CAPOLONGO/MAYA ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 19 de Junho de 1973 * No processo 77/72, que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Pretore di Conegliano, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre Carmine Capolongo, proprietário da empresa com o mesmo nome, de Bassano del Grappa, demandante no processo principal, e Azienda Agrícola Maya, de Pieve di Soligo, demandada no processo principal, uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 13, 30., 86. e 92. do Tratado CEE, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco, P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner, H. Kutscher, C. 0'Dálaigh e M. Sørensen, juízes, advogado-geral: K. Roemer secretário: A. Van Houtte * Língua do processo: italiano. 255
ACÓRDÃO DE 19.6.1973 PROCESSO 77/72 profere o presente Acórdão (A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida) Fundamentos da decisão 1 Por decisão de 20 de Novembro de 1972, entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Novembro de 1972, o Pretore di Conegliano submeteu, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, várias questões destinadas a obter a interpretação do n. 1 do artigo 92., do n. 2 do artigo 13., e dos artigos 30. e 86. do Tratado CEE. 2 Resulta do processo que, contendo a factura controvertida para explicação da rubrica «Contributo ENCC» (Ente Nazionale per la cellulosa e per la carta), a referência «Contributo ENCC aplicato sul valore dei produtti sopra descritti proveniente dalla Germania federal» (Contribuição ENCC aplicada sobre o valor dos produtos supra-referidos provenientes da Alemanha Federal), o Pretore submeteu tais questões na pressuposição de que se tratava de um encargo pecuniário cobrado em relação a embalagens provenientes de um Estado-membro, no momento da sua importação para a Itália. 3 O juiz a quo considerou designadamente necessária uma resposta à questão de saber se a contribuição em causa deveria ser entendida como um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros na acepção do n. 2 do artigo 13 do Tratado, se a proibição de concessão de auxílios, constante do artigo 92., n. 1, do Tratado, devia ser considerada directamente aplicável, se o facto de cobrar contribuições especiais sobre os produtos importados de outros Estados-membros era susceptível de constituir uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação, proibida pelo artigo 30. do Tratado e, finalmente, se a utilização de recursos provenientes da tributação da importação de produtos dos outros Estados-membros para financiar a actividade de um organismo de direito público podia constituir violação do artigo 86. do Tratado. Quanto às primeira e segunda questões 4 Com estas questões, pretende-se esclarecer se o disposto no n. 1 do artigo 92. do Tratado tem efeito directo na ordem jurídica interna dos Estados-membros, de forma a poder ser invocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais. 256
CAPOLONGO/MAYA 5 Para efeitos da sua interpretação, o n. 1 do artigo 92. não pode ser tomado em consideração isoladamente, antes deve ser considerado no âmbito do sistema instituído pelo conjunto dos artigos 92 a 94. 6 Embora, para os projectos destinados a instituir novos auxílios ou a alterar auxílios existentes, o último período do n. 3 do artigo 93 estabeleça critérios processuais que o juiz nacional pode apreciar, a situação é distinta relativamente aos regimes de auxílio existentes referidos no n. 1 do artigo 93 No que diz respeito a estes auxílios, o disposto no n. 1 do artigo 92. destina-se a produzir efeitos na ordem jurídica dos Estados-membros, de forma a ser invocado perante os órgãos jurisdicionais nacionais quando for concretizado pelos actos de alcance geral previstos no artigo 94., ou pelas decisões nos casos especiais previstos no n. 2 do artigo 93 Quanto à terceira questão 7 Com esta questão, pretende-se esclarecer se a percepção de um encargo pecuniário, com base numa percentagem calculada em função do valor do produto importado de outros Estados-membros, constitui violação do n. 2 do artigo 13 ou de qualquer outra norma do Tratado que proíba a aplicação de imposições especiais às importações provenientes de outros Estados-membros. 8 Por falta de informações precisas relativas aos objectivos, à natureza e às modalidades de percepção da contribuição controvertida, deve esclarecer-se que, no exercício dos poderes conferidos pelo artigo 177 do Tratado, o Tribunal, devendo limitar-se a fazer uma interpretação das disposições do direito comunitário em causa, não pode apreciar os actos jurídicos nem as disposições de direito nacional, sob pena de a resposta apenas corresponder de forma imperfeita às especificidades da situação concreta. 9 O n. 1 do artigo 13 prevê que os direitos aduaneiros de importação aplicados entre os Estados-membros no momento da entrada em vigor do Tratado serão por estes progressivamente suprimidos durante o período de transição, nos termos dos artigos 14. e 15. Os artigos 14. e 15 compreendem as disposições necessárias a tal fim, de forma a que, no termo do período de transição, qualquer direito aduaneiro de importação em vigor entre os Estados-membros tenha desaparecido. 257
ACÓRDÃO DE 196.1973 PROCESSO 77/72 O n. 2 do artigo 13 constitui o complemento do n. 1, estabelecendo que os encargos de efeito equivalente aos direitos aduaneiros de importação, em vigor entre os Estados-membros, serão progressivamente suprimidos durante o período de transição. 10 Consequentemente, as disposições relativas à supressão dos direitos aduaneiros entre os Estados-membros, que constituem o capítulo I, secção I, intitulado «A união aduaneira», destinam-se a assegurar que, desde o termo do período de transição, o objectivo enunciado no artigo 9. do Tratado estará realizado. Embora estas disposições admitam determinadas excepções e tolerâncias durante o período de transição, resulta do seu texto que tais direitos e encargos deverão, de qualquer forma, ter sido integralmente eliminados, o mais tardar no termo do referido período. 11 O n. 2 do artigo 13. consagra assim, o mais tardar no termo do período de transição, no que diz respeito a todos os encargos de efeito equivalente a direitos aduaneiros, uma proibição clara e precisa de cobrar os referidos encargos, a qual não inclui qualquer reserva de os Estados subordinarem a sua aplicação a um acto positivo de direito interno ou a uma intervenção das instituições da Comunidade. A referida disposição presta-se perfeitamente, pela sua própria natureza, a produzir efeitos directos nas relações jurídicas entre os Estados-membros e os particulares sujeitos à sua jurisdição. 12 Tal proibição abrange qualquer encargo exigido no momento ou em razão da importação que, incidindo especificamente sobre produto importado e não sobre um produto nacional similar, tem como resultado, ao modificar o seu preço de revenda, a mesma incidência restritiva na livre circulação de mercadorias que um direito aduaneiro. Mesmo encargos pecuniários destinados a financiar a actividade de um organismo de direito público podem constituir encargos de efeito equivalente, na acepção do n. 2 do artigo 13. do Tratado. Em contrapartida, não devem ser considerados como encargos de efeito equivalente os encargos pecuniários integrados num regime geral de imposições internas, aplicáveis sistematicamente aos produtos nacionais e aos produtos importados segundo os mesmos critérios. 258
CAPOLONGO/MAYA 13 Na interpretação do conceito «encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação», pode eventualmente ser necessário ter em atenção o destino dos encargos pecuniários cobrados. Com efeito, quando tal encargo pecuniário ou contribuição é exclusivamente destinado a financiar actividades que beneficiam especificamente os produtos nacionais tributados, pode daí resultar que o encargo geral cobrado segundo os mesmos critérios ao produto importado e ao produto nacional constitua, apesar de tudo e em relação a um deles, um nítido encargo pecuniário suple mentar, enquanto para o outro constitui efectivamente a contrapartida de be nefícios ou auxílios recebidos. 14 Consequentemente, uma contribuição integrada num regime geral de imposições internas, aplicada sistematicamente aos produtos nacionais e aos produtos importa dos segundo os mesmos critérios, pode, apesar de tudo, constituir um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação, quando tal contribuição seja exclusivamente destinada a actividades que beneficiem especificamente o pro duto nacional abrangido pela imposição. Quanto às quarta e quinta questões 15 Na medida em que estas questões revestem manifestamente um carácter comple mentar, as considerações precedentes tornam desnecessária a sua apreciação. Quanto às despesas 16 As despesas efectuadas pelo Governo italiano e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Re vestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. Pelos fundamentos expostos, vistos os autos, 259
ACÓRDÃO DE 19.6.1973 PROCESSO 77/72 visto o relatório do juiz-relator, ouvidas as alegações do demandante no processo principal, do Governo italiano e da Comissão das Comunidades Europeias, ouvidas as conclusões do advogado-geral, visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, designadamente os artigos 13, 14., 15., 92., 93. e 94., visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Eco nómica Europeia, designadamente o seu artigo 20., visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Pretore di Conegliano, por decisão de 20 de Novembro de 1972, declara: Uma contribuição integrada num regime geral de imposições internas, apli cada sistematicamente aos produtos nacionais e aos produtos importados segundo os mesmos critérios, pode, apesar de tudo, constituir um encargo de efeito equivalente a um direito aduaneiro de importação, quando tal con tribuição seja exclusivamente destinada a actividades que beneficiem especi ficamente o produto nacional abrangido pela imposição. Lecourt Monaco Pescatore Donner Kutscher O'Dálaigh Sørensen Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Junho de 1973. O secretário O presidente A. Van Houtte R. Lecourt 260