JANAINA BOMTEMPO DE SOUZA FLÁVIO



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Transcrição:

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PROJETO DE PESQUISA DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito Privatização dos Presídios: uma abordagem sobre o modelo adotado no Brasil e a escolha da gestão compartilhada como solução para a crise do sistema penitenciário. Autor (a): Janaina Bomtempo Souza Flávio Orientador (a): Prof.(a) Ana Cristina Silva Souza BRASÍLIA 2008

JANAINA BOMTEMPO DE SOUZA FLÁVIO PRIVATIZAÇÃO DOS PRESÍDIOS: UMA ABORDAGEM SOBRE O MODELO ADOTADO NO BRASIL E A ESCOLHA DA GESTÃO COMPARTILHADA COMO SOLUÇÃO PARA A CRISE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO. Trabalho apresentado no curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora : Ana Cristina da Silva Souza. Especialista em Direito. Brasília 2008

FOLHA DE APROVAÇÃO

Dedico este trabalho aos meus filhos Arthur e Matheus, estímulos que me impulsionaram a buscar vida nova a cada dia e que compreenderam minha ausência nos longos anos destinados aos estudos. Ao meu marido, Milton, que soube entender a importância da realização de um sonho.

AGRADECIMENTO A Deus, Pai Supremo e infinito, que me cobriu com suas bênçãos, fazendo com que cada novo dia fosse um aprendizado; cada lágrima, esperança; cada tombo, uma lição de vida; cada sorriso, um reconhecimento. A Ti, Senhor, todas as Glórias, por mais uma etapa vencida; Aos meus pais, Elson e Rosângela, exemplos de caráter e perseverança, o meu eterno agradecimento por tudo que me ensinaram e na confiança que em mim depositaram; Ao meu querido irmão Cristhiano, e à minha cunhada Ludmilla, pois tenho a certeza de que estão felizes com minha conquista; Aos amigos que me incentivaram, que me deram o ombro para chorar, que acreditaram na minha vitória, e ao meu anjo da guarda Luciene Amorim, não posso dizer nada além de MUITO OBRIGADA; A professora Ana Cristina, pelo tempo cedido e pelo aprendizado ao longo deste trabalho.

Tenta fazer esta experiência, construindo um palácio. Equipa-o com mármore, quadros, ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas... e entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair daí. Talvez, de facto, nunca mais saisses de lá. Está lá tudo! 'Estou muito bem aqui sozinho!'. Mas, de repente - uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros, e é-te dito: 'Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!'. Então, acredita-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu paraíso e pular por cima do muro. Mais! Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento. Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo... Sim, apenas uma coisa te falta... um pouco de liberdade. A prisão dourada. Fiodor Dostoievski, in 'O Movimento de Liberação'

RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de apresentar em linhas gerais as características e críticas da então chamada privatização dos presídios. Engloba desde o seu histórico, tanto em âmbito nacional, como internacional. Tendo em vista que o sistema penitenciário no Brasil há muito tempo dá sinais de que necessita de socorro, com problemas de superlotação, condições de vida subumana, falta de assistência médica, psicológica e jurídica, violência, motins e rebeliões é que por volta da década de 80, primeiramente nos Estados Unidos, e mais tarde no Brasil, se fez necessária a busca por novos meios de solucionar tal problema, através da privatização dos presídios. Tal modelo de gestão aflorou vários debates entre conhecedores e doutrinadores do Direito, como a constitucionalidade ou não do modelo adotado em algumas penitenciárias do Brasil, os benefícios e os malefícios resultantes deste modelo, os custos, o direito de punir do Estado. Apresenta os presídios que, no Brasil, atuam juntamente com a iniciativa privada. Retrata a forma escolhida pela autora de resolver o problema do sistema carcerário, como sendo a gestão compartilhada, modelo este onde a execução da pena se concentra nas mãos do Estado e somente os serviços permitidos em lei é que são repassados à iniciativa privada. Palavras-chave: Penas, sistema carcerário, privatização, presídios, direitos humanos, preso, gestão compartilhada.

ABSTRACT The present work has the objective to present in general lines the critical characteristics and of then called privatization the penitentiaries. Comprises since its description in such a way in national scope as international. In view of that the penitentiary system in Brazil has much time of the signals that needs aid, with problems of supercapacity, conditions of life miserable, lack of medical, psychological and legal assistance, violence, riots and rebellions is that for return of the decade of 80, first in the United States, and later in Brazil, if it made necessary the search for new ways to solve such problem, through the privatization of the penitentiaries. Such model of management arose some forums between experts of the Right, as the constitutionality or not of the model adopted in some prisons of Brazil, the benefits and the resultant curses of this model, the costs, the right to punish of the State. It presents the penitentiaries that, in Brazil, act together with the private initiative. It portraies the form chosen for the author to decide the problem of the jail system, as being the shared management, model this where the execution of the penalty if concentrates at the hands of the State and the services allowed in law only are that they are repassed to the private initiative. Key words: Feathers, privatization prisons, human rights, inmate, management and reporting share.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES Anexo A: Presos X Déficit vagas - Brasil Anexo B: Quadro comparativo das prisões terceirizadas no Brasil

LISTA DE SÍMBOLOS CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CF Constituição Federal CONAP Companhia Nacional de Administração Prisional CP Código Penal CPP Código de Processo Penal DEPEN Departamento Penitenciário FUNPEN Fundo Penitenciário LEP Lei de Execução Penal PIC Penitenciária Industrial de Cascavel PIG Penitenciária Industrial de Guarapuava PIRC Penitenciária Industrial Regional do Cariri SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos

SUMÁRIO CAPÍTULO I - DAS PENAS...13 1.1 Evolução histórica...13 1.1.1 Vingança privada...14 1.1.2 Vingança divina...16 1.1.3 Vingança pública...16 1.2 Humanização das penas...18 1.2.1 Cesare Beccaria...19 1.2.2 John Howard...20 1.2.3 Jeremy Bentham...21 1.3 Sistemas penitenciários...22 1.3.1 Sistema Pensilvânico (Filadélfico ou celular)...23 1.3.2 Sistema Auburniano...24 1.3.3 Sistema progressivo...25 CAPÍTULO II - VISÕES DA CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO...28 2.1 Fatores determinantes da crise do sistema prisional...28 2.1.1 Dos direitos humanos do preso...29 2.1.1.1 Dos direitos humanos do preso a teoria...30 2.1.1.2 Dos direito humanos do preso a realidade...33 2.1.2 A superpopulação carcerária...34 2.1.3 A violência nas prisões...37 CAPÍTULO III - A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL...41 3.1 Como surgiu a idéia de privatização do sistema prisional...41 3.1.1 Modalidades e extensão da privatização...42 3.1.1.1 O financiamento da construção de novos estabelecimentos...42 3.1.1.2 A administração do trabalho prisional (prisões industriais)...43 3.1.1.3 Provisão de serviços penitenciários...43 3.1.1.4 Administração total de estabelecimentos penitenciários...44 3.2 Aspectos da privatização dos presídios...45 3.2.1 Aspectos jurídicos...45 3.2.2 Aspectos políticos...46 3.2.3 Aspectos éticos...46 3.3 Modelos de privatização dos presídios...47 3.3.1 Modelo americano...47 3.3.2 Modelo francês...48 3.3.3 Modelo inglês...49 Capítulo IV A privatização dos presídios brasileiros...51 4.1 Privatização ou terceirização...51 4.2 A proposta brasileira...52 4.3 O modelo brasileiro...54 4.4 Os argumentos favoráveis, os benefícios...57 4.5 Os argumentos contrários, os malefícios....59 4.6 A escolha pelo modelo adotado no sistema penitenciário: gestão compartilhada....62 CONCLUSÃO...66 REFERÊNCIAS...68 ANEXO - A...74 ANEXO - B...74

11 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo apresentar os modelos de gestão hoje utilizados no Brasil na administração dos sistemas carcerários. Alternativas tiveram que ser buscadas na iniciativa privada, uma vez que o Estado sozinho não conseguiu resolver os problemas que assolam as penitenciárias, como a superlotação, a violência, o não cumprimento dos direitos do preso, os motins, etc. A dignidade do preso não é preservada nas penitenciárias, lugar este destinado à sua ressocialização. Era ali que o preso deveria ter um trabalho, estudo, cultura, para que após o cumprimento da pena, pudesse retornar à sociedade. O processo de privatização das prisões atualmente em curso pode assumir várias modalidades, que variam do financiamento e arrendamento de presídios à administração total de estabelecimentos penitenciários. No Brasil, com a privatização, a empresa privada assume a maioria dos serviços da prisão, enquanto o Estado participa da direção, designando o diretor, o vice-diretor e o chefe de segurança. As empresas são contratadas (ou deveriam sêlo) através de licitação. O que causa mais polêmica é que muitos doutrinadores entendem que a privatização do sistema prisional trata justamente da interferência da iniciativa privada na execução da pena de prisão, tarefa antes pertencente apenas ao Estado na condição de detentor do monopólio da força. 1 Este tema será explorado de forma a conciliar os obstáculos observados por alguns doutrinadores renomados e estudiosos do assunto, a fim de se demonstrar as vantagens e desvantagens da privatização, bem como o modelo ideal a ser utilizado. A monografia se divide em quatro capítulos. O primeiro capítulo retoma às épocas antigas para demonstrar como surgiram as penas privativas de liberdade. É apresentado o histórico penal no Brasil e no mundo, falando das formas de vingança, da humanização das penas e dos sistemas carcerários adotados. A crise do sistema carcerário, tendo como cenário os problemas detectados nas prisões brasileiras, como a superpopulação carcerária, a violência nas prisões, o 1 CORDEIRO, Carvalho Graciany. Privatização do sistema prisional brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2006.p.1.

12 não cumprimento dos direitos humanos do preso, e os fatores determinantes desta crise serão abordados no segundo capítulo. É no terceiro capítulo que o tema privatização dos presídios vem à tona. Como surgiu essa idéia? Quais as modalidades de privatização dos presídios? Quais são os obstáculos impostos à privatização? Quais os países iniciaram e ainda adotam este modelo de gestão? Perguntas como estas serão respondidas ao longo deste capítulo. Enfim, o quarto capítulo traz o tema da privatização dos presídios no Brasil. Eis o capítulo mais importante deste trabalho. É aqui que serão esplanadas as dúvidas quanto à privatização e terceirização. Retoma à década de 90 para apresentar a primeira proposta de privatização dos presídios, feita pelo renomado Edmundo Oliveira. Apresenta os presídios brasileiros que hoje adotam o modelo de gestão de privatização, falando um pouquinho sobre os mais importantes e pioneiros. Este capítulo traz os benefícios e malefícios deste sistema, importante para que se possa decidir se privatizar é a melhor saída. A gestão compartilhada é citada como sendo a melhor forma de solucionar o problema carcerário. A metodologia de abordagem neste trabalho estará fundada no método dedutivo, partindo da teoria para sua aplicação no tema em discussão. Ao final será apresentado um gráfico que demonstra o número de presos e déficit de vagas no Brasil, bem como um comparativo entre as prisões terceirizadas no Brasil. Vale ressaltar que, sendo este um tema recente, os trabalhos ainda são escassos. Para tanto, a internet foi utilizada como fonte subsidiária de pesquisa.

13 CAPÍTULO I - DAS PENAS 1.1 Evolução histórica A origem da pena é tão antiga como a humanidade. Os estudiosos que buscam aprofundar na investigação da história da pena de prisão se vêem numa tarefa extremamente difícil, uma vez que não há uma cronologia definida e certa para chegar a esse consenso. Por esse motivo, há diferenças cronológicas para o estudo da pena de prisão de acordo com cada doutrinador. Alguns preferem utilizar as idades tradicionais da história, outros designam determinados períodos nomeados por eles mesmos. 2 Traçaremos a trajetória da pena baseada nos vários tipos de vingança. A vingança privada e a divina eram exercidas pelo particular, pois não havia ainda uma sociedade organizada. Criado o Estado surge a vingança pública, este representado primeiramente pelo soberano e mais tarde pela sociedade. A humanização das penas inicia-se quando reformadores e filósofos indignam-se com o tratamento cedido aos presos daquela época, com a crueldade das penas e indiferença da sociedade frente a tudo isso. Beccaria, Howard e Bentham são os mais influentes. A partir da humanização das penas surgem os primeiros sistemas penitenciários, quais sejam os pensilvânicos, auburnianos e o progressivo. No Brasil adota-se hoje o sistema progressivo de penas. Antes de adentrarmos na história da pena, convém expor, através de Fernando Capez, que a pena é: a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração penal, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cujas finalidades são aplicar a retribuição punitiva ao delinqüente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade. 3 2 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão..3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.3. 3 CAPEZ, Fernando. Execução penal. 13 ed. São Paulo: Ed. Damásio de Jesus, 2007. p. 17.

14 Vários autores concordam que a finalidade da pena é manter a paz na sociedade, e que ela é justificável por sua necessidade. Para Bitencourt, a pena constitui um recurso elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para tornar possível a convivência entre os homens. 4 O Brasil adota atualmente, para definir a finalidade da pena, a teoria mista, mas com traços da teoria humanista. Segundo a teoria mista, entende-se que a pena é retributiva, e que sua finalidade não é somente a prevenção mas também um misto de educação e correção. A pena deve ter o objetivo de retribuir e prevenir a infração. Os traços da teoria humanista estão presentes a partir do momento em que se verificou que a sociedade é preservada na medida em que o preso se adapta ao meio social. A ressocialização é vista como papel fundamental para que o preso interaja novamente com o mundo exterior. 5 1.1.1 Vingança privada Quando não havia ainda sociedade organizada, inexistindo a presença do Estado, os homens, reunidos em tribos ou clãs, eram ligados através de laços sanguíneos. Aquele que infligisse dano a alguém seria punido mediante ato da própria vitima ou de seus familiares. Era a fase da vingança privada. 6 Desse modo, se membro de uma família fosse morto por membro de outra família, membros da família da vítima de homicídio deveria matar o assassino. Todavia quando o ofensor era um membro do próprio clã geralmente o expulsavam do grupo (expulsão da paz), ou seja, teria que viver isolado enfrentando todas as adversidades do meio e isso invariavelmente o levava à morte, seja por não conseguir sobreviver sozinho, seja em razão dos ataques das antigas tribos rivais. 7 E quando a agressão partia de grupos desvinculados desses laços de sangue, iniciava-se uma verdadeira guerra entre grupos. 4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.101. 5 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de Direito Penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.245. 6 CORDEIRO, Carvalho Graciany. Privatização do sistema prisional brasileiro. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 2006. p. 11. 7 CAPELA, Fábio Bergamin. Pseudo-evolução do Direito Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2795>. Acesso em: 24 fev. 2008.

15 Como relata René Ariel Dotti, com relação à vingança privada, [...] a sua existência foi modelada por totens e tabus que lhe imprimiam contornos místicos enquanto os diversos castigos corporais até a morte traduziam as expressões cruentas da defesa e da vingança. 8 A briga entre agressor e ofendido não era defendida por ninguém. Não havia um poder centralizado para que pudesse dirimir os conflitos e aplicar a pena de acordo com o crime cometido. Foi da necessidade de segurança individual que surgiu a idéia de um poder central que pudesse limitar a vingança privada, sendo assim responsável pela punição àqueles que cometessem delitos. 9 E. Magalhães Noronha diz que: a pena, em sua origem, nada mais foi que vindita, pois é mais que compreensível que naquela criatura, dominada pelos instintos, o revide à agressão sofrida devia ser fatal, não havendo preocupações com a proporção, nem mesmo com a justiça. A vingança privada não desapareceria ainda que com o surgimento da lei de talião e da composição, mas pelo menos haveria uma proporcionalidade entre a pena e o delito cometido. 10 A lei de talião consistia em aplicar no delinqüente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção. Até hoje é lembrada a frase que traduzia verdadeiramente o que era esta lei: olho por olho, dente por dente. Posteriormente, surge a composição, através da qual o ofensor comprava sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, etc. Adotada, também, pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), foi largamente aceita pelo Direito Germânico, sendo a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais. 11 8 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p.31. 9 CORDEIRO, 2006,.p.12. 10 NORONHA, Edgard Magalhães Noronha. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 220. 11 DUARTE, Maércio Falcão. Evolução histórica do Direito Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 34, ago. 1999. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=932>. Acesso em: 24 fev 2008.

16 1.1.2 Vingança divina Na Antiguidade, a pena não mais possuía o caráter individual de antes. O cometimento de um delito ofendia, além do indivíduo, aos deuses. E, enquanto a punição a esses indivíduos infratores não fosse realizada, a ira dos deuses não seria aplacada. O direito de punir tinha um cunho religioso e tinha seu fundamento na justiça divina. A punição representava a própria vontade dos deuses. 12 Aplicavamse penas cruéis, severas, desumanas. O fim da vingança privada deu-se com a instalação da República romana, em 509 a.c., quando houve a separação da religião e do Estado, passando a pena a ser aplicada pelo ente estatal e não mais pelo particular. Como os romanos influenciaram muitos outros povos, a vingança privada viria a ter então seu fim. 1.1.3 Vingança pública Surge então a vingança pública, esta representada pelo monarca (reis, príncipes, regentes). "Nesta fase o objetivo é a segurança do príncipe ou soberano, através da pena, também severa e cruel, visando à intimidação. 13 Na Roma antiga, a prisão era um lugar onde se colocava o infrator até o momento de seu julgamento e execução, não sendo considerada como um castigo. Era uma maneira de mantê-lo preso até que saísse a sua sentença. Já na Grécia era costume encarcerar os devedores até que saldassem suas dívidas, a custódia servindo para obstar-lhes a fuga e garantir a presença nos tribunais. 14 No início da Idade Média, período das trevas, aquele que desobedecesse as leis do soberano, que detinha poder absoluto e irrefutável, era condenado a permanecer na prisão até que fosse julgado. Geralmente, as penas a serem aplicadas eram as de morte ou prisão perpétua. 12 CORDEIRO, 2006,p.13. 13 NORONHA, 1991, p.21. 14 LEAL, César Barros. Prisão Crepúsculo de uma era. 2.ed. Rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.33.

17 Antigamente, o cárcere era utilizado como meio de guardar os prisioneiros e escravos para que estes não fugissem antes da sua punição e julgamento. As punições aplicadas eram as piores possíveis, como pena de morte, suplício, degredo, açoite, amputação de membros... Não se preocupava com a saúde do preso, nem com a limpeza desses recintos. 15 Havia também a prisão do Estado, que condenava aqueles que eram inimigos dos monarcas às penas de morte, prisão perpétua, aos açoites. Neste período, Igreja e Estado estavam tão ligados que qualquer ato contra o Direito Canônico era também contra o Estado. Foi Hobbes que, entre os séculos XV e XVIII conferiu à pena uma nítida função retributiva e preventiva, dispondo que o castigo deveria ter por finalidade a correção do ofensor, além de servir de exemplo para outros. 16 Foi desenvolvido então uma reação alternativa do poder público ao crime: a supressão da liberdade por determinado período de tempo. Nas palavras de Luís Francisco Carvalho Filho : a prisão torna-se então a essência do sistema punitivo. A finalidade do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o infrator. O cárcere infecto, capaz de fazer adoecer seus hospedes e matá-los antes da hora, simples acessório de um processo punitivo baseado no tormento físico, é substituído pela idéia de um estabelecimento público, severo, regulamentado, higiênico, intransponível, capaz de prevenir o delito e ressocializar quem o comete. É uma mudança histórica gigantesca ainda que muitas vezes essas últimas características só estejam asseguradas no papel. Por isso, geralmente, o desenvolvimento da prisão é associado ao humanismo. 17 A prisão tinha uma finalidade meramente custodial. A punição tinha o duplo condão de proteger não só a segurança e a autoridade do soberano, como também de intimidar os demais ao cometimento de crimes. 18 As penas de suplícios permaneceram até o início do século XIX, penas estas de extrema crueldade, onde os acusados eram torturados, tinham membros do corpo decepados, eram açoitados, queimados, humilhados frente ao público, constituindo uma verdadeira carnificina. No Brasil, as penas eram também bastante severas, principalmente no que se dizia respeito aos crimes de lesa-majestade. 15 CARVALHO FILHO, Luis Francisco. A prisão. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 21. 16 HOBBES, 2004, p.132 apud CORDEIRO, 2006. p. 16. 17 CARVALHO FILHO, 2002. p. 21. 18 CORDEIRO, 2006, p.14.

18 Dando lugar a penas tão severas surge então a prisão, representada pelo trabalho forçado, deportação e guilhotina (enforcamento), métodos estes que acabavam com a vida do criminoso rapidamente, não sendo consideradas como suplício. Eis que surge uma nova era na história das punições. Graciany Carvalho Cordeiro 19 nota que desde a abolição da vingança privada, o direito de punir passou a ser exercido essencialmente pelo Estado, por meio de seus órgãos competentes, e não mais pelo particular. O Estado punia o condenado com a prisão, que era uma forma de castigo, em razão do crime cometido, com o objetivo de ressocializar o preso. O direito de punir é do Estado, mas nas palavras sábias de Beccaria, [...]os dolorosos gemidos do fraco, que é sacrificado à ignorância cruel e aos ricos covardes; os tormentos terríveis que a barbárie inflige em crimes não provados, ou em delitos quiméricos; a aparência repugnante dos xadrezes e das masmorras, cujo horror é acrescido pelo suplicio mais insuportável para os desgraçados, a incerteza; tantos métodos odiosos, difundidos por toda parte, teriam por força que despertar a atenção dos filósofos, espécie de magistrados que orientam as opiniões humanas. 20 1.2 Humanização das penas A lei penal vigente era bastante rigorosa e os juristas levavam em consideração para aplicação da pena até mesmo a sua condição social. Penas de crueldade e corporais eram freqüentes, como já dito anteriormente. O sistema penal não se preocupava com a integridade e os direitos do preso. Em meio a tanta injustiça foi que filósofos, moralistas e juristas começaram a expor suas idéias, censurando a legislação penal vigente e defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade. 21 Foram as correntes iluministas e humanistas, representadas por Rousseau, Montesquieu e Voltaire que criticaram os excessos da legislação penal, contemplando que o preso deveria ser punido na medida do seu crime; e que para 19 CORDEIRO, 2006, p.19. 20 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Rideel, 2003. p. 15. 21 BITENCOURT, 2004, p. 32.

19 sua condenação deveria ser levado em conta as circunstâncias pessoais do preso, o grau de malícia, sendo assim a menos cruel para o delinqüente. 22 A reforma do sistema punitivo foi influenciada por Beccaria, Howard e Bentham. 1.2.1 Cesare Beccaria Cesare Beccaria, em seu livro Dos delitos e das penas, constrói um sistema criminal que substituirá o desumano, impreciso, confuso e abusivo sistema criminal anterior. 23 Sua idéia central era: é melhor prevenir o crime do que castigá-lo. Beccaria propunha a ressocialização do preso, não aceitando que a prisão fosse vista como uma forma de vingança. Este ainda é o objetivo da pena de prisão, embora não seja isso o que aconteça na realidade. Cesare foi o precursor da idealização da pena justa, quando dizia que esta deveria ser aplicada proporcionalmente ao delito cometido. Dizia ainda que a principal função da pena era a prevenção especial e a prevenção geral, preconizando assim a abolição de penas de torturas, suplícios, pena de morte. 24 Ele preocupava-se também com a demora na imposição da pena ao processado. Mais uma vez o presente comete os mesmos erros do passado, já que a execução penal é bastante demorada, mais um sofrimento para o acusado. Conclui-se, portanto, que Beccaria lutou para que a prisão ressocializasse o preso da forma mais humana possível. Ele não concebia uma prisão onde a fome e a sujeira eram visíveis, onde a idéia da força e da prepotência da justiça prevaleciam. Ele conseguiu diminuir as penas de morte e corporais, ainda que vários problemas daquela época prevaleçam até hoje. 22 GUZMAN, Luis Garrido. Manual, p. 86 apud BITENCOURT, 2004, p. 32. 23 BITENCOURT, 2004, p.33 24 MIOTO, Armida Bergamini. Temas penitenciários. São Paulo: RT, 1992. p.28.

20 1.2.2 John Howard John Howard conheceu a prisão de perto, pois foi encarcerado no Castelo de Brest e depois na prisão de Morlaix. Com a nomeação de xerife de Bedford, sua paixão pelo tema penitenciário se aflorou e suas idéias foram fundadas com o intuito de resolver os problemas carcerários daquela época. Vendo a situação lamentável das prisões inglesas, Howard propõe ressocialização ao preso através do trabalho. O trabalho reabilitaria o preso, oferecendo, para tanto, condições mínimas de higiene, vestimenta e alimentação. Era a favor também do isolamento, para que o preso pudesse arrepender-se do crime cometido e evitar contato com os demais reclusos. 25 A idéia apresentada por Howard prevalece presente até os dias de hoje, onde se procura regenerar o preso através do trabalho, o que, na maioria das vezes não acontece. Falta trabalho, falta boa vontade dos governantes, falta estrutura adequada. Enfim, as prisões de hoje não são tão diferentes que as prisões de antigamente. Howard propôs também que houvesse isolamento noturno entre os presos, a fim de evitar promiscuidades, propondo também que as mulheres ficassem separadas dos homens e os criminosos jovens dos delinqüentes velhos. Mais uma de suas proposições foi de que na prisão deveria haver magistrados para fiscalização dos presos, ao invés de carcereiros, uma vez que para trabalhar em uma prisão era preciso ter sentido humanitário e honra. Bitencourt ressalta que Howard soube compreender a importância que tinha o controle jurisdicional sobre os poderes outorgados aos carcereiros. 26 Com Howard nasce o penitenciarismo Sua obra marca a luta interminável para alcançar a humanização das prisões e a reforma do delinqüente. 27 25 CORDEIRO, 2006,. p. 24. 26 BITENCOURT, 2004, p.43 27 Ibidem, p.44

21 1.2.3 Jeremy Bentham Fundador do utilitarismo, que era resumidamente a procura da felicidade para a maioria ou simplesmente da felicidade maior. Um ato possui utilidade se visa produzir benefício, vantagem, prazer, bem-estar e se serve para prevenir a dor. 28 Sobre a égide de que o homem sempre procura o prazer e foge da dor, Bentham construiu sua teoria da pena. Ele antecipou traços das atuais propostas de privatização do sistema punitivo (Minhoto), sugerindo a adoção de um castigo moderado, com disciplina severa, alimentação grosseira e vestimenta humilhante, tudo com o objetivo de recuperar o criminoso. A pena serviria para que o condenado se emendasse e não repetisse o delito, tanto pelo temor do castigo tanto pela mudança em seu caráter e seus hábitos. Como cada crime tem o seu motivo, a análise desse motivo serviria para que cada preso fosse tratado de acordo com o crime cometido. 29 Bentham foi o idealizador do panótico 30, estrutura arquitetônica de prisão que foi influente na área penal. Os presos eram vistos pelo vigia, mas estes não podiam vê-lo. Era a preocupação com o controle e a segurança. Segundo Foucault, eis como era conhecido o panóptico: Na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. (...) Cada um, em seu lugar, está bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entre em contanto com seus companheiros. É visto, mas não vê. (...) Daí o efeito mais importante do panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder, (...) que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores. 31 O modelo prisional panóptico não foi difundido como esperado, circunstância essa que não diminuiu a importância das idéias de Bentham, que são utilizadas até 28 Ibidem, p.45 29 BITENCOURT, 2004, p.50. 30 Pan=tudo; ótico=ver. Ver tudo. 31 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir.história da violência nas prisões. Tradução de Raquel Ramalhetes, 34.ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2007. p.165-166.