O Desenvolvimento da matéria médica



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Transcrição:

Introdução A fitoterapia chinesa é tão antiga que sua história se confunde com a história da própria Medicina Tradicional Chinesa (MTC). Até muito recentemente, pouco se conhecia a respeito da forma de medicina praticada na China antes da compilação do Clássico do Imperaor Amarelo (Huang di nei jing). Algumas poucas evidências mostram que por volta de 2000 a.c. essa medicina era bastante diferente daquela que conhecemos hoje. Naquela época, a tarefa de curar era da responsabilidade de shamans, em sua maioria do sexo feminino que, se vestindo com indumentárias que os tornava parecidos com os pássaros, faziam evocações e praticavam rituais de cura. Foi após a compilação do Nei jing que MTC começou a tomar os contornos que ela tem nos dias de hoje. O Nei Jing, cuja autoria é desconhecida, foi compilado entre os anos de 200 a.c. e 100 a.d., é dividido em duas partes, o Su Wen e o Ling Shu, e introduz as bases filosóficas e teóricas da MTC. No Nei Jing, matérias como saúde e doença são descritas como sendo fenômenos naturais, resultado da interação do indivíduo com o ambiente que o circunda. Embora mais dedicado a acupuntura, a fitoterapia, a orientação alimentar e a prática de exercícios físicos estão entre as modalidades terapêuticas nele citadas. A descoberta de onze manuscritos nas escavações da tumba de Ma Wang Dui, em 1973, trouxe informações que mudaram a idéia que se tinha a respeito da medicina praticada na antigüidade. Estudos posteriores indicaram que esses textos, escritos sobre a seda e que não faziam parte da cadeia de transmissão de conhecimento médico, foram concebidos por volta de 1065 a.c. 771 a.c. Alguns desses trabalhos apresentam discussões sobre exercícios físicos, dietas alimentares e terapias de canais, na forma de moxabustão. O mais importante desses textos é exatamente um tratado farmacológico conhecido como Prescrições para Cinqüenta e Duas Doenças (Wu shi er bing fang). Neste trabalho, substâncias medicinais e poderes sobrenaturais são combinados e utilizados de uma forma totalmente diferente daquela conhecida pela tradição médica da época. Mais de 250 substâncias, similares às encontradas em tratados fitoterápicos posteriores, são listadas com o objetivo de, junto com encantamentos, espantar maus espíritos e demônios. A partir do final da dinastia Han (25-220 a.d.), época em que o Nei Jing recebeu suas mais importantes contribuições, é que a tradição fitoterápica chinesa realmente se inicia com a publicação do livro conhecido como O Clássico da Matéria Médica do Divino Fazendeiro (Shen nong ben cao jing) e do Tratado do Frio Nocivo (Shang han lung), do estudioso Zhang Zhong Jing. O trabalho de Zhang Zhong Jing se tornou a fonte de todos os manuais de fórmulas

fitoterápicas e o Clássico da Matéria Médica do Divino Fazendeiro, o primeiro tratado a se concentrar na descrição individual das substâncias medicinais. O Clássico da Matéria Médica do Divino Fazendeiro contém um total de 365 entradas, uma para cada dia do ano. 252 das substâncias nele citadas são de origem vegetal, 45 de origem mineral e 67 substâncias de origem animal. O termo propriedade das substâncias medicinais (referindo-se apenas aos métodos de preparo de cada substância) aparece pela primeira vez no seu prefácio. Tao Hong Jing mais tarde, dividiria as substâncias em superiores, médias e inferiores. As substâncias superiores nutririam a vida, as médias os tipos constitucionais (xing) e as inferiores seriam utilizadas no tratamento das patologias. Cada substância é avaliada pôr sua característica de sabor (wei), de temperatura (qi) e seus efeitos medicinais são descritos em termos da sintomatologia apresentada. A utilização de cada substância baseia-se somente em suas propriedades terapêuticas e não em seus supostos poderes sobrenaturais. A partir deste ponto, a fitoterapia desenvolve-se através da adição contínua de novas substâncias, junto a uma reavaliação das substâncias já conhecidas, e através da elaboração de elos entre as teorias da MTC e os efeitos clínicos empiricamente observados dessas substâncias. O Desenvolvimento da matéria médica A farmacopéia chinesa vem sofrendo modificações e atualizações pôr pelo menos dois mil anos. A adição de novas substâncias é resultado da introdução, na tradição oficial, de substâncias de conhecimento popular não só da China mas de diversas partes do mundo. Muitas das substâncias empregadas hoje na MTC são oriundas de lugares como o sudeste da Ásia, da Índia, do Oriente Médio e das Américas. A primeira matéria médica a surgir depois de Tao Hong Jing foi, A Nova e Revista Matéria Médica (Xin xiu ben cao - 659 A.D.), também conhecida como A Matéria Médica de Tang (Tang ben cao) por ter se tornado a farmacopéia oficial da dinastia Tang. Ela contém 844 entradas e foi a primeira matéria médica ilustrada de toda a China. O trabalho de Tang Shen Wei, conhecido como Matéria Médica Arranjada de Acordo com os Padrões de Desarmonia (Zheng lei ben cao - 1108 A.D.) se tornou a principal matéria médica utilizada na dinastia Song (960 1279 A.D.) e lista 1.558 substâncias. O mais celebrado livro sobre fitoterapia da antigüidade, A Grande Matéria Médica (Ben cao gang mu) foi editado postumamente em 1596 A.D. e traduzido para diversos idiomas. Das 1.892 substâncias nele listadas, 1.173 são de origem vegetal, 444 de fontes animais e 275 são de origem mineral. A tradição continua até a era moderna com a publicação, em 1977, de um projeto de 25 anos da escola de Jiangsu entitulado Enciclopédia das

Substâncias da Medicina Tradicional Chinesa (Zhong yao da ci dian). Este livro lista 5.767 substâncias medicinais e é a compilação definitiva da tradição fitoterápica da China até os dias de hoje. O Desenvolvimento da teoria A principal diferença entre o Clássico da Matéria Médica do Divino Fazendeiro e textos mais modernos é que não há, no texto mais antigo, nenhuma tentativa de estabelecer uma conexão teórica entre as propriedades das substâncias (temperatura, sabor, etc.) e seus efeitos terapêuticos. Embora o Clássico da Matéria Médica do Divino Fazendeiro mencione os cinco sabores em seu prefácio, o seu significado não é totalmente explicado. Somente no final da dinastia Sui (581 618 a.d.) e início da dinastia Tang (618 907 a.d.) é que tais conexões começam a ser feitas, com a publicação do livro Matéria Médica das Propriedades Medicinais (Yao xing ben cao). Este trabalho discute a combinação, a reação, o sabor, a temperatura, a toxidade, a função, as principais aplicações clínicas, o processamento e a preparação das substâncias nele listadas. As propriedades das substâncias medicinais A primeira das propriedades das substâncias medicinais é a sua temperatura ou, como também é conhecida, os quatro tipos de Qi. Existem cinco designações principais para descrevêla: quente (rè), fria (hàn), morna (wen), fresca (liáng) e neutra (píng). Existem também, variados graus de calor e de frio e, algumas vezes, termos como ligeiramente frio (wei hán), que significa um pouco mais para a temperatura fria (hàn) que para fresca (liáng), e ligeiramente morna (wei wen), que indica uma temperatura um pouco menos quente que a morna (wen), também podem ser encontrados. A partir dessas informações, já se pode delinear algumas das situações clínicas em que cada substância irá ser utilizada. Em seu capítulo 74, o Nei Jing afirma que distúrbios de natureza quente devem ser resfriados e distúrbios de natureza fria devem ser aquecidos. É importante notar que definições relativas à temperatura das substâncias medicinais são subjetivas e se baseiam exclusivamente na reação do paciente, quando este é submetido a uma determinada substância. Por essa razão, variações nas temperaturas de algumas substâncias podem e serão encontradas em diferentes textos. Uma outra propriedade das substâncias medicinais, inclusive já mencionada tanto no Clássico da Matéria Médica do Divino Fazendeiro como no Nei Jing, é o sabor (wei). Os cinco

sabores descritos são: o picante (xin), o doce (gan), o amargo (ku), o azedo (suan) e o salgado (xian). As substâncias que não possuem nenhum desses sabores são consideradas como possuidoras do sabor brando ou insípido (dan). As substâncias medicinais podem ainda ser descritas como tendo propriedades aromáticas (xiang) e adstringentes (sè). Substâncias aromáticas são aquelas que possuem a habilidade de penetrar atravéz de uma turbidez e despertar uma função que estava sendo reprimida. Adstringentes, característica essa associada ao sabor, são aquelas substâncias que tem a habilidade de prevenir ou interromper uma extravasão de líquidos. Na Medicina Tradicional Chinesa, o sabor de uma substância determina, parcialmente, sua função terapêutica. Substâncias de sabor picante, dispersam e geram movimento. Substâncias de sabor doce tonificam, harmonizam e, em alguns casos, umedecem. Substâncias amargas drenam e secam. Substâncias de sabor azedo adstringem e previnem ou revertem uma extravasão de fluidos. Substâncias de sabor salgado purgam e amolecem. Finalmente, substâncias de sabor brando eliminam a umidade e estimulam a diurese. O Nei Jing menciona também proibições e precauções contra o uso de determinados sabores. O sabor picante viaja no Qi e, portanto, nos distúrbios do Qi, não utilize alimentos de sabor picante em quantidades excessivas. O sabor salgado viaja no Sangue e, portanto, nos distúrbios do Sangue, não faça uso de alimentos salgados. O sabor amargo viaja nos ossos e, portanto, em distúrbios que atingem os ossos não utilize alimentos amargos. O sabor doce viaja na carne e, portanto, nos distúrbios da carne não empregue alimentos de sabor adocicado. O sabor azedo viaja nos tendões e, portanto, não utilize alimentos de sabor azedo nos distúrbios dos tendões. O Desenvolvimento das ações terapêuticas das substâncias medicinais A idéia de se fazer a ligação entre uma determinada substância medicinal e suas ações e indicações terapêuticas foi se desenvolvendo ao longo tempo. Por exemplo, o Nei Jing já mencionava a relação entre os sabores das substâncias e os órgãos Yin: o sabor azedo entra no Fígado, o picante nos Pulmões, o sabor amargo entra no Coração, o salgado nos Rins e o sabor doce entra no Baço. As ações terapêuticas de uma determinada substância podem, de uma forma geral, ser descritas em função de suas propriedades (sabor e temperatura). Assim, uma substância de sabor picante e temperatura morna pode ser empregada no tratamento de um distúrbio de origem externa associado ao frio, uma substância de sabor picante e temperatura fresca pode ser utilizada contra um distúrbio externo de natureza quente e assim por diante. Uma conseqüência

natural desta discussão é o sistema dos oito métodos terapêuticos (ba fa), já descrito explicitamente por Cheng Zhong Ling no início do século XVIII, no trabalho entitulado Revelações Médicas (Yi Xue Xin Wu). O método de se agrupar substâncias medicinais de acordo com suas ações terapêuticas vem sendo empregado desde a dinastia Qing (1644 1911) e forma a base para a classificação das substâncias medicinais em categorias de ação. Os oito princípios terapêuticos (ba fa) são: promover a transpiração (hàn), induzir o vômito (tù), purgar (xià), harmonizar (hé), aquecer (wen), limpar (qing), tonificar (bu) e sedar (xiao). A mais importante das relações, a relação entre uma substância medicinal e uma patologia ou desarmonia de um órgão interno aparece, pela primeira vez, no século XII, nos trabalhos de Zhang Yuan Su entitulados Origens da Medicina (Yi Xue Qi Yuan) e Bolsa de Pérolas (Zhen Zhu Nang). Zhang Yuan Su escreve, por exemplo, que a substância Huang Lian (Rhizoma Coptidis) drena o fogo do Coração, que Huang Qin (Radix Scutellariae Baicalensis) dispersa o fogo dos Pulmões e que Zhi Mu (Rhizoma Anemarrhenae

Substâncias que Aliviam o Exterior Introdução As substâncias que aliviam o exterior são as substâncias que possuem a ação terapêutica de dispersar um agente patogênico, de origem externa (vento-frio, vento-calor, vento-umidade e summerheat), das camadas mais superficiais do organismo como, por exemplo, a pele e os músculos. Esta condição manifesta sintomas bem específicos como a febre acompanhada de uma sensação de aversão ao frio (ou calafrio), dor de cabeça, rigidez no pescoço e dores generalizadas pelo corpo. Em algumas ocasiões, ocorre ainda uma leve transpiração que, em algumas ocasiões, dispersa o agente patogênico e dispensa a necessidade de qualquer tipo de intervenção por parte do terapeuta. Em outras ocasiões, entretanto, essa transpiração não é capaz de dispersar o agente patogênico, ou ainda, nehuma transpiração é observada. É na ocorrência dessas duas últimas possibilidades que as substâncias que aliviam o exterior são utilizadas. A grande maioria destas substâncias possui ação diaforética, ou seja, são substâncias que dispersam as influências patogênicas através da indução da transpiração. Segundo um antigo provérbio, Se a doença está na superfície (pele), o suor a expulsará para fora. Algumas das substâncias que aliviam o exterior possuem ainda outras funções terapêuticas como aliviar a tosse e a asma, controlar espasmos e a dor, expulsar o sarampo e as urticárias, etc. SUBSTÂNCIAS MORNAS QUE ALIVIAM O EXTERIOR As substâncias que aliviam o exterior são classificadas, de acordo com suas ações terapêuticas, em morna/picantes e fresca/picantes. As substâncias de propriedade morna e picante tem a característica de dispersar as influências patogênicas associadas ao frio. As principais manifestações dessa condição são a febre (geralmente baixa) acompanhada por sensação de aversão ao frio, ou calafrios (as vezes severos), dor de cabeça, rigidez no pescoço e na nuca, dores generalizadas pelo corpo e ausência de sede.

Ma Huang Nome farmacêutico: Herba Ephedrae. Nome japonês: Mao. Propriedades: Picante, ligeiramente amarga e morna. Canais em que atua: Pulmão e Bexiga. Ação e Indicação: 1- Alivia o exterior e dispersa o frio: nas apresentações externas do tipo vento-frio (estágio Taiyang nas seis divisões), caracterizadas pela sensação de aversão ao frio, febre, dor de cabeça e ausência de transpiração. O pulso é superficial (especialmente nas duas primeiras posições) e tenso. 2- Facilita a circulação do Qi dos Pulmões e alivia a asma: quando um ataque externo do vento-frio causa a obstrução do Qi dos Pulmões gerando a tosse e a asma (especialmente o chiado). Ma Huang tanto favorece a circulação do Qi dos Pulmões quanto o redireciona para baixo. 3- Promove a diurese e reduz edema: especialmente eficaz no tratamento dos edemas associados a distúrbios de origem externa. Cautela e Contra Indicações: Devido a sua fortíssima ação diaforética, a utilização prolongada de Ma Huang (Hb. Ephedrae) não é recomendada. Sua forte ação dispersiva facilmente causa condições de deficiência. O uso de Ma Huang (Hb. Ephedrae) pode elevar a pressão arterial, causar agitação, tremores e deve ser feito com extrema cautela em indivíduos hipertensos. Cautela recomendada também em indivíduos que, além da transpiração e da asma, apresentem também sinais de deficiência. Dosagem: 3g 9g. Recomenda-se utilizar Ma Huang in natura nas apresentações externas e Ma Huang processada no mel no tratamento da asma. Comentários: - Ma Huang é a substância medicinal de maior ação diaforética (abrir os poros e provocar transpiração) de toda a farmacopéia chinesa. - Ma Huang é tão eficaz para promover a circulação e a difusão do Qi dos Pulmões que pode ser utilizada no tratamento da tosse e/ou asma associadas a apresentações internas. - O poder dispersante de Ma Huang é sensivelmente reduzido se esta for processada com água ou mel. - O principal princípio ativo de Ma Huang, a efedrina, tem ação vasoconstritora e, portanto, facilmente promove a elevação da pressão arterial. Embora suave, essa elevação da pressão tende a prolongar-se por mais tempo. A pressão sistólica tende a ser mais diretamente afetada e a elevar-se mais do que a pressão diastólica. Apesar de seu efeito constritor, a efedrina pode causar também a vasodilatação e o aumento do fluxo sanguíneo nas artérias coronarianas.

Gui Zhi Nome farmacêutico: Ramulus Cinnamomi Cassiae. Nome japonês: Keishi. Propriedades: Picante, doce e morna. Canais em que atua: Coração, Pulmão e Bexiga. Ação e Indicação: 1- Harmoniza as camadas nutritiva e de proteção (Ying e Wei repectivamente): nas apresentações externas do vento-frio onde além da sintomatologia característica, ocorrem também sinais de deficiência, especialmente a transpiração. Neste caso, o indivíduo transpira mas nenhuma melhora é observada em seu quadro. 2- Promove o aquecimento dos canais (meridianos) e dispersa o frio: no tratamento das obstruções articulares dolorosas (Bi), especialmente as associadas a uma invasão do vento-frio-umidade nos membros superiores. Utilizada também no tratamento da dismenorréia quando esta estiver associada a um estagnação de sangue causada pela ação do frio. 3- Desbloqueia o Yang e transforma o Qi: no tratamento de edemas relacionados a um acúmulo de fleuma-frio ou a uma deficiência de Yang. 4- Promove o aquecimento e facilita o fluxo de Qi no tórax: quando uma estagnação ou deficiência causam o bloqueio do Yang Qi no peito gerando palpitação, sensação de plenitude torácica e bradicardia. 5- Promove o aquecimento e facilita o fluxo do Sangue no interior dos vasos: no tratamento da dismenorréia (acompanhada ou não de massas abdominais), de dores articulares ou dores no peito. Cautela e Contra Indicações Essa substância é contra indicada nos distúrbios febris (associados ao calor), nas deficiências de Yin acompanhadas por sinais de calor e na presença de calor no Sangue. Utilizar com cautela durante a gravidez e na presença de menstruação volumosa. Dosagem: 3g 9g no tratamento de apresentações externas e 9g 15g no tratamento das obstruções dolorosas (síndrome Bi). Comentários: - Essa substância é frequentemente utilizada para guiar o efeito de uma fórmula para os membros superiores.

Zi Su Ye Nome farmacêutico: Folium Perillae Frutescentis. Nome Japonês: Shisoyo. Propriedades: Picante, aromática e morna. Canais em que atua: Pulmão e Baço. Ação e Indicação: 1- Alivia o exterior e dispersa o frio: nas apresentações externas do vento-frio caracterizadas pela febre baixa, aversão ao frio (predominante), dor de cabeça, congestão nasal, tosse e ausência de transpiração. Em algumas ocasiões pode ocorrer ainda uma sensação de plenitude no tórax gerada pela estagnação do Qi dos Pulmões. 2- Harmoniza o Aquecedor Médio e promove movimento do Qi: na presença de náusea, vômito e falta de apetite. 3- Alivia o enjôo na gravidez e acalma o embrião: utilizada para aliviar enjôos matinais durante a gravidez ou para acalmar a agitação fetal (desde que ambos sejam causados pelo frio). 4- Alivia o envenenamento causado pelo consumo de frutos do mar: nesse caso pode ser utilizada sozinha ou combinada a outras substâncias. Cautela e Contra Indicações: Contra indicada nas apresentações de deficiência externa, caracterizadas pela transpiração espontânea, e de umidade-calor no Aquecedor Médio. Dosagem: 3g 9g. Como substância única, a dose pode ser aumentada até 15g. Não deve ser fervida por mais de 15 minutos.

Jing Jie Nome farmacêutico: Flos Schizonepetae Tenuifoliae. Nome Japonês: Keigai. Propriedades: Picante, aromática e ligeiramente morna (muito ligeiramente, quase neutra. Em muitos textos é considerada neutra). Canais em que atua: Pulmão e Fígado. Ação e Indicação: 1- Alivia o exterior e dispersa o vento: nas apresentações externas do vento-frio ou vento-calor dependendo das substâncias com que for combinada. 2- Alivia urticárias e a coceira: no estágio inicial de urticárias, sarampo e outras erupções de pele associadas ao vento. 3- Estanca a extravasão Sangue: utilizada como substância auxiliar no tratamento de hemorragias como metrorragia e melena. Cautela e Contra Indicação: Contra indicada na presença do vento interno do Fígado e de feridas abertas. Dosagem: 3g 9g. Comentários: - Jing Jie (Flos Schizonepetae Tenuifoliae) é tão eficaz para aliviar a coceira que pode ser utilizada para tratar urticárias ou eczemas associados a síndromes internas. - A ação hemostática dessa substância é apenas modesta. Recomeda-se tostá-la até ficar bem escura se for utilizada para esse fim. - Jing Jie (Flos Schizonepetae Tenuifoliae) é comumente combinada com Fang Feng (Radix Ledebouriella).

Fang Feng Nome farmacêutico: Radix Ledebouriella Divaricatae. Nome japonês: Bofu. Propriedades: Picante, doce e ligeiramente morna. Canais em que atua: Bexiga, Fígado e Baço. Ação e Indicação: 1- Alivia o exterior e dispersa o vento: nas apresentações externas do vento-frio caracterizadas pela presença de dor de cabeça, febre, aversão ao frio e dores generalizadas pelo corpo. 2- Expulsa o vento-umidade e alivia a dor: nas obstruções dolorosas (Bi) associadas a um ataque do vento-umidade. É especialmente eficaz se o vento for o fator predominante. 3- Dispersa o vento: utilizada também como substância auxiliar no tratamento de tremores nas extremidades (mãos e pés), no tratamento do vento intestinal oriundo da desarmonia entre o Baço e o Fígado (o vento intestinal se manifesta como diarréia acompanhada de dor e sangue vivo nas fezes), no tratamento de cefaléias associadas ao vento interno do Fígado e da coceira associada a ação do vento. Cautela e Contra Indicação: Contra indicada na presença de espasmos e tremores relacionados a deficiência de Sangue e nas deficiências de Yin acompanhadas por sinais de calor (esta substância possui a característica de secar a umidade o que pode piorar ainda mais uma deficiência de Yin). Dosagem: 3g 9g. Comentários: - Fang Feng (Rx. Ledebouriellae Divaricatae) é mais comumentemente utilizada no tratamento de problemas associados a um ataque do vento-frio porém, devido a sua eficácia, ela pode ser utilizada também em síndromes externas do vento-calor desde que seja combinada com as substâncias adequadas (por exemplo, substâncias diaforéticas de temperatura fresca ou fria). - Fang Feng (Rx. Ledebouriellae Divaricatae) é freqüentemente combinada com Jing Jie (Herba seu Flos Schizonepetae Tenuifoliae).