Environmental impact assessment in the anaerobic treatment of domestic wastewater based on life cycle analysis: a Brazilian case study

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Transcrição:

Environmental impact assessment in the anaerobic treatment of domestic wastewater based on life cycle analysis: a Brazilian case study Karina Guedes Cubas do Amaral 1*, Miguel Mansur Aisse 1, Gustavo Rafael Collere Possetti 2,3 1 Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Brasil 2 Assessoria de Pesquisa e Desenvolvimento, Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) - Brasil 3 Instituto Superior de Administração e Economia do Mercosul (ISAE) - Brasil *Autor correspondente: Departamento de Hidráulica e Saneamento. Caixa Postal 19011 Jardim das Américas 81531-990 Curitiba Paraná, Brasil, e-mail: ka_cubas@hotmail.com.br ABSTRACT In Brazil, the UASB technology is the third most used in terms of number of Wastewater Treatment Plant (WWTP). In the State of Paraná 94.6% of WWTP using this anaerobic technology, which has the characteristic of generating both thickened and stabilized sludge as well as biogas, rich in methane. The aim of this study was to evaluate the environmental impacts of a Brazilian medium-sized WWTP, including the treatment process and disposal of the sludge and biogas,using as a tool the Life Cycle Assessment (LCA). The sludge generated is sanitized with lime and used in agriculture and the biogas is burned in open flares. The results showed that the treatment process and disposal of sludge and the biogas burning represent together the following percentage of environmental impacts: 44.0% in climate change category, 36.4% in ozone layer category, 55.1% in human toxicity category and 86.5% in terrestrial acidification category. Hence, the processing steps and disposal of the biological sludge and biogas induce relevant environmental impacts in the anaerobic WWTP evaluated. Consequently, the typical Brazilian management techniques of the sludge and biogas should be improved to minimize the environmental impacts inherent to WWTPs operation. KeyWords: Anaerobic reactors, impact assessment, sludge, biogas, wastewater treatment. AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS AMBIENTAIS NO TRATAMENTO ANAERÓBIO DE EFLUENTES DOMÉSTICOS BASEADO NA ANÁLISE DE CICLO DE VIDA: ESTUDO DE CASO NO BRASIL Resumo No Brasil, a tecnologia UASB é a terceira mais empregada em termos de número de estações de tratamento de esgotos (ETEs). No Estado do Paraná, em especial, 94.6% das ETEs utilizam essa tecnologia anaeróbio, a qual possui como característica a geração de lodo adensado e estabilizado, além de biogás, rico em metano. O objetivo deste estudo foi avaliar os impactos ambientais de uma ETE brasileira de médio porte, incluindo o tratamento e a disposição do lodo e do biogás, empregando como ferramenta a Análise de Ciclo de Vida (ACV). O lodo gerado na ETE é higienizado com cal e, na sequência, é enviado para a agricultura. O biogás, por sua vez, é captado e encaminhado para queimadores abertos. Os resultados demonstraram que os processos de tratamento e destinação do lodo e queima de biogás totalizam os seguintes percentuais de impactos ambientais: 44.0% na categoria de mudanças climáticas, 36.4% na categoria de depleção da camada de ozônio, 55.1% na categoria de toxicidade humana e 86.5% na categoria de acidificação terrestre. Logo, as etapas de tratamento e destinação do lodo e do biogás induzem relevantes impactos ambientais na ETE avaliada. Consequentemente, as técnicas de gerenciamento de lodo e de biogás tipicamente adotadas no Brasil devem ser aprimoradas, com o intuito de minimizar os impactos ambientais inerentes à operação das ETEs. Palavras chaves: avaliação de impactos, biogás, lodo, reatores anaeróbios, tratamento de efluentes.

Introdução A implantação de uma estação de tratamento de esgoto (ETE) tem um caráter ambientalmente favorável, em virtude de sua contribuição para a diminuição de impactos relacionados à depleção de oxigênio, eutrofização e lançamento de substâncias tóxicas nos corpos receptores e danos à saúde humana. No entanto, a sua construção e, principalmente, operação possuem potencial para geração de impactos ambientais, em virtude do consumo de energia, consumo de produtos químicos, emissões atmosféricas e produção de resíduos sólidos. No Brasil, a tecnologia de reatores anaeróbios (reatores tipo UASB) é a terceira mais empregada em termos de número de ETEs (NOYOLA et al., 2012). Essa tecnologia possui como característica a geração de lodo adensado e estabilizado, além de biogás, rico em metano. No Estado do Paraná, em especial, 94.6% das ETEs utilizam reatores anaeróbios (ROSS, 2015). As opções de disposições finais adotadas para o lodo biológico são o uso agrícola e o aterro sanitário/industrial. No período de 2011 a 2013, foram aplicados 107416 t de lodo de esgoto higienizadas por estabilização alcalina prolongada - EAP com teor médio de sólidos totais (ST) 53.7%, em 5529 ha de áreas agrícolas do estado (BITTENCOURT, 2014). A resolução que regulamenta e define critérios e procedimentos para o uso agrícola de lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário e seus produtos derivados é a CONAMA 375/2006. Entre os requisitos mínimos de qualidade do lodo são definidos limites máximos de concentração para agentes patogênicos, indicadores bacteriológicos e contaminantes inorgânicos. A EAP é um dos procesos de higienização do lodo para o atendimento aos parámetros estabelecidos na resolução. É utilizada para tratar lodos primários, secundários ou digeridos. O processo ocorre quando suficientemente quantidade de cal é adicionada ao lodo para aumentar o ph até 12, resultando em uma redução da população de microrganismos e da potencial ocorrência de odores. A cal virgem (CaO) e a cal hidratada (Ca(OH) 2 ) são os produtos mais utilizados. Estudos mostram que dosagens de CaO entre 30% a 50% da massa seca de lodo são capazes de alcançar as características necessárias para a produção de biossólidos. O lodo após misturado deve permanecer em local coberto por um período de 60-90 dias para que complete a higienização (ANDREOLI, VON SPERLING, FERNANDES, 2014). Os subprodutos gerados ao longo da operação da ETE precisam ser adequadamente gerenciados e avaliados. Uma das técnicas de gestão ambiental é a Análise de Ciclo de Vida (ACV). A ACV enfoca os aspectos e os impactos ambientais potenciais (uso de recursos e as consequências para o meio ambiente) ao longo de todo o ciclo de vida de um produto (ABNT, 2009). A dificuldade na análise do inventário de ciclo de vida (ICV) é que uma pequena quantidade de um determinado fluxo pode ter maior relevância em termos ambientais do que uma grande quantidade de outro fluxo. Além disso, a quantidade de fluxos elementares pode aumentar significativamente, o que dificulta a análise. Como decorrência, existe a necessidade de realizar a Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida (AICV). A AICV tem como objetivo prover informações adicionais para ajudar na avaliação dos resultados do ICV de um sistema de produto, visando ao melhor entendimento de sua significância ambiental (ABNT, 2009). O objetivo do presente estudo foi realizar a avaliação dos impactos ambientais de uma ETE de médio porte, incluindo o tratamento e a destinação do lodo e do biogás, localizada no sul do Brasil e dotada de reatores anaeróbios, utilizando como ferramenta a ACV. Metodologia A pesquisa foi realizada em uma ETE situada em Curitiba/PR (Brasil). A ETE possui capacidade para tratar 440 L/s de esgoto doméstico, atendendo uma população de até 235000 habitantes. No que diz respeito ao tratamento preliminar do esgoto, a ETE apresenta gradeamento e desarenação, os quais possuem a finalidade de reter sólidos grosseiros e inorgânicos. Para a etapa de tratamento biológico do esgoto, a ETE conta com 6 reatores anaeróbios, tipo UASB, onde é dosado peróxido de hidrogênio para controle do odor, além de 2 lagoas aeradas facultativas. Atualmente, o lodo proveniente dos reatores anaeróbios e das lagoas é encaminhado para um equalizador, posteriormente é condicionado (polímero) e desaguado em uma centrífuga e, após, é submetido à higienização (caleação com óxido de cálcio) e à estocagem antes de ser disposto na agricultura. O biogás proveniente dos reatores anaeróbios é captado e encaminhado para queimadores abertos (Figura 1).

Figura 1. Fluxograma do tratamento de efluentes e gerenciamento e tratamento dos subprodutos Para a elaboração do inventário do ciclo de vida do tratamento e disposição final do lodo, adotaram-se as diretrizes das normas da série ISO 14.040. Nesse sentido, estabeleceu-se a seguinte unidade funcional: 1 m 3 de efluente a ser tratado. Todas as emissões, consumo de energia e quantidades de materiais foram referenciados a essa unidade funcional. Como dados de entrada (consumo de produtos químicos, distância dos fornecedores e destinadores) e eficiência de remoção de carga orgânica e nutrientes foram utilizados os dados mensais monitorados no decorrer do ano de 2015. Para a emissão do biogás foi considerada uma eficiência de 50% de queima. Os resíduos gerados no tratamento preliminar (gradeamento e desarenação) e a escuma dos reatores anaeróbios são encaminhados para aterro sanitário. Para isso, utilizou-se um aterro municipal existente no banco de dados do ecoinvent (Municipal solid waste {RoW} treatment of, sanitary landfill Alloc Def, U). Para a estimativa da emissão de metano das lagoas facultativas aeradas foi considerada como uma lagoa facultativa de profundidade 2 m, utilizando-se como fator de correção de altura das lagoas o valor de 0.3 (IPCC, 2006). As emissões referentes à aplicação da óxido de cálcio para higienização do lodo biológico (perdas de C e N, expressas em NH 3 e CO 2 ) foram calculadas pelos teores de N e C no lodo antes da aplicação da cal, sendo adotado o valor de 2.81% para o N (ANDREOLI, SPERLING, FERNANDES, 2014; AISSE, FERNANDES, SILVA, 2001) e 15% para C (Ross et al., 2014). Com relação ao destino agrícola, utilizou-se a média das distâncias das áreas agrícolas receptoras dos últimos 4 anos. Os valores são os apresentados na Tabela 1. Tabela 1. Distância das fornecedoras dos produtos químicos e área agrícola até a ETE estudada Item Distância - ida e volta (km) Cal virgem 102 Polímero 926 Área agrícola 187.2 O consumo de combustível referente à pá carregadeira, utilizada para a caleação do lodo biológico, e do equipamento lancer utilizado para a disposição do lodo na área agrícola são de 13L/h e 10L/h respectivamente, conforme contato com a empresa responsável. Os valores de capacidade foram de 85 t/dia e de 200 t/dia respectivamente. O

poder calorífico do diesel utilizado é de 3,85 kwh/l. Estes valores foram repassados pela empresa responsável pela caleação e aplicação agrícola. As emissões diretas para a atmosfera relacionadas ao uso da pá carregadeira para caleação e da aplicação do lodo foram calculadas em função de fatores de emissão para motores diesel, apresentados na Tabela 2 (BRASIL, 2011). Tabela 2. Gases oriundos da pá carregadeira e da aplicação do biossólido Gases CO NOx Material particulado Fator de emissão 0,830 1.800 0.018 (g/kwh) As emissões referentes à aplicação na agricultura seguiram os modelos apresentados por Nemecek e Schnetzer (2011). Os modelos utilizados estão apresentados na Tabela 3. Tabela 3. Modelos utilizados para cálculo das emissões relacionadas à aplicação do lodo na agricultura. Parâmetro Modelo Utilizado NH 3 N 2 O NO X NO 3 PO 4 Metal pesado PO 4 Emissões para o ar AGRAMMON MODEL IPCC method IPCC method Emissão para agua subterrânea SQCB SALCA P SALCA-Heavy metal Águas Superficiais SALCA P Emissões para o solo Na aplicação do lodo no solo, foram considerados como produtos evitados o uso da ureia (com teor de 45% de N 2 ), fertilizante fosfatado (P 2 O 5 ) e o calcário (PRNT = 75%). Para a realização do cálculo do impacto ambiental inerente à prática do tratamento do lodo e de sua disposição na agricultura foi utilizada a metodologia de ACV e suas etapas, utilizando o software SIMAPRO FACULTY 8.0. Para a avaliação dos impactos ambientais foi utilizado o método ReCiPe Midpoint (H). As categorias de impactos avaliadas foram: mudança climática - MC, depleção da camada de ozônio - DCO, eutrofização aquática (água doce) EUT-AD, toxicidade humana - TH e ecotoxicidade terrestre ET formação de oxidantes fotoquímicos (OF), acidificação terrestre (AT) e ecotoxicidade água doce (EAD). Resultados e Discussões Inventário Ambiental A Tabela 4 apresenta o resultado do inventário ambiental do tratamento de 1 m 3 de efluentes. Tabela 4. Inventário ambiental do tratamento de efluentes (UF = 1m 3 ) Fases Unidade Valor Tratamento de Tratamento Entradas Efluente bruto kg 998.2 efluentes Preliminar Eletricidade kwh 0.082 Transporte tkm 0.009 Saídas Sólidos grosseiros kg 0.024 Areia kg 0.035 Efluente tratamento preliminar kg 998.17

Tratamento e destinação final do lodo Tratamento Entradas Efluente tratamento kg 998.17 secundário - UASB preliminar Peróxido de hidrogênio kg 0.067 Transporte Peróxido tkm 0.007 Saídas Escuma kg 0.283 Lodo kg 0.429. Biogás kg 0.060 Lagoa Facultativa Entradas Eletricidade kwh 0.264 Aerada Saídas Lodo kg 2.656 CH4 kg 0.027 Equalização do lodo Entradas Lodo Lagoa kg 2.656 Lodo UASB kg 0.429 Eletricidade kwh 0.003 Saídas Lodo equalizado kg 3.085 Centrífuga Entradas Lodo equalizado kg 3.085 Solução de Polímero (0.3%) kg 0.0002 Transporte (Polímero) tkm 0.0002 Eletricidade kwh 0.007 Lodo desaguado kg 0.377 Caleação Entradas Lodo desaguado kg 0.377 Cal virgem kg 0.041 Transporte (cal) tkm 3.33x10-07 Energia diesel L 0.001 Saídas Lodo higienizado kg 0.3 Água evaporada kg 0.1 NH3 kg 1.43x10-03 Aplicação do biofertilizante Produtos evitados CO2 kg 2.32x10-03 CO kg 4.42x10-06 NOX kg 9.58x10-06 Material Particulado kg 9.58x10-08 Ureia kg 1.83x10-03 P2O5 kg 6.67x10-04 Calcário kg 5.37x10-02 Entradas Transporte tkm 3.80x10-06 Lodo higienizado kg 0.3 Saídas Diesel para operação do "lancer" L 1.01x10-04 Emissões para o ar NH3 kg 4.21x10-04 N2O kg 6.15x10-05 NOX kg 1.29x10-05 CO kg 3.23x10-07 NOx kg 7.01x10-07 Material particulado kg 7.01x10-09 Emissões para água subterrânea NO3 kg 5.40x10-03 PO4 kg 4.39x10-07 Emissões o para água superficial PO4 kg 2.88x10-06 Emissões de metais para água Cd kg 2.25x10-10 Cu kg 2.02x10-08

Biogás Queima do biogás em flare Zn kg 1.80x10-07 Pb kg 2.90x10-09 Ni kg 0 Cr kg 1.17x10-07 Hg kg 7.30x10-12 Emissões de metais para o solo Cd kg 1.97x10-09 Cu kg 1.79x10-06 Zn kg 1.35x10-05 Pb kg 5.97x10-07 Ni kg 4.36x10-07 Cr kg 5.97x10-07 Hg kg 5.16x10-08 Entrada Biogás kg 0.0604 Saídas CH4 kg 0.017 CO2 kg 0.060 N2 kg 0.013 H2S kg 0.00015 H2 kg 2.07x10-05 Calor MJ 0.851 De acordo com o inventário, as maiores emissões correspondem ao CH 4 das lagoas facultativas aeradas (0,027 kg) e da queima do biogás em flare (0.017 kg). As emissões de NO 3 para água subterrânea (5.40x10-03 kg) e de NH 3 no processo da caleação do lodo (1.43x10-03 kg) também apresentaram valores significativos. Avaliação dos Impactos Ambientais A Figura 2 apresenta a contribuição de cada processo (tratamento de efluentes, tratamento e destinação do lodo, destinação dos resíduos sólidos em aterro e queima do biogás) nas categorias de impactos avaliadas. Figura 2. Contribuição de cada processo nas categorias de impactos avaliadas Nota: Mudanças climáticas MC (kg de CO2eq.); Depleção da camada de ozônio - DCO (kg de CFC-11eq.); Eutrofização de água doce - EUT - AD (kg de Peq.); Toxicidade humana - TH (kg de 1,4 DBeq.); Ecotoxicidade terrestre - ET (kg de 1.4-DB eq.); Formação de oxidantes fotoquímicos OF (kg NMVOC); Acidificação terrestre AT (kg SO2eq.); Ecotoxidade água doce EAD (kg de 1.4 DBeq.). Conforme demonstrado pela Figura 2, os processos de tratamento e destinação do lodo e queima de biogás em flare representam juntos 44% (0.56 kg de CO 2 eq.) da contribuição para a categoria de mudanças climáticas (total de 1.26 kg de CO 2 eq.), 36.42% (6.85x10-9 ) da contribuição para a categoria de depleção da camada de ozônio (total de 1.9x10-8 kg de CFC-11eq.), 55.1% (0.01 kg de 1.4 DBeq.) para toxicidade humana (total de 0.02 kg de 1.4 DBeq.) e 86.5% (0.004 kg SO 2 eq.) para a categoria de acidificação terrestre (0.005 kg SO 2 eq.).

A etapa de tratamento de efluentes contribui significativamente para a categoria de Eutrofização de água doce, em virtude dos valores de nitrogênio e fósforo presentes no efluente final. Conclusão As etapas de tratamento e destinação do lodo biológico e biogás representam grande contribuição para a geração dos impactos de uma ETE, demonstrando que estas etapas do tratamento de efluentes não podem ser negligenciadas. As duas etapas representam juntas 44% (0.56 kg de CO 2 eq.) da contribuição para a categoria de mudanças climáticas (total de 1.26 kg de CO 2 eq.), 36.42% (6.85x10-9 ) da contribuição para a categoria de depleção da camada de ozônio (total de 1.9x10-8 kg de CFC-11eq.), 55.1% (0.01 kg de 1.4 DBeq.) para toxicidade humana (total de 0.02 kg de 1.4 DBeq.) e 86.5% (0.004 kg SO 2 eq.) para a categoria de acidificação terrestre (0.005 kg SO 2 eq.). Estes subprodutos devem ser adequadamente gerenciados para evitar o aumento dos impactos ambientais. A secagem térmica do lodo, utilizando-se do biogás gerados pelos reatores anaeróbios, pode contribuir para a minimização do impacto gerado nestas etapas do tratamento. Referências Aisse, M. M.; Fernandes, F.; Silva, S. M. C. P. (2001) Aspectos tecnológicos e de processos In: Reciclagem de biossólidos - transformando problemas em soluções.2 ed. Curitiba: SANEPAR - Fundo Editorial, v.1, p. 49-119. Andreoli, C. V; Von Sperling, M; Fernandes, F. (2014) Lodo de esgotos: tratamento e disposição final. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental UFMG; Companhia de Saneamento do Paraná. Associação Brasileira de Normas Técnicas. ABNT NBR ISO 14.040. (2009). Gestão Ambiental: Princípios e estruturas. Rio de Janeiro. Bittencourt, S. (2014) Gestão do processo de uso agrícola de lodo de esgoto no estado do Paraná: Aplicabilidade da Resolução CONAMA 375/06. 190f. Tese (Doutorado em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) Departamento de Hidráulica e Saneamento, Universidade Federal do Paraná, Paraná. Brasil. Conselho Nacional de Meio Ambiente, CONAMA. Resolução n. 375, de 29 de agosto de 2006. Define critérios e procedimentos, para o uso agrícola de lodos de esgoto gerados em estações de tratamento de esgoto sanitário e seus produtos derivados. Diário Oficial da União, Brasília 2006. Brasil. Ministério do Meio Ambiente. 1º Inventário Nacional de Emissões Atmosféricas por Veículos Automotores Rodoviários. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente, 2011. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/163/_publicacao/163_publicacao27072011055200.pdf> Acesso em: 10 de julho de 2014. IPCC Intergovernmental Panel on Climate Change. (2006). Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories. Prepared by the National Greenhouse Gas Inventories Programme. EGGLESTON, H.S.; BUENDIA, L.; MIWA, K.; NGARA, T.; TANABE, K. (Eds.). Published: IGES, Japan. Nemecek, T., Schnetzer, J. (2011). Methods of assessment of direct field emissions for LCIs of agricultural production systems. Zurich. Data v3.0. Noyola, A., Padilla-Rivera A., Morgan-Sagastume, J. M. L., Guereca, L.P., HERNANDEZ-PADILLA, F. (2012). Typology of Municipal Wastewater Treatment Technologies in Latin America Clean, Soil, Air, Water, 40(9), 926 932. Ross, B.Z.L.; Marques, C.J.; Carneiro, C; Costa, F.J.O.G.; Froehner, S.; Aisse M. M. (2014). Avaliação do impacto da incorporação de escuma em lodo de esgoto destinado a uso Agricola. In: XXXIV Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental. Anais... México. Ross, B. Z. L. (2015). Escuma de reatores anaeróbios tratando esgotos domésticos: produção, caracterização e disposição final. Tese (Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) Universidade Federal do Paraná).