Bem Aventurados os que choram, porque serão consolados. Mt 5;4 SER É O BASTANTE Batizados de Sensibilidade Carlos Queiroz Os seres humanos são dotados de sensibilidade; vertem lágrimas, choram suas próprias mazelas, sentem a dor do outro e se indignam com a crueldade e a injustiça das tiranos. Neste caso, chorar é uma virtude, um estado de alma e uma condição do discípulo de Jesus Cristo. Jesus Chorou: Jesus sensibilizou-se várias vezes, compadeceu-se das multidões que percebia como ovelhas que não têm pastor Mt 9;36. Lamentou diante da indiferença, rejeição e incredulidade de seu povo, e expressou o desejo de acolhê-lo. Jerusalém, Jerusalém! (...) quantas vezes quis eu reunir os seus filhos debaixo das asas, e vós não quisestes! Mt 23;37. Jesus chorou diante dos amigos de Lázaro ao constatar no coração do público, a ausência da fé, a manifestação da desesperança e a não compreensão da vida. Lázaro estava vivo, mesmo que seu corpo já estivesse em estado de putrefação. O autor diz que Jesus ressuscitou Lázaro para que pudéssemos entender o mistério transcendente da vida e também perceber que a vida não acaba no túmulo. De acordo com a opinião do autor, Jesus estava chorando o fato de que os vivos em corpo, enquanto choravam seu 1
luto, não tinham sensibilidade para perceber que a vida estava desdenhando da morte. João 11; 1 a 46. (No entanto, em João 11; 33 está escrito que Jesus comoveu-se ao ver Maria chorar a morte de seu irmão). No Sermão do Monte, chorar é mais do que uma função biológica ou uma reação emocional ou ainda um sentimento provocado por estímulos externos. A sensibilidade do discípulo é um valor interno, é uma virtude daqueles que se percebem felizes por serem portadores da compaixão de Deus. Sendo um estado de alma, uma virtude permanente, pode-se viver a felicidade a despeito das lágrimas ou da lamentação. O choro que gera felicidade é a com-paixão pela vida. Sem essa com-paixão - gemido que intercede, clamor que busca em Deus o socorro pelos fragilizados o choro é mera descarga emocional. Os discípulos choram e são felizes porque o choro vem como sinal de humanidade interior redimida. Reconhecem suas limitações, confessam e arrependem-se de seus pecados. E na terapia da confissão encontram a alegria de serem amados e acolhidos pelo perdão de Deus. Pedro, ao negar Jesus, chorou amargamente Lc 22;62. Suas lágrimas foram um sinal de que dentro dele existia um ser humano capaz de lamentar sua fragilidade e chorar sua desventura. Os que choram desfrutam de uma virtude interior, um modo de ser, que lhes propicia felicidade. Desventura e Esperança Quem ama sente pelo outro profunda compaixão. 2
O apóstolo Paulo, mostra essa compaixão ao referir-se ao seu cuidado pelas igrejas da Galácia quando escreve em Gálatas 4;19... meus filhos, por quem, de novo sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós. João, o apóstolo de Jesus nos confessa:... e eu chorava muito... (Ap: 5;4). Chorava por sua limitação em não encontrar ninguém que fosse capaz de desvendar as revelações do Livro. Um choro que indica, segundo o autor, despojamento total de alguém que se percebe pobre de tudo, por encontrar-se diante de um conhecimento excepcional que procura decodificar em sua visão apocalíptica. Um choro que revela uma virtude espiritual, além disso, João também é capaz de sensibilizar-se e perceber a presença de Deus na história. Por outro lado, toda poesia construída por João aponta para um coração repleto de alegria, atitude de louvor e adoração a Deus (Ap 5; 1-14). Há subentendida no texto a consciência de um homem realizado com a vida, a despeito da prisão e isolamento forçado. Ao mesmo tempo em que denuncia o desencanto consigo mesmo, João denuncia o desencanto consigo mesmo e anuncia a esperança no Cordeiro que desvenda a visão surpreendente (Ap 5; 4-10). Contraste evidente na morte e ressurreição de Jesus Cristo. Sob o enfoque do Cordeiro que morreu e ressuscitou, João encontra a felicidade de suas lágrimas, cuja sensibilidade abraça o sentido da vida, mesmo que a margem da sepultura. O choro de João é semelhante ao quebrantamento dos compungidos pelo amor vindo de Deus. Contrição que é, por si mesma, a alegria do discípulo por se perceber perdoado e amado por Deus. 3
Lágrimas fertilizadas pelo Espírito O discípulo é feliz pelo acolhimento do perdão e esperança da consolação proveniente de Deus. Os homens e mulheres que foram afligidos ao andarem com o Messias, estavam usufruindo a prometida consolação de Israel. (Lc 2: 25). Chora quem alimenta o faminto, agasalha o despido, hospeda o forasteiro e, assim fazendo está acolhendo o Filho de Deus (Mt 25;31-46). O choro que gera bem-aventurança é o pedido de oração capaz de fertilizar o terreno da alma para a habitação do Consolador. Ora, se vós sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais o Pai Celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem? (Lc 11;13). Os que choram são felizes porque têm, pelo Espírito a sensibilidade de se colocar no lugar do outro, especialmente dos fracos aflitos e necessitados. Quem ama sente pelo outro profunda compaixão. Os que choram alimentamse das mesmas condições e sensibilidade dos profetas, que movidos pelo Espírito, tinham a felicidade de fertilizar com suas lágrimas os terrenos dos corações onde semeavam a Palavra de Deus. Tinham amor pela vida, indignavam-se com a injustiça, lamentavam a dor e o sofrimento impostos aos seres humanos fragilizados (Ne 1; 1-3 e Lm 1ss). A despeito de todas as maldades dos desumanos e contradições históricas percebidas os que choram são felizes por serem portadores dessa sensibilidade incomum. Estes que choram como virtude insólita usufruem da habitação do Consolador e são indubitavelmente felizes. Mas é, de fato, o gemido do Espírito... descrito em (Rm8;26-28), que nos assiste em nossas fraquezas. 4
Assim quem tem o Espírito desfruta dessa virtude consoladora, sentimento transcendente capaz compungir ao amor, completar e ampliar toda a alegri,a realização, bem aventurança do discípulo de Jesus Cristo. Sensibilidade que se permite batizar com as lágrimas da consolação. 5