Alteração Administrativa de Regime de Bens, Mediante Escritura Pública. Estatuto da s Famílias.



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Alteração Administrativa de Regime de Bens, Mediante Escritura Pública. Estatuto da s Famílias. Mario de Carvalho Camargo Neto 1 Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) Resumo: O presente artigo pretende questionar a conveniência de exigir autorização judicial para a alteração do regime de bens. Abordando-se os aspectos de tal mudança, pretende-se demonstrar que é desejável e conveniente que a lei passe a possibilitar a alteração por meio de escritura pública sem necessidade de autorização judicial. Palavras-chave: Regime de bens, alteração, autorização judicial, escritura pública, Estatuto das Famílias. A festejada inovação trazida pelo 2º do artigo 1.639 do Código Civil de 2002 subverte o sistema anterior, e passa a admitir a alteração do regime de bens no curso do casamento 2, com o seguinte texto: 2 o É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. Verifica-se que o dispositivo exige a autorização judicial para a alteração do regime de bens, o que se pretende questionar neste artigo. Segundo Cristiano Cassettari, para a obtenção da mencionada autorização, o procedimento judicial adotado deverá ser o da jurisdição voluntária 3. Ensina Arruda Alvim que a jurisdição voluntária é o instrumento de que se serve o Estado para resguardar, por ato do Juiz, quando solicitado, bens reputados pelo legislador como de alta relevância social. 4 Veja-se que a finalidade da jurisdição voluntária, em muitos casos, poderia ser suprida pela função notarial, cuja existência se funda na intervenção estatal, por meio de um agente delegado, na esfera de desenvolvimento voluntário do direito, proporcionando o cumprimento adequado deste, e evitando o surgimento do conflito de interesses 5. 1 Mario de Carvalho Camargo Neto - Membro do IBDFam - Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008). Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) (2005). Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Vice Presidente de Registro Civil das Pessoas Naturais da Associação de Notários e Registradores do Brasil. Procurador da Presidência para Assuntos Jurídicos da Associação Nacional de Registradores das Pessoas Naturais. Diretor de Assuntos Legislativos da Associação de Registradores Civis das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo. Coordenador de Registro Civil das Pessoas Naturais da Associação de Titulares de Cartório de São Paulo. Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais da Sede da Comarca de Capivari, Estado de São Paulo. E-mail: mariocamargo@gmail.com. 2 SANTOS, Luis Felipe Brasil. A Mutabilidade dos Regimes de Bens. Disponível online em: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=2295. Acesso em: 04 jul de 2011. 3 CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 435 4 ALVIM, Arruda. Manual De Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 2005. V. 1, p. 204. Apud. CASSETTARI, Cristiano. op. cit. 5 BRANDELLI,Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 152.

Esse fato foi reconhecido na Lei 11.441/2007, que possibilita a realização de separações 6 e divórcios consensuais, bem como de inventários, em que todos sejam maiores e concordes, por meio de escritura pública lavrada por notário. Desta maneira, deve-se verificar se a alteração de regime de bens está entre os casos em que se aceitaria a substituição da jurisdição voluntária pela intervenção notarial. Para tanto, s eguese à análise: 1- O 2º do artigo 1.639 do Código Civil exige que o pedido seja de ambos os cônjuges, do que se extrai que a existência de consenso entre as partes é imperativa 7. Uma vez que o tabelião só atua onde não há lide, onde há consenso 8, não haveria prejuízo ou impedimento ao se praticar o ato por meio de escritura pública, neste tocante. 2- O dispositivo legal prevê que a alteração será autorizada mediante pedido motivado, apurada a procedência das razões invocadas, assim exige justo motivo, o que constitui uma cláusula geral que deve ser preenchida pelo juiz caso a caso. Neste ponto, não seria possível a alteração pela via administrativa. Todavia, o justo motivo parece não se impor, sendo des ejável remover-se tal exigência. Assim se vê: Se no casamento é conferido aos cônjuges o direto de estipular, quanto a seus bens, o que lhes aprouver, respeitadas as normas de ordem pública, por que seria diferente no momento da alteração de regime? Em ambos os casos, está-se diante de negócio jurídico praticado por pessoas maiores e capazes e que versa sobre direitos disponíveis. Orlando Gomes 9, ao defender a mutabilidade do regime de bens, afirmou: Por que proibir que modifiquem cláusulas do contrato que celebraram, mesmo quando o acordo de vontades é presumido pela lei? Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime de separação de substituírem -no pelo da comunhão? Necessário, apenas, que o exercício desse direito seja controlado a fim de impedir a prática de abusos, subordinando-o a certas exigências. Fica claro que a questão é eminentemente patrimonial e tem natureza contratual, devendo a autonomia privada das partes ser respeitada, o que não justifica a exigência de um justo motivo para que se autorize a mudança. O controle de abusos, a que o mestre civilista se refere, deve se destinar a impedir o rompimento de normas de ordem pública e a garantir os direitos de terceiros, o que ocorre independentemente da verificação de um justo motivo. Desta maneira, não se impõe a apreciação judicial, pois, realizando-se a alteração pela via administrativa, o respeito às normas de ordem pública e ao direito serão verificados pelo tabelião, que, submetido ao princípio da juridicidade, não lavrará escritura de negócios que descumpram a lei ou rompam com o ordenamento. Quanto aos direitos de terceiros, estes estão ressalvados, independentemente do justo motivo, como se verá adiante. 3- Por fim, a lei prevê que são ressalvados os direitos de terceiros. 6 Para aqueles que entendem que a separação foi recepcionada pela Emenda Constitucional nº 66/2010. 7 CARVALHO FILHO, Milton Paulo. In: Código Civil Comentado. Ministro Cezar Peluso (coord.) Barueri: Manole, 2010, p. 1856. 8 BRANDELLI, Leonardo. Op. Cit., p. 152 9 GOMES, Orlando. Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 1998. Apud. LOBO, Paulo. Famílias.São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 297/298.

De tal previsão, extraiu-se que seria exigível a perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza por meio de certidões negativas, bem como a publicação de editais para que o procedimento tenha ampla publicidade. Nesse sentido, foi aprovado o Enunciado 113 do Conselho da Justiça Federal do Superior Tribunal de Justiça durante a I Jornadas de Direito Civil: 113 Art. 1.639: é admissível a alteração do regime de bens entre os cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade. (não destacado no original). Em interpretação mais rígida, impede-se a alteração de regime no caso de existência de dívidas. Assim se julgou: Retificação de regime de bens. Casamento. Regime de Comunhão parcial. Alteração. Regime de separaç ão. Dividas do marido. Exclusão de bens da mulher. Inviabilidade. Prejuízo a credores. Sentença mantida. Apelação improvida. A regra inovadora do 2º do art. 1.639 do atual Código Civil, que permite a modificação do regime de bens do casamento, não pode ser usada para prejudicar terceiros. Assim, se o objetivo visado com o pedido é proteger bens de um dos cônjuges com a redução da garantia de credores, mostra-se inviável a pretensão. (TJPR, Ap. cível n. 141.161-6, rel. Des. Troiano Netto, j. 14.10.2003). (não destacado no original). De acordo com tais interpretações, seria imprescindível a intervenção judicial para se verificar a inexistência de dívidas e o resguardo dos direitos de terceiros, como condição para se autorizar a alteração do regime de bens. Todavia, não parece ser esta e melhor interpretação. Como bem asseveram Flávio Tartuce e José Fernando Simão 10 : caso a mudança venha a prejudicar terceiros, não se discutirá a sua validade ou não, mas apenas sua eficácia. Diante disso, a mudança de regime de bens é possível e válida quando requerida e realizada pelos cônjuges, não podendo ser impedida por algum credor, mas caso venha a prejudicar terceiros será ineficaz em relação a estes, produzindo efeitos em relação aos cônjuges e às demais pessoas. Desnecessária, portanto, a publicação de editais, vez que, segundo o apontado pelos referidos autores: (...) ainda que o terceiro tenha ciência da mudança que se pretende e mesmo que essa alteração lhe traga prejuízos, não pode o terceiro se opor à alteração pretendida. Isso porque, com relação a ele, terceiro prejudicado, a mudança é ineficaz, (...) no momento oportuno, poderá requerer ao juízo que declare, em seu favor, a ineficácia da mudança 11. Desnecessária, também, a exigência de certidões negativas, uma vez que a existência de dívidas não impede a mudança de regime, pois é ineficaz para terceiro prejudicado 12. No mesmo sentido é o entendimento do Desembargador Luis Felipe Brasil Santos 13 : (...) não há que ter receio quanto a possíveis prejuízos que venham a ser causados a terceiros que já sejam detentores de direitos com relação ao casal, ou a qualquer dos cônjuges, uma vez que estão expressamente ressalvados os respectivos direitos. Logo, nenhuma eficácia terá 10 TARTUCE, Flávio. SIMÃO, José Fernando. Direito Civil 5 Direito de Família. São Paul o: Método, 2010. p. 131. 11 Ibid. 131. 12 Ibid. 132. 13 SANTOS, Luis Felipe Brasil. Op. Cit.

contra eles a alteração produzida. Neste contexto, parece-me sem razão por desnecessária a providência o enunciado aprovado ao ensejo da Jornada sobre o novo Código Civil, levada a efeito no Superior Tribunal de Justiça de 11 a 13 de junho de 2002, no sentido de que a autorização judicial para alteração do regime de bens deva ser precedida de comprovação acerca da inexistência de dívida de qualquer natureza, inclusive junto aos entes públicos, exigindo-se ampla publicidade. E Christiano Cassettari 14 : Defendemos que a modificação do regime de bens é ineficaz perante credores existentes antes da sua ocorrência, só produzindo efeitos com relação a terceiros que celebram relações jurídicas posteriores ao trânsito em julgado da decisão. A esta última posição, acrescente-se que os efeitos perante terceiros dependerá da publicidade da decisão devendo ser averbada à margem do registro de casamento no Registro Civil das Pessoas Naturais, e levada ao registro imobiliário competente. Conclui-se que a existência de dívidas não obsta a alteração, tampouco poderia um credor impedir a modificação do regime de bens, a qual seria ineficaz contra ele. Conseqüentemente, não se impõe a verificação judicial de inexistência de prejuízos, vez que esta não deve ser considerada requisito para a mudança pretendida. Em vista do exposto, e seguindo-se a tendência de desjudicialização, que, segundo o Desembargador José Renato Nalini 15, revela-se nas reformas destinadas a sempre reduzir o equipamento estatal destinado à administração da justiça, faz-se salutar inovação legislativa no sentido de se possibilitar alteração administrativa do regime de bens, por meio de escritura pública. Esta é a finalidade do original artigo 39 do Estatuto das Famílias (Projeto de Lei 2.285/2007, atualmente artigo 38 do substitutivo ao Projeto de Lei 674/2007), que tramita no Congresso Nacional e apresenta o seguinte teor: Art. 38. É admissível a alteração do regime de bens, mediante escritura pública, promovida por ambos os cônjuges, assistidos por advogado ou defensor público, ressalvados os direitos de terceiros. 1.º A alteração não dispõe de efeito retroativo. 2.º A alteração produz efeito a partir da averbação no assento de casamento. Referências Bibliográfica s: BRANDELLI,Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. São Paulo: Saraiva, 2009. CASSETTARI, Christiano. Elementos de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2011. LOBO, Paulo. Famílias.São Paulo: Saraiva, 2009. NALINI, José Renato. Registro Civil das Pessoas Naturais: Usina da Cidadania. In Registros Públicos e Segurança Jurídica. Dip, Ricardo et ali (org.). safe. PELUSO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado. Barueri: Manole, 2010. SANTOS, Luis Felipe Brasil. A Mutabilidade dos Regimes de Bens. Disponível online em: http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=2295. Acesso em: 04 jul de 2011. 14 CASSETTARI, Christiano. Op. Cit. p. 439. 15 NALINI, José Renato. Registro Civil das Pessoas Naturais: Usina da Cidadania. In Registros Públicos e Segurança Jurídica. Dip, Ricardo et ali (org.). safe. 1998. p.41/55.

TARTUCE, Flávio. SIMÃO, José Fernando. Direito Civil 5 Direito de Família. São Paulo: Método, 2010.