Temas de História de Sergipe I. Antônio Lindvaldo Sousa

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Transcrição:

Temas de História de Sergipe I Antônio Lindvaldo Sousa São Cristóvão/SE 2007

Temas de História de Sergipe I Elaboração de Conteúdo Antônio Lindvaldo Sousa Projeto Gráfico e Capa Hermeson Alves de Menezes Diagramação Neverton Correia da Silva Ilustração Gerri Sherlock Araújo Henry Hudson Fontes Passos Manuel Messias de Albuquerque Neto Revisão Copidesque Edvar Freire Caetano Copyright 2007, Universidade Federal de Sergipe / CESAD. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização por escrito da UFS. FICHA CATALOGRÁFICA PRODUZIDA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Sousa, Antônio Lindvaldo. S725t Temas de História de Sergipe I / Antônio Lindvaldo Sousa -- São Cristóvão : Universidade Federal de Sergipe CESAD, 2007. 1. História de Sergipe. I. Título. CDU 94(813.7)

Presidente da República Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Fernando Haddad Diretor de Educação a Distância João Carlos Teatini Souza Clímaco Reitor Josué Modesto dos Passos Subrinho Chefe de Gabinete Ednalva Freire Caetano Coordenador Geral da UAB/UFS Diretor do CESAD Antônio Ponciano Bezerra coordenador-adjunto da UAB/UFS Vice-diretor do CESAD Fábio Alves dos Santos Vice-Reitor Angelo Roberto Antoniolli Diretoria Pedagógica Clotildes Farias de Sousa (Diretora) Diretoria Administrativa e Financeira Edélzio Alves Costa Júnior (Diretor) Sylvia Helena de Almeida Soares Valter Siqueira Alves Coordenação de Cursos Djalma Andrade (Coordenadora) Núcleo de Avaliação Hérica dos Santos Matos (Coordenadora) Núcleo de Tecnologia da Informação João Eduardo Batista de Deus Anselmo Marcel da Conceição Souza Raimundo Araujo de Almeida Júnior Assessoria de Comunicação Guilherme Borba Gouy Núcleo de Formação Continuada Rosemeire Marcedo Costa (Coordenadora) Coordenadores de Curso Denis Menezes (Letras Português) Eduardo Farias (Administração) xxxxxxxxxxxxxxx (Química) Paulo Souza Rabelo (Matemática) Hélio Mario Araújo (Geografi a) Lourival Santana (História) Marcelo Macedo (Física) Silmara Pantaleão (Ciências Biológicas) Coordenadores de Tutoria Edvan dos Santos Sousa (Física) Raquel Rosário Matos (Matemática) Ayslan Jorge Santos da Araujo (Administração) Carolina Nunes Goes (História) Viviane Costa Felicíssimo (Química) Gleise Campos Pinto Santana (Geografi a) Trícia C. P. de Sant ana (Ciências Biológicas) Vanessa Santos Góes (Letras Português) Lívia Carvalho Santos (Presencial) Adriana Andrade da Silva (Presencial) NÚCLEO DE MATERIAL DIDÁTICO Fábio Alves dos Santos (Coordenador) Marcio Roberto de Oliveira Mendonça Neverton Correia da Silva Nycolas Menezes Melo UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos Av. Marechal Rondon, s/n - Jardim Rosa Elze CEP 49100-000 - São Cristóvão - SE Fone(79) 2105-6600 - Fax(79) 2105-6474

Sumário AULA 1 Um passado muito próximo e distante... 07 AULA 2 A valorização da história local....15 AULA 3 Pela possibilidade de uma nova história dos outros... 23 AULA 4 Afi nal, o que é cultura?... 33 AULA 5 Tupinambá e Tapuia: modos de ser indígenas?... 39 AULA 6 A arqueologia do Xingó e nossos primeiros habitantes... 51 AULA 7 A colonização de Sergipe: histórias... 63 AULA 8 Os jesuítas na perspectiva da historiografi a sergipana... 73 AULA 9 Lourenço, primeiro missionário jesuíta em Sergipe... 81 AULA 10 O mundo dos jesuítas - Parte 1... 95 AULA 11 O mundo dos Jesuítas - Parte 2... 103 AULA 12 A Carta de Tolosa como documento histórico: refl exão I...111 AULA 13 A Carta de Tolosa - Parte II... 123 AULA 14 A Carta de Tolosa - Parte III (Final)... 137

AULA 15 A praticidade e o despertar do portugûes...149 AULA 16 Em nome da civilização cristã...157 AULA 17 A Coroa e o projeto de pacificação do território...167 AULA 18 O papel não pode ficar branco: fúria, acordos e acomodação...175 AULA 19 Beatriz Góis Dantas e os índios em Sergipe...183 AULA 20 A cidade de São Cristóvão...193

Aula 1 UM PASSADO MUITO PRÓXIMO E DISTANTE! META Neste texto iremos fazer uma breve discussão sobre o que é História e para que serve, antes de compreendermos alguns conteúdos desta disciplina. OBJETIVOS Ao final desta aula, o aluno deverá: explicar a diferença entre história realidade e a história conhecimento ; Defi nir, de igual forma, por que o historiador deve se sentir próximo e ao mesmo tempo distante do seu tema de pesquisa. Antônio Lindvaldo Sousa

Temas de História de Sergipe I INTRODUÇÃO Olá, caro aluno, querida aluna! Neste momento você está iniciando o estudo de um tema muito importante para qualquer cidadão: conhecer a história da sua terra! Mas, vamos começar nos conhecendo. O que nos faz tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes eu, professor, de você, aluno(a)? Mesmo não conhecendo você por nome, filiação ou residência, há algo comum entre você e o professor: ambos pertencem a uma história local. Você, que está lendo este texto, certamente nasceu ou escolheu morar em Sergipe e, possivelmente, seus pais e familiares fazem parte de uma história em comum. A persistência da memória (detalhe), 1931, óleo sobre tela, Salvador Dalí 8

Um passado muito próximo e distante! Aula 1 NÓS E A HISTÓRIA Como você sabe, a família é uma pequena comunidade. A turma com que você estuda é uma comunidade. Sua cidade é uma comunidade de pessoas. Uma tribo indígena é uma comunidade. Os que professam o catolicismo numa determinada paróquia fazem parte de uma comunidade. Idem para os que professam uma religião afro-brasileira. Os membros de cada comunidade estão unidos por diversos traços ou laços. Numa comunidade existem interesses, preocupações, conflitos, divergências, amizades, normas e individualidades. Todos nós temos uma história coletiva e outra individual. Participamos de uma história da comunidade e ao mesmo tempo temos a nossa história individual. No texto O que é História, para que serve...? (1992) Terezinha Oliva nos ajuda a compreender mais ainda a afirmação acima de que todos nós temos uma história. Vejamos um trecho desse texto: Ver glossário no final da Aula Cada pessoa tem a sua história: desde a data do seu nascimento, há fatos da vida de cada um, que fazem a história pessoal do individuo. Esta história se desenrola a partir das nossas relações com a família, com os amigos, os colegas, a comunidade. Você, eu, cada um é personagem de uma história. Como ninguém vive sozinho, chegamos logo a esta conclusão: A História é feita por homens e mulheres relacionando-se uns com os outros. Assim vemos que há uma história pessoal da vida de cada um de nós, mas na medida em que ninguém está sozinho, cada um participa da história de um grupo, uma comunidade, de um bairro, de uma cidade, de um Estado, de um país (um povo). Neste sentido a História é o conjunto dos acontecimentos vividos: é a realidade, a vida de homens e mulheres num determinado tempo. No amontoado de fatos que acontecem, alguns são escolhidos pelo historiador, que, estuda e procura explicar a vida humana: História é também, assim, o estudo do que fizeram homens e mulheres através do tempo e em lugares determinados: História é o estudo dos atos humanos localizados no tempo e no espaço (OLIVA, 1992, p. 6). O texto de Oliva aponta-nos a existência de uma História vivida por homens e mulheres e uma História estudo dos atos humanos localizados no tempo e no espaço. Vamos dar um exemplo para você melhor compreender esses dois tipos de História. Os pescadores do rio São Francisco podem estar neste momento protestando contra a transposição do rio. E se você está também nesta 9

Temas de História de Sergipe I Ver glossário no final da Aula Ver glossário no final da Aula manifestação pode dizer que, neste momento da sua vida, compartilha com pescadores os protestos contra a transposição do rio de unidade nacional. Esse protesto é parte de sua história vivida. Poderá se tornar uma história conhecimento caso se torne um fato histórico reconhecido pelo historiador. As atitudes humanas não estão isoladas das percepções, das visões de mundo, da cultura. A História conhecimento também é o estudo das cosmovisões, das percepções, dos imaginários e dos símbolos dos indivíduos, grupos ou comunidades. O historiador Carlo Ginzburg, por exemplo, no verão de 1962, em pesquisa no Arquivo da Cúria Episcopal da cidade de Udine (Itália), encontrou documentos inquisitoriais que acusavam uma estranha seita de Friuli, cujos membros foram identificados como bruxos e curandeiros. Uma das acusações feitas a um réu era a de que ele sustentava que o mundo tinha a sua origem na putrefação. A curiosidade de Ginzburg foi acusada com essa declaração. Esse historiador sabia que tal frase poderia ter significado para a pessoa que a formulava. Essa visão de mundo pertencia a Domenico Scandella, conhecido por Menocchio. Você deve estar se perguntando: por que Ginzburg fez a escolha da visão de mundo do moleiro Menocchio? Selecionar o que levar para a História conhecimento não é uma subjetividade qualquer sem comprometimento do pesquisador com as suas leituras acerca do que é História e de sua finalidade. O próprio Ginzburg diz que escolheu perscrutar Menocchio por que ele era um homem como nós, é um de nós (GINZBURG, 1987, p. 12). O personagem era um moleiro, um homem prisioneiro da inquisição. Segundo Henrique Espada Lima, Ginzburg era entusiasta da imagem de uma História reconstruída de homens de carne e osso, sujeitos comuns. Ainda segundo Espada, Ginzburg se impressionou com as palavras de Tolstoi que dizia: enquanto forem escritas as histórias dos indivíduos, como as de César, Alexandre, Lutero ou Voltaire, e não a História de todos os homens que tomam parte de um acontecimento, será impossível não atribuir aos indivíduos uma força que obriga os outros homens a dirigirem sua atividade para um fim único (LIMA, 2006, p. 284). Todavia, nem sempre o personagem e a visão de mundo do pesquisado têm a ver com o pesquisador e o seu mundo. O autor de Menocchio, de igual forma, escreveu: o moleiro também era um homem muito diferente de nós. A reconstrução analítica dessa diferença acrescenta Ginzburg era necessária para reconstituir a fisionomia, parcialmente obscurecida, de sua cultura e contexto social no qual ela se moldou (GINZBURG, 1987, p. 12). O moleiro tinha idéias diferentes do nosso mundo e dos seus inquisidores. O autor explorava a diferença para demonstrar como os sujeitos constroem suas especificidades e singularidade na cultura em que eles estão inseridos. O historiador está diante das semelhantes e diferenças. Na ida 10

Um passado muito próximo e distante! Aula 1 aos arquivos, bibliotecas, galerias de museus, praças, ruas, o historiador pode se deparar com uma infinidade de documentos aparentemente desconexos e sem sentido nenhum para a história conhecimento. Ele poderá fazer mais perguntas do que mesmo obter informações do seu tema de pesquisa. Deparar-se, sobretudo, com os silêncios, os ditos e não ditos. Os documentos possivelmente devam ser lidos a contrapelo, encaminhando-se numa direção quase totalmente contrária àqueles dados oferecidos. Pode-se, até mesmo, perceber outros detalhes, dados escondidos, postos à margem no mesmo documento. Quando se descuida das indagações, dos estranhamentos, da crítica aos documentos, a história conhecimento é escrita a partir de algumas certezas definidas pelo pesquisador, antes da chegada ao arquivo. Muitas dessas certezas podem ser de convicções ideológicas ou de uma teoria que tenta abarcar toda uma realidade. Em outras disciplinas do curso de Licenciatura de História você possivelmente entenderá melhor o que acabamos de mencionar acerca do posicionamento do historiador diante da construção da História conhecimento. A disciplina Introdução à História é uma delas. Retomando o texto de Oliva (1992) O que é História, para que serve..., veremos que a autora escreveu que o historiador faz algumas escolhas diante do amontoado de fatos que acontecem. Os fatos são escolhidos por parte do historiador mediante o sentido que ele der à História. Para essa autora, entender o que é História, precisa em parte compreender para que ela serve. Vamos imaginar uma pessoa sem saber nada de si diz Oliva - quem são seus pais, onde e quando nasceu, onde viveu e o que faz até hoje (OLIVA, 1992). Imagine você ficar na condição dessa pessoa. Que resposta daria se alguém perguntasse quem você é? O historiador diz Oliva - estudando as comunidades humanas, o que produziram, como viveram, está dizendo que é o homem, que é a mulher. A História é nossa memória, a nossa identidade, diz o que somos (OLIVA, 1992, p. 6). Tal reflexão sobre o que é História e para que serve nos ajuda a entender o porquê de se estudar a História Local. Então, caro aluno, querida aluna, qual a importância de estudarmos a História de Sergipe? 11

Temas de História de Sergipe I Mulher na janela (detalhe), 1925, óleo sobre tela, Salvador Dalí. RESUMO Aprendemos nesta aula que todos nós pertencemos a uma comunidade. Estudamos como há laços que ligam os indivíduos e que esses laços são traçados de tal forma que através deles se escreve a história, seja ela coletiva ou individual. A aula foi enriquecida com o texto da professora Terezinha Oliva, que faz parte da bibliografia disposta no final desta aula. Você viu a abordagem acerca da história conhecimento, mais voltada para o que chamamos de cosmovisão da história e que nos remete, por sua vez, a uma concepção mais ampla dos acontecimentos. CONCLUSÃO Você percebeu nesta lição que a história nada mais é do que um conjunto de acontecimentos vividos, mas que ela é, também, determinada pela amplitude da visão do historiador, que os transforma em história conhecimento. É neste ponto que entram a sensibilidade e a visão de mundo de quem escreve a história. Tudo isso nos conduz, finalmente, a atentar para a importância de estudarmos a história do nosso Estado, buscando as fontes primárias que são as mais essenciais para a construção da crônica dos acontecimentos. 12

Um passado muito próximo e distante! Aula 1 ATIVIDADES Antes de passarmos para o próximo texto, responda as indagações abaixo. 1. Quais os conceitos de História realidade e História conhecimento apresentados nesta aula? 2. Para que serve a História? 3. O que nos faz próximos e ao mesmo tempo distantes diante de um tema que estamos pesquisando para a História conhecimento? COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES Não responda de forma mecânica, copiando a frase do texto! Use suas próprias palavras. Exemplefique suas respostas com sua realidade. REFERÊNCIAS BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício do historiador. Tradução André Telles, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. BURKE, Peter (org.) A escrita da história: novas perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. CARR, E. H. Que é História. Rio de Janeiro: Paes e Terra, 1989. D ALESSIO, Márcia Mansor. Reflexões sobre o saber histórico. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1996. FEBVRE, Lucien. Combate pela História. Lisboa: Editorial Presença, 1989. GINZBURG, Carlo. O Queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. 3 ed. Tradução de Maria B. Amoroso, São Paulo: Cia das Letras, 1987. Olhos de madeira: nove reflexões sobre a distância. Tradução Eduardo Brandão, São Paulo: Companhia das Letras, 2001. Relações de força: história, retórica, prova. Tradução Jônatas Batista Neto, São Paulo: Cia das Letras, 2002. LIMA, Henrique Espada. A Micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 13

Temas de História de Sergipe I MARROU, Henri-Irenée. Sobre o conhecimento histórico. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1978. OLIVA, Terezinha. O que é História, para que serve e quem tem medo da História? In: SOUSA, Antônio Lindvaldo; SOCORRO, Norma Barreto (Orgs). História de todos, escrita por muitos. Aracaju, 1992. p. 06-07. RÜSEN, Jörn. Razão histórica. Brasília: Editora da UNB, 2001. VAINFAS, Ronaldo. Micro-história. Os protagonistas anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002. VEYNE, Paul. O inventário das diferenças. Tradução de José Vasco Marques, Lisboa: Gradiva, 1976. GLÓSSARIO Terezinha Oliva : Historiadora sergipana (1950). Professora-adjunta aposentada do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe. Autora de Impasses do Federalismo Brasileiro: a revolta de Fausto Cardoso (1984). Carlo Ginzburg : Historiador italiano (1939). Professor de História Moderna da Universidade de Bolonha e de História da Cultura Européia na Scuola Normale Superiore di Pisa (2006). Seu livro mais conhecido no Brasil é O queijo e os vermes (1976). Henrique Espada: Historiador catarinense. Professor- Adjunto do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Cantarina. Suas áreas de pesquisa incluem historiografia e teoria da História, com ênfase nas discussões em torno da micro-história. 14