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Transcrição:

CONSELHO SUPERIOR DA MAGiSTRATURA GABINETE DE APOIO AOCE.E5IDENTE E AOS MEMBROS Exmo. Senhor Presidente da Comissão Dr. Fernando Negrão Comissão de Assuntos Constitucionais, Direito, Liberdades e Garantias Assembleia da República Palácio de São Bento 1249-068 Lisboa VI Refernc1a: VI Data: NIReferncIa: Oficio n. Data: 1 201X1111. CÂCDLG/2014 11-02-2014 2014/Pastal.lIAct Legislativa 2663 10-04-2014 ASSUNTO: Exrno. Senhor Presidente da Comissão b -IkO ijetf Tenho a honra de remeter a V. Ex. cópia do parecer relativo ao assunto supra enunciado, elaborado pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora, Dr.a Anabela Luna de Carvalho. Com os melhores cumprimentos,a. hn..tt 4JL5.Á.i.. L iei A Chefe do Gabinete do Vice-Presidente do CSM, A]bertina Pedroso (Juíza de Direito) L? r C4&; 413 e ARS 1!1 Rua Mouzinho da Silveira. n. 10 1269-273 Usboa Telefone: 213 220 020a Fax: 213474918 http:/fwww.csm.org.pt csm@csmorg.pt

Nota prévia Foi-nos solicitado que, em representação do CSM e integrado no Grupo de Trabalho para a Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina, procedêssemos à elaboração dum parecer sobre o Projeto de Lei no 5O4/Xif/3 (BE) alusivo ao terna. Colhemos igualmente duas outras iniciativas legislativas, da responsabilidade dos grupos parlamentares do CDS (Projeto de Lei no 5.Z5/XU/3a) e do PSD (Projeto de Lei n 51 7/J(jJ/3a), que decerto ser-nosiam de futuro enviadas para apreciação, considerando útil a sua apreciação conjunta. Assim, segue o nosso parecer: Parecer sobre Projetos de Lei Para a Criminalização Autónoma da Mutilação Genital Feminina A) A RAZÃO DE SER DA CRIMINALIZAÇÃO 1 - A realidade conhecida Internacionalmente A mutilação genital feminina (MGF) é uma prática em que uma parte óu a totalidade dos órgãos sexuais de mulheres e crianças são removidos. Estima-se que entre 100 a 140 milhões de meninas e mulheres em todo o mundo tenham sido sujeitas a Mutilação Genital Feminina e, estima-se que 3 milhões de meninas estejam em risco de a tal se sujeitarem, em cada ano (dados da UNICEF). Esta prática viola o direito à saúde, à segurança e integridade fisica, o direito a não sofrer qualquer forma de tortura ou crueldade,

provoca danos físicos e psicológicos irreversíveis, pode levar à transmissão da SIDA ou HIV e, pode ter como resultado a morte. Sendo, assim, um imperativo a criminalização desta prática que constitui uma grave violação dos direitos humanos e uma extrema 1. forma de discriminação contra as mulheres II A realidade constatada Nacionalmente Portugal é considerado pela Organização Mundial de Saúde um país de risco para a prática da Mutilação Genital Feminina, na medida em que recebe pessoas oriundas de países onde esta prática é comum. Desconhece-se, ainda, a dimensão do fenómeno em Portugal. Ignora-se, por exemplo, o número estimado de meninas e mulheres que aqui vivendo, tenham sido mutiladas, fora ou dentro do País, mas essa realidade tem uma expressão preocupante considerando os estudos já iniciados, nomeadamente em meio hospitalar. Na sua atividade clínica os profissionais de saúde tem-se confrontado com esta situação, podendo ser referido um estudo efetuado junto de profissionais de saúde da Maternidade Alfredo da 2, que consultamos, onde se constata que, num universo de 112 Costa inquéritos, 44 dos inquiridos (39%) já tinham observado pelo menos uma mulher com MGF (correspondendo a 22 médicos, 20 enfermeiros e 2 auxiliares de ação médica/administrativos). 9 deles haviam já sido Art. 38 da Convenção de Istambul: Mutilação Genital Feminina: 1-As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se revelem necessárias para assegurar a criminalizaço da conduta de quem intencíonalmente: a) Praticar a exciso, infibulação ou qualquer outra mutilação total ou parcial da lábia majora, da lábia minora ou do clitóris duma mulher; b) Constranger ou criar as condições para que uma mulher se submeta a qualquer um dos atos enumerados na alínea a) c) incitar, constranger ou criar as condições para que uma rapariga se submeta a qualquer um dos atos enumerados na alínea a). 2 Consultamos o trabalho publicado na Ata n2 2 de 2013 da Federaço das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia Portuguesa in www.fspog.com/pt/revistas/1-18-29/

B) A RAZÃO DE SER DA CRIMINALIZAÇÃO AUTÓNOMA A MGF existe, assim, em Portugal. entregue em resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português; menor, desde que o agente seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou d) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144.2, 163. e 164.2, sendo a vitima aplicável a factos cometidos fora do território nacional: 1 - Salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal portuguesa é ainda 4Artigo 5.2 Factos praticados fora do território português Artigo 144.2 é punido com pena de prisão de dois a dez anos. a) Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e permanenten,ente; d) Provocar-lhe perigo para a vida; Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a: incurável; ou c) Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou b) Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais, de Ofensa à integridade física grave procriação ou de fruição sexual, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem; de 2007) revelou-se insuficiente. Mas os resultados demonstram que a integração desta prática no artigo 144 (ofensa à integridade fisica grave) do Código Penal (redação desse modo, Portugal à Convenção de Istambul assinada em 2011 e ratificada em 2013. criminalizados na revisão do Código Penal de 2007, antecipando-se, Os atos que integram esta prática nefasta foram, assim, d)4. a atos praticados fora do território português, por via do art. 50 no 1 ala como Ofensa à Integridade Física Grave (artigo com aplicação também A MGF está enquadrada no Código Penal Português no art. l44, havia já sido contatado para a execução/realização de MGF. consultados explicitamente por uma sequela desta prática e, 1 médico

O resultado dos inquéritos criminais até ao momento instaurados vieram chamar a atenção para a necessidade de haver definição precisa da factualidade - MGF - independentemente dos resultados, ainda que estes possam ser tidos em conta para eventuais agravamentos. - Assim: Tomamos conhecimento num seminário realizado a l9-o22o 14 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da UNL, dedicado à prevenção e combate desta prática, em tema abordado pela Exa Procuradora da República presente, que os 3 ou 4 casos investigados em Portugal tinham abortado» na fase de inquérito, porquanto: - nos casos, em que a mutilação integraria o jue em classificação médica se considerava do Tipo 1 (mera remoção do prepúcio ou citoris), ou seja, a situação menos grave, os senhores peritos médicos tinham considerado não ter sido afetada de forma grave a capacidade de fruição sexual da vítima (único requisito em jogo, no caso investigado), pelo que, a alínea b) do art. 144 do CP, exigindo a afetação da fruição sexual, foi afastada, sem possibilidade de integração doutras alíneas; - a desfiguração grave (ainda que permanente) não se verificava, pelo que a alínea a) do art. 144 não tinha aplicação; igualmente não existiriam evidências de provocação de doença particularmente dolorosa ou permanente ou de perigo para a vida, pelo que, também as alíneas c) e d) do art. 144 não teriam aplicação. - por sua vez, os exames médicos não conseguiram precisar a data provável das lesões de modo mais preciso do que «terem mais ou terem menos de 10 dias. - a integração subsidiária da prática do facto na previsão do crime de ofensas corporais simples (art. 143 do CP), com pena máxima de 3 anos de prisão, além de desrespeitadora da definição de MGF pela

Por sua vez a aplicação do artigo 145 do CP em abstrato, de especial censurabiidade ou perversidade do agente integridade fisica qualificada), por recurso à circunstância reveladora, 6 (ofensa à de 5 anos (art. 118 n 1 ala c) do CP). 143 n 2 do CP) e conduziu a uma prescrição dos factos no curto prazo indefesa revelava-se remoção parcial ou total dos órgãos genitais externos da mulher ou que provoque lesões nos mesmos por razões não médicas. - Ofensa à integridade física qualificada 1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstãncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.; b) Com pena de prisão de três a doze anos no caso do artigo 144. circunstâncias previstas no na 2 do artigo 132. Prevendo o art.132 como circunstâncias reveladoras de censurabilidade : a) Ser descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima; ou c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez. 2- São suscetíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as 6Artigo 145. 5A Organização Mundial de Saúde define a MGF como qualquer procedimento que envolva a procriação, de capacidade de trabalho, etc, tudo isso, de maneira grave, resultados como, a perda de fruição sexual, de capacidade de preceito normativo que condiciona a prática do crime a um conjunto de ao secretismo desta prática, mas em particular à existência de um A inexistência de casos levados a julgamento, deve-se, não tanto uma redundância jurídica. obstáculos que a lei atual não logrou ser capaz de ultrapassar, não é Assim, a criminalização autónoma que vise ultrapassar os cobertura a casos merecedores de punição. de melhor integração social, sendo tal norma, só por si incapaz de dar pensam que estão a fazer o melhor para as suas filhas, numa perspetiva afmal e, em concreto, desajustada, pois que, no contexto cultural e tradicional em que tal prática é realizada, os pais como o caso de ser o mesmo ascendente da vítima ou ser esta criança OMS 5, fez com que o procedimento criminal dependesse de queixa (art.

colocando, por consequência, em questão, a necessidade de queixa e fazendo funcionar um prazo curto de prescrição. Assim, ficam de fora um número de casos sem punição. Impõe-se por isso criar uma melhor técnica legislativa que ofensa à integridade fisica grave previsto no art. 144 do CP, tipos de crimes de ofensas corporais, nomeadamente com o crime de B) - a compatibilização do novo tipo legal de crime com os demais Para prevenir situações que, em sede de defesa, possam vir a surgir e possam desvirtuar a intenção legislativa, como por exemplo, o residentes ou radicados em Portugal, a invocação de razões de aceitação da definição dada pela Organização Mundial de Saúde à MGF, usasse a expressão por razões não médicas. apelo a razões de natureza cultural e antropológica (pois que, sendo social ou com cobertura religiosa podem, porventura, desculpabilizar a ilicitude), acolheríamos de bom grado uma redação que à semelhança uma prática tradicional, um ritual cultural praticado por grupos étnicos sua prâtica, no âmbito do artigo Artigo 17. do CP - Erro sobre a permitindo-se a sua interpretação fácil, quer por profissionais forenses quer pelo público alvo em geral, de modo a tornar natural a sua discussão em atos públicos de educação e sensibilização. A) - uma redação simples e simultaneamente exaustiva, Para o efeito propugnamos: dos atos que contempla, conduzindo ao seu abandono e eliminação da investigatória e punitiva e ter o adequado poder dissuasor da prática realidade social O novo tipo legal de crime deve garantir a sua eficácia lei. permita uma interpretação sem fugas e uma mais eficaz aplicação da dando relevância a pressupostos que não o deviam ter, e desse modo, desagravando o crime, colocando-o no patamar do art. 143 do CP,

meninas e mulheres independentemente da idade, da sua capacidade prática. de avaliação e de terem formulado, ou não pedido de sujeição a tal artigo 149 do CP 7) e, por isso - considerando como ofendidas todas as indisponíveis, irrelevando o consentimento (afastando a aplicação do C ) - a consideração de que os direitos protegidos são Consentimento amplitude previsível da ofensa. nomeadamente, os motivos e os fins do agente ou do ofendido, bem como os meios empregados e a 2 - Para decidir se a ofensa ao corpo ou à saúde contraria os bons costumes tomam-se em conta, 1 - Para efeito de consentimento a integridade física considera-se livremente disponível. 7Artigo 149. «Mutilação Genital Feminina Cria o art. 145-A do Código Penal L Projeto de Lei n 504/XII/3 do Bloco de Esquerda ECDS C) APRECIAÇÃO DOS DIVERSOS PROJECTOS DE LEI: BE, PSD iminentes. possibilidade de escutas telefónicas ou afins para despistar situações F )- Devia igualmente, em sede processual, ser prevista a ala d) do CP a tal prática. origem onde lhes é realizada a MGF) por expressa aplicação do art. 50 menores que são enviadas, durante as férias escolares para os países de E )- a criminalização de atos praticados no estrangeiro (caso das punição dos atos preparatórios. D) - a natureza pública, punindo-se a tentativa e prevendo-se a nomeadamente na sua moldura penal, por serem equivalentes os bens jurídicos protegidos.

anos» mencionados no número anterior é punido com pena de prisão de 2 a 10 2- Quem incitar ou providenciar os meios para os atos genital feminino, nomeadamente os grandes lábios, pequenos lábios ou ou qualquer outra mutilação total ou parcial da parte externa do aparelho clitóris, é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos. gravidez. prática delituosa: a) Ser descendente ou ascendente, adotado ou adotante, da vítima (...) c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou art. 132 contemplará então estas duas realidades muito presentes nesta artigo 145 do Cl?, o qual remetendo para as circunstâncias do n 2 do qualificação do novo tipo legal em conformidade com o estabelecido no isso, résposta a situações merecedoras de punição. para contemplar as situações mais básicas de MGF, não dando, por Tal agravamento, a nosso ver, não tem qualquer justificação, na tipo legal atual (art. 144) não logrou, dada a sua inadequada redação medida em que, o que está em causa é tomar efetiva a punição que o qualificado suscita-nos algumas reservas. por isso coloca-o sistematicamente abaixo do art. 145 (Ofensa à suficientemente abrangente. 1- Quem praticar ou forçar uma mulher à excisão, infibulação, - A definição do tipo legal de crime mostra-se simples, clara e - Equipara A equiparação do novo tipo legal a um crime de ofensas corporais E, menos se justifica se pensarmos na possibilidade de a MGF a um crime de ofensas corporais qualificado e, integridade fisica qualificada) atribuindo-lhe a moldura penal abstrata deste último, ou seja, prisão de 3 a 12 anos.

penal do atual art. 144 do CP, permitindo a sua qualificação ou justificado em relação ao prazo de prescrição que, em vez de ser de 10 O agravamento da moldura penal abstrata apenas poderia ser agravação apenas por via do artigo 145 do CP. mutilação genital feminina é punido com pena de prisão até 3 anos. 3. Quem constranger, incitar ou prestar ajuda à prática de de qualquer outra prática, é punido com pena depnsão de 3 a 12 anos. anterior determinado por pedido sério, instante e expresso da vítima, é punido com pena de prisão até 3 anos. 2. Quem praticar qualquer dos atos previstos no ni2mero do sexo feminino, através de clitoridectomia, de infibulação, de excisão ou 1. Quem mutilar genitalmente, total ou parcialmente, pessoa «Mutilação genitalfeminina Cria o artigo 144-A do Código Penal II. Projeto de Lei n 515/XII do CDS causa, caso a qualificação e medida da pena fossem igualadas à atual art. 145 do CP. previsão do art. 144 do CP, sem prejuízo de qualificação por via do Assim, na nossa opinião, melhor acolheríamos a previsão em Istambul. - Dá satisfação ao preceituado no artigo 38 da Convenção de Mantém a natureza pública do crime. - Contempla no n 2, a autoria moral e os atos preparatórios. no caso. CP). Contudo, cremos que essa alteração, por tais razões, não se impõe, anos para o tipo-base, passaria para 15 anos (art. 118 n 1 ala a) e b) do manter a classificação de ofensa grave (e não qualificada) e a moldura Assim cremos mais consentâneo com a unidade do sistema

6. A tentativa é punível. agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. considera disponível. 5. Para efeitos do presente crime, a integridade flsíca não se capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída, o tipo legal (prisão de 3 a 12 anos) em relação ao crime de Ofensa à anos). justificação para o agravamento da moldura penal abstrata deste novo integridade fisica grave, previsto no art. 144 do CP (prisão de 2 a 10 Relativamente à previsão contemplada no n 1, não encontramos a moldura penal consoante a constrangida seja menor de 16 anos ou situação não nos - merece qualquer particular reparo, embora sejamos tendencialmente favoráveis a normativos mais simples e unificados. em que tem 16 anos ou mais, tratando de forma mas grave a primeira sendo maior tenha a sua capacidade de avaliação diminuída, daquelas o n 3 e o n 4 prevendo a punição de quem constrange diferencia correspondente com a realidade, do n 2, pela defesa. Na prática, em julgamento, é de prever a utilização abusiva e não ver, representa uma desvalorização excessiva do crime, ser mutilada a pena cal para pena de prisão até 3 anos, o que a nosso sobrevalorizando a figura do pedido sério e insistente», a qual abre as pena de prisão de 3 a. 12 anos, mas se a vítima tiver pedido muito para portas para uma quase disponibilidade» ou uma meia disponibilidade» da integridade fisica, no caso. Assim, quem mutilar genitalmente uma mulher será punido com sub-tipo (3 a 12 anos, até 3 anos, 1 a 5 anos), o que pode conduzir a alguma incoerência ou dificuldade de aplicação da lei ao caso concreto. excessivos sub-tipos e molduras penais demasiado díspares para cada Salvo o devido respeito, dentro do mesmo tipo legal, encontramâs: ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a sua 4. Se a pessoa constrangida, incitada ou a quem se presta

por isso, resposta a situações merecedoras de punição. justificação, na medida em que, o que está em causa é tornar efetiva a redação para contemplar as situações mais básicas de MGF, não dando, punição que o tipo legal atual (art. 144) não logrou, por inadequada seguinte redação: Altera ainda o art 50 ala d) do Código Penal, o qual passa a ter a pena de prisão até 3 anos» atos descritos no n 1 ou criar as condições para esse fim é punido com 3- Quem incitar uma mulher a submeter-se a qualquer um dos stbmeter-se a qualquer um dos atos descritos no número anterior. 2- Na mesma pena incorre quem constranger uma mulher a de uma mulher é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos. mutilação total ou parcial dos grandes lábios, pequenos lábios ou clitóris 1- Quem proceder à excisão, infibulação ou qualquer outra «Mutilação genital feminina Cria o artigo 144-A do Código Penal III- Projeto de Lei n 517/XII do PSD no art. 144 do CP. penal prevista para o crime de ofensa à integridade fisica grave, previsto relevasse o pedido sério da vítima e se não se afastasse da moldura Em suma, melhor acolheríamos a previsão em causa se não do CP). Contudo, cremos que essa alteração não se mostra no caso, anos, como atualmente, passaria para 15 anos (art. 118 n 1 ala a) e b) justificado em relação ao prazo de prescrição que, em vez de ser de 10 premente. O agravamento da moldura penal abstrata apenas poderia ser anteriormente, tal agravamento a nosso ver não tem qualquer Como supra referimos em relação ao projeto analisado

encontrado em Portugal e não possa ser extraditado ou entregue em instrumento de cooperação internacional que vincule o Estado Português. resultado de execução de mandado de detenção europeu ou de outro Uma Nota Final: Com tais reservas, o texto legal tem o nosso acolhimento. consentimento/ pedido expresso. Deveria ser explicito relativamente à irrelevância do Deveria contemplar a punição dos atos preparatórios. Contempla, a punição de atos praticados no estrangeiro. previsão no n 3. trata mais do que um constrangimento moral, esse porventura, com equiparando quem força a quem pratica, e reforçando a ideia que se porque mais expressiva da ação que se pretende contemplar, Assim, deve a mesma ser substituida pela expressão forçar» constrangimento moral, pode não ser a mais adequada. constrangimento prevista no n 2, se pensada numa perspetiva de Em segundo lugar consideramos que a expressão antecedentes apreciações as razões dessa posição. ao crime de ofensa à integridade fisica grave. Remetemos para as não se justifica um agravamento da moldura penal abstrata em relação observámos, em relação aos projetos antecedentes, consideramos que a respeitante à moldura penal abstrata. Como anteriormente A primeira observação que se impõe é, a par dos casos anteriores, A, 163 e 164, sendo a vítima menor, desde que o agente seja «ci) Quando constituírem os crimes previstos nos artigos 144, 144 -

Sentimos o dever de informar que a subscritora deste parecer, sendo magistrada judicial, não é, há vários anos, aplicadora/intérprete do direito penal. Falta-nos, assim, um treino, para um contributo que desejaríamos mais especializado. Anabela Luna de Carvalho - CSM.