Alessandro Octaviani. Professor de Direito Econômico da USP Professor da EESP/FGV Diretor do IBDS



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Transcrição:

Alessandro Octaviani Professor de Direito Econômico da USP Professor da EESP/FGV Diretor do IBDS

I. A Ordem Econômica brasileira: superação do subdesenvolvimento II. III. IV. Acesso e continuidade: interpretação/aplicação do direito e políticas públicas Acesso ao seguro: dois exemplos Continuidade do seguro: dois exemplos

Constituição Federal, arts. 3º., 170 e 219 Fins da Ordem Econômica brasileira: a superação do subdesenvolvimento

Constituição Federal, art. 3º.: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Constituição Federal, art. 170: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...).

Constituição Federal, art. 219: O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País (...). von Tuhr: (...) patrimônio é poder econômico. (...) São direitos patrimoniais os que garantem (...) os meios econômicos para sua [do titular do patrimônio] existência e atividade volitiva.

A Ordem Econômica brasileira tem fins determinados: superar o subdesenvolvimento brasileiro; Implicações para o ordenamento jurídico: superação constitucional de postulações retóricas meramente individualistas ou exclusivamente formalistas.

Conjunção com fenômenos internos à própria dogmática do direito privado: Civilistas incomodados (ex: Rippert); Finalidade e função como elementos organizadores do vínculo obrigacional e superação da teoria da vontade (ex: Clóvis do Couto e Silva e Fábio Konder Comparato).

Clóvis do Couto e Silva, A obrigação como processo, p. 54: A explicação de todos os atos jurídicos tendo por critério a vontade mesmo quando inexistente é sobrevivência da ciência do Direito do século XIX, e pertence à categoria das concepções já relegadas ao museu do pensamento.

A inundação das ilhas do direito privado pela política, consagrada em nível constitucional Funcionalização da forma jurídica

Para os dois objetivos, duas ferramentas: (i) interpretação/aplicação do direito (ii) estruturação de políticas públicas

Interpretação/aplicação do direito para o acesso ao seguro Ricardo Lorenzetti, Os fundamentos do direito privado: O direito privado como: (i) Proteção do indivíduo; (ii) Limite ao poder; (iii) Garantia de acesso a bens.

Tomar o direito dos contratos como subordinado à Ordem Econômica: a finalidade do acesso Direito de propriedade industrial: licenciamento compulsório Direito das telecomunicações: compartilhamento de infra-estrutura (essential facility) Direito da inovação tecnológica: fomento e subvenção econômica

Acesso à formação do contrato PL 3555/2004, art. 44, 6º.: A recusa de propostas de seguro deve ser fundada em fatores técnicos, vedadas políticas comerciais conducentes à discriminação social ou prejudiciais à livre iniciativa empresarial

Acesso à formação do contrato Sociedades empresárias brasileiras com dificuldades de contratação do seguro, por causa de avaliações do ressegurador ou de retrocessionários; Parecer de Gilberto Bercovici

Acesso à execução do contrato PL 3555/2004, Capítulo XIII, sobre regulação e liquidação de sinistros: Art. 85. O relatório de regulação e liquidação do sinistro, assim como todos os elementos que tenham sido utilizados para sua elaboração, são documentos comuns às partes.

Estruturação de políticas públicas para o acesso ao seguro: (i) Seguro habitação no programa Minha Casa, Minha Vida; (ii) Criação da Empresa Brasileira de Seguros; (iii) Papel da sociedade de economia mista IRB

Estruturação de políticas públicas para o acesso ao seguro: Art. 18. Fica a União autorizada a participar, até o limite de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), de Fundo Garantidor da Habitação Popular FGHab, que terá por finalidades: I garantir o pagamento aos agentes financeiros de prestação mensal de financiamento habitacional, no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, devida por mutuário final, em caso de desemprego e redução temporária da capacidade de pagamento, para famílias com renda de até dez salários mínimos; e II assumir o saldo devedor do financiamento imobiliário,em caso de morte e invalidez permanente, e as despesas de recuperação relativas a danos físicos ao imóvel para mutuários com renda familiar de até dez salários mínimos.

Interpretação/aplicação do direito para a continuidade do seguro Doutrinas que apreendem o sentido de continuidade ínsito ao contrato de seguro: fundo transindividual sob a gestão da seguradora, da máxima boa fé à boa fé objetiva, contratos relacionais

Interpretação/aplicação do direito para a continuidade do seguro Jurisprudência preocupada com a subordinação da forma jurídica à concretização da Ordem Econômica Acórdão no Agravo de Instrumento 463.292-4/4-00, TJSP

(...) ação pela qual pretendem as agravadas seja a agravante (...) Seguros S/A obrigada a prorrogar o prazo de vigência do contrato de seguro de riscos de engenharia que celebraram até a conclusão da obra nele indicada, objeto do contrato de empreitada que firmaram com Itaipu Binacional (...). Em conseqüência, restou desprotegido o interesse público, já que as agravadas e, indiretamente, a Itaipu Binacional estão sem cobertura securitária.

(...) o acolhimento do pedido era mesmo de rigor (...): c) a seguradora (...) recusa-se a prorrogar o contrato, embora ainda não terminada a obra, não se podendo negar a existência na espécie de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação caso as autoras permaneçam sem a cobertura securitária necessária para garantir a continuação da execução da obra (...).

Agravo de instrumento 505.812.4/2-00: Partes que celebraram contrato de seguro tendo por objetoaconstruçãodeumausina hidrelétrica (...) as seguradas solicitaram prorrogação do prazo de cobertura básica Alegação da seguradora de que a prorrogação do prazo das coberturas não abarcaria os riscos decorrentes das obras civis de reconstrução e/ou recuperação dos túneis de desvio e de barragem, por se tratarem de obras novas (não contempladas no cronograma inicial), as quais só poderiam ser garantidas através da contratação de nova cobertura (...).

(...) a ré vem tratando da questão da prorrogação da cobertura contratual em disputa como se da celebração de novo contrato de seguro se tratasse, impondo às autoras o repasse de exigências que lhe vem sendo feitas pela resseguradora pela mesma contratada, o que transborda dos limites fixados na cláusula contratual supra-referida. (...) resta acolhida para ofimdedeterminar a prorrogação do contrato de seguro objeto do litígio, impondo-se à ré a expedição de apólice (...).

Estruturação de políticas públicas para a continuidade do seguro: Papel da sociedade de economia mista IRB Novo Clausulado de Riscos de Engenharia SEREG 2428/2007 (função de desvincular-se do cronograma real da obra)

Obrigado! Alessandro Octaviani alessandro@octaviani.adv.br