem preocupação com suas conseqüências para o meio ambiente e para a saúde do homem e, principalmente, sem qualquer tipo de fiscalização, gera problemas de dimensões desconhecidas. O tema, embora fazendo parte de muitas pautas de debates, jamais alcançou a atenção que merece, sempre oculto sob a lembrança de que a utilização de agrotóxicos é necessária para o incremento da produção agrícola e, assim, para a economia do país. Não se pretende, com o estímulo ao estudo criterioso da matéria, a inviabilização da agricultura. Espera-se, como resultado, o equacionamento do uso, de forma que seja mínima a repercussão negativa para o meio ambiente e para a saúde, ao mesmo tempo em que se propicia significativo aumento da produtividade. 1.1 Importância ambiental da matéria A agricultura brasileira, observando-se o modelo atual, representa sérios riscos para o meio ambiente, com graves conseqüências para a saúde do homem. A crescente necessidade de produção de alimentos, decorrente do aumento da população e aliada ao incremento do comércio internacional, implica no aumento da área plantada e na degradação do meio ambiente. São notados impactos negativos decorrentes da utilização incorreta do solo (dando causa à erosão), do uso intenso de agrotóxicos, do desmatamento para ampliação da área a ser cultivada e das queimadas. Esses impactos são de difícil e demorada reparação e, muitas vezes, irreversíveis. Em passado próximo foram utilizados inseticidas organoclorados (atualmente de uso não permitido) que contaminaram o meio ambiente e que hoje, decorrido mais de uma década da proibição, ainda são encontrados em sedimentos, águas e animais silvestres. A aplicação indiscriminada de agrotóxicos pode conduzir a uma situação insustentável, com comprometimento dos recursos hídricos para abastecimento, produção de alimentos, manutenção da vida aquática selvagem etc.

A degradação por agrotóxicos ocorre, normalmente, de forma discreta, não perceptível a olho nu, atingindo o ar, o solo e as águas. Torna-se mais fácil a identificação desse problema quando a contaminação acontece em um curso d'água, constatando-se a mortandade de peixes e de outras espécies aquáticas. A saúde humana, qualquer a maneira de contaminação do meio ambiente, pode ser atingida, quando não diretamente, por seu desgaste gradativo, ocasionado por freqüentes exposições a agrotóxicos. Contudo, esse quadro que lentamente se acentua, não mereceu, até agora, um controle efetivo da utilização dos agroquímicos. Enquanto a erosão do solo, as queimadas e o desmatamento podem ser vistos no dia-a-dia, a degradação ambiental causada por agrotóxicos é discreta (não perceptível a olho nu), passa desapercebida e é justificada pela necessidade do aumento da produção agrícola. Não se pode confundir, por outro lado, a necessidade de se frear a inconseqüente utilização de insumos com a inviabilização da agricultura. É preciso reconhecer que o conceito de agricultura sustentável é o que agrega as dimensões econômica, ecológica e social, tendo como fatores de direcionamento a conservação dos recursos naturais e a qualidade de vida. E os problemas aqui tratados tendem a se agravar na medida em que os novos assentamentos rurais, decorrentes do processo de reforma agrária, crescem de forma desordenada e levam, também, ao possível agravamento dos impactos associados ao desmatamento. 1.2 Outros aspectos relevantes Da aplicação de agrotóxicos decorre a contaminação dos componentes do ambiente. Daí, observam-se resíduos no solo, ar e água. "Com o uso intensivo dos agrotóxicos pode-se afirmar, sem receio de contradição, que estes compostos estão presentes em todos os tipos de ambientes e ecossistemas do mundo"1. Mesmo que os agrotóxicos sejam usados de modo correto e criterioso, acabam por acarretar problemas, principalmente os inseticidas, provocando (1) desequilíbrios biológicos, favorecendo o aparecimento de novas pragas ou surto de pragas secundárias, (2) efeitos adversos em insetos polinizadores, (3) resíduos nos alimentos, através de sua persistência, causando problemas de saúde pública ou de comércio externo, (4) resistência das pragas aos inseticidas, exigindo aplicações em maior número e produtos mais concentrados, e (5) contaminação do meio ambiente, tanto local como de áreas adjacentes ou distantes, principalmente de deriva de aplicações aéreas ou terrestres, acarretando mortalidade de peixes, aves etc, que não foram os alvos originais visados, acumulando-se nos organismos, na natureza, e sendo, ainda, transportados, via biológica, através das cadeias tróficas2. No meio ambiente o movimento das águas representa importante maneira de se transportar agrotóxicos de um lugar para outro; os rios e as correntes marítimas são capazes de levar a contaminação para locais muito distantes. O principal caminho da contaminação ocorre pela aplicação direta à superfície

aquática e sobre as superfícies inclinadas, que levam a coleções d'água, e pelo carreamento de partículas de solos tratados com agrotóxicos pelas águas das chuvas. A prática de lavar equipamentos de aplicação e embalagens, jogando restos de agrotóxicos nas águas, é modo de contaminação direta do meio ambiente e que atinge a população em geral. Outra via importante é o ar. Este tornase contaminado pela ocorrência de volatilização, além de transporte com partículas de poeira; o retorno dos inseticidas ao solo se dá, principalmente, através da chuva ou, em menor grau, pela deposição da poeira. O vento é o fator atmosférico que mais afeta a operação. A dispersão do agrotóxico sob condições adversas de vento resulta em perda da eficácia, além da deriva que contamina áreas não visadas. Os agrotóxicos deixam resíduos onde quer que sejam empregados, ora em sua forma química original, outras vezes sob a forma de produtos degradados. Como resultante da toxicidade, seletividade, persistência (durabilidade de propriedades tóxicas) e do uso indiscriminado, esses resíduos vêm sendo encontrados no meio ambiente (atmosfera, águas de chuva, águas superficiais e subterrâneas e solos), em quantidades cada vez maiores, acumulando-se na cadeia alimentar e chegando até o homem. Assim, a biosfera (água, ar e solo) se vê atingida gravemente pela presença de resíduos de agrotóxicos, entre outros elementos corrompidos dos quais o homem é o destinatário final. Isso ocorre através de uma cadeia biológica cujos escalões intermediários são os pastos, os animais e toda a sorte de produtos alimentícios. Até o leite materno pode apresentar traços de agrotóxicos! Portanto, quando aplicados nos sistemas agrários ou áreas agrícolas, os agrotóxicos sofrem uma série de reações e redistribuem-se nos diversos componentes desse ecossistema, contaminando-os. Mesmo quando direcionados às plantas, para controle de insetos, fungos, plantas daninhas etc, chegam ao solo posteriormente. A contaminação da água pelo uso de agrotóxicos acaba por atingir os ecossistemas aquáticos, de forma que, se ela estiver contaminada, pode-se considerar que todos os demais elementos bióticos e abióticos do ecossistema também ficaram contaminados, pois a água está presente em todas as partes. Nos organismos terrestres os agrotóxicos podem acumular-se nos vegetais e nos animais. A contaminação de pássaros é outro aspecto importante em termos ecológicos, pois eles representam um nível trófico relevante no controle e equilíbrio das populações de insetos. Os pássaros podem contaminar-se comendo insetos mortos por agrotóxicos, plantas contaminadas, sementes de culturas tratadas e semeadas no campo. "A contaminação do homem por agrotóxicos pode ocorrer de duas maneiras gerais: através da exposição ocupacional, no manuseio dos agrotóxicos desde a sua fabricação até a sua aplicação, e pela exposição ambiental. A exposição ambiental do homem aos agrotóxicos ocorre principalmente através dos alimentos contaminados ingeridos, mas também, em menor proporção, na água bebida, no ar respirado e durante seu trabalho na denominada exposição ocupacional. Os agrotóxicos que mais contaminam e se

acumulam no homem são os organoclorados que, devido às suas características de solubilidade e difícil degradação, concentram-se nos tecidos gordurosos, não só do homem, mas em todos os organismos que apresentam tecido adiposo"3. 2. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL 2.1 Constituição Federal A CF se refere expressamente a agrotóxicos apenas em seu artigo 220, 4º, quando impõe restrições à propaganda comercial desses produtos. Esse dispositivo foi disciplinado pela Lei 9.294, de 15.7.96, regulamentada pelo Decreto 2.018, de 1.10.96. A Lei 8.389, de 30 de dezembro de 1991, que regulamentou o artigo 224 da CF, instituiu o Conselho de Comunicação Social, atribuindo-lhe a realização de estudos, pareceres e recomendações especialmente sobre propaganda comercial de agrotóxicos, entre outros produtos, nos meios de comunicação social (artigo 2º, "b"). O controle da produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente estão previstos no artigo 225, 1º, V, disciplinado, no que se refere a agrotóxicos, pela Lei 7.802, de 11.7.89, regulamentada pelo Decreto 98.816, de 11.1.90, alterado pelo Decreto 991, de 24.11.93, que tratam desde a produção até o destino final dos resíduos e embalagens de agrotóxicos, seus componentes e afins. 2.2 Constituição Estadual A CE dispõe que o Estado criará um sistema de administração da qualidade ambiental, com o fim de controlar e fiscalizar a produção, armazenamento, transporte, comercialização, utilização e destino final de substâncias que comportem risco efetivo ou potencial para a qualidade de vida e meio ambiente (incluindo o do trabalho: artigo 193, XI). 2.3 Legislação Federal A Lei 7.802/89 e seu decreto regulamentador tratam dos aspectos cíveis, criminais e administrativos relativos a todas as operações que envolvem agrotóxicos. O Decreto 98.816/91 foi resultado de proposta de uma Comissão Interministerial coordenada pelo Ministério da Agricultura, com a participação dos Ministérios da Saúde e do Interior e da Secretaria de Assessoramento da Defesa Nacional (Decreto 98.062, de 17.8.89). 2.4 Legislação Estadual No Estado de São Paulo a legislação que trata da distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos e outros biocidas é anterior à Lei Federal 7.802/89. Versando sobre a matéria encontramos a Lei Estadual 4.002, de 5.1.84, alterada pela Lei 5.032, de 11.4.86.

O Supremo Tribunal Federal, em 1985, nos autos de representação de inconstitucionalidade 1241-7, proferiu, com relação à Lei 4.002/84, a seguinte decisão: "Ementa: Representação de inconstitucionalidade, lei 4.002, de 5 de fevereiro de 1984, do Estado de São Paulo, julgada procedente, em parte. Defensivos agrícolas. Competência da União Federal. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em julgar procedente, em parte, a representação e declarar a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos de lei nº 4.002, de 05-01-1984, do Estado de São Paulo: 1º do art. 1º; 2º do art. 1º; 3º do art. 1º, 5º do art. 1º; art. 3º, "caput"; art. 5º, 6º, 7º, "caput", parte final, 4º e 5º, e art. 9º. Brasília, 04 de dezembro de 1985, Moreira Alves, Moreira Alves - Presidente, Cordeiro Guerra, Relator". O Decreto Estadual 30.565, de 10.10.89, aprovou o regulamento que fixa os procedimentos relativos a cadastramento, fiscalização do uso e sua aplicação, imposição de penalidades e recursos na distribuição e comercialização de produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, no território do Estado de São Paulo. Sua redação foi alterada pelo Decreto 31.132, de 5.1.90. Aplicáveis à espécie os dispositivos da Lei 997, de 31.5.76, com redação dada pela Lei 8.943, de 29.9.94, que dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente, e da Lei 6.134, de 2.6.88, que trata da preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas do Estado de São Paulo. "Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos artigos 23 e 14 da CF, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno" (art. 10 da Lei 7.802/89). 2.5 Legislação Municipal Embora não pesquisadas leis municipais relativas a agrotóxicos, dispõe o art. 11 da Lei 7.802/89 que "cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins". 3. ANÁLISE DO TEMA 3.1 Repercussão cível A Lei 7.802/89, em seu artigo 14, atribui responsabilidade administrativa, civil e penal, pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando a produção, a comercialização, a utilização e o transporte não cumprirem o disposto na lei, (1) ao profissional, ao usuário ou prestador de

serviços, (2) ao comerciante, (3) ao registrante, (4) ao produtor e (5) ao empregador, nas hipóteses que especifica. Além dessas pessoas podem ser acionados para reparar os danos ao meio ambiente aqueles (pessoas físicas ou jurídicas) que, direta ou indiretamente, concorrerem para a degradação ambiental (art. 3º, IV, da Lei 6.398/81), independentemente da existência de culpa (art. 14, 1º, da mesma lei). 3.2 Repercussão penal Sem a proposta de interpretar a legislação vigente nessa área e procurar identificar tipos eventualmente revogados, indico dispositivos de natureza criminal que tratam da matéria. A Lei 7.802/89 atribui responsabilidade penal àquele que produzir, comercializar, transportar, aplicar ou prestar serviço na aplicação de agrotóxicos, seus componentes e afins, descumprindo as exigências estabelecidas nas leis e nos seus regulamentos (art. 15) e ao empregador, profissional responsável ou ao prestador de serviço, que deixar de promover as medidas necessárias de proteção à saúde e ao meio ambiente (art. 16). O artigo 27 da Lei 5.197, de 3.1.67, alterado pelo artigo 1º da Lei 7.653, de 12.2.88, dispõe que incorre na pena prevista no caput do aludido artigo "quem provocar, pelo uso direto ou indireto de agrotóxicos ou de qualquer outra substância química, o perecimento de espécimes da fauna ictiológica existente em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou mar territorial brasileiro". Aplicável, ainda, o disposto nos artigos 54 ("causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora") e 56 ("produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos") da Lei 9.605/98. 3.3 Repercussão administrativa Compete à Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária elaborar ou promover a elaboração de normas, padrões e especificações de cunho sanitário para agrotóxicos, inclusive para os estabelecimentos que os produzam, distribuam ou comercializem, bem assim para serviços sujeitos ao regime de vigilância sanitária (Decreto 109, de 2.5.91, que aprovou a estrutura regimental do Ministério da Saúde). Compete (1) à Secretaria de Defesa Agropecuária normatizar e supervisionar, na forma da lei, as atividades de fiscalização da produção, da comercialização e da utilização de agrotóxicos, seus componentes e afins; (2) ao Departamento de Defesa e Inspeção Vegetal programar e promover a execução das atividades de fiscalização da produção e comercialização de agrotóxicos, de seus componentes e afins (Decreto 1.784, de 11.1.96, que aprovou a estrutura regimental do Ministério da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma Agrária - Anexo I - artigos 18, II, "c", e 20, II, "d").

As penalidades administrativas estão previstas no Decreto 98.816/90, nos artigos 71 e seguintes, as quais são aplicadas sem prejuízo da responsabilidade penal e civil cabíveis. As sanções estão discriminadas no artigo 76 e as agravantes no artigo 78, II, da mesma legislação. 4. JURISPRUDÊNCIA Poucos são os julgados que versam sobre a matéria. Na pesquisa realizada não se localizou qualquer acórdão relativo à indenização dos danos causados ao meio ambiente. Vejamos: a. Competência para legislar sobre a matéria (RTs 719/266, 640/193, 634/177, 619/164, 610/226 e 599/228) b. Comercialização/distribuição (RTs 677/173, 640/193, 630/203, 625/196, 619/164 e 599/228) c. Inconstitucionalidade de leis estaduais (RTs 634/177, 630/203, 625/196, 619/164, 610/226, 601/225 e 599/228) d. Registro (RTs 708/192, 677/173 e 619/164) e. Acidente do trabalho - intoxicação letal por agrotóxico (RT 673/112) f. Seguro de vida - morte acidental por envenenamento (RT 634/169) g. Crime contra a saúde pública (RT 629/336) 5. ASPECTOS PRÁTICOS Não existe fiscalização sistemática dos órgãos ambientais no sentido de reprimir o uso inadequado de agrotóxicos, seja pela aplicação excessiva ou sem receituário ou, ainda, em desacordo com ele. Compete à CETESB, no Estado de São Paulo, efetuar o controle de qualidade das águas destinadas ao abastecimento público e a outros usos, e, dessa forma, fiscalizar o lançamento direto ou indireto de agrotóxicos, ou descarte/lavagem de embalagens, em coleções hídricas, incumbindo-lhe o poder de polícia administrativa (Lei 118, de 29.6.73). Ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia compete a fiscalização do exercício profissional, enquanto à CATI-Coordenadoria de Assistência Técnica e Integral, da Secretaria de Estado da Agricultura, compete a fiscalização do cumprimento da legislação referente a agrotóxicos. São destinadas vias do receituário expedido pelo profissional que prescreveu o produto a essas duas entidades (artigo 52 do Decreto 98.816/90). 5.1 Sugestões e Cautelas A intoxicação do homem e dos animais, decorrente da utilização de agrotóxicos, pode ocorrer pelas vias respiratórias, pela via digestiva e, principalmente, através da pele, podendo ocorrer a intoxicação aguda, ou seja, aquela de efeitos imediatos, ou a intoxicação crônica, de efeitos a longo prazo. Recomenda-se, ao se deparar com qualquer contaminação que possa ser oriunda da aplicação de agrotóxicos, seja

colhido material para urgente perícia, dada a persistência variável dos produtos. 1 Ecotoxicologia de Agrotóxicos, Joaquim Gonçalves Machado Neto, FCAV Unesp Jaboticabal, 1991 2 Conforme "Manual de Entomologia Agrícola", Domingos Gallo e outros, Editora Agronômica Ceres Ltda., 2ª edição, 1988, pág. 294/295. 3 Joaquim Gonçalves Machado Neto, obra citada. 4 Administração e controle da qualidade ambiental, Granville H. Sewell, Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1978, pág. 257.