Maria de Fátima Almeida Baia Livia Oushiro Ivanete Belém do Nascimento (organizadoras) Anais

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Transcrição:

Maria de Fátima Almeida Baia Livia Oushiro Ivanete Belém do Nascimento (organizadoras) Anais do XII e XIII Encontros dos Alunos de Pós-Graduação em Linguística da USP

Anais dos XII e XIII Encontros dos Alunos de Pós-Graduação em Linguística da USP. São Paulo: Paulistana, 2012, p. 1 12. A Prosódia das Emoções: Um Exercício a partir da Fonologia Prosódica Aline Mara de Oliveira Vassoler Resumo A emoção está ligada à comunicação expressiva do falante, composta por sinais verbais e não verbais. Diante das diversas classificações encontradas na literatura, adotaremos neste trabalho as emoções discretas propostas por Scherer (1984): a alegria, a tristeza, o medo e a raiva. A entoação é um dos aspectos da prosódia, cujos correlatos físicos são a frequḙncia fundamental (F 0 ), a duração e a intensidade, segundo o consenso de diversos autores (Banse & Scherer 1996). Esse trabalho busca segmentar as frases de acordo com o modelo de Nespor & Vogel (1986). A amostra de fala foi produzida por uma atriz de 58 anos. A gravação foi capturada e analisada pelo software livre Praat. A atriz leu um texto (leitura neutra) e interpretou a emoção triste. Para o traçado da curva de F 0 (curva entoacional), utilizou-se o WinPitch v.1.87m. Os dados encontrados mostraram que a curva entoacional da fala triste tende a ser decrescente e as frases entonacionais correspondem com as mesmas fronteiras fonológicas da fala neutra. As trḙs curvas entonacionais são semelhantes entre si e todas iniciam com elevação de F 0 e decrescem logo em seguida. No entanto, outros parˆametros acústicos, como a duração e a intensidade, também devem ser analisados. A literatura mostra que a tristeza é caracterizada também pela diminuição na média de F 0, pouca variação de F 0, diminuição da intensidade, além da diminuição no contorno de F 0 (Johnstone & Scherer 2000, Laukka 2004, Souza 2007). Outros sujeitos devem ser incorporados no estudo para verificar se existe prevalḙncia desses resultados. Palavras-chave: fonética; prosódia; emoções. Introdução O estudo das emoções iniciou-se na Grécia Antiga, mas Aristóteles e Cícero (político e orador, do séc. I a.c.) foram os precursores dos estudos do Departamento de Linguística. Este trabalho faz parte da pesquisa de mestrado Aspectos acústicos da voz na representação teatral (CNPq). E-mail: alinem@usp.br.

2 Aline M. O. Vassoler comportamento vocal na expressão de diferentes emoções (Laukka 2004). Os estudos desde então estavam voltados para as expressões faciais das emoções e, recentemente, a investigação acerca das expressões vocais tem aumentado e se destacado (Banse & Scherer 2003). Apenas no século XIX Charles Darwin (1872) publicou a obra The expression of the emotions in man and animals. 1 Essa obra foi um marco para a investigação das expressões humanas. O autor analisou a relação entre as expressões faciais dos seres humanos e dos animais e a expressão funcional das emoções durante a intenção dos movimentos. Como Darwin (1872) estava preocupado com as características biológicas e com os componentes inatos das expressões faciais, seus estudos levaram a concluir que o comportamento expressivo do ser humano e dos primatas são consequḙncias da adaptação ao meio nos quais estão inseridos, ou de respostas funcionais propriamente ditas. Por isso, no momento da preparação de um movimento intencional, o sujeito ou o animal realiza movimentos específicos nos músculos faciais. No caso da fuga de um odor desagradável, por exemplo, o indivíduo realiza movimentos específicos para aquela ação. Embora existam diversas teorias acerca das emoções humanas, não existe ainda um consenso sobre sua real definição. Por esse motivo, adotou-se neste trabalho o conceito de emoções básicas. As emoções básicas seriam aquelas envolvidas com os problemas pertinentes da vida, como a competição (raiva), o perigo (medo), a cooperação (felicidade) e a perda (tristeza) (Laukka 2004). Neste trabalho, serão realizadas as análises das curvas entonacionais da tristeza. De acordo com Scherer (1979), devem existir, pelo menos, dois tipos de fala triste: a tristeza, com característica quieta e passiva; e a tristeza ativa, que ocorre quando o indivíduo manifesta situações de luto (desespero). Geralmente, a tristeza ativa não é descrita, dada a extrema dificuldade de coletar dados nessas situações (Erickson et al. 2005). A emoção e seus aparatos acústicos A literatura tem estudado, já há algum tempo, a relação entre as emoções e os parˆametros acústicos. Segundo Sherer (1989) e Banse & Scherer (1996), a interferḙncia das emoções no sinal acústico tem sido investigada há mais de 1 A obra de Charles Darwin (1872), The expression of the emotions in man and animals, foi traduzida para o portuguḙs como Expressão das emoções no homem e nos animais.

A Prosódia das Emoções 3 um século. Essas investigações confirmaram as relações entre os diferentes estados emocionais e motivacionais com parˆametros acústicos vocais, já que existem evidḙncias que ao mudar a respiração, a fonação e a articulação, há modificação do padrão do sinal acústico. A fala carrega os fenˆomenos segmentais e os aspectos não segmentais, como as sílabas. A prosódia se encarrega desses aspectos não segmentais, entre eles estão a duração, o pitch - sensação da frequḙncia fundamental (F 0 ) e a altura (sensação da intensidade), podendo ser analisados individualmente ou associados. A F 0 está diretamente relacionada com a entoação da mensagem e pode ser analisada por meio das medidas da F 0 ao longo da fala. Fisiologicamente, a frequḙncia fundamental depende da taxa de vibração das pregas vocais da laringe (Ladefoged 1974). Scherer (1984, 2001) propõe um modelo que relaciona as variações fisiológicas do trato vocal e seus correlatos acústicos no tocante às emoções humanas. Existem diversas teorias prosódicas que tentam abarcar esses aspectos acústicos e fonológicos nas línguas naturais. Uma teoria que promove um cruzamento entre a Prosódia e a Fonologia é a Fonologia Prosódica, proposta por Nespor & Vogel (1986), que dita uma organização prosódica da linguagem obedecendo a alguns algoritmos, permitindo criar constituintes prosódicos na própria língua. A organização desses constituintes é hierarquicamente determinada, subdividindo-se em sílaba, pé, palavra fonológica, grupo clítico, frase fonológica, frase entoacional e enunciado fonológico. A organização prosódica realizada por Nespor & Vogel (1986) é utilizada amplamente nos estudos fonológicos, pois envolve a interação entre os aspectos fonológicos e os aspectos de outros subsistemas gramaticais como o morfológico, o sintático e o semˆantico. Na proposta de Nespor & Vogel (1986), a representação mental está organizada hierarquicamente. Além das características estruturais, as diferentes pistas acústicas funcionam também como domínio de aplicação de regras fonológicas específicas e dos processos fonéticos (Gelamo 2006). A hierarquia dos constituintes prosódicos abrange desde a sílaba (menor constituinte prosódico) até o enunciado fonológico (maior constituinte prosódico). Dividido numa hierarquia crescente: a sílaba; o pé métrico; a palavra fonológica; o grupo clítico; a frase (ou sintagma) fonológico; a frase (ou

4 Aline M. O. Vassoler sintagma) entoacional e o enunciado fonológico. Os constituintes mais baixos (a sílaba e o pé) estruturam-se com informações fonológicas. Os constituintes acima da palavra fonológica até o enunciado fonológico estruturam-se com as informações fonológicas e com outros planos linguísticos. A frase entoacional (I) é um constituinte importante no estudo da prosódia dos enunciados. Nespor & Vogel (1986) definem esse constituinte prosódico como: (...) o domínio de um contorno de entoação e que os fins de frases entonacionais coincidem com posições em que pausas podem ser introduzidas. (Nespor & Vogel 1986) Como vimos acima, a frase entonacional é hierarquicamente superior à frase fonológica, podendo ser composta por uma ou mais frases fonológicas. Apesar de esses níveis superiores aceitarem reestruturações com flexibilidade, existem algumas restrições previstas em suas formulações que devem ser obedecidas (ver em Nespor & Vogel 1986). A entoação é um dos parˆametros da prosódia. A entoação é ao mesmo tempo um traço universal e específico das línguas. Universal por manifestarse de maneira parecida em diferentes línguas, e específica, por exemplo, por diferenciar as sentenças declarativas das interrogativas por meio da presença ou ausḙncia da queda da F 0 (Orsini 2005). O falante está atento não apenas ao discurso de seu interlocutor, mas também às mudanças acústicas que o falante pode provocar na sua voz, incluindo F 0, duração, intensidade e ritmo (Erickson et al. 2005). A entoação é um dos aspectos da prosódia, cujos correlatos físicos são a frequḙncia fundamental (F 0 ), a duração e a intensidade (Scarpa 1999). Os traços prosódicos podem ser vistos sob duas perspectivas: o acento, na dimensão da palavra, e a entoação, na dimensão da frase (Souza 2007). Neste trabalho, tentaremos segmentar as frases obedecendo à teoria de Nespor & Vogel (1986), correlacionando esse aspecto com a curva entoacional.

Objetivos e Metodologia A Prosódia das Emoções 5 O objetivo deste trabalho é o de comparar o comportamento da F 0 da fala triste com o da fala neutra 2 a fim de identificar as fronteiras entoacionais. Sujeito A amostra de fala foi produzida por uma atriz com 36 anos de experiḙncia profissional, com 20 anos de experiḙncia profissional e professora universitária. Materiais e Método A atriz leu um texto científico, 3 composto por 226 palavras (Anexo 1). O corpus já foi analisado anteriormente por Figueiredo (1993). Foram escolhidas duas sentenças do texto como unidades de análise, sendo a primeira As células do sangue que fabricam anticorpos são individualizadas e a segunda participam das mesmas interações. A primeira está localizada no início do texto e a segunda no final do texto. A atriz leu o texto escolhido interpretando a emoção tristeza, repetindo cinco vezes cada interpretação. O mesmo procedimento foi feito para a leitura neutra. A gravação da voz foi realizada numa cabina acústica do LAFAPE (Laboratório de Fonética e Psicolinguística) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Para o traçado da curva da F 0 (curva entoacional), utilizou-se o WinPitch v.1.87m. 4 Em seguida, analisamos comparativamente as curvas da F 0 da tristeza e da fala neutra. 2 Fala neutra, neste trabalho, se refere à leitura da atriz sem emoção intencional, isto é, apenas uma leitura habitual. 3 O texto utilizado como corpus apresenta alguns erros gramaticais (do ponto de vista da gramática normativa), porém estes foram desconsiderados, visto não ser esse o propósito da pesquisa. 4 Desenvolvido por Philippe Martin.

6 Aline M. O. Vassoler Análises dos dados e discussão Fala neutra Na janela do programa Winpitch v.1.87m (ver na figura 1), o eixo x representa o tempo em segundos(s) e o eixo y representa os valores da F 0. Como já foi mencionado anteriormente, a curva da F 0 expressa o comportamento entoacional das sentenças, que nesse caso também será comparado à emoção tristeza com a fala neutra. A curva vermelha expressa o valor da F 0 em cada ponto do espectrograma ao longo do tempo, compondo a curva entoacional da sentença 1: As células do sangue que fabricam anticorpos, são individualizadas. Na Figura 1, podemos ver a curva entoacional da primeira sentença da fala neutra (o texto lido pela atriz está no eixo x): Figura 1 Curva entoacional da sentença As células do sangue que fabricam anticorpos, são individualizadas na fala neutra. Ao observar a figura acima, nota-se que os picos máximos da F 0 estão em torno de 220 Hz na palavra célula e por volta de 194 Hz na palavra individualizadas. Ocorre um declínio no final de cada sentença, indicando uma curva descendente nessa sentença. Esse comportamento é típico das sentenças declarativas do portuguḙs brasileiro. É importante atentarmos

A Prosódia das Emoções 7 que as fronteiras acústicas ilustradas na figura acima coincidem com as demarcações das frases entoacionais da Fonologia Prosódica, como podemos ver abaixo: [As células do sangue que fabricam anticorpos] I [são individualizadas] I As pausas correspondem aos intervalos entre uma frase entoacional e outra. A última é considerada como uma sentença parentética (situação prevista na teoria da Fonologia Prosódica). As curvas entonacionais carregam simultaneamente informações fonológicas e prosódicas, além dos outros aspectos linguísticos não enfocados neste trabalho. Na Figura 2 abaixo, encontra-se a ilustração da curva entoacional da última frase do texto da fala neutra: Figura 2 Curva entoacional da sentença participam das mesmas interações. Ao analisarmos a Figura 2, nota-se que os picos da frequḙncia fundamental são mais baixos e menos acentuados que os da sentença 1. O pico mais elevado está na palavra participaram e está em torno de 173 Hz, bem inferior aos valores encontrados no início do texto. Nesse caso, a frase entoacional do último trecho: [participam das mesmas interações] I. Embora possa ser considerada uma frase entoacional, a curva não apresenta picos proeminentes como na sentença 1. O contorno inicia-se alto e decresce ao longo da frase.

8 Aline M. O. Vassoler Fala triste Visto o comportamento da fala neutra, iremos comparar o comportamento da F 0 encontrado nessa condição com a fala triste. Na Figura 3, podemos ver a curva entoacional da primeira sentença interpretada pela atriz. Nesse trecho, temos o enunciado inicial do texto lido pela atriz. O pico máximo da F 0 está em torno de 163 Hz na vogal a, na sentença 1. Já na sentença 2, o valor da F 0 foi de F 0 137 Hz, que está concentrado na vogal as, logo no início da frase. O acento nuclear da última frase está em são, que está em torno de 141 Hz. Figura 3 Curva entoacional da sentença As células do sangue que fabricam anticorpos, são individualizadas na fala triste. A figura 3 mostra que a curva entoacional dessa emoção apresenta elevação de F 0 na primeira tˆonica da sentença ( As ). O comportamento da curva entoacional das duas últimas frases assemelha-se com a fala neutra, porém numa faixa de frequḙncia inferior. As frases entonacionais dessa emoção correspondem com as mesmas fronteiras fonológicas da fala neutra. As trḙs curvas entonacionais são semelhantes entre si e todas iniciam com elevação de F 0 e decaem logo em seguida, logo, a curva é descendente. Erickson et al. (2005) analisaram o F 0 na fala triste da língua inglesa (variante americana) e da língua japonesa. Ambas apresentaram F 0 alto

A Prosódia das Emoções 9 na fala triste espontˆanea e interpretada. No entanto, na leitura com a representação teatral emotiva triste, os atores utilizaram o F 0 baixo. Na figura 4, podemos notar como a curva entoacional da frase é baixa, até mesmo nula em diversos pontos do espectrograma: Figura 4 Curva entoacional da sentença participam das mesmas interações na fala triste. Na fala triste, a curva entoacional encontrada foi decrescente, corroborando os dados da literatura pesquisada. Laukka (2004) mostrou também essa característica na língua inglesa. A literatura mostra que a tristeza é caracterizada também pela diminuição na média de F 0, pela variação F 0, pela diminuição da intensidade e pela diminuição do contorno da F 0 (Johnstone & Scherer 2000, Laukka 2004, Souza 2007). As situações das frases entonacionais se repetem na emoção triste. Não houve diferenças entre a fala neutra e a emoção triste, no que se refere à frase entoacional, salvo a faixa de frequḙncia. Como podemos ver abaixo, a fala triste tem a média da F 0 inferior à fala neutra. Na figura acima, pode-se ver que a média da tristeza é inferior à fala neutra (20 Hz). Como visto anteriormente, os dados da F 0 dessa atriz são semelhantes aos da literatura pesquisada.

10 Aline M. O. Vassoler Figura 5 Média das cinco repetições da fala neutra e da tristeza. Conclusão Tanto na fala neutra como na tristeza, as curvas da F 0 são descendentes. O mesmo ocorre com na tristeza, salvo uma diferença importante que contribuirá para a diferenciação da fala neutra e da tristeza. Enquanto o primeiro pico da F 0 na fala neutra está acima de 200 Hz, na tristeza esse pico decai consideravelmente (abaixo de 150 Hz). Além disso, todo o contorno da tristeza está numa faixa de frequḙncia inferior (mais grave) ao da fala neutra. As análises das curvas da F 0 são fundamentais na diferenciação da tristeza com a fala neutra. Os dados encontrados neste trabalho mostram que a curva entoacional da fala triste tende a ser decrescente. No entanto, outros parˆametros acústicos, como a duração e a intensidade, também devem ser analisados. Assim como na literatura, esses parˆametros parecem alterar significativamente em cada emoção. Outros sujeitos também deverão ser incorporados no estudo para verificar se existe prevalḙncia desses resultados. Abstract The emotion manifested in the speaker s voice and his expressive communication is composed of verbal and nonverbal aspects. This paper will adopt Scherer s (1984) discrete emotions : joy, sadness, fear and anger. The intonation is one of the aspects of prosody, whose physical correlates are the fundamental frequency (F 0 ), duration and intensity, according to the consensus of many authors. The aim of this work is the segmentation of sentences according to Nespor & Vogel s model (1986), Prosodic Phonology, through the observation of the intonational curve. The speech sample produced by an actress aged 58 was captured and analyzed with the free software Praat. The actress read a text playing the sad emotion. To draw the F 0 curve (intonational curve), we used the WinPitch

A Prosódia das Emoções 11 v.1.87m (developed by Philippe Martin). The data obtained in this work show that the intonational curve of sad speech tends to decrease and the boundaries of intonational phrases correspond to the neutral speech. The three curves are similar and start with an increasing F 0 and decrease soon. Other acoustic parameters such as duration and intensity should be considered. The literature shows that sadness is also characterized by a decreasing F 0, little variation in F 0, decreasing intensity, and decreasing F 0 contour (Johnstone & Scherer 2000, Laukka 2004, Souza 2007). Other subjects should be incorporated in this study to verify the prevalence of these results. Keywords: Phonetics; Prosody; Emotions. Referḙncias Banse, R.; Scherer, K. R. Acoustic Profiles in Vocal Emotion Expression. Journal of Personality and Social Psychology, v. 70, p. 614-636, 1996. Erickson, D.; Yoshida, K.; Menezes, C.; Fujino, A.; Mochida, T.; Shibuya, Y. Exploratory study of some acoustic and articulatory characteristics of sad speech. Phonetica, 63, p. 1-25, September, 2005. Figueiredo, R. M. A eficácia de medidas extraídas do espectro de longo termo para a Identificação de Falantes. Cadernos de Estudos Lingüísticos, vol. 25, p. 129-160, Jul-Dez. 1993. Gelamo, R. P. Organização prosódica e interpretação de Canções: a frase entoacional em quatro Diferentes interpretações de Na batucada da vida. Dissertação (Mestrado). São José do Rio Preto: Universidade Estadual Paulista, 2006. Johnstone, T.; Scherer, K. R. Vocal Communication of Emotion. In: Lewis, M.; Haviland, J. Handbook of Emotions, 2 ed., p. 220-235, New York: Guilford Press, 2000. Laukka, P. Vocal Expression of Emotion: Discrete Emotion and Dimensional Accounts. Acta Universitatis Upsaliensis. Sweden, 2004. Ladefoged, P. Elements of acoustic phonetics. Chicago: University of Chicago, 1974. Nespor, M.; Vogel, I. Prosodic Phonology. Dordrecht: Foris Publications, 1986. Orsini, M. T. Análise entoacional das construções de tópico. IX Congresso Nacional de Linguística e Filologia, Rio de Janeiro, 2005. Scarpa, E. Estudos de Prosódia. Campinas: Editora UNICAMP, 1999. Scherer, K. R. Vocal Communication of Emotion: A Review of Research Paradigms. In: Speech Communication, v. 40, p. 227-256, 2003. Scherer, K. R. Non-linguistic indicators of emotion and psychopathology. In: Izard, C.E. (Ed.), Emotions in Personality and Psychopathology, New York, NY: Plenum Press, p. 495-529, 1979. Vaz, N. M., Idéias para uma nova imunologia. In: Ciḙncia Hoje II, v. 7, p. 32-8, 1983. Anexo Texto I (extraído de Vaz 1983 [pág. 33, item 2]): A reatividade dos linfócitos, as células do sangue que fabricam anticorpos, são individualizadas. Em cada organismo, as células do fígado são provavelmente iguais entre si, as da pele também, mas os linfócitos são diferentes uns do outros. Cada um difere do seguinte por possuir na membrana diferentes receptores, moléculas que garantem a aderḙncia a certas estruturas (ou a

12 Aline M. O. Vassoler capacidade de fixar certas substˆancias). Assim, o linfócito seguinte adere as estruturas diferentes. Para ser mais exato, as diferenças existem entre clones de linfócitos. Quando um determinado linfócito se multiplica e gera duas, quatro, oito milhares de cópias idḙnticas, este conjunto constitui um clone linfocitário. Dentro de um mesmo clone, os linfócitos são iguais: tḙm os mesmos receptores de membrana, aderem às mesmas coisas, participam das mesmas interações.