Hidroterritórios e Conflitos da Operação Pipa no Semiárido Paraibano: O Caso do Açude Tavares II

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Transcrição:

Hidroterritórios e Conflitos da Operação Pipa no Semiárido Paraibano: O Caso do Açude Tavares II Thiago da Silva Farias Bacharel em Geografia Universidade Federal da Paraíba thfarias@hotmail.com INTRODUÇÃO A água constitui-se como elemento básico e fundamental para a promoção da vida e o desenvolvimento dos povos e das sociedades. Historicamente, os primeiros núcleos populacionais sempre buscaram ambientes que possibilitassem uma oferta de recursos naturais necessários para a sua ocupação e reprodução ao longo do espaço geográfico, entre eles a água. Conforme Sánchez Bravo (2010), a água consiste como um dos direitos básicos universais, e não é apenas um recurso dotado de valor econômico, mas se configura principalmente como um elemento natural imprescindível para a vida, saúde, desenvolvimento e em quantidade e qualidade de vida ajustada ao valor supremo, que é a dignidade humana. Diante da conjuntura atual de mudanças climáticas a nível global, aliada ao crescimento demográficoe econômico, a demanda pelos recursos hídricos e, principalmente, por água potável, tem se tornado cada vez maior, principalmente em regiões propensas as secas, que no caso brasileiro é exemplificado pelo Semiárido. De acordo com a Convenção das Nações Unidas para o Combate a Desertificação UNCCD (2000), a região Semiárida brasileira está inserida no contexto das drylands (terras secas), que se caracterizam como ambientes naturais com aspectos particulares, entre as principais destaca-se a escassez hídrica. Entre os tipos climáticos inseridos nesse contexto estão os climas desérticos, áridos, semiáridos e sub-úmidos (UNCCD, 2000; FARIAS et al, 2017) Para Ab Sáber (1999) e Araújo (2011) essas regiões apresentam similaridades no que se refere as suas características naturais, sendo essas sempre relacionadas aos

aspectos climáticos, hídricos e de estrutura física. Entre elas as principais são os baixos níveis de umidade, escassez e concentração espacial e temporal das chuvas ao longo do ano, altas temperaturas anuais, solos problemáticos (parcialmente salinos ou com propensão a desertificação) e estrutura geológica de caráter cristalino. Conforme Farias (2018), o comportamento climático do Semiárido brasileiro, é marcado por flutuações, que aliado com os fenômenos provenientes das mudanças climáticas tem impactado cada vez mais a região resultando no aumento da intensidade e dos episódios de estiagens e seca. Atualmente o Nordeste brasileiro vive uma das piores, e se não a maior, seca de sua história, com início em 2012 e, em algumas regiões, estendendo-se até 2018. Os resultados desse fenômeno têm causado uma drástica redução nos níveis dos reservatórios, em consideráveis perdas nas safras agrícolas e na produção pecuária, como também ocasionando impactos nos aspectos sociais e populacionais na região. Porém, mesmo diante de um cenário de seca extraordinária, os impactos sociais foram atenuados, resultado das políticas sociais implementadas ao longo dos últimos 15 anos pelo governo federal. Dentre elas, destacam-se as políticas de convivência com a seca (P1MC e P1+2) oriundas dos movimentos sociais e a Operação Pipa. A Operação Pipa (OP) caracteriza-se como uma política pública de caráter emergencial o qual é responsável pelo fornecimento de água potável nos municípios que decretam situações de emergência ou de calamidade pública no aspecto hídrico. Majoritariamente, esses municípios se localizam no Semiárido Brasileiro, o qual abrange grande parte do Nordeste e o norte de Minas Gerais, regiões marcadas pelo clima seco, do tipo semiárido. Sob a responsabilidade e fiscalização do Exército Brasileiro, através de suas organizações militares, a operação funciona por meio da "terceirização" de carros-pipa particulares, que por meio de editais de licitação, são selecionados para executar a operação. Os carros-pipa são encarregados de captar água de mananciais préestabelecidos pelo Exército, até os municípios contemplados, distribuindo água potável de forma gratuita as populações, sendo os custos da operação sob a responsabilidade direta do governo federal.

De acordo com Farias (2018), o carro-pipa vem sendo empregado na distribuição e no suprimento de água potável no Semiárido e Nordeste brasileiro durante a história recente, especialmente após a instalação e fortalecimento da indústria automotiva no país na década de 50 do século XX. Por razão disto, tem se tornado presença constante na paisagem da região exercendo um papel fundamental no acesso a água na região. Entretanto, por consequência da configuração social da região, marcada por grandes desigualdades, altas concentrações fundiárias, controle político e social imposto pelas elites locais oligárquicas e coronelistas, partes das politicas públicas tem sido apropriadas por estes, desvirtuando suas finalidades para abastecer um fenômeno amplamente conhecido como Indústria das Secas. De acordo com Moreira et al (2008), esse fenômeno baseava-se na utilização do discurso da seca para a captação de benefícios particulares, seja na construção de obras públicas ou favorecimento à terras particulares, ou na autopromoção, que consequentemente propicia o controle político, social e eleitoral. Em razão desse panorama, o qual segundo Garjulli (2002) a postura paternalista/autoritária permeia majoritariamente as relações entre Estado e sociedade, é que ocorre o agravamento das desigualdades e, por conseguinte, resulta na origem e agravamento de conflitos e tensões na região. Segundo Vianna (2005), a água ao tornar-se um recurso, adquire e apresenta valor econômico e político, o qual se converte em objeto de disputa, tornando-a inacessível àqueles que não dispõem de capital suficiente para adquiri-la. Outro fator deve-se aos diferentes usos e apropriações hídricas, que com a anuência ou ausência estatal, podem acarretar em privatizações e usos indevidos. Esse embate contrapõe atores antagônicos o que, consequentemente, ocasiona o surgimento dos conflitos hídricos. Em paralelo a Operação Pipa, muitos carros-pipa particulares têm atuado ao longo dos municípios atingidos pela seca, municiando um verdadeiro Mercado das Águas, que se configura em uma nova roupagem da indústria da seca. De acordo com Vianna (2017), esse novo-velho mercado é comandado pelas elites e políticos locais que, ao observarem as necessidades locais e regionais por água, viram uma

oportunidade de enriquecimento. Essa situação é condicionada principalmente pelo longo período de seca que a região vem sofrendo, o qual muitos sistemas de abastecimento foram racionados ou até mesmo paralisados, onde os carros-pipa particulares atendem aqueles que precisam e podem pagar pela água, seja na zona rural ou urbana. Diante desse cenário, fica a indagação parafraseada de Souza e Silva (2017): Seriam os carros-pipa a salvação ou perdição para a seca no sertão? Diante do exposto, busca-se com esse estudo espacializar, através dos recursos cartográficos, a zona de abrangência do açude Tavares II (Cachoeira Lisa) pela Operação Pipa, assim como identificar os diferentes usos da água desse reservatório, identificando os principais atores e o diagnóstico de possíveis conflitos. Área de Estudo O reservatório Tavares II (Figura 1), também conhecido como Cachoeira Lisa, está localizado no município de Tavares, inserido na bacia hidrográfica do Piancó e possui uma capacidade de 9.000.000 m 3. O município de Tavares localiza-se na mesorregião do Sertão Paraibano, possui uma população de 14.103 habitantes segundo o IBGE (2010), e é limítrofe dos municípios de Princesa Isabel (Oeste), Nova Olinda (Norte), Juru (Leste) e com o estado de Pernambuco (Sul). Figura 1: Localização do Açude Tavares II (Cachoeira Lisa)

De acordo com a Resolução N º 115/2017 da SUDENE, a região compreendese no território do Semiárido brasileiro, de clima de semiárido, marcado por uma alta concentração pluviométrica espacial e temporalmente ao longo do ano, e sujeito a flutuações e variabilidades decorrentes da atuação de fenômenos climáticos com El Niño e o Dipolo do Atlântico. De acordo com Silva et al (2017), a região está inserida no bioma das caatingas, caracterizada por possuir uma vegetação de pequeno porte, típica de caatinga xerofítica, com alta capacidade de adaptação a escassez hídrica e aos solos de pouca profundidade, onde se destaca a presença de cactáceas, arbustos e árvores de pequeno a médio porte. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O Grupo de Estudos e Pesquisa em Água e Território (GEPAT) vem, durante mais de uma década, desenvolvendo pesquisas com enfoque na problemática hídrica na Paraíba, em especial no semiárido paraibano, com diversos trabalhos técnicos, artigos científicos, monografias, dissertações e teses de doutoramento. Desde 2015, por meio de uma de suas linhas de pesquisa, tem-se voltado os seus trabalhos para a compreensão da

atuação e territorialização do carro-pipa e dos programas emergenciais hídricos, em especial a Operação Pipa. Para a realização deste estudo, foram empregados diferentes tipos e métodos de pesquisa, a princípio foi realizado um levantamento bibliográfico e documental a respeito das temáticas das secas e dos recursos hídricos, assim como dos conflitos referentes à água. Em seguida foram utilizadas as técnicas de geoprocessamento, determinantes para a análise espacial e cartográfica, empregando as informações secundárias da Operação Pipa na região, provenientes do Comando Militar do Nordeste (CMNE). Os dados consistiam em informações a respeito dos municípios atendidos pelo manancial analisado, assim como as localizações geográficas dos pontos de atendimento em cada município. Utilizando os dados oriundos dos estudos de Farias (2018), foi possível identificar as rotas utilizadas e, através do software QGIS 2.18 Las Palmas, foi possível gerar os produtos cartográficos essenciais para análise espacial. Essas ferramentas foram necessárias para auxiliar o método de abordagem de conflitos, baseada em Thual (1996) e Vianna (2002), o qual utiliza uma tríade intenção/espaço/tempo (Figura 2) no enfoque e compreensão dos conflitos em recursos hídricos. Essa metodologia busca identificar os atores sociais envolvidos, assim como as suas intencionalidades e suas abrangências espacial e temporal. Figura 2: Representação da abordagem de Thual (1996)

Fonte: LIMA (2009) RESULTADOS E DISCUSSÕES De acordo com os dados obtidos, no ano de 2015, o açude Tavares II (Cachoeira Lisa) era responsável pelo abastecimento, através da Operação Pipa de 11 municípios da região, sendo seis deles pertencentes ao estado da Paraíba e cinco de Pernambuco (Figura 3), o qual 714 pontos de abastecimento (PA s) recebiam as águas do reservatório ao longo dos municípios atendidos. Figura 3: Municípios Atendidos pelo Açude Tavares II, através da Operação Pipa.

Os dados da AESA, responsável pelo monitoramento e gerencia das águas do reservatório indicam que na época, o mesmo apresentava 5.956.333,62 m 3, o que corresponde a aproximadamente 66% de sua capacidade total. Essas informações indicam que a localização do reservatório, situado na região hidrográfica da sub-bacia do Alto Piancó, próximo as nascentes e cabeceiras da referida bacia, o qual o açude caracteriza-se como um primeiro obstáculo as águas do rio Piancó nos eventos de precipitação na região, garantindo uma boa estocagem por meio deste. De acordo com Becker et al (2011), o açude está inserido na região pluviométrica do Alto Sertão e se diferencia por apresentar índices médios de chuvas próximos a 1.000 mm, se concentrando nos primeiros quatro meses do ano, o qual ocorre por meio da atuação de sistemas atmosféricos como os Vórtices Ciclônicos de Ar Superior (VCAS) e a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), permitindo a ocorrência de padrões de precipitações mais elevadas do que regiões do estado mais próximas ao litoral, a exemplo do Agreste Paraibano. As informações repassadas apenas indicam apenas os pontos de abastecimento que eram atendidos pelo manancial nos municípios pertencentes a Pernambuco. Os municípios apresentaram ao todo 259 PA s, o qual Iguaracy foi o que apresentou maior concentração de PA s, com 100, seguido por Quixaba (72), Ingazeira (39), Afogados da Ingazeira (30) e Carnaíba (18), conforme indica a figura 3. De acordo com os dados, o reservatório Tavares II (Figura 4), situado no município de Tavares, também era encarregado pelo atendimento de 6 municípios situados em seu estado de origem (Paraíba), os quais 49 carros-pipa forneciam água para 450 pontos de abastecimento, atendendo um total de 18.755 pessoas. Dentre os municípios que apresentaram maiores índices de população atendida, destacam-se Teixeira (7.091), Cacimbas (4.920) e Tavares, com 2.545 habitantes. No que se refere à malha rodoviária, as estradas utilizadas pelos carros-pipa ao longo dos municípios da região, esta era composta por 5 rodovias estaduais e 304 rodovias rurais. Todos os municípios da região atendidos pela operação, assim como o manancial de abastecimento situam-se na mesorregião do Sertão Paraibano. Com relação às bacias hidrográficas, os seis municípios localizavam-se na mesma bacia

hidrográfica do manancial de captação (Bacia do Piranhas), porém Cacimbas e Desterro situavam-se entre as fronteiras das bacias hidrográficas do Piranhas e do Paraíba. Sobre a questão do relevo e das diferenças topográficas entre o manancial e os municípios atendidos, essas variaram entre 580 a 850 m de altitude, o que segundo Moreira (2000) a região localiza-se em um tipo de relevo denominado de Serras Sertanejas, os quais se configuram como um conjunto de serras situadas a sudoeste, e é nessa formação serrana que estão localizadas os maiores índices altimétricos do Estado o qual segundo a AESA (2006), marcam a divisão entre o Planalto da Borborema e a Depressão Sertaneja. Figura 4: Municípios da Paraíba Atendidos pelo Açude Tavares II. Fonte: Farias (2018). No tocante aos conflitos, ao analisar os documentos governamentais e as fontes jornalísticas 1, foram identificados os conflitos quanto à retirada e o uso das águas do manancial, principalmente por meio de carros-pipa particulares, que atuam fora da jurisdição da Operação Pipa. De acordo com os dados, aproveitando-se da falta de 1 http://tavares.pb.gov.br/noticias/audiencia-publica-a99.html

fiscalização e o fácil acesso ao reservatório, muitos pipeiros estariam captando a água clandestinamente e revendendo a moradores da região sem as praticas de saúde necessárias para o consumo. Conforme a audiência pública realizada em novembro de 2015, os questionamentos e pautas dos moradores locais eram justamente quanto à atuação irregular de carros-pipa particulares, e a retirada excessiva, o qual não se saberia a quem se destinaria as água do manancial, que também atende o sistema de abastecimento da cidade e de povoados adjacentes. Na reunião, foram destacados que não haveria rejeição na distribuição de água, por meio da Operação Pipa, a outros municípios do estado ou de Pernambuco, pelo fato do longo período de seca que a região vem enfrentando, porém foram requisitadas medidas que possibilitassem uma maior atuação dos agentes estatais responsáveis pela gestão ou pelo controle no acesso a água do reservatório, gerenciado pela AESA. Conforme requisitado, e posteriormente deliberado, a audiência resultou na promulgação de um decreto, o qual instaurava medidas de controle por parte da Prefeitura local em ações conjuntas por parte da agência responsável pela gerencia dos recursos hídricos. Além disso, foram solicitadas, as autoridades encarregadas pela Operação Pipa, medidas que possibilitassem a redução dos municípios abrangidos pelo manancial, visando a não sobrecarga deste, para que não ocasionasse uma diminuição acentuada e, consequentemente, um colapso nos níveis do açude. CONCLUSÕES Os resultados desse estudo destacam a importância da Operação Pipa no atendimento dos municípios afetados pelos efeitos da seca, possibilitando uma capilarização e distribuição de água as populações ao longo destes municípios. Destacase também que a Operação Pipa rompeu com as barreiras naturais, politicas e administrativa, o que de acordo com Farias (2018), a atuação dessa política pública redefine os territórios dos recursos hídricos, criando novos territórios da água, ou Hidroterritórios. Em relação aos conflitos identificados, a ausência de mecanismos de gestão, manejo e controle dos organismos estatais, principalmente com a ausência de praticas que auxiliem a governança das águas, possibilita a apropriação e os usos indevidos dos

recursos hídricos, que vai ao sentido contrário às premissas definidas pela lei 9.433/97, que define a água como um bem público, com o uso prioritário para o atendimento humano e a dessedentação animal. Por fim destaca-se a importância da criação de mecanismos que possibilitem garantir as diversas demandas por água na região, ressaltando que por meio da criação das diversas obras hídricas, das grandes as pequenas obras, que poderão garantir uma maior segurança hídrica a região, evitando a criação e acentuação de conflitos por água. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB'SÁBER, Aziz Nacib. Sertões e sertanejos: uma geografia humana sofrida. Estudos Avançados, São Paulo, v. 13, n. 36, p. 7-59, aug. 1999. ISSN 1806-9592. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9474>. ARAÚJO, S. M. S. de. A Região Semiárida do Nordeste do Brasil: questões ambientais e possibilidades de uso sustentável dos recursos. Rios Eletrônica - Revista Científica da FASETE. Ano 5, n. 5, 2011. BRASIL. Nova Delimitação do Semiárido Brasileiro. N º 115/2017 da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste SUDENE. Recife. 2017 BRAVO, A. S.. PROTEÇAO E GESTAO DAS AGUAS NA UNIAO EUROPEIA: A APOSTA PELA SUSTENTABILIDADE. CADERNOS JURIDICOS. Cadernos Jurídicos (EPM), v. 1, p. 13-46, 2010. FARIAS, T. S.; CARVALHO NETO, J. F. ; VIANNA, P. C. G.. Espacialização da Operação Pipa no Seridó Paraibano. In: XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2017, Florianópolis - SC. Anais do XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2017. v. I. p. 1-8. FARIAS, T. S.. Rodovias das Águas: Uma Análise Espacial da Operação Pipa no Semiárido Paraibano. 81p. Monografia. Graduação em Geografia Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. 2018. GARJULLI, Rosana. Instrumentos Institucionais para a Gestão de Recursos Hídricos no Semi-Árido. In: HERMANS K. (Coord). Água e desenvolvimento sustentável no Semi-Árido. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates n0 24, 2002. p. 87-102. IBGE. 2010. Censo Demográfico - 2010. Rio de Janeiro. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. LIMA, R. P. Gestão dos recursos hídricos: conflito e negociação da água do canal da redenção sertão da Paraíba. 2009.176 f. Dissertação (Mestrado em Geografia)- Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2009. MOREIRA, Emília; LIMA, Valéria R. P.; TARGINO, Ivan. A luta camponesa pela água enquanto uma etapa do processo de construção/consolidação de territórios de esperança. Presidente Prudente: Revista Formação, v. 1, n.15, 2008, pp. 47-84. SILVA, Z. G. ; PESSOA, L. N. ; LOURENÇO, ARTUR MOISES GONÇALVES. DIAGNÓSTICO DE UM SISTEMA DE TRATAMENTODE ÁGUA NO MUNICÍPIO DE TAVARES- PB. In: II CONGRESSO INTERNACIONAL DA DIVERSIDADE

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