33 - Como um tratador de cães contribuiu para o progresso da radiologia

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Transcrição:

33 - Como um tratador de cães contribuiu para o progresso da radiologia Joffre Marcondes de Rezende SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros REZENDE, JM. À sombra do plátano: crônicas de história da medicina [online]. São Paulo: Editora Unifesp, 2009. Como um tratador de cães contribuiu para o progresso da radiologia. pp. 269-272. ISBN 978-85-61673-63-5. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

33 Como um Tratador de Cães Contribuiu para o Progresso da Radiologia A Colecistografia obtida pela primeira vez em um cão em 1923. história da colecistografia é um exemplo bem ilustrativo de que a mente humana, por mais brilhante e preparada que seja, deixa de perceber noções aparentemente óbvias, assim consideradas a posteriori. E também de como ocorrências imprevistas podem contribuir para clarear o caminho da pesquisa científica. No início do século xx, a radiologia era o único método de diagnóstico por imagem de que dispunha a medicina. A cada dia os equipamentos eram aprimorados e novas técnicas de exame eram descritas ou aperfeiçoadas. O exame contrastado do tubo digestivo, inicialmente com sais de bismuto e, a seguir, com sulfato de bário, já estava sendo empregado com sucesso no diagnóstico das doenças do estômago e do cólon. A vesícula biliar, entretanto, permanecia inacessível aos raios-x para estudo da sua patologia. O máximo que se podia conseguir era a imagem de cálculos radiopacos em radiografias simples do abdome. A primeira referência à imagem de cálculos biliares em um paciente data de 1898, porém, somente em 1911, graças ao avanço da tecnologia e à maior experiência dos 269

radiologistas, foi possível detectar a bile cálcica. Tornou-se evidente que a vesícula biliar só poderia ser visualizada se fosse contratastada, a exemplo do tubo digestivo (Goodman, 1991, pp. 2-11). Em 1921, Evarts Ambrose Graham, professor de cirurgia na Washington University in St. Louis, nos Estados Unidos, interessou-se pelo problema e convidou um estudante do segundo ano, de nome Warren Henry Cole, para desenvolver um projeto nesse sentido. Os seguintes dados de descobertas anteriores serviram como ponto de partida para a investigação: 1. Os halogênios (cálcio, bromo e iodo) são opacos aos raios-x e seus compostos podem ser administrados por via venosa em seres vivos. 2. Radiografias contrastadas das vias urinárias haviam sido obtidas com a injeção intravenosa de iodeto de sódio. 3. O composto tetraclorofenolftaleína é excretado na bile, conforme haviam demonstrado Abel e Lowntree, em 1909 (Abel e Rowntree, 1909, pp. 231-264). 4. Rous e McMaster haviam descoberto em 1921 a capacidade de concentração da bile (Rous e McMaster, 1921, pp. 47-73). Com estes elementos, Graham e Cole deram início às suas experiências e uma grande variedade de compostos halogenados foram testados em cães e coelhos. Com uma persistência incomum, Cole injetou por via intravenosa cerca de duzentos animais com diferentes compostos de tetrabromofenolftaleína e tetraiodofenolftaleína, sem obter o menor resultado. Em nenhum caso apareceu na radiografia a imagem da vesícula. Até que, em 1923, Cole obteve em um cão, bem contrastada, a sombra densa da vesícula. Ao contemplar a radiografia, Graham e Cole, entusiasmados, decidiram prosseguir com os experimentos. Nos dias seguintes, contudo, usando a mesma substância e a mesma técnica, nenhuma outra imagem semelhante foi obtida. Cole decidiu rever a radiografia com a vesícula contrastada, temendo um erro de interpretação da imagem; poderia tratar-se, talvez, de um osso ou corpo estranho ingerido pelo cão. Enquanto examinava a radiografia entrou na sala o radiologista do hospital, dr. Walter Mills, que, de relance, olhando para o negatoscópio, perguntou a Cole: Meu jovem colega, onde você conseguiu esta radiografia?. Cole explicou-lhe o problema e sua dú- 270

Evarts Ambrose Graham e Warren Henry Cole. vida quanto à natureza da imagem. Não seja tolo, rapaz, é a vesícula biliar e a imagem está tão nítida que a aplicação do método a seres humanos é somente uma questão de experimentação. Intrigado, Cole procurou o auxiliar de laboratório Bill, que cuidava dos cães, e indagou dele o que acontecera de diferente com aquele animal no dia em que o mesmo fora radiografado. De início, Bill disse não se lembrar de nada especial em relação àquele cão. Cole explicou-lhe que somente naquele animal havia conseguido um resultado satisfatório em suas pesquisas. Bem, dr. Cole, retrucou Bill reticente, temendo uma admoestação: houve uma diferença, sim, naquele dia eu me esqueci de dar alimento àquele cão pela manhã. Cole, com os seus conhecimentos de fisiologia, encontrou de pronto a explicação para o fracasso das suas experiências. Eureca! Exultante, Cole avançou para abraçar Bill, que retrocedeu assustado. Ao ver o semblante alegre de Cole, no entanto, tranquilizou-se e recebeu um caloroso aperto de mão de seu chefe (Cole, 1961, pp. 354-375). Um simples acaso decorrente do descuido de um modesto tratador de cães veio esclarecer o enigma. A partir daí os cães passaram a ser injetados antes de serem alimentados e a vesícula se opacificou na maioria deles. 271

Em 1924 o método foi empregado pela primeira vez no ser humano; a substância injetada foi, inicialmente, a tetrabromofenolftaleína cálcica, logo substituída pela tetraiodofenolftaleína sódica, que produzia menos efeitos colaterais. A verificação de que o contraste eliminado na bile é reabsorvido no intestino e reexcretado, mantendo a imagem da vesícula por algum tempo, levou à substituição da via venosa pela via oral para administração do contraste (Graham e Cole, 1925, pp. 14-16). A partir de 1925, até o advento da ultrassonografia na década de 1970, a colecistografia oral foi o método utilizado rotineiramente para o diagnóstico das colecistopatias. Referências Bibliográficas Abel, J. J. & Rowntree, L. G. On the Pharmacological Action of Some Phtaleins and their Derivatives, with Special Reference to their Behavior as Purgatives. Journal of Pharmacological and Experimenral Therapeutics, 1, pp. 231-264, 1909. Cole, W. H. Historical Features of Cholecystography. Radiology, 76, pp. 354-375, 1961. Goodman, P. C. Historia. In Margulis, A. R. & Burhenne, H. J. (orgs.). Radiologia del Aparato Digestivo, 4 a ed. Buenos Aires, Ed. Medica Panamearicana, 1991. Graham, E. A. & Cole, W. H. Cholecystography: An Experimental and Clinical Study. The Journal of the American Medical Association, 84 (1), pp. 14-16, 1925. Rous, P. & McMaster, P. D. The Concentrating Activity of the Gallbladder. The Journal of Experimental Medicine, 34, pp. 47-73, 1921. 272