Material RedeFor. I. Iniciando a Conversa. I.II. Conteúdos

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Transcrição:

I. Iniciando a Conversa Você lembra que, no primeiro tópico da disciplina, lançamos a seguinte questão: Por que cada ser vivo está onde vive e como isso é determinado?? Estaremos construindo a resposta à medida que o nosso estudo for avançando, mas os principais elementos certamente serão abordados no presente tópico. Nesta aula, vamos estudar os fatores ecológicos e o seu papel como possíveis limitadores da abundância dos organismos. Estão relacionados à tolerância dos organismos aos fatores ecológicos os conceitos de ótimo fisiológico, ótimo ecológico e nicho ecológico. Iremos refletir sobre a dinâmica das populações ecológicas como importante parte do processo de evolução biológica. I.II. Conteúdos Objetivos: - Identificar os fatores ecológicos e classificá-los em recursos e condições - Compreender o conceito de fator limitante - Compreender a lei de tolerância, identificando seus princípios básicos - Compreender o conceito de nicho ecológico - Reconhecer a dinâmica das populações ecológicas como parte da evolução biológica - Entender diferentes tipos de pressão seletiva 31

Tema 4 Fatores limitantes e populações 1. Fatores ecológicos Fatores ecológicos são quaisquer fatores que possam interferir no desempenho biológico dos organismos, ou seja, na sua sobrevivência, crescimento corporal, atividade e principalmente na sua reprodução. Devemos sempre ter em mente que um bom desempenho biológico resulta, normalmente, em proles mais numerosas e, portanto, numa transmissão mais eficiente dos genes para a geração seguinte. Os fatores ecológicos podem ser recursos ou condições. Os recursos são consumidos de alguma forma: quando usados por um indivíduo deixam de estar disponíveis para os demais (alimento, luz, água, nutrientes, gases, espaço físico etc.). Condições não são consumidas, mas caracterizam o ambiente em que os organismos vivem, isto é, o seu habitat (temperatura, vento, salinidade, pressão, radiações diversas). Fatores ecológicos, recursos e condições 2. Fatores limitantes Dependendo de como os recursos e as condições se apresentem num certo espaço e tempo, os processos fisiológicos dos organismos podem não ocorrer em seu pleno potencial. Dizemos então que tais processos se encontram limitados por inadequação ou indisponibilidade de um ou mais fatores ecológicos fatores limitantes. Os fatores ecológicos não são limitantes per si; eles podem ou não apresentar-se como limitadores dependendo de sua concentração ou intensidade. O conceito de fatores limitantes foi-se aprimorando ao longo do tempo. A primeira definição veio em 1843, com a Lei do Mínimo de Liebig, originalmente proposta a partir de estudos sobre nutrição vegetal: Sob condições de estado constante, o nutriente presente em menor quantidade (concentração próxima à mínima necessária) tende a ter efeito limitante sobre a planta. Fatores limitantes Posteriormente, a noção foi generalizada: Para cada espécie, existem amplitudes de tolerância (com limites máximos e mínimos) aos fatores ecológicos, dentro das quais sua existência é possível Lei da Tolerância (Shelford, 1913). Essa lei pode ser facilmente entendida ao observarmos a abundância de certa espécie ao longo de um gradiente ambiental referente a determinado fator ecológico. 32

Lei da tolerância A faixa de variação de um fator ecológico na qual uma espécie pode existir chama-se faixa de tolerância ao fator. O fato de os organismos de certa espécie poderem existir dentro de sua faixa de tolerância não quer dizer, todavia, que tenham o mesmo desempenho biológico. Nos extremos da faixa, próximo aos limites máximo e mínimo, o desempenho naturalmente não é ótimo; aí os organismos se encontram sob certo estresse. Na porção mais mediana da faixa de tolerância, aí sim, os organismos se apresentam com a plenitude de seu desempenho potencial no ambiente em que estão, ou então próximo dela. Essa é a chamada faixa ótima. De acordo com a amplitude da faixa de tolerância aos diversos fatores, os organismos ou as espécies podem ser caracterizados como euriécios ou estenoécios, respectivamente, com faixas de tolerância mais amplas ou mais estreitas. Os termos podem ser mais específicos, envolvendo um fator em particular: uma espécie do estuário, adaptada a grandes variações de salinidade, é eurialina; uma que ocorre tanto em regiões muito frias quanto em muito quentes, é euritérmica; uma que só vive em ambientes com determinada disponibilidade de água, não tolerando grandes variações em torno disso, é estenoídrica. Há alguns princípios associados à lei da tolerância: Uma mesma espécie pode ter ampla tolerância a um fator e estreita tolerância a outro. Espécies euriécias, frequentemente, apresentam ampla distribuição geográfica. Condições não-ótimas de um fator podem causar alterações na amplitude de tolerância a outros fatores. 33

Uma evidência de que os fatores ecológicos podem interagir, um fator afetando os limites de tolerância de uma espécie a outro fator, é o caso do efeito do cádmio sobre a tolerância das larvas do caranguejo Uca pugilator, uma espécie de estuários (onde a salinidade e a temperatura da água são particularmente variáveis). Tolerância de Uca pugilator Tomando a sobrevivência percentual como indicativo de desempenho, vemos que as larvas de Uca pugilator restringem sua faixa de tolerância à salinidade quando se adiciona 1 ppm (parte por milhão) de cádmio ao meio, mas, por outro lado, ampliam a faixa de tolerância à temperatura. A interação dos fatores faz com que a resposta das espécies à sua variação em condições naturais (resposta ecológica) possa ser bem diferente daquela que observaríamos em condições de laboratório tratando cada espécie isoladamente (resposta fisiológica). As faixas de tolerância e ótimos fisiológicos potenciais de uma espécie podem, portanto, ser alterados em decorrência da presença de outras espécies no ambiente natural. Da tolerância de cada espécie aos diferentes fatores ecológicos atuantes num ambiente vem o conceito de nicho ecológico. Ótimos fisiológicos e ecológicos 34

3. Nicho ecológico É comum, especialmente no ensino médio, definir-se o nicho ecológico como o papel desempenhado pela espécie no ecossistema. Esta é, todavia, uma definição tendenciosa, pois faz parecer que nicho é apenas o que a espécie faz no ambiente, quando na verdade o nicho é mais o que o ambiente faz com a espécie. Uma definição melhor é: Nicho ecológico é o conjunto de relações que cada espécie mantém com o ambiente, ou seja, a integração de seus diversos limites de tolerância. Um modelo teórico para representar o nicho ecológico de uma espécie, proposto por Hutchinson em 1957, é um hipervolume n-dimensional, do qual cada uma das n dimensões é um dos fatores ecológicos atuantes. Por exemplo, se uma espécie hipotética fosse afetada por apenas 3 fatores ecológicos, então poderíamos representar a disponibilidade ou intensidade desses fatores nas escalas de 3 eixos perpendiculares entre si, situando aí as 3 faixas de tolerância da espécie. Projetando as coordenadas referentes aos máximos e mínimos nos 3 eixos, obteríamos um volume em forma de paralelepípedo, que então representaria o nicho da espécie. O tamanho do paralelepípedo seria então um indicativo do que poderíamos chamar amplitude de nicho da espécie. O nicho pode ser definido em termos das faixas de tolerância fisiológicas (potenciais) ou ecológicas (ambiente natural): falamos então em nicho ecológico fundamental (integração das tolerâncias fisiológicas) ou então em nicho real, realizado ou efetivo (tolerâncias ecológicas). Quando os nichos fundamentais de duas espécies se superpõem, especialmente do ponto de vista das dimensões correspondentes a recursos, surge a possibilidade de haver competição entre elas no ambiente natural onde venham a coexistir. Como resultado da pressão competitiva mútua nas faixas de superposição, vem o estreitamento do nicho fundamental de uma ou ambas as espécies, constituindo o seu nicho real. Com a redução na superposição no caso dos nichos reais também diminui o potencial para haver competição e assim otimiza-se o desempenho biológico de cada uma das espécies envolvidas. 4. Biomas terrestres e o conceito de nicho ecológico Se considerarmos conjuntos inteiros de espécies coexistindo num mesmo ambiente caracterizado por certa amplitude de variação em seus fatores ecológicos macroclimáticos, geomorfológicos e pedológicos (solo), veremos que seus nichos se encontram mais ou menos superpostos nessas dimensões, caracterizando associações. Nicho ecológico 35

Chamamos associação a um conjunto de espécies que tendem a re-ocorrer juntas em ambientes similares. Assim, cada bioma terrestre é caracterizado por uma associação de espécies cujos nichos sejam compatíveis com as condições e recursos vigentes. Devemos entender, portanto, que cada bioma só existe dentro de determinados limites quanto aos fatores ecológicos a que nos referimos acima: a tundra, por exemplo, de acordo com Whittaker, ocorre em regiões onde a pluviosidade fica abaixo de 1000mm por ano e a temperatura fica entre 0 e -10ºC. Só podem integrar a comunidade da tundra espécies cujas faixas de tolerância se situam dentro desses limites. 5. Populações e evolução O principal objetivo da ecologia é descrever e explicar a distribuição e a abundância dos organismos. Em última análise, trata-se de entender por que certos organismos se apresentam com tais abundâncias num dado local em determinado tempo. No entanto, o nicho ecológico e o desempenho de cada espécie no ecossistema em que vive resultam de toda uma história evolutiva, ao longo da qual se sucederam e ainda se sucedem as mais diversas pressões seletivas do ambiente. Não é possível entender plenamente a interação de guepardos e gazelas (predação) e seu alto nível de especialização sem levar em conta a co-evolução dessas duas espécies. Não é nosso objetivo dar aula de evolução isto será feito em outro módulo do curso. Nesta aula, porém, trataremos de alguns conceitos de evolução, necessários para o acompanhamento dos assuntos que serão tratados mais adiante em ecologia. Apesar de haver diversos processos evolutivos distintos, o nosso foco se concentrará na evolução por seleção natural ou evolução darwiniana e como, a partir daí, se estabelecem os nichos ecológicos das espécies. 5.1. Alguns conceitos importantes Evolução: mudanças no pool gênico (ou patrimônio genético) de uma população ao longo do tempo, ou seja, mudança nas frequências relativas dos diversos alelos no conjunto dos indivíduos da população ao longo do tempo. Sob essa definição, as entidades passíveis de evolução são as populações e não os indivíduos. Nestes últimos, pode até haver mudança nos fenótipos ao longo da vida, Biomas e o conceito de nicho 36

mas os genótipos são os mesmos desde o nascimento até a morte. A evolução só ocorre nos casos de características herdáveis. Frequências de alelos: proporção em que se mostram os alelos presentes em determinado locus gênico no conjunto dos indivíduos da população (por exemplo, p(a) e p(a)). Frequências de genótipos: proporção em que se apresentam os genótipos para determinado gene ou locus gênico no conjunto dos indivíduos da população (por exemplo, p(aa), p(aa) e p(aa)). Já sabemos que os genótipos, com maior ou menor interferência do meio ambiente, estabelecem as características dos indivíduos. As diferentes características dos indivíduos para um certo caráter são os fenótipos. 6. Principais mecanismos de evolução Entre os processos evolutivos destacam-se a deriva genética e a seleção natural. Nos dois casos, são importantes duas fontes de variabilidade: a recombinação gênica e as mutações. A recombinação, que ocorre durante a meiose como resultado da fecundação, provê novos arranjos entre os alelos; as mutações originam novos alelos. A deriva genética é a mudança ao acaso na frequência dos alelos. Há duas formas mais bem estabelecidas de isso ocorrer. Em primeiro lugar, temos o efeito-gargalo : uma redução populacional drástica não seletiva deixa poucos indivíduos cuja sobrevivência é puramente fruto do acaso. Sendo esse um grupo pequeno, nem todos os fenótipos estão aí representados na proporção original. Mesmo com a expansão da população remanescente, as frequências dos alelos podem não voltar a ser como no início. Algo análogo ocorre no caso do efeito-fundador. Aí não se trata de uma redução incidental do tamanho de uma população original, e sim da colonização de um novo habitat por um grupo pequeno de indivíduos da população original. Determinados alelos podem não estar presentes nesse pequeno grupo fundador; assim, o patrimônio genético inicial da nova população é mais restrito que o da população de origem. O acaso estabelece a composição do pequeno grupo fundador. No caso da seleção natural, o ambiente age sobre os indivíduos através de pressões seletivas, desfavorecendo a sobrevivência e reprodução de indivíduos com determinados fenótipos, ou seja, diminuindo seu desempenho biológico. A reprodução dos indivíduos não selecio- 37

nados faz com que seus fenótipos se tornem cada vez mais majoritários na população, que então evolui. Num ambiente sem pressões seletivas, onde os indivíduos de uma população possam intercruzar-se ao acaso, onde não haja imigração ou emigração diferenciais de indivíduos de certo fenótipo em particular e, finalmente, onde não ocorram mutações que produzam novos alelos, a tendência é a estabilização das frequências dos alelos, com oscilações aleatórias em torno de valores médios constantes. Esse estado de equilíbrio é chamado equilíbrio de Hardy- Weinberg. A seleção sexual, explicada por uma teoria também de Darwin (não a da seleção natural), é um mecanismo para estabelecimento de encontros não aleatórios dos parceiros sexuais, favorecendo a evolução. Seleção sexual: a cor da plumagem dos machos de certos pássaros A seleção sexual difere da seleção natural, pois ela se direciona para um maior número de descendentes por parte de certos machos ou fêmeas, enquanto a seleção natural se refere à otimização da sobrevivência e desempenho biológico. De certo modo, a seleção sexual se opõe à seleção natural, pois se, por um lado, machos ou fêmeas mais atrativos tendem a formar proles mais numerosas, por outro lado sua condição chama mais a atenção dos predadores, diminuindo sua longevidade média (compromete-se a sobrevivência). Já vimos que as pressões seletivas agem sobre os fenótipos. Vejamos agora com mais detalhe como isso ocorre nas populações. 7. Modos de ação das pressões seletivas Para entender a ação das pressões seletivas vamos primeiramente considerar a distribuição de frequências dos diferentes fenótipos da população, sejam eles discretos como as cores de muitos frutos e flores (pimentões e flores de maravilha ou Mirabilis jalapa, por exemplo) ou contínuos como o tamanho corporal de muitas espécies. Num dado ambiente atual, o fenótipo ou classe fenotípica que confere o melhor desempenho biológico tende a ser De um grupo experimental de pavões, forma retirados 20 olhos da cauda: na estação reprodutiva seguinte, esses machos tiveram em média 3 cópulas a menos que os do controle. O percentual de crias de machos com caudas maiores sobreviventes após dois anos é proporcionalmente maior. 38

favorecido ao longo das gerações. Tomemos, como exemplo, o tamanho do corpo de uma espécie hipotética e imaginemos que a distribuição de frequências das diversas classes fenotípicas se mostre com um padrão gaussiano simétrico, isto é, com maior número de indivíduos concentrado nos fenótipos intermediários. Sobre essa configuração básica vamos aplicar quatro formas de pressão seletiva e avaliar o seu efeito, quando houver: a) Seleção direcional: é aquela que, comparativamente, favorece os fenótipos mais próximos de uma das extremidades da distribuição como, por exemplo, os indivíduos menores, que então passam a ter o melhor desempenho biológico. Com isso, ao longo das gerações, em nosso exemplo o tamanho corporal médio dos indivíduos tenderá a se reduzir. São exemplos de seleção direcional o aumento da velocidade em guepardos, já que os indivíduos mais lentos são bastante desfavorecidos na obtenção de alimento; o conhecido caso da mudança do fenótipo majoritário quanto à coloração do corpo da mariposa Biston betularia (melanismo industrial); e o aumento da resistência média dos indivíduos a antibióticos quando estes são quase continuamente presentes no ambiente. b) Seleção estabilizadora: é a que desfavorece os dois extremos da distribuição, no caso os indivíduos bem pequenos e os muito grandes. Com isso, mantém-se estável a forma simétrica da distribuição, já que ficam comparativamente favorecidos os Ação das pressões seletivas 39

fenótipos intermediários, tal como na configuração básica. c) Seleção disruptiva: desfavorece os indivíduos com fenótipos intermediários, comparativamente, favorecendo os fenótipos extremos, que em nosso exemplo são os tamanhos corporais bem pequenos e os muito grandes. O resultado é a tendência à formação de dois perfis fenotípicos distintos dentro da população, que poderão chegar a definir variedades da espécie. d) Seleção ausente: não há qualquer pressão que seja seletiva; se alguma pressão houver, ela afetará indistintamente indivíduos de todos os fenótipos, que então poderão ter tanto um bom quanto um mau desempenho biológico. 8. Aptidão darwiniana A aptidão darwiniana (ou fitness) corresponde, como já vimos, ao desempenho biológico, que se refere, em última instância, ao sucesso na transmissão dos alelos para a geração seguinte. Tal aptidão, então, é geralmente expressa em termos do número de descendentes produzidos por cada indivíduo. Em muitos casos, a definição é um pouco mais rigorosa, referindo-se ao número de descendentes viáveis, isto é, que chegam à idade reprodutiva, produzindo nova geração. No exemplo do tamanho corporal, a aptidão darwiniana em cada caso está expressa como número total médio de descendentes em cada classe fenotípica. Quando se alteram as características do ambiente, mudam também os fenótipos mais aptos. Estudos de algumas décadas de duração sobre os tentilhões das ilhas Galápagos, a oeste do Peru no Oceano Pacífico, demonstraram que um fator decisivo no estabelecimento da diversidade de espécies desses pássaros entre as ilhas do arquipélago foi a diferença nas características dos recursos alimentares de uma para outra. Em cada ilha, os fenótipos atualmente majoritários, relacionados com a forma e o tamanho do bico, são os mais aptos em relação à exploração do alimento disponível. Essa diversificação de fenótipos, e depois de espécies, como resposta evolutiva à diversificação de recursos em espaços distintos, corresponde ao que se chama irradiação adaptativa. 40

Tentilhões de Darwin Mais adiante em nossos estudos, voltaremos a tratar de aspectos evolutivos, especialmente quando abordarmos as interações e seus efeitos nas populações envolvidas. II. Finalizando - Fatores ecológicos dos tipos recursos e condições - Conceito de fator limitante - Lei de tolerância e seus princípios básicos - Conceito de nicho ecológico - Dinâmica das populações ecológicas como parte da evolução biológica - Diferentes tipos de de pressão seletiva Responda às questões. 41