Índice Pedro Sena-Lino Nota introdutória... 7 Dulce Maria Cardoso Desaparecida... 11 Francisco José Viegas O Manuscrito de Buenos Aires... 23 Gonçalo M. Tavares Bucareste-Budapeste: Budapeste-Bucareste... 37 Hélia Correia Ao seu alcance... 61 Mafalda Ivo Cruz A Colina... 73 Mário Cláudio São Jerónimo e o Leão... 85 Ricardo Miguel Gomes A perdição do sorriso cromado... 99 Rui Zink D. Quixote... 113 valter hugo mãe o criminoso portuguesinho... 137 5
Todos os contos são obras ficcionais, pelo que os factos neles narrados são produto da imaginação dos autores.
Nota introdutória Pedro Sena-Lino
É um crime, caro leitor. Um crime! A vítima somos nós, leitores portugueses, e não há dados que nos apontem para um possível assassino. É praticamente um dado unânime que a literatura portuguesa é vítima de um crime de ausência: a do policial entre a nossa ficção. Há alguns casos isolados, mas na verdade o género, respeitando o modelo anglo-saxónico iniciado por Edgar Allan Poe nos Crimes da Rua Morgue, e continuado por Arthur Conan Doyle em Sherlock Holmes, Raymond Chandler, Agatha Christie, ou na sua vertente noir em Georges Simenon, e noutros ângulos na cultura francesa, alemã e até holandesa, não teve implantação até agora firme na nossa literatura. No Brasil, talvez mais permeável à cultura americana de raiz espanhola ou inglesa, temos alguns casos de sucesso, como Rubem Fonseca. Mas em Portugal o policial teve só eco na mítica Colecção Vampiro, com traduções de títulos estrangeiros. Segundo um especialista em policial, George N. Dove, «a detective story tem quatro qualidades identificáveis: em primeiro lugar, o protagonista é detective, ( ) com um papel de investigação identificável. Segundo, o enredo principal da história é um relatório de investigação e resolução ( )» que é fundamental e central, e de que todos os outros enredos dependem; «terceiro, o mistério não é um problema frequente mas um complexo segredo que parece aparentemente impossível de resolver. Finalmente, o mistério é resolvido; a solução pode ser desconhecida para o detective-protagonista, ( ) mas deve ser conhecida do leitor.» Há, no policial, um acordo tácito e improferível entre leitor e 9
narrador: os dados são-lhe revelados, ele deve colaborar na detecção. Essa é a dimensão intelectual do policial, que actua como jogo de culpa e espelho negro da consciência. Nunca será absolutamente claro o resultado da pesquisa das razões que levam o género policial a ser fértil em determinadas culturas e suas literaturas, e não noutras. Poderíamos abrir um inquérito a um sem-número de suspeitos, talvez iniciando pelo facto da literatura portuguesa ser ainda mais marcada pelo estilo do que pelo enredo, pela beleza e complexidade do texto do que pelo emaranhado do plot; aí, a transitoriedade dos seus objectivos, e o jogo mental que caracterizam o policial, contribuirão para um certo voltar de costas. Ou, quem sabe, por motivos morais: porque talvez as sociedades educadas no protestantismo, que tendem a ter mais centradas moralmente a responsabilidade civil e a consciência colectiva, tornem mais intrínseco a essa cultura a construção do jogo de pistas em que o leitor de policial tem de participar para obter toda a fruição do género. Ou a falta de cultura especulativa na nossa literatura e cultura, que embarga a dimensão de fruição participada e construtiva da dança para três (leitor, protagonista-investigador e narrador) que o policial implica. Ou, ainda, por ausência de obras marcantes no género nos finais do século XIX/ inícios do século XX falha que nem as histórias policiárias de Fernando Pessoa conseguiram redimir (ou alguns livros isolados de Francisco José Viegas ou Ana Teresa Pereira). Talvez a melhor solução seja mesmo um livro de contos policiais, como uma mira atirada à própria cultura de um país. Daí, este livro que tem em mãos: nasceu de um desafio a vários romancistas para que tentassem o género; e aqui tem as experiências investigadas de Dulce Maria Cardoso, Francisco José Viegas, Gonçalo M. Tavares, Hélia Correia, Mafalda Ivo Cruz, Mário Cláudio, Rui Zink, valter hugo mãe. E a estreia de Ricardo Miguel Gomes. Um género só se implanta se tiver autores e leitores: agora tudo depende de si, leitor detectivesco! Novembro de 2008 Pedro Sena-Lino 10