O caso da cueca...73 Guiomar não existe mais...75 Dramas da evolução...79 A aranha...83 Quatro maridos de Xangri-lá...87 Dividida de bola na



Documentos relacionados
RECUPERAÇÃO DE IMAGEM

O mar de Copacabana estava estranhamente calmo, ao contrário

O momento do gol. Parece muito fácil marcar um gol de pênalti, mas na verdade o espaço que a bola tem para entrar é pequeno. Observe na Figura 1:

Atividades Lição 5 ESCOLA É LUGAR DE APRENDER

SAMUEL, O PROFETA Lição Objetivos: Ensinar que Deus quer que nós falemos a verdade, mesmo quando não é fácil.

O menino e o pássaro. Rosângela Trajano. Era uma vez um menino que criava um pássaro. Todos os dias ele colocava

DONA ARANHA ELA É TEIMOSA E DESOBEDIENTE SOBE, SOBE, SOBE NUNCA ESTÁ CONTENTE

Quem tem medo da Fada Azul?

A CURA DE UM MENINO Lição 31

COLACIO. J SLIDES APRESENTA

AS VIAGENS ESPETACULARES DE PAULO

Narrar por escrito a partir de um personagem

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

/ E-F@BULAÇÕES] 2/ JUN Uma História de Cão

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

Meu nome é Rosângela Gera. Sou médica e mãe de uma garotinha de sete anos que é cega.

Texto 2. Julinho, o sapo

Manoel de Barros Menino do mato

Palavras do autor. Escrever para jovens é uma grande alegria e, por que não dizer, uma gostosa aventura.

A menina que queria visitar a tia

Categorias Subcategorias Unidades de registo. Situação. Sai da escola e ia para casa da minha mãe (F1) Experiência de assalto

Glaucus Saraiva - poeta gaúcho

Entrevista Noemi Rodrigues (Associação dos Pescadores de Guaíba) e Mário Norberto, pescador. Por que de ter uma associação específica de pescadores?

Uma menina chamada Celeste saiu das labaredas e voou pelos céus além.

Obedecer é sempre certo

Pensar incomoda como andar à chuva Quando o vento cresce e parece que [chove mais.

Viagem de Santo António

Afonso levantou-se de um salto, correu para a casa de banho, abriu a tampa da sanita e vomitou mais uma vez. Posso ajudar? perguntou a Maria,

Pretérito Imperfeito do Indicativo

Estórias de Iracema. Maria Helena Magalhães. Ilustrações de Veridiana Magalhães

2º ano do Ensino Médio

Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

João e o pé de feijão ESCOLOVAR

História Para as Crianças. A menina que caçoou

Unidade 04: Obedeça ao Senhor Josué obedece, o muro cai

ALEGRIA ALEGRIA:... TATY:...

Cópia autorizada. II

Edição Trimestral -N.º4, Dezembro de 2004

09/09/2004. Discurso do Presidente da República

Transcriça o da Entrevista

curiosidade. Depois desta aula toda, só posso dizer que também

A Cozinha da Bruxinha

Capítulo 1 Não fuja, senão eles vão encará-la como uma presa

UMA ESPOSA PARA ISAQUE Lição 12

O passageiro. 1.Edição. Edição do Autor

Experiência na Amazônia Capítulo 4: Todos acamparão aqui, mas a Zero-Dez vai pro outro lado do rio

Festa da Avé Maria 31 de Maio de 2009

Geração Graças Peça: Os Cofrinhos

Observe esta estrada. Seguindo por ela você vai encontrar uma subida ou uma descida? (ilusão de Marcelo Kothe, 2001)

O DIA EM QUE O KLETO ACHOU DINHEIRO

JESUS ALIMENTA A MULTIDÃO Lição Objetivos: Mostrar a importância de dar graças a Deus pelas coisas que temos.

Janaina Tokitaka. Eugênia e os

Vamos falar de amor? Amornizando!

...existe algum motivo legal que impeça a sentença de ser pronunciada?

QUESTÃO 1 Texto para as questões 1, 2 e 3.

A.C. Ilustrações jordana germano

Sei... Entra, Fredo, vem tomar um copo de suco, comer um biscoito. E você também, Dinho, que está parado aí atrás do muro!

RIMAS PERFEITAS, IMPERFEITAS E MAIS-QUE-PERFEITAS JOGOS E ACTIVIDADES

DESAFIOS CRIATIVOS E FASCINANTES Aula de Filosofia: busca de valores humanos

NA LOJA DE CHAPÉUS. Karl Valentin. Personagens. Vendedora. Valentin ATO ÚNICO

Componentes: - 50 Cartas Hanabi - 5 Cartas de Regra - 8 Cartas de Dica - 3 Cartas de Penalidade - 5 Cartas Multi-coloridas (para a expansão)

Disciplina: Matemática Data da realização: 24/8/2015

Bartolomeu Campos Queirós. Agradecemos aos parceiros que investem em nosso projeto. I SBN

O Boneco de Neve Bonifácio e o Presente de Natal Perfeito

O GATO LATIU. Cleusa Sarzêdas. Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através da Virtualbooks, com autorização da Autora.

UNIDADE LETIVA 2 ANEXO 1

TESTE DE ELENCO COM UMA CENA. Por VINICIUS MOURA

4 o ano Ensino Fundamental Data: / / Atividades de Língua Portuguesa Nome:

Dicas para investir em Imóveis

Casa Templária, 9 de novembro de 2011.

As 12 Vitimas do Medo.

CURSO DE APERFEIÇOAMENTO, ACTUALIZAÇÃO E AVALIAÇÃO ÁRBITROS ASSISTENTES DE 2.ª CATEGORIA Futebol de 11 TESTE ESCRITO PERGUNTAS

Os dois foram entrando e ROSE foi contando mais um pouco da história e EDUARDO anotando tudo no caderno.

2015 O ANO DE COLHER ABRIL - 1 A RUA E O CAMINHO

Atividade: Leitura e interpretação de texto. Português- 8º ano professora: Silvia Zanutto

1º Domingo de Agosto Primeiros Passos 02/08/2015

Coordenadoria de Educação CADERNO DE REVISÃO Matemática Aluno (a) 5º ANO

OFICINA DE JOGOS APOSTILA DO PROFESSOR

SALVAÇÃO não basta conhecer o endereço Atos 4:12

Segunda-feira. Querido, está na hora de acordar! Querido, já é noite, você precisa se levantar!

JESUS ACALMA A TEMPESTADE

de França. O avô faz tudo parecer tão interessante! Tem andado a ensinar-me a Revolução Francesa. A última rainha de França foi Maria Antonieta.

Historinhas para ler durante a audiência dos pais. Pio Giovani Dresch

Evangelização Espírita Ismênia de Jesus Plano de Aula 1º Ciclo. Título: Reencarnação

"Os Emigrantes" Texto escritos por alunos do 7º ano (Professora Rute Melo e Sousa)

DANIEL EM BABILÔNIA Lição Objetivos: Ensinar que devemos cuidar de nossos corpos e recusar coisas que podem prejudicar nossos corpos

Ficar velho é obrigatório, crescer é opcional.

ENTRE FERAS CAPÍTULO 16 NOVELA DE: RÔMULO GUILHERME ESCRITA POR: RÔMULO GUILHERME

Lista de Diálogo - Cine Camelô

Encontros de vida que se faz vivendo.

Ernest Hemingway Colinas como elefantes brancos

Sinopse I. Idosos Institucionalizados

A Cura de Naamã - O Comandante do Exército da Síria

10 segredos para falar inglês

Cópia autorizada. II

Evangelização Espírita Ismênia de Jesus Plano de Aula Jardim. Título: Allan Kardec: o codificador da doutrina espírita

A folha e o pirilampo

1 o ano Ensino Fundamental Data: / / Nome:

Profª. Esp. Maria Helena Carvalho

Transcrição:

Sumário Eu não vi...11 A mãe, o menino, a bola e o mar...13 Sorte Grande...15 As velhinhas de Copacabana...19 Renato em Ipanema...23 Ele gosta de amarelo...27 Ruas do Rio...29 O piano de Copacabana...33 A mais certa de todas as coisas...35 Pegadas eternas na areia...37 Cuia curtindo...39 A menina de Copacabana...41 Robinho do Rio...43 Hora de dar uma fecundada...47 A máscara da Tiazinha...51 Doze anos...53 Entrevista de emprego...57 Como julgar um caráter...61 O mundo maravilhoso dos motores...65 O segredo do besouro assassino...69 7

O caso da cueca...73 Guiomar não existe mais...75 Dramas da evolução...79 A aranha...83 Quatro maridos de Xangri-lá...87 Dividida de bola na areia...91 A arte de comer picolé de chocolate...95 Tomar banho com uma mulher...99 O salvamento do peixe Dirceu...103 Como plantar o guarda-sol...107 Sônia quer ler...111 Sunga ou bermuda...115 Tire o cavalinho da chuva...119 Uma de dez e duas de cinco...121 Ombro...125 3.988.000...129 Muito antes dos dinossauros...131 A modelo do metrô...135 Uma noite no Lan Club...139 Contra e a favor...143 A derrota de Papai Noel...145 Moscas eletrocutadas...147 Vômito de abelha...151 Caminhando em Londres...153 As poderosas mulheres da Inglaterra...155 O Velho Buk...159 8

Dez trilhões de bactérias...161 A bunda do Alceu...165 Duas histórias curtas...167 Que bicho é a Uniqua?...171 9

EU NÃO VI Não vi a baleia que apareceu na manhã de sábado na praia do Leblon. Fazia um dia de quase verão, de ar fino e luz radiosa. A praia estava cheia de mulheres dentro de biquínis sumários. Elas saíam da água reluzentes feito lontras e ondulavam até a areia, onde se estendiam languidamente e se douravam ao sol. Os homens jogavam futevôlei ou tomavam cerveja. As crianças corriam da espuma das ondas. E então ela surgiu. Nadou bem perto da praia, numa imponência serena. Deslizava sua majestade rumo ao Arpoador. Alguém gritou: Uma baleia! E toda a praia se levantou e a baleia, como se estivesse se exibindo, jogou a enorme cauda para trás e com ela bateu vigorosamente na água, e os seres humanos, maravilhados, aplaudiram. Foi lindo, lindo. Mas eu não vi. Cheguei um minuto depois e, ao perceber a agitação, quis saber o que havia acontecido. Uma baleia bem ali as pessoas apontavam para o mar, alegres com o espetáculo. Bem ali. Foi lindo. 11

E eu não vi... Mas, horas depois, quando me dirigia ao Estádio do Maracanã e passava pela Lagoa, atirei o olhar para cima, para o cume do Morro do Corcovado, e suspirei ante a visão do Cristo Redentor de braços abertos. Suspirei, sim, encantado pela beleza do morro, da Lagoa e do Cristo que a todos abençoava, e naquele instante, para minha surpresa, quase espanto, o Cristo acendeu. Acendeu. O Cristo inteiro, gigantesco, soberano, foi tomado por uma luz azul e pareceu alçar voo no céu do Rio de Janeiro. Foi lindo. E eu vi. Rio de Janeiro, junho de 2013 12

A MÃE, O MENINO, A BOLA E O MAR A praia do Leme estava vazia de gente. A paisagem era feita apenas de sol ameno, areia morna e as ondas do mar que iam e vinham, iam e vinham. Só havia ali uma jovem mãe e seu filhinho de uns cinco anos de idade. Ela, de biquíni listrado, parada de pé, de costas para o oceano, as mãos à cintura, olhando para o menino. O menino olhava para uma bola. Uma goleira, que no Rio eles chamam de baliza, tinha sido plantada a alguns metros do menino e da bola. Havia uma bicicleta encostada na trave esquerda da goleira. O menino recuou alguns passos da bola, sempre olhando para ela. Como a mãe, também pôs as mãos à cintura. Ia bater um pênalti. A bicicleta apoiada na trave me inquietou. Pelo menos metade da bicicleta, uma grande bicicleta decerto usada pela mãe para levar o filho até a praia em pedaladas preguiçosas, pois pelo menos metade da bicicleta invadia a goleira. Se o menino chutasse para a esquerda, era grande a chance de acertar a bicicleta e não marcar o gol. Por que eles não apoiaram a bicicleta em outra coisa? Mas não havia nada onde apoiá-la. Havia só a areia morna, o sol ameno e as ondas que iam e vinham. A 13

bicicle ta provavelmente não era dotada daquelas pequenas alavancas que deixam bicicletas de pé. Ou ficava encostada em uma das traves da goleira ou jazia ao chão, como que abandonada. Não, uma mãe ciosa não deixaria a bicicleta abandonada. Uma mãe não larga as coisas no chão. Assim, o risco de o menino errar o pênalti era real. A mãe o observava, e não ria. O menino continuava com o olhar fixo na bola. E também não ria. Então, respirou fundo. Partiria para o chute. A mãe esticou o pescoço levemente para frente, supus que apreensiva. Ele arrancou em direção à bola. Pela forma como enquadrou o corpo, percebi que era destro. Correu com a convicção de quem está acostumado a correr na areia. Correu, correu e parou. Fincou o pé esquerdo ao lado da bola e, com o direito, bateu de chapa, com o ossinho do lado de dentro, feito um Zico, e a bola alçou voo mais ou menos à altura da cabeça dele, e viajou, rápida e macia, para o canto certo, o canto direito, e aninhou-se no fundo da rede. Gol. Gol! A mãe ergueu os braços e gritou: Gol! Ele saiu pulando e rindo, gritando: Gol! Buscou a bola no fundo da rede, enquanto a mãe lhe dava as costas e caminhava rumo ao mar. Ela parou e sentou-se na areia. O menino a alcançou e sentou-se ao lado dela, em cima da bola. E ficaram os dois olhando em silêncio para as ondas que iam e vinham, iam e vinham. Rio de Janeiro, junho de 2013 14