Grupo Parlamentar PROJECTO DE LEI N.º 389/XI/1.ª UTILIZAÇÃO DE FORMATOS ELECTRÓNICOS LIVRES NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Exposição de motivos O acesso à informação, em termos históricos, dependia fundamentalmente do acesso ao suporte físico (principalmente em papel) em que essa informação se encontrava. Com esse suporte, para além da necessidade de se estar na presença do documento, existiam enormes preocupações com a manutenção, quer devido ao espaço ocupado pela informação, quer devido à deterioração do próprio suporte físico. Também a transmissão dessa informação era complicada devido à volatilidade do suporte, riscos de destruição e inevitável demora. A incorporação das possibilidades decorrentes dos avanços tecnológicos disponibilizou novas formas de transmissão e partilha da informação. O processo de desmaterialização da informação (a utilização de informação em formato electrónico juntamente com a possibilidade de envio e partilha da mesma) tem sido uma constante na administração pública, quer ao nível interno, quer no contacto com os cidadãos. Mas, se no passado, em que a informação estava baseada principalmente em suporte papel o acesso a essa informação era realizado pelo acesso ao seu suporte físico, a desmaterialização criou a necessidade de se utilizarem programas de computador que interpretem e disponibilizem a informação de uma forma humanamente inteligível. Neste contexto o acesso directo ao meio físico tornou-se virtualmente inútil.
A utilização das tecnologias de informação, como foi descrita em cima, já provou ser um avanço enorme na transmissão, armazenamento e partilha da informação, permitindo uma eficiência que era impensável com a manutenção do suporte tradicional em papel. A forma mais eficaz de promover a continuidade desta transição com a melhor utilização dos recursos disponíveis, é recorrer a formatos e protocolos que permitam a maior liberdade possível no acesso e manutenção da informação. Os formatos electrónicos que trazem mais vantagens para o processo de desmaterialização são os formatos electrónicos abertos, isto é, formatos cujas especificações são livres e acessíveis por todos. A utilização deste tipo de formatos na administração pública proporciona um grande nível de independência relativamente ao fornecedor, pois qualquer fornecedor tem acesso ao conhecimento da especificação do formato. São vários os casos em que a utilização de formatos proprietários coloca entraves à mudança de fornecedor de software, por este ser também o detentor da especificação do formato em que a informação se encontra, podendo mesmo ser ilegal que qualquer outro fornecedor aceda à informação. Para além das óbvias limitações à concorrência este problema, pode, inclusive, criar situações em que a manutenção de software obsoleto é necessária, por haver um único programa que acede a determinado formato proprietário. A componente de relacionamento com os cidadãos, por parte da administração pública, reforça as necessidades na utilização de formatos electrónicos abertos, na medida em que, se assim não for, apenas aqueles que puderem pagar à empresa detentora das especificações do formato em causa é que terão acesso à informação. Os formatos electrónicos abertos permitem a abertura do leque de fornecedores, dado que deixa de existir qualquer vantagem de contexto de determinado fornecedor, pelo facto de ser o detentor das especificações do formato em que a informação se encontre. A concorrência passa a centrar-se na qualidade e preço dos produtos e não no acesso privilegiado a especificações. A utilização deste tipo de formatos electrónicos permite também, uma maior longevidade dos documentos. A utilização de formatos proprietários levou a que, em algumas situações, a própria mudança da versão do software impedisse a continuidade da utilização da informação causando problemas às entidades detentoras da mesma. A possibilidade de acesso à especificação dos formatos electrónicos abertos permite que mesmo que determinado
software seja descontinuado, se possa adoptar um novo programa que permita o acesso aos dados. Tal só é possível porque a especificação é pública. Uma outra vantagem da adopção de formatos electrónicos abertos é a transversalidade da utilização da informação, dado que o acesso pode ser efectuado por diversos programas, para os mais diversos fins, permitindo utilizar as competências específicas de determinado fornecedor. A título de exemplo, a utilização de formatos electrónicos abertos para documentos de texto, facilita a utilização dessa informação por software especializado nas necessidades de pessoas com necessidades especiais, como a população invisual. A utilização de formatos electrónicos abertos está disseminada pela nossa sociedade, nomeadamente nas áreas em que a variedade de plataformas é maior. Um dos exemplos maiores de um formato electrónico aberto é o HTML que tem servido como base à disseminação da Internet e permite ser utilizado por um grande número de programas distintos, alguns de software livre e outros não. Outros exemplos são os formatos ODF (Open Documento Format) e PDF (Portable Document Format) que são utilizáveis sem qualquer problema de compatibilidade entre diferentes plataformas tais como Apple, Microsoft, UNIX ou Linux. Este tipo de situação é positiva e deve ser generalizada encarando-se como questão de princípio. Situação análoga se passa nos protocolos de comunicação: quando o protocolo é aberto existe um grande incentivo à concorrência surgindo inevitavelmente diferentes aplicações que o implementam. Esta é uma das principais razões pelas quais a Internet, constituída e interligada por milhares de componentes de hardware e software das mais diferentes origens, pode existir e continuar a crescer. De facto, toda a Internet está assente em protocolos abertos tais como TCP/IP, HTTP, SMTP, IMAP entre muitos outros, que são implementados por diferentes fornecedores cujas soluções interoperam sem problemas. Situação contrastante é a que se encontra nos sistemas baseados em protocolos proprietários: uma vez adquiridos é muito difícil alterá-los pois dado que a especificação é desconhecida, não é habitual haver implementações concorrentes criando-se situação de vendor lock-in. Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º Objecto O presente diploma cria a obrigatoriedade de utilização de normas abertas nos seus sistemas internos dos serviços do Estado e no relacionamento com os cidadãos. Artigo 2.º Obrigatoriedade Todos os serviços do Estado estão obrigados a utilizar normas abertas nos seus sistemas internos e no relacionamento digital com os cidadãos, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º. Artigo 3.º Âmbito de aplicação O presente diploma aplica-se à Administração Pública local e central, ao poder executivo, legislativo e judicial, Empresas Públicas ou com maioria da capital público, Autarquias Locais e sector empresarial local. Artigo 4.º Norma Aberta Considera-se uma norma aberta qualquer formato ou protocolo digital baseado numa especificação completamente documentada e disponível publicamente sem pagamento de licenças de utilização, independentemente do fim a que a utilização se destine, desenvolvido e mantido por um processo público sob a alçada de um organismo de normalização independente de qualquer interesse comercial. Artigo 5.º Condições de excepção 1 - Em caso de impossibilidade da utilização de norma aberta, qualquer das entidades referidas no artigo 3.º, deve comunicar de forma discriminada à Presidência do Conselho
de Ministros, os motivos que determinaram esse impedimento, sendo só possível a utilização de outro formato, desde que estejam reunidas, por esta ordem de prioridade, as seguintes condições: a) O formato ou protocolo electrónico a utilizar deve cumprir todos os critérios enunciados no artigo 4.º da presente Lei, excepto na faculdade de ser mantido por um organismo de normalização independente de qualquer interesse comercial, condicionando a sua utilização à prévia constatação de que continua a não existir uma norma aberta para o efeito que reúna todas as condições definidas no citado artigo; b) Caso seja impossível a solução da alínea anterior, deve a entidade em causa escolher um formato ou protocolo proprietário para o qual exista já um projecto de desenvolvimento avançado de tipo aberto, condicionando a permissão da sua utilização até ao momento em que a especificação da norma aberta passe a estar disponível com as características necessárias; c) Caso seja impossível a solução da alínea anterior, deve ser escolhido um formato ou protocolo proprietário que seja baseado numa especificação completamente documentada, condicionando a sua utilização à prévia constatação de que continua a não existir no mercado uma norma aberta satisfatória; d) Caso seja impossível a solução da alínea anterior, deve ser escolhido qualquer tipo de fomato ou protocolo, condicionando a sua utilização à prévia constatação de que continua a não existir no mercado uma norma aberta satisfatória ou uma norma não aberta mas baseada numa especificação completamente documentada. 2 - As comunicações das entidades referidas no artigo 2º, deverão ser publicadas num portal a criar pelo Governo, devendo constar a modalidade e os motivos da excepção, assim como os riscos associados à utilização do formato escolhido. Artigo 6.º Período de transição As entidades referidas no artigo 3º devem assegurar o investimento necessário para a transição da utilização dos sistemas informáticos já existentes nas entidades e serviços públicos às mudanças tecnológicas implementadas pela utilização dos formatos
previstos na presente lei, devendo o processo de transição estar concluído, três anos depois da data da entrada em vigor da presente lei. Artigo 7.º Formação As entidades referidas no artigo 3º devem garantir o desenvolvimento de acções de formação, orientadas para a transição dos modelos informáticos existentes e os modelos previstos na presente lei, aos trabalhadores dos referidos serviços. Artigo 8.º Regulamentação Compete ao Governo regulamentar a presente lei no prazo de 180 dias após a sua publicação. Artigo 9.º Entrada em vigor O presente diploma entra em vigor com a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação. Assembleia da República, 15 de Julho de 2010 As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,