Tribunal de Contas ACÓRDÃO Nº 34 /2010-17 /DEZ. /2010 1ª SECÇÃO RECURSO ORDINÁRIO Nº 14/2010 PROCESSO Nº 187/2010 1ª SECÇÃO I.



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Transcrição:

ACÓRDÃO Nº 34 /2010-17 /DEZ. /2010 1ª SECÇÃO RECURSO ORDINÁRIO Nº 14/2010 PROCESSO Nº 187/2010 1ª SECÇÃO I. RELATÓRIO 1. O Município de Gondomar, inconformado com o teor do Acórdão nº 22/2010, de 08.06., 1ª secção/ss, deste Tribunal, e que recusou o visto ao contrato de empréstimo, celebrado em 06.11.2009, com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, até ao limite de 315.532,00, veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como segue: ( ) 1 - De acordo com o entendimento vertido no Acórdão ora em recurso, o empréstimo em causa, contratado ao abrigo do Decreto-Lei nº 135/2004, violou o disposto no nº 4 do artigo 38º e no nº 2 do artigo 4º da Lei das Finanças Locais. 2 Contudo, entende o aqui Recorrente, contrariamente ao explanado no supra mencionado Acórdão que, não obstante as despesas em causa tenham sido satisfeitas na execução orçamental de 2009, com recurso a receitas desse ano, tal não permite concluir pelo incumprimento de princípios orçamentais e de regras contidas nos artigos 38º, nº4 e 4º, nº2 da Lei das Finanças Locais. 3 Pois que, as condições subjacentes a tal pagamento, encontram justificação no atraso relativo à celebração do contrato de empréstimo em causa.

4 Deste modo, o referido pagamento por conta do orçamento de 2009, deve ser visto como um acto de gestão de tesouraria, dado o Município possuir na altura, fundos de tesouraria suficientes. 5 Ou seja, o Município de Gondomar, limitou-se a adiantar a sua disponibilidade de tesouraria, não pretendendo utilizar a receita proveniente do empréstimo para outras despesas. 6 Acto esse que, não só traduz a preocupação do aqui Recorrente em honrar os seus compromissos, mas também, uma boa gestão de dinheiros públicos, evitando gastos injustificados no pagamento de juros que seriam devidos, caso não se tivesse procedido ao pagamento pontual dos trabalhos realizados. 7 Por conseguinte, considera o Recorrente que não deve ser penalizado por uma mera questão formal, decorrente do atraso na formalização do contrato de empréstimo. A final, e peticionando, a recorrente requer seja dado provimento ao recurso e, em consequência, seja revogado o acórdão recorrido e concedido o visto ao contrato de empréstimo em apreço. 2. O Exmº Procurador-Geral Adjunto, em douto Parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, advogando, ainda, a confirmação do Acórdão recorrido. 3. Foram colhidos os Vistos legais. 2

II. FUNDAMENTAÇÃO Ao longo do Acórdão recorrido, objecto do presente recurso, considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no intróito daquele aresto e ainda a seguinte: 1. O contrato de empréstimo referido tem em vista financiar a parte não comparticipada do custo de realização de obras de reabilitação de 70 habitações, devidamente identificadas, do conjunto habitacional da Ponte Rio Tinto; 2. O referido contrato de empréstimo foi celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 135/2004, de 3 de Junho, e em execução de Acordo de Colaboração celebrado pelas partes contratantes em 4 de Dezembro de 2006; 3. O contrato foi celebrado pelo prazo de 25 anos a contar da data da primeira utilização do capital 1, podendo o crédito ser utilizado durante o prazo previsto para a realização dos trabalhos, ou seja pelo período de 12 meses a contar da data da sua celebração 2 ; 4. O valor dos levantamentos a que haja lugar, será calculado em função dos trabalhos realizados no período a que respeitam 3 ; 5. A celebração do contrato obteve as devidas autorizações das Câmara e Assembleia Municipais; 6. Na sequência de devolução do contrato para melhor instrução do processo ao abrigo do disposto no art.º 82.º da LOPTC 4, a Câmara Municipal de Gondomar juntou ao processo documento de que resulta estarem as obras a que se destinava o empréstimo integralmente realizadas e pagas; 1 Vide cláusula 1.ª do contrato. 2 Vide cláusula 4.ª do contrato. 3 Idem. 4 Lei de Organização e Processo do : Lei n.º 98/97, de 28 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º s 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, 35/2007, de 13 de Agosto, e 3-B/2010, de 28 de Abril. 3

7. De novo questionada a mesma Câmara municipal no sentido de confirmar ou contestar tal conclusão, veio a mesma referir que o processo de contratação do empréstimo com o IRHU se arrastou durante algum tempo, e a empreitada da obra estava em curso pelo que o Município realizou o pagamento da facturação da obra, dado possuir, na altura, de fundos de tesouraria suficientes. III. O DIREITO Como bem decorre do Acórdão recorrido, a decisão de recusa do visto ao contrato de empréstimo celebrado com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP, assenta, básica e essencialmente, no seguinte: A melhor interpretação da norma contida no art.º 38.º, n.º 4, da Lei nº 2/2007, de 15.01., obriga a concluir que os empréstimos de médio e longo prazo apenas podem ser contraídos para proceder ao pagamento de investimentos devidamente identificados no contrato e cuja realização esteja em curso ou venha a ocorrer em tempo futuro; «In casu», porque os investimentos a que o empréstimo se dirige se mostram integralmente executados e pagos desde 20.02.2009 e 30.12.2009, não existirá fundamento legal para a contracção do presente empréstimo, a médio e longo prazo; E daí a recusa do Visto. Por sua vez, a entidade recorrente impugna o decidido, sustentando, no essencial, que as despesas pagas no âmbito da execução orçamental do ano de 2009 não permitem concluir pelo incumprimento dos princípios e regras orçamentais contidas nos art.ºs 38.º, n.º 4 e 4.º, n.º 2, da lei das Finanças Locais, porquanto, de um lado, a razão de tal pagamento relaciona-se com o atraso relativo á celebração do contrato de empréstimo em causa e, do outro, a satisfação do devido enforma, tão- 4

-só, um acto de gestão de tesouraria, não pretendendo o Município de Gondomar utilizar a receita proveniente do empréstimo para outras despesas. Ademais, segundo a recorrente, o pagamento do devido sob o circunstancialismo descrito traduz uma boa gestão dos dinheiros públicos, pois, no mínimo, evitou a assunção de encargos resultantes de juros, porventura decorrentes de dívida não satisfeita pontualmente. Sumariada a matéria sob controvérsia, urge analisar as questões daí emergentes e que, com relevância para a análise em curso, são as seguintes: Gestão financeira Municipal e respectiva subordinação aos princípios e regras orçamentais inscritas na Lei de Enquadramento Orçamental 5 e Lei das Finanças Locais [Lei nº 2/2007, de 15.01]; Contracção e utilização de empréstimos para financiamento de despesas já realizadas e pagas; Da eventual violação de Norma Financeira. 1 Do Visto. Princípios e Regras Enquadradoras da Gestão Financeira Municipal. Breve Interpretação. O caso em apreço. 1.1. O art.º 35.º, da Lei n.º 2/2007, de 15.01. [aprova a Lei das Finanças Locais, diploma legal que define o regime financeiro dos Municípios e das Freguesias] estabelece que, sem prejuízo dos princípios da estabilidade orçamental, da 5 Lei n.º 91/2001, de 20.08, alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2002, de 28.08, Lei n.º 23/2003, de 02.07., Lei n.º 48/2004, de 24.08 e Lei n.º 48/2010, de 19.10. 5

solidariedade recíproca e da equidade intergeracional, o endividamento autárquico deve orientar-se por princípios de rigor e eficiência, prosseguindo os objectivos seguintes: Minimização dos custos directos e indirectos, numa perspectiva de longo prazo; Garantia de uma distribuição equilibrada de custos pelos vários orçamentos anuais; Prevenção de excessiva concentração temporal de amortização; Não exposição a riscos excessivos. Assim, de acordo com a norma transcrita, a contracção de empréstimos públicos que, afinal, substanciam o conceito de endividamento autárquico, para além de obrigar à ponderação prévia de medidas que previnam a excessiva oneração das gerações futuras e o desequilíbrio orçamental deverá, técnico-financeiramente, subordinar-se a critérios que permitam a distribuição de custos daí decorrentes por vários exercícios orçamentais e evitem que a correlativa amortização se concentre, temporalmente. 1.2. Ainda nos termos do art.º 38.º, n.º 4, da Lei n.º 2/2007, de 15.01. [Lei das Finanças Locais], a contracção de empréstimos a médio e longo prazo, para além de se subordinar aos princípios orientadores do endividamento autárquico constantes do citado art.º 35.º, daquele mesmo diploma legal, podem ser contraídos para aplicação em investimentos, a identificar no respectivo contrato, ou ainda para proceder ao saneamento ou ao reequilíbrio financeiro dos Municípios. 6

Assim, e na peugada da citada norma art.º 38.º, n.º 4, da Lei n.º 2/2007, de 15.01.-, é seguro afirmar que, segundo esta, os empréstimos de médio e longo prazo [o empréstimo em apreço, atento o prazo do contrato de abertura de crédito até 25 anos e porque, obviamente, não se destina a acorrer a dificuldades de tesouraria, é de longo prazo] destinam-se ao pagamento dos investimentos discriminados no contrato e cuja realização esteja em curso ou a ocorrer no futuro. Ou seja, e como este Tribunal já decidiu noutro lugar 6, o produto dos empréstimos não pode ser aplicado em despesas que não aquelas que resultem dos concretos investimentos a que se destinam, pois, de contrário, violar-se-ia a tipicidade das finalidades dos empréstimos contraídos pelos Municípios, princípio plasmado na citada norma, constante do art.º 38.º, n.º 4, da Lei n.º 2/2007, e ainda do art.º 4.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. 1.3. Por ultimo, e ainda em sede de disciplina normativa da questão sob análise, importa destacar as regras da anualidade e do equilíbrio, constantes dos art.ºs 4.º, n.º 1, e 9.º, da lei de Enquadramento Orçamental 7 e que são aplicáveis aos Municípios, ainda por força do art.º 4.º, n.º 1, da Lei das Finanças Locais, e, bem assim, a excepção à regra da não consignação consagrada no art.º 4.º, n.º 2, deste ultimo diploma legal [Lei nº 2/2007]. As regras enunciadas determinam, básica e essencialmente, o seguinte: Em cada ano económico [coincidente com o ano civil] existe um Orçamento cuja vigência se circunscreve a tal temporalidade [anualidade]; A execução do Orçamento deverá assegurar que todas as despesas aí previstas sejam efectivamente cobertas pelas receitas nele inscritas [regra do equilíbrio orçamental, também consagrada no art.º 105º, n.º 4 da CRP]; 6 Vd. Acórdão n.º 2/2009, de 13.01., 1.ªS/PL 7 Lei n.º 91/2001, de 20.08, alterada pela Lei Orgânica n.º 2/2002, de 28.08, Lei n.º 23/2003, de 02.07., Lei n.º 48/2004, de 24.08 e Lei n.º 48/2010, de 19.10. 7

As receitas advindas dos empréstimos a médio e longo prazo para aplicação em investimentos devem apenas servir para garantir a cobertura das despesas geradas por tais investimentos [excepção à regra da não consignação prevista no art.º 4.º, n.º 2, da Lei das Finanças Locais]. Adjuvantemente, importa sublinhar que as regras e princípios enunciados se mostram ainda vertidos nos pontos 2.3.2. e 3.1., do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais [abreviadamente, POCAL], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22.02., diploma que contem a reforma da administração financeira e das contas públicas no sector da administração autárquica. Eis a normação que, com relevo para a análise em causa, disciplina a gestão financeira municipal e, embora sumariamente, algumas conclusões decorrentes de breve exercício interpretativo incidente sobre aquela. 2. Contracção e Utilização de Empréstimos para Financiamento De Despesas Realizadas e Pagas. O caso em apreço. Resta provado [vd. II., deste acórdão] que o empréstimo em causa se destinava ao financiamento de investimentos já integralmente executados, e que foram pagos, desde 20.02.2009 e 30.12.2009. Ou seja, e como a recorrente reconhece ao longo das suas alegações, as despesas em apreço foram satisfeitas no decurso da execução orçamental relativa ao ano 2009 e, ainda segundo afirmação da recorrente, com recurso a receitas arrecadadas nesse mesmo ano. 8

Perante tal factualidade, importará indagar se a mesma dá observância às normas contidas nos art.ºs 38.º, n.º 4 e 4.º, n.º 2, da Lei nº 2/2007, de 15.01. [Lei das Finanças Locais]. Ou, dito de outro modo, se o contrato de mútuo celebrado e ora submetido a Fiscalização Prévia, se harmoniza com o regime legal [aliás, imperativo] aplicável e acima [vd. III.1.] enunciado. 2.1. Conforme jurisprudência reiterada deste Tribunal e a melhor interpretação permite concluir, no concernente a empréstimos de médio e longo prazo [como no caso em apreço], o citado art.º 38.º, n.º 4, da Lei de Finanças Locais, impõe o seguinte: Os empréstimos em causa só podem ser contraídos para aplicação em investimentos devidamente identificados nos respectivos contratos; ou seja, revela-se obrigatória a existência de uma interligação entre o empréstimo a contrair e o investimento a realizar, facto que, por outro lado, pressupõe, inevitavelmente, a necessidade, por parte da entidade pública, de recorrer a financiamento; A referida norma art.º 38.º, n.º 4, da Lei de Finanças Locais obriga ainda a que os empréstimos visem um fim bem determinado; neste contexto, a competente entidade pública deve assegurar a destinação do empréstimo aos fins previstos, o que pressupõe, obviamente, a sua não concretização integral e respectivo pagamento; Enfim, os empréstimos reportados na citada norma art.º 38.º, n.º 4, da Lei de Finanças Locais pressupõem, por um lado, a afectação de tal financiamento a uma necessidade pública não satisfeita, e, por outro, a comprovada necessidade de recorrer ao referido crédito. Ainda no reforço da disciplina normativa contida no citado art.º 38.º, n.º 4, da Lei de Finanças Locais, acorrem os princípios da anualidade e do equilíbrio inscritos nos 9

art.ºs 4.º e 9.º, da Lei de Enquadramento Orçamental, com a significação e consequências já aludidas em III.1., deste acórdão, e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido. 2.1.1. Conforme se assinalou, as despesas relacionadas com os investimentos em apreço foram satisfeitas no decurso da execução orçamental relativa ao ano de 2009, e com apelo a receitas referentes a este mesmo ano. E tal pagamento, segundo a recorrente, processou-se através da sua disponibilidade de tesouraria. Acresce que o contrato de empréstimo sob análise foi remetido a Fiscalização Prévia deste Tribunal em 11.02.2010. Logo, no confronto da materialidade descrita com o acervo normativo acima enunciado e respeitante ao regime de crédito dos Municípios, impõe-se concluir que o empréstimo em causa, para além de não financiar o orçamento do ano [2009] em que a despesa foi paga, também não poderia ser dirigido ao pagamento das despesas a que se mostrava adstrito, porquanto estas já se encontravam realizadas e pagas. E isto, independentemente da sua destinação ou não ao financiamento de outros projectos. Assim, e como bem se afirma no acórdão recorrido, o Município de Gondomar não teve necessidade de recorrer ao financiamento para acorrer aos encargos que o presente contrato visaria financiar. E tal asserção também não é contrariada pelo citado art.º 4.º, n.º 2, da Lei de Finanças Locais, pois aí se preceitua que o princípio da não consignação 8 não se aplica às receitas provenientes dos empréstimos a médio e longo prazo para aplicação em investimentos. Ou seja, e dito de outro modo, as receitas advindas 8 Sublinhado nosso. 10

destes empréstimos deverão ser adstritas aos investimentos que fundaram a respectiva contracção. Tal como sustenta a recorrente em alegações juntas, a morosa tramitação da obtenção do empréstimo não permitiu que o mesmo financiasse o orçamento do ano em que os encargos sobrevindos ao investimento foram objecto de pagamento. No entanto, e enfatizando, ainda que ao contrato de mútuo em apreço fosse concedido o visto em sede de fiscalização prévia, tal empréstimo só seria reflectido no ano económico de 2010. E, deste modo, afigura-se-nos óbvio que o referido empréstimo também não poderia ser utilizado na satisfação das despesas a que se encontrava adstrito, pois, repete-se, as mesmas já se encontravam realizadas e pagas. É, assim, seguro concluir que o montante decorrente do empréstimo em causa só poderia acorrer ao pagamento de despesas distintas, o que, como é sabido, sempre violaria o proclamado princípio da tipicidade dos fins dos empréstimos contraídos pelos Municípios, melhor vertido nos art.ºs 38.º, n.º4, e 4.º, n.º2, da Lei n.º 2/2007, de 15.01 [Lei das Finanças Locais]. 2.2. É sabido que o apoio e financiamento da construção de habitações a custos controlados obedece a um regime específico, plasmado no Decreto-Lei n.º 135/2004, de 03 de Junho. Trata-se de um diploma legal que cria o PROHABITA Programa de Financiamento para Acesso à Habitação -, visando a resolução de situações de grave carência habitacional de agregados familiares residentes no território nacional, e a concretizar mediante acordos de colaboração a celebrar entre os Municípios e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana. 11

Mas, questiona-se: Deste diploma legal Decreto-Lei n.º 135/2004, de 03.06. -, decorre uma disciplina diversa da que rege e enquadra a contracção de empréstimos municipais direccionados a investimentos? A resposta só pode ser negativa. Na verdade, muito embora o Decreto-Lei n.º 135/2004 contenha regras que, de modo específico, se dirijam aos empréstimos aí previstos [vd. as menções necessárias a introduzir nos acordos de colaboração e as respectivas condições de execução (art.ºs 5.º e 6.º), a alusão a entidades financiadoras (art.º 9.º), a elencagem das entidades beneficiárias e dos fins dos investimentos (art.ºs 10.º e 12.º), modalidades e modo de contratação dos financiamentos (art.ºs 15.º a 22.º) e, por fim, a indicação das consequências do incumprimento das obrigações contratuais e a referência à cobertura orçamental dos encargos (art.ºs 33.º e 34.º) ], não se vislumbra aí alguma norma que, expressa ou veladamente, afaste a subordinação dos empréstimos municipais para investimentos ao regime geral previsto na Lei n.º 2/2007, de 15.01. [aprova a Lei das Finanças Locais]. Mais: Não decorre do referido Decreto-Lei n.º 135/2004, de 03.06., alguma regra que admita a precedência da realização da obra em relação à contratualização dos instrumentos de financiamento. Na ilustração do afirmado, bastará atentar no teor das normas contidas nos art.ºs 19.º e 20.º, daquele diploma legal, onde, com clareza, se estabelece que a utilização do crédito decorre ao longo do prazo para a concretização dos investimentos, que o levantamento dos fundos deve adequar-se à medida dos 12

trabalhos realizados e, por fim, que o período de utilização do crédito e respectivo reembolso poderão ser alargados caso seja ampliado o prazo de execução dos projectos em curso. À guisa de conclusão, diremos que os princípios orçamentais e as regras contidas nos art.ºs 38.º, n.º 4 e 4.º, n.º 2, da Lei das Finanças Locais, são aplicáveis aos empréstimos contraídos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 135/2004, de 03.06. 3. Por tudo o que resta exposto, é indubitável que o contrato de empréstimo celebrado entre o Município de Gondomar e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., viola as normas contida nos art.ºs 38.º, n.º 4 e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 2/2007, de 15.01., as quais assumem, inequívocamente, natureza financeira. Ao abrigo do art.º 44.º, n.º3. al. b), da Lei n.º 98/97, de 26.08, a violação de norma financeira funda a recusa de Visto. Assim sendo, inexiste razão para alterar o sentido da decisão contida no acórdão recorrido. IV. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, e em Plenário, acordam os Juízes da 1ª secção do, em negar provimento ao recurso, mantendo-se, consequentemente, a recusa do Visto ao contrato acima identificado. São devidos emolumentos legais. 13

Registe e notifique. Lisboa, 17 de Dezembro de 2010 Os Juízes Conselheiros, (Alberto Fernandes Brás Relator) (José Luís Pinto Almeida) (António Augusto dos Santos Carvalho) Fui presente, (Procurador-Geral Adjunto) (Jorge Leal) 14