Mudanças na cobertura do solo sobre os Campos do Sul do Brasil: modelagem dos impactos sobre os fluxos de energia em superfície

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Artigo Original Ciência e Natura, Santa Maria v.4, Edição Especial: X Workshop Brasileiro de Micrometeorologia 218, p. 39 44 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM ISSN impressa: 1-837 ISSN on-line: 2179-46X DOI:1.592/217946X3563 Mudanças na cobertura do solo sobre os Campos do Sul do Brasil: modelagem dos impactos sobre os fluxos de energia em superfície Land cover changes on the Southern Brazilian Fields: modeling of impacts on land surface energy fluxes Guilherme Goergen, Roilan Hernandez Valdes, Débora Regina Roberti e Gervásio Annes Degrazia Resumo Neste trabalho investigamos os impactos das mudanças da cobertura do solo no balanço de energia em superfície, sobre os Campos do Sul do Brasil. Para tanto, utilizamos o modelo INLAND para simular os múltiplos processos de ocorrem no sistema solo-vegetação-atmosfera, considerando três experimentos, denominados controle (ctrl), agricultura (agr) e solo nu (bar). Os resultados mostraram que o modelo conseguiu representar satisfatoriamente os fluxos de energia em superfície considerando a vegetação natural existente no bioma Pampa. As modificações nas parametrizações fisiológicas mostraram a grande influência que a cobertura vegetal exerce sobre as componentes do balanço de energia em superfície, especialmente em relação à redução do saldo de radiação (aproximadamente 2% na conversão 1 e 4% na conversão 2), causada em grande parte pelo aumento do albedo da superfície (em torno de 1% na conversão 1 e 17% na conversão 2). Consequentemente, os fluxos de calor latente e sensível também apresentaram sensível redução. Palavras-chave: mudança na cobertura do solo; balanço de energia; modelagem; Campos. Abstract In this work, we investigated the impacts of land cover changes on the surface energy balance, on the Campos Sulinos of Southern Brazilian. For this, we used the INLAND model to simulate the multiple processes that occur in the soil-vegetation-atmosphere system, considering three experiments, called control (ctrl), agriculture (agr) and bare soil (bar). The results showed that the model was able to satisfactorily represent the surface energy flux considering the natural vegetation in the Pampa biome. The changes in the physiological parameters showed the great influence that the vegetation cover exerts on the components of the surface energy balance, especially in relation to the reduction of the net radiation (approximately 2% in the conversion 1 and 4% in the conversion 2), caused largely by the increase in surface albedo (around 1% in the conversion 1 and 17% in the conversion 2). Consequently, latent and sensitive heat fluxes also show a significant reduction. Keywords: land cover change; energy balance; modeling; Campos.

Ciência e Natura v.4, Edição Especial : X Workshop Brasileiro de Micrometeologia, 218 4 1 Introdução As mudanças de uso e cobertura do solo (LUCCs, sigla em inglês), especialmente as de origem antropogênica, ocorridas na últimas décadas têm atraído a atenção de pesquisadores e da comunidade em geral. Essas mudanças têm grande influência sobre a dinâmica do clima global e regional, através da modificação de múltiplos processos da superfície (balanços radiativos e de água, momentum e ciclo do CO2). O albedo da superfície (α), o comprimento de rugosidade, a estrutura do dossel, o índice de área foliar (LAI), a fração da radiação fotossinteticamente ativa absorvida pelo dossel (FPAR) e a profundidade da raízes (rprof) são algumas das principais características da vegetação que podem ser alteradas pelas LUCCs. Mudanças nessas características alteram os ciclos biogeofísicos e biogeoquímicos em superfície, modificando os balanços de energia, água e CO2. No sul do Brasil, a principal mudança de uso do solo observada diz respeito a conversão dos ecossistemas naturais em áreas agrícolas. Particularmente sobre o Rio Grande do Sul, a vegetação natural vem sendo substituída, predominantemente, pelo cultivo de grãos (arroz, soja, trigo) (CONAB, 215). O aumento dessas áreas agrícolas é, por um lado, fundamental para garantir a segurança alimentar e a sustentação econômica do estado. Entretanto, por outro lado, causa preocupação devido aos impactos no clima local e regional, na disponibilidade hídrica, nas componentes dos balanços de energia, água e CO2, em múltiplas escalas de tempo. Para investigar esses impactos, os modelos de superfície e ecossistema terrestre (LSEM, sigla em inglês) são amplamente utilizados. Nesses modelos, os processos de superfície são representados de forma integrada (solo, vegetação e a atmosfera formam um sistema acoplado), de maneira que a vegetação tem papel fundamental nas estimativas dos balanços de água e energia em superfície. Em geral, a vegetação é representada por tipos funcionais de plantas (PFTs) específicos, que são definidos a partir das características comuns, tais como propriedades aerodinâmicas, óticas e fotossintéticas, profundidade e densidade das raízes, entre outros. Assim sendo, através da simulação de diferentes PFTs, associadas a diferentes parametrizações fisiológicas, é possível identificar como as LUCCs afetam o clima e suas principais componentes (dinâmica da umidade do solo, da evapotranspiração, da temperatura em superfície, entre outras). Dessa forma, o objetivo deste trabalho é investigar os impactos das mudanças na cobertura do solo sobre a partição dos fluxos de energia em superfície simulada pelo Modelo Integrado dos Processos da Superfície Terrestre (INLAND). Através da modificação das parametrizações ecofisiológicas da vegetação, foram analisadas múltiplas simulações numéricas a fim de estimar as pertubações nos fluxos de calor latente, sensível e de calor no solo. As simulações numéricas foram realizadas utilizando dados micrometeorológicos observados sobre o bioma Pampa. Primeiramente o modelo foi calibrado considerando a vegetação natural (experimento denominado controle, ctrl). Em seguida, dois esquemas de simulações foram realizados, nos quais o PFT original foi substituído por parametrizações específicas para cultivos agrícolas (agr) e solo nu (bar). 2 Materiais e métodos Materiais e métodos Sítio experimental e dados observados O sítio experimental (lat -29.72; lon -53.77; alt 88m) está localizado no extremo sul do Brasil, região central do estado do Rio Grande do Sul, nas dependências do campus central da Universidade Federal de Santa Maria (Figura 1). A vegetação predominante são os Campos Limpos, plantas da espécie Andropogon lateralis, uma fisionomia de pastagem que foi modificada nos últimos anos devido, principalmente, ao aumento da invernada para cria e recria de bovinos de corte (Quadros e Pillar, 21). O clima da região é subtropical úmido, com chuvas bem distribuídas ao longo do ano. A precipitação acumulada anual climatológica é de aproximadamente 1.545mm, enquanto que a temperatura média mensal climatológica é de aproximadamente 2 C (estimativas obtidas a partir dos dados observados entre 1961 e 213 pela Estação Meteorológica Convencional - EMC do INMET, localizada a aproximadamente 3,8 km de distância em linha reta do sítio experimental). O solo é classificado como Podzólico bruno acinzentado distrófico com argila de atividade baixa e Planossolo eutrófico com argila de atividade alta, nas posições de relevo encosta e baixada, respectivamente (Quadros e Pillar, 21). A textura do solo é classificada como média, o relevo suave-ondulado, muito ácido (ph entre 5,-5,5) e com lençol freático raso (aproximadamente 1,5 metros). Dados de velocidade do vento (ws) [m/s], temperatura do ar (Ta) [ C], radiação solar incidente (SW d )[W/m 2 ], radiação de onda longa incidente Figura 1: Localização do sítio experimental: (LW d )[W/m 2 ] e umidade relativa do ar (UR) [%] foram coletados a 3m topografia do estado do RS e localização de de altura e a precipitação (Prec) [mm/hr] coletada a 6m, contemplando Santa Maria (esq) e imagem da torre micrometeorológica (dir).

41 Goergen et al. : Mudanças na cobertura do solo sobre os Campos do Sul do Brasil: modelagem dos impactos sobre os fluxos de energia em superfície assim todas as forçantes necessárias para a execução do modelo. Os fluxos de calor latente (LE) e sensível (H) e a troca líquida de CO2 do ecossistema (NEE) foram estimados utilizando a técnica de covariância dos vórtices turbulentos - eddy covariance. Para isso, utilizou-se o software EddyPro, que processa os dados butos medidos em alta frequência (1 Hz) das componentes do vento, temperatura do ar e concentrações de CO2 e H2O para gerar os dados dos referidos fluxos turbulentos. Maiores detalhes sobre a instrumentação da torre podem ser consultados em Valente (216). Modelo Integrado dos Processos da Superfície Terrestre Para avaliar os efeitos das mudanças da cobertura do solo nos fluxos de energia em superfície utilizamos o Modelo Integrado dos Processos da Superfície Terrestre (INLAND, Costa et al., manuscrito em preparação). O modelo corresponde a uma evolução do modelo IBIS (Simulador Integrado da Biosfera), desenvolvido por Foley et al. (1996) e é capaz de representar os processos de interação do sistema solo-vegetação-atmosfera através da simulação das trocas de energia, água, carbono e momentum. A cobertura vegetal representada no INLAND varia de acordo com o PFT. Por default, são 12 PFTs que competem por água e luz e interagem de forma que, ao longo do tempo, sejam modificadas de acordo com a eficiência fotossintética e uso da água. O módulo de superfície do modelo simula os balanços de energia, água, carbono e momentum em superfície considerando dossel superior e inferior e 6 camadas de solo. O particionamento da energia em superfície é dado por: SW d (1 α)+lw d LW u = LE + H + G (1) O lado esquerdo da equação 1 representa balanço entre a radiação de onda curta incidente (SW d ) e refletida ( αsw d, α é o albedo da superfície) e a radiação de onda longa incidente (LW d ) e emitida (LW u ), enquanto que o lado direito representa o particionamento da energia disponível em superfície em fluxo de latente (LE), calor sensível (H) e fluxo de calor no solo (G). A calibração do modelo foi realizada a partir do método de calibração multiobjetivo geneticamente adaptativo - AMALGAM, desenvolvido por Vrugt e Robinson (27). O AMALGAM utiliza múltiplos algoritmos genéticos que se adaptam ao problema de otimização múltiplo, buscando otimizar simultaneamente mais de uma função objetivo. O algoritmo foi aplicado em dois níveis hierárquicos de calibração: nível 1 - fluxos radiativos e nível 2 - fluxos turbulentos. A definição dos níveis de calibração foi baseada nas escalas temporais dos processos que ocorrem no sistema solo-vegetação-atmosfera e na disponibilidade de dados observados. Parametrizações da superfície e design experimental Três experimentos foram realizados neste estudo a fim de avaliar os efeitos das mudanças de cobertura do solo no balanço de energia. Os três experimentos, denominados controle (ctrl), agricultura (agr) e solo nu (bar) diferem essencialmente pelos tipos de cobertura da superfície terrestre simulada. Na tabela 1 é mostrada uma síntese dos principais parâmetros fisiológicos da superfície terrestre que foram utilizados para simular a vegetação controle (campo nativo), culturas agrícolas e o solo nu. São mostrados os parâmetros relacionados as propriedades óticas da vegetação (rho visl,u e rho nirl,u são a refletância da superfície na faixa do visível e infravermelho próximo das camadas inferior e superior da vegetação, respectivamente, e tau visl,u e tau nirl,u são a transmitância da superfície na faixa do visível e infravermelho próximo das camadas inferior e superior da vegetação, respectivamente), parâmetros relacionados as características fisiológicas da vegetação (LAI é o índice de área foliar [m 2 m 2 ], V max é a máxima capacidade catalisadora do Rubisco [molm 2 s 1 ], S factor é coeficiente de stress da umidade do solo [ - ] e beta2 é parâmetro de distribuição das raízes [ - ]) e o parâmetro que define no modelo o Tipo Funcional de Planta (PFT) que está sendo simulado. Tabela 1: Parâmetros fisiológicos utilizados no modelo de acordo com a cobertura do solo (LC). LC rho visl,u rho nirl,u tau visl,u tau nirl,u LAI PFT V max S factor beta2 ctrl,11;,19,26;,41,25;,6,29;.39 1,75 11 4,2 1 5-8.82,995 agr,1;,1,58;.58.7;.7,25;,25 1,25 12 4,2 1 5-8.82,995 bar,1;,1,45;,45.5;.5,25;,25,5 1 2,7 1 5-5.,98 Os valores dos parâmetros relacionados a cobertura do solo (LC, sigla em inglês) controle correspondem aos resultados obtidos após a calibração do modelo, considerando dados observados e a vegetação natural existente no ano de 214. Dessa forma, essa simulação visa representar a vegetação predominante do bioma Pampa (Campos Limpos). Os parâmetros óticos relacionados tanto a cobertura do solo agricultura quanto a solo nu foram obtidos a partir da renomada publicação de Sellers et al. (1996), considerando os tipos de vegetação 9 e 7, respectivamente. Os parâmetros fisiológicos para a simulação agricultura que constam na tabela 1 foram definidos seguindo os resultados da calibração, enquanto que os referentes ao solo nu foram inseridos segundo a configuração default do modelo INLAND para o tipo funcional de planta 1. Os demais parâmetros necessários para a execução do modelo que não constam na tabela 1 foram definidos seguindo a configuração default do modelo, respeitando o tipo funcional de planta.

Ciência e Natura v.4, Edição Especial : X Workshop Brasileiro de Micrometeologia, 218 42 O período de simulação é o mesmo para os três experimentos: de janeiro a dezembro de 215. O design da simulação foi definido desta forma a fim de eliminar a influência da forçantes atmosféricas do modelo, buscando enfatizar os impactos das mudanças da cobertura da superfície nos fluxos de energia em superfície. 3 Resultados Resultados Calibração dos parâmetros específicos da cobertura vegetal A calibração foi executada considerando dados observados, na escala horária, no ano de 214. As estatísticas das diferenças entre os valores simulados e observados dos fluxos de calor latente, sensível, de calor no solo e o saldo de radiação podem ser visualizadas na tabela 2. Os índices estatísticos raiz do erro quadrático médio (RMSE), erro médio absoluto (MAE), coeficiente de eficiência de Nash-Sutcliffe (NSE), coeficiente angular (coef.ang), coeficiente linear (coef.lin) e o coeficiente de determinação (R2) foram calculados da forma tradicional (Zambrano-Bigiarini, 214). Já o viés percentual (PBIASmod) foi modificado, multiplicando-o pelo peso da respectiva variável no balanço de energia médio diário. Tabela 2: Índices estatísticos calculados a partir dos dados simulados e observados no ano de 214. Os valores dos índices coef.ang, coef.lin e R2 foram calculados a partir dos dados horários, enquanto que os demais índices foram calculados a partir das médias diárias. RMSE PBIASmod MAE NSE coef.ang coef.lin R2 H 17,75 -,3 13,6,65,75 11,,83 LE 16,41 7,33 13,1,89,88 15,53,93 G 5,95-18,97 4,78 -,49 2,21 3,81,31 Rn 6,7-1,7 4,56,99,98,76,99 De maneira geral, o modelo INLAND conseguiu representar satisfatoriamente os fluxos observados no sítio experimental. Dentre os índices estatísticos mostrados na tabela 2, destaca-se positivamente os altos valores do coeficiente de determinação de LE e Rn (,93 e,99, respectivamente), os baixos valores de RMSE para G e Rn (5,95 e 6,7, respectivamente) e a ligeira subestimativa (superestimativa) de H (LE), PBIASmod de -,3 (PBIASmod de 7,33), valores próximos ou de melhor ajuste aos encontrados na literatura (Varejão et al., 213). Impactos das mudanças de cobertura do solo nos fluxos de energia em superfície Os fluxos turbulentos em superfície simulados para os três experimentos apresentaram grandes discrepâncias, principalmente em relação ao LE. Para ilustrar essas discrepâncias, calculamos o ciclo médio diário anual dos fluxos de calor latente, sensível e de calor no solo, além da razão de Bowen (Figura 2). Podemos observar que o LE da simulação ctrl foi destacadamente superior aos valores da simulação agr (superestimativa de aproximadamente 1 W/m 2 no horário do pico diurno) e da simulação bar (superestimativa de aproximadamente 14 W/m 2 no horário do pico diurno). Esse comportamento de LE é esperado, principalmente em relação a alta taxa de LE do bioma Pampa que no local não sofre grandes períodos de stress hídrico e a baixa taxa de LE para o solo nu, no qual praticamente não temos contribuição da transpiração. As discrepâncias em relação a H e G não são tão amplas. Especialmente o fluxo de calor no solo apresenta comportamento esperado, no período diurno, para os diferentes PFTs (bar maior do que agr e ctrl). Os valores diários da razão de Bowen, que estão diretamente associados as mudanças na cobertura do solo, evidenciam as diferenças entre os diferentes PFTs, especialmente em relação ao solo nu que apresentou valores acima de um durante quase todo o período diurno. A Figura 3 mostra as diferenças sazonais e anuais simuladas do fluxo de calor latente, sensível e de calor no solo causadas pelas mudanças de cobertura do solo. Por simplicidade, as estações foram definidas como Verão (janeiro, fevereiro e março), Outono (abril, maio e junho), Inverno (julho, agosto e setembro) e Primavera (outubro, novembro e dezembro). Com esse resultado é possível identificar que as mudanças de cobertura do solo exercem forte influências sobre as componentes do balanço de energia em superfície. Na conversão 1 (ctrl para agr), houve sistemática diminuição de todos os fluxos em superfície. Já na conversão 2(ctrl para bar), além da diminuição na magnitude do LE, pode-se observar um claro aumento amplitude das diferenças. A redução nos fluxos de LE e H pode ser explicada, em parte, pela menor energia disponível em superfície, reflexo do aumento (em torno de 1% na conversão 1 e 17% na conversão 2) do albedo da superfície. Essa redução sistemática só não é verificada no fluxo de calor no solo, que apresenta aumento médio mensal nos meses de julho a outubro em ambas as conversões (não mostrado), devido a maior exposição do solo à radiação solar incidente.

43 Goergen et al. : Mudanças na cobertura do solo sobre os Campos do Sul do Brasil: modelagem dos impactos sobre os fluxos de energia em superfície A W m 2 2 15 1 5 LE 6 12 18 B W m 2 15 1 5 H 6 12 18 C W m 2 1 5 5 G 6 12 18 D 2. 1.5 1..5. Bowen 6 12 18 ctrl agr bar Figura 2: Ciclo médio diário simulado do fluxo de calor latente (A), fluxo de calor sensível (B), fluxo de calor no solo (C) e razão de Bowen (D). A Mudança de cobertura do solo 1 B Mudança de cobertura do solo 2 2 2 W/m2 4 W/m2 4 6 6 8 8 Ver Out Inv Pri Anual Ver Out Inv Pri Anual G H LE Figura 3: Diferenças sazonais e anuais simuladas do fluxo de calor latente, sensível e do solo causadas pelas mudanças de cobertura do solo. Discussão e conclusões 4 Discussão e conclusões Neste estudo, investigamos os impactos das LUCCs nas componentes do balanço de energia em superfície sobre uma região com vegetação característica do bioma Pampa (Campos Limpos), no sul do Brasil. Para tanto, foram realizadas simulações numéricas com o modelo INLAND, considerando parametrizações fisiológicas específicas para diferentes coberturas do solo. O modelo foi inicialmente calibrado para a região de estudo e apresentou boa concordância com os dados de fluxo observados. Especialmente em relação ao Rn e ao LE o modelo conseguiu reproduzir eficientemente as médias diárias (RMSE de 6,7 e 16,41, respectivamente) e sazonais e os ciclos médios diários. Além disso, altos valores do coeficiente de determinação para H e LE (,83 e,93, respectivamente) mostraram que o modelo conseguiu reproduzir satisfatoriamente os fluxos de energia observados. Os fluxos simulados pelo modelo considerando os três diferentes tipos de cobertura do solo (ctrl, agr e bar) apresentaram grandes discrepâncias. As magnitudes dos fluxos de calor latente e sensível foram sensivelmente reduzidas em ambas as conversões (ctrl para agr redução anual de 22W/m 2 em LE e8w/m 2 de H,ectrl para bar redução anual de 4W/m 2 em LE e 1W/m 2 de H), associados a redução da energia disponível em superfície, o que indica o grande potencial regulador da vegetação natural em relação ao balanço de energia em superfície. O fluxo de calor no solo apresentou comportamento distinto, variando entre valores negativos nos meses de fevereiro a junho e novembro e dezembro e positivos nos meses de janeiro e julho a outubro. Portanto, as simulações realizadas neste estudo mostraram que o modelo conseguiu reproduzir satisfatoriamente os fluxos em superfície observados sobre os Campos do Sul do Brasil. Além disso, constatou-se que alterações no conjunto de parâmetros fisiológicos do modelo, visando representar modificações na cobertura vegetal natural, têm alto impacto sobre os processos em superfície.

Ciência e Natura v.4, Edição Especial : X Workshop Brasileiro de Micrometeologia, 218 44 Referências Referências CONAB (215). Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da safra brasileira de grãos. Foley, J. A., Prentice, I. C., Ramankutty, N., Levis, S., Pollard, D., Sitch, S., Haxeltine, A. (1996). An integrated biosphere model of land surface processes, terrestrial carbon balance, and vegetation dynamics. Global Biogeochemical Cycles, 1(4), 63 628. Quadros, F. L. F. d., Pillar, V. D. P. (21). Dinâmica vegetacional em pastagem natural submetida a tratamentos de queima e pastejo. Ciência Rural, 31, 863 868. Sellers, P. J., Los, S. O., Tucker, C. J., Justice, C. O., Dazlich, D. A., Collatz, G. J., Randall, D. A. (1996). A Revised Land Surface Parameterization (SiB2) for atmospheric GCMs Part II: The Generation of Global Fields of Terrestrial Biophysical Parameters from Satellite Data. Journal of Climate, 9, 76 737. Valente, F. C. P. (216). Sensibilidade do fechamento do balanço de energia a métodos de processamento de dados de fluxos superficiais sobre o bioma pampa. Mestrado em meteorologia, Universidade Federal de Santa Maria. Varejão, C. G., Costa, M. H., Camargo, C. C. S. (213). A multi-objective hierarchical calibration procedure for land surface/ecosystem models. Inverse Problems in Science and Engineering, 21(3), 357 386. Vrugt, J. A., Robinson, B. A. (27). Improved evolutionary optimization from genetically adaptive multimethod search. Proceedings of the National Academy of Sciences, 14(3), 78 711. Zambrano-Bigiarini, M. (214). hydrogof: Goodness-of-fit functions for comparison of simulated and observed hydrological time series. URL https://cran.r-project.org/package=hydrogof, r package version.3-8. Guilherme Goergen Roilan Hernandez Valdes Débora Regina Roberti Gervásio Annes Degrazia E-mail: guilherme.goergen@gmail.com E-mail: roylanhv@gmail.com E-mail: debora@ufsm.br E-mail: gervasiodegrazia@gmail.com