1 Mais uma vez uma parábola da espera do retorno, mais uma vez uma parábola sobre o tempo; há um passado no qual o Senhor deu dons (os talentos), um presente no qual é preciso mobilizar os dons, um futuro no qual se prestará contas. Sim, prestar contas. Esta parábola, digamos com clareza e sem meios termos, não é uma parábola de misericórdia, é uma parábola de julgamento. É inútil tentar remover o julgamento da nossa vida de homens e também da nossa vida de crentes; é certo que não se trata de um julgamento que pesa sobre nossas cabeças proveniente de um Deus irado e juiz implacável, é um julgamento que, no fundo, somos nós mesmos a pronunciar sobre nós no momento em que olhamos no espelho do evangelho de Cristo e na realidade dos seus dons. Este julgamento resultará em alegria ( Entra na alegria do teu senhor! - um convite ao banquete eterno do Reino) ou resultará em pranto e desespero ( Ali haverá choro e ranger de dentes, quer dizer, remorso desesperado). Uma coisa importante que precisamos saber, se quisermos continuar meditando sobre esta parábola de forma sensata, é o que são verdadeiramente os talentos. Em primeiro lugar, digamos logo, sem entrar em detalhes, que um talento era uma quantidade enorme de bens, na antiguidade. Em segundo lugar, precisamos limpar a crosta da interpretação comum de talentos, aquela segundo a qual um talento é um dote pessoal, um valor, uma arte... Tão difusa esta interpretação que, em muitas línguas ter talento significa ser capaz, excelente em alguma coisa. Não. A parábola de Mateus não quer dizer absolutamente isso; o talento não é uma capacidade do homem; os talentos, diz Mateus, são bens do patrão (entregou-lhes os seus bens); o talento é o evangelho acolhido na
2 medida em que cada um é capaz, é a palavra de Cristo dada a nós, é a sua presença nas nossas vidas, é a nossa relação de amor com ele. A quantidade diversa dos talentos não deve ser compreendida no sentido da mera quantidade, mas no sentido da diversidade. Na parábola das Dez virgens, que ouvimos domingo passado, o tema central da vigilância era claríssimo. De fato, a parábola de domingo passado terminava com um apelo bem preciso: Vigiai, portanto, porque não sabeis nem o dia nem a hora. Já no tocante à parábola seguinte, a dos talentos, que ouvimos hoje, o tema da vigilância não resulta claro ou pelo menos não é tão evidente. Na verdade, porém basta ler a primeira palavra da parábola de hoje para percebermos o nexo: Pois será como um homem que, viajando para o estrangeiro. Este pois é importantíssimo, justamente porque conecta a parábola dos talentos ao tema da vigilância, central na parábola das Dez virgens. E se o vigiar na parábola das Dez virgens era estar prontos, equipados para uma espera demorada, hoje, com a parábola dos talentos, a vigilância é definida como algo que deve inspirar, modelar, dar forma aos nossos gestos cotidianos, às coisas concretas que fazemos. A vigilância na parábola dos talentos é ser consciente de ter recebido dons, aliás um grande dom que é o Evangelho com toda a sua carga revolucionária de amor ao extremo, e de fazer da vida, do pouco que temos um lugar no qual o Evangelho produza frutos. Não é questão só de evangelização, é sobretudo questão daquilo que torna credível a evangelização, ou seja, outra versão de vida, diferente, grávida do Evangelho. Os primeiros dois servos da parábola de hoje geraram o Evangelho do Evangelho; geraram talentos dos talentos. Fizeram
3 do tempo de espera um tempo de amor fecundo. Pode-se dizer poeticamente que Esperar é o infinitivo presente do verbo amar. O terceiro servo da parábola dos talentos faz uma coisa horrível: restitui o dom, assim como o havia recebido! Por medo! Está gelidamente petrificado, engessado por uma relação com o patrão baseada em uma leitura equivocada do seu rosto; de fato, diz-lhe És um homem severo, que colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. O patrão, concorda, no fundo aceita que o servo o defina exigente (E era um motivo a mais para tornar frutuoso o único talento que recebeu), mas não aceita que o defina como duro ( sklerós, em grego); de fato, quando repete aquilo que o servo lhe tinha dito, omite a palavra duro ; o problema deste servo estava justamente ali, ter considerado seu patrão duro, impenetrável; percebe-o tão duro ao ponto de não conseguir entranha-se nas razões profundas do seu ser um senhor exigente; percebe-o tão duro ao ponto de considera-lo cruel. Convencido desta dureza, o servo se enche de medo, se encontra nu e privado de tudo; alguém assim é exposto ao pranto porque haverá sempre remorsos por aquilo que podia ser e não foi por causa de seus medos, está exposto ao grande risco do desespero (é o ranger de dentes do qual fala Mateus). Alguém assim é inútil, e não e sentido positivo que o evangelista Lucas dará ao termo ( somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer. Lc 17,10), mas no sentido de incapaz de fazer germinar amor do amor, que é a única coisa útil para a história! Os primeiros dois servos confiaram naquilo que tinham recebido e, confiando no dom, tornaram-no fecundo; o patrão, por
4 duas vezes, tanto ao primeiro quanto ao segundo servo dá um apelido belíssimo: pistós, que significa fiel, que confiou, que teve fé. Trata-se sempre de fazer algo com o Evangelho de Cristo, o talento que recebemos. E a parábola do Juízo Final que leremos no próximo domingo - que é o seguimento deste capítulo de Mateus - vai elencar várias coisas que devemos fazer no tempo da espera do Senhor. Mas é um fazer que tem suas raízes no ser homens pistói, que confiam no Evangelho porque partem de uma verdadeira gnosis, quer dizer, de um verdadeiro conhecimento de Deus e de seu Cristo. Trata-se então de um fazer que nasce do conhecimento do verdadeiro rosto de Deus, não um Deus duro, mas certamente um Deus exigente porque nos leva a sério e leva a sério a história; exigente porque não veio confiarnos coisas indiferentes, das quais se possa fazer pouco caso, veio dar-nos a sua própria vida, até à cruz. É exigente porque o Evangelho nos foi entregue a um alto preço (Cf. 1Cor 6,20). É exigente porque partindo entregou o Evangelho nas mãos dos seus, confiando nelas. O tempo da Igreja, o tempo espera do seu retorno, é o tempo desta sua confiança e então não pode ser um tempo vazio no qual é enterrado o Evangelho, mas um tempo no qual, com coragem, deve-se confiar no próprio Evangelho. Quem escolhe confiar no Evangelho é alguém que escolhe arriscar pessoalmente. O problema, no fundo, é perguntar-se se confiamos verdadeiramente na força fecunda do Evangelho ou se damos mais crédito aos caminhos plenos de sabedoria mundana que consideram o Evangelho um caminho fraco, talvez belíssimo, mas fraco, irrealizável e pouco atento ao que é prático. Na realidade,
5 pela fé nós experimentamos que somente por este caminho fraco se entra na alegria do Senhor e isto porque este caminho fraco é o mesmo que Jesus percorreu, pagando as consequências, até à cruz. AMÉM.