EFEITOS DA USINAGEM SOBRE A RESISTÊNCIA MECÂNICA DO AÇO ASTM A36 C. A. M. C. M. Rodrigues 1, C. E. H. Ventura 1, T. T. Ishikawa 2, M. R. Monteiro 1, L. C. Campanelli 2, A. Í. S. Antonialli 1* 1 Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de São Carlos 2 Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos *Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de São Carlos, Rod. Washington Luís km 235, 13565-905, São Carlos SP. E-mail: antonialli@ufscar.br RESUMO O trabalho tem como objetivo a determinação da influência de diferentes parâmetros de usinagem sobre as propriedades mecânicas de um aço ASTM A36 usinado. No estudo, corpos de prova utilizados em ensaios de tração tiveram suas superfícies fresadas com diferentes condições de corte e, em seguida, as curvas de tensãodeformação dessas peças foram levantadas e os dados extraídos correlacionados às condições de usinagem. A partir dos resultados obtidos, verificou-se que o aumento da velocidade de corte e do avanço por dente causou aumento não significativo da tensão de escoamento. O aumento da velocidade de corte e a redução do avanço por dente contribuíram para a redução do alongamento e da tensão limite de resistência, mas novamente de forma não significativa. Palavras-chave: usinagem, fresamento, ensaio de tração, propriedades mecânicas. 6932
INTRODUÇÃO Uma combinação inadequada de parâmetros de corte, propriedades e geometria da ferramenta e da peça, pode levar a defeitos de usinagem ou desvios das condições de projeto devido à ocorrência de vibrações e cargas térmicas e mecânicas excessivas. No fresamento, a ação intermitente de cada dente também pode contribuir com vibrações e consequente aumento da rugosidade. Segundo Jurko (1), forças de corte elevadas podem causar grandes deformações na superfície da peça usinada, as quais têm origem no mecanismo de formação de cavaco, sendo que a região de deformação plástica se estende do cavaco para a peça acabada. No fresamento de topo, é crítico também se considerar defeitos geométricos e de acabamento do componente final relacionados ao efeito de deflexão da ferramenta de corte. Trent e Wright (2) demonstram como parâmetros de processo, como tipo de ferramenta, condições de corte e características do material podem contribuir para a origem de erros de forma ou condições ruins de rugosidade. Deve-se considerar ainda a indução de tensões residuais devido às elevadas cargas térmicas e mecânicas impostas à peça durante a remoção do material. De maneira geral, segundo Dattoma e De Giorgi (3), busca-se pela eliminação ou redução das tensões residuais de tração na superfície do componente acabado, porque tais condições reduzem sua vida, podendo promover a formação/propagação de trincas. Em contrapartida, tensões residuais compressivas são benéficas e tendem a aumentar a resistência do componente em questão. Usualmente, produzem-se superfícies com tensões residuais compressivas por meio de métodos mecânicos, como jateamento ou roleteamento, ou por métodos térmicos, como têmpera ou nitretação. Resultados semelhantes também podem ser alcançados a partir de processos de usinagem, como é o caso dos estudos conduzidos por Denkena et al. (4), nos quais se verifica influência considerável do processo de fresamento frontal no campo de tensões residuais de uma peça de alumínio. Observou-se que, conforme se aumentava a velocidade de corte e o avanço por dente, gerava-se um incremento das tensões residuais compressivas máximas logo abaixo da superfície final. Obiukwu et al. (5) atestaram que o comportamento de componentes de aços médio e baixo carbono sob carregamentos cíclicos é altamente afetado pelo acabamento superficial ao passo que as trincas de fadiga têm origem 6933
majoritariamente na superfície da peça em virtude de concentradores de tensão, defeitos de usinagem, rugosidade elevada, inclusões ou descontinuidades expostas. Investigações também foram conduzidas por Suzuki (6) a fim de investigar o impacto do acabamento superficial na resistência mecânica de componentes aeronáuticos sob carregamentos estáticos. Com a utilização de métodos de lapidação com diferentes abrasivos e polimento químico, observou-se uma notável, porém pequena, variação da tensão de escoamento. Tendo em vista a importância dada à influência do processo sobre as características da peça, o trabalho tem como objetivo a determinação dos efeitos da usinagem sobre os parâmetros de resistência mecânica (tensão de escoamento, limite de resistência à tração e alongamento) do aço ASTM A36. MATERIAIS E MÉTODOS Nos experimentos em questão, objetivou-se determinar a influência da velocidade de corte (vc) e avanço por dente (fz) sobre as propriedades mecânicas do componente acabado, como tensão de escoamento (σy), limite de resistência à tração (σut) e alongamento (ε). Para maior confiabilidade dos resultados, foram fresadas e tracionadas três peças para cada condição de usinagem. Os corpos de prova para os ensaios de tração foram produzidos todos de forma similar de acordo com a norma ASTM E8 (7) a partir de chapas do aço ASTM A36, com limite de escoamento 250 MPa, limite de resistência entre 400 e 550 MPa e alongamento entre 18 e 21% (8). O fresamento das duas faces de maior área de cada peça foi realizado em um centro de usinagem CNC Romi D600, equipado com uma fresa de 40 mm de diâmetro com cinco insertos de metal duro APKT1003 PDR-HM, classe ISO P20, com revestimento de TiAlN. A profundidade de corte foi mantida constante ap = 0,2 mm e o planejamento experimental contou com dois níveis de velocidade de corte vc = 100,53 e 201,06 m/min e dois níveis de avanço por dente fz = 0,2 e 0,4 mm/dente. A rugosidade média aritmética foi medida em cada face por um rugosímetro portátil Metromec TR200, com cut off de 2,5 mm, e o valor médio das duas faces para as três peças produzidas (seis medições) foi utilizado para análise. Os ensaios de tração foram executados em uma máquina de ensaios universal Instron 5500R, com capacidade de carga de 25.000 kg. Foram adotadas uma 6934
velocidade de travessa de 5 mm/min e uma taxa de aquisição de 2 Hz. Os resultados foram ajustados e processados por meio do software Bluehill Instron, com interface em um computador pessoal. O equipamento indica a carga imposta ao corpo de prova (em kgf) e o deslocamento da travessa (em mm), valores estes usados para o cálculo posterior dos valores de tensão e deformação, considerando uma seção transversal inicial de 120 mm 2 e um comprimento inicial de 100 mm. Os valores médios de cada parâmetro da curva tensão-deformação das três peças tracionadas foram utilizados para análise. Após os ensaios de tração, análise microestrutural foi realizada em um microscópio óptico Leitz Laborlux 12 ME na seção longitudinal de corpos de prova, após preparação das amostras por lixamento, polimento e ataque químico por imersão em reagente Nital. Para a avaliação da fratura, foi utilizado um microscópio portátil DNT DigiMicro Profi, com capacidade de ampliação de 300 vezes. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 traz os valores de rugosidade média obtidos após o processo de fresamento com diferentes condições de corte. Observa-se que o aumento da rugosidade é causado principalmente pelo crescimento do avanço por dente, o que se justifica pelo movimento combinado de rotação e avanço da ferramenta, que acaba gerando regiões de material não removido. Já o aumento da rugosidade com a redução da velocidade de corte se mostra menos expressivo e está associado à maior dificuldade de remoção do material nessa condição. Figura 1. Rugosidade média para diferentes condições de fresamento 6935
Apesar da grande variação entre os valores de rugosidade, percebe-se na Figura 2 que as propriedades mecânicas obtidas nos ensaios de tração não são influenciadas pelo acabamento superficial. Assim, entende-se que as irregularidades na superfície da peça não são as principais responsáveis pelo início da falha durante o carregamento, mas esta pode estar associada a características na subsuperfície. Figura 2. Efeito da rugosidade sobre as propriedades mecânicas do material A análise microestrutural realizada na seção longitudinal do corpo de prova é apresentada na Figura 3. Independentemente da condição da superfície, a microestrutura típica consiste de matriz ferrítica (fase clara) com colônias de perlita. Fato é que nenhuma alteração microestrutural foi identificada para as diferentes condições de superfície através de microscopia óptica, o que corrobora com os resultados obtidos nos ensaios de tração. 6936
Figura 3. Microestrutura típica do material em diferentes magnificações Comparando-se os valores médios e os respectivos desvios padrão das propriedades mecânicas após os ensaios de tração, poucas diferenças foram notadas entre as peças fresadas com diferentes condições. Dessa forma, a fim de se observar se há algum tipo de efeito dos parâmetros de usinagem sobre as propriedades, foi realizada uma análise estatística dos efeitos principais e cruzados, considerando um intervalo de confiança de 5%. As Figuras 4, 5 e 6 mostram, respectivamente, o efeito da velocidade de corte e do avanço por dente sobre a tensão de escoamento, o limite de resistência e o alongamento. Figura 4. Efeito das condições de usinagem sobre a tensão de escoamento 6937
Figura 5. Efeito das condições de usinagem sobre o limite de resistência Figura 6. Efeito das condições de usinagem sobre o alongamento Embora com variações pequenas, nota-se que a velocidade de corte e o avanço por dente tendem a influenciar as propriedades mecânicas obtidas. O crescimento da velocidade de corte causa aumento da tensão de escoamento e redução do limite de resistência e do alongamento, enquanto o maior valor do avanço por dente leva ao aumento das três propriedades. Considerando-se a tensão de escoamento e o limite de resistência, nota-se, porém, que o avanço por dente possui influência apenas quando a velocidade de corte assume seu menor valor. Tal efeito cruzado não ocorre para o alongamento. O aumento da tensão de escoamento com o aumento da velocidade de corte pode estar associado a certo encruamento do material devido ao incremento na taxa de deformação durante o fresamento. De modo geral, maiores velocidades de corte na usinagem levam ao aumento da carga térmica e podem causar tensões residuais de tração, as quais facilitam a 6938
formação e propagação de trincas, que se iniciam no regime plástico e podem ter sido responsáveis pela redução do limite de escoamento e do alongamento do material. Provavelmente, tal efeito deve ter sido reforçado por menores avanços por dente, já que maiores valores desse parâmetro, por outro lado, aumentam a carga mecânica no processo e podem gerar tensões residuais compressivas, que, por sua vez, dificultam a formação/propagação das trincas, podendo levar a um aumento das propriedades mecânicas, conforme foi observado. A Figura 7 mostra peças usinadas com diferentes condições após os ensaios de tração. É possível identificar fratura dúctil em todas as peças exibidas e nenhuma influência dos parâmetros de usinagem em suas características. A constatação de certo empescoçamento e uma superfície final áspera e com elevada variação de forma indica a presença de deformação plástica na região da fratura. Figura 7. Corpos de prova usinados com diferentes condições e submetidos a ensaios de tração CONCLUSÕES Com base nos resultados obtidos, pode-se concluir que, embora de forma pouco significativa, o aumento da velocidade de corte tende a prejudicar as propriedades do material quando este se encontra na região plástica (redução do limite de resistência e do alongamento), enquanto o avanço por dente tende a 6939
melhorar todas as propriedades avaliadas (aumento do limite de resistência, alongamento e tensão de escoamento). Hipóteses para esclarecer tais resultados podem ter como base a indução de tensões residuais após o processo de usinagem. As fraturas não demonstraram tendências em relação à variação dos parâmetros de corte. De modo geral, elas apresentam superfície final áspera e elevada variação de forma, comprovando a ocorrência de deformação plástica antes da ruptura. REFERÊNCIAS (1) JURKO, J. Plastic deformation on the machined surface of steel Cr20Ni10MoTi at drilling. Mater. Eng., v. 16, n. 4, p. 40-43, 2009. (2) TRENT, E. M.; WRIGHT, P. K. Metal Cutting. 4th ed. Boston: Butterworth- Heinemann, 2000. (3) DATTOMA, V.; DE GIORGI, M. On the evolution of welding residual stress after milling and cutting machining. Comp. Struct., v.84, p. 1965-1976, 2006. (4) DENKENA, B.; REICHSTEIN, M.; GARCIA L. L. Milling induced residual stresses in structural parts of forged aluminum alloys. In: International Conference on High Speed Machining, San Sebastián, 2007. Anais... San Sebástian, 2007. (5) OBIUKWU, O.; NWAFOR, M.; OKAFOR, B.; GREMA, L. The effect of surface finish on the low cycle fatigue of low and medium carbon steel. In: International Conference on Mechanical and Industrial Engineering, Harare, 2015. Anais... Harare, 2015, p. 1-5. (6) SUZUKI, S.; SATO, S.; SUZUKI, M.; KINOSHITA, H.; SATO, S.; JITSUKAWA, S.; TANIGAWA, H. Influence of surface roughness on tensile strength of reducedactivation ferritic/martensitic steels using small specimens. Small Spec. Test Techn., v. 6, n. 1, p. 1-10, 2015. (7) AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. ASTM E8/E8M: Standard test methods for tension testing of metallic materials. West Conshohoken, 2016. (8) AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. ASTM A36: Standard Specification for Carbon Structural Steel. West Conshohoken, 2014. 6940
EFFECT OF MACHINING ON MECHANICAL RESISTANCE OF ASTM A36 STEEL ABSTRACT The purpose of this work is to determine the influence of different cutting parameters on the mechanical properties of machined ASTM A36 steel. In this investigation, specimens used in tensile tests had their surfaces milled with different cutting conditions. The strain-stress curves of these parts were assessed and the data were correlated to the machining conditions. From the obtained results, it was verified that the increase of cutting speed and feed per tooth caused a non-significant increase of the yield strength. Increasing the cutting speed and reducing feed per tooth contributed to the reduction of the elongation and the tensile strength, but again not in a significant way. Keywords: machining, milling, tensile test, mechanical properties. 6941