As objeções relativas à competência da Corte para tratar da questão (parágrafo 19 ao 41 do parecer consultivo)



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Transcrição:

1970 CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS PARA OS ESTADOS DA PRESENÇA CONTÍNUA DA ÁFRICA DO SUL NA NAMÍBIA (SUDOESTE AFRICANO) NÃO OBSTANTE A RESOLUÇÃO 276 (1970) DO CONSELHO DE SEGURANÇA (1970-1971) 14. Parecer Consultivo de 21 de junho de 1971 Em seu parecer consultivo relativo à questão submetida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas: "Quais são as conseqüências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia não obstante a Resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança?", a Corte opinou, por 13 votos a 2, (1) que, sendo ilegal a presença contínua da África do Sul na Namíbia, a África do Sul deveria retirar imediatamente sua administração da Namíbia e colocar, assim, um fim na ocupação daquele território; por 11 votos a 4, (2) que os Estados-membros das Nações Unidas deveriam reconhecer a ilegalidade da presença da África do Sul na Namíbia e a invalidade de seus atos em nome ou em relação à Namíbia, e deixar de praticar alguns atos e, em particular, os relacionados com o governo da África do Sul que impliquem o reconhecimento da legalidade, ou forneçam ajuda ou assistência a tal presença e administração; (3) que caberia aos Estados que não são membros das Nações Unidas auxiliar, dentro dos limites do subparágrafo (2) acima, as ações tomadas pelas Nações Unidas no que diz respeito à Namíbia. Para estes procedimentos a Corte estava composta da seguinte maneira: Presidente Sir Muhammad Zafulla Khan; Vice-Presidente Ammoun; juízes Sir Gerald Fitzmaurice, Padilla Nervo, Forster, Gros, Bengzon, Petrén, Lachs, Onyeama, Dillard, Ignacio-Pinto, de Castro, Morozov e Jiménez de Aréchaga. O Presidente da Corte Zafulla Khan anexou ao parecer uma declaração. O Vice-Presidente Ammoun e os juízes Padilla Nervo, Petrén, Lachs, Onyeama, Dillard, e de Castro anexaram suas opiniões individuais, e os juízes Sir Gerald Fitzmaurice e Gros anexaram suas opiniões dissidentes. O curso dos procedimentos (parágrafo 1º ao 18 do parecer consultivo) A Corte recordou, primeiramente, que o pedido para o parecer consultivo emanou do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o qual decidiu submetê-lo pela Resolução 284 (1970), adotada em 29 de julho de 1970. Em seguida, a Corte recapitulou as diferentes etapas dos procedimentos subseqüentes. Referiu-se particularmente a três decisões de 26 de janeiro de 1971, por meio das quais a Corte decidiu não concordar com as objeções levantadas pelo governo da África do Sul quanto à participação de três membros da Corte nos procedimentos. Estas objeções se basearam em declarações que estes juízes proferiram na época em que eram representantes de seus governos perante os órgãos das Nações Unidas que se ocupavam de problemas relacionados à Namíbia, ou em sua participação, na mesma qualidade, nos trabalhos destes órgãos. Para cada um dos casos, a Corte chegou à conclusão de que não havia possibilidade de aplicar o artigo 17, parágrafo 2º de seu Estatuto. As objeções relativas à competência da Corte para tratar da questão (parágrafo 19 ao 41 do parecer consultivo) O governo da África do Sul argüiu que a Corte não era competente para proferir o parecer, uma vez que a Resolução 284 (1970) do Conselho de Segurança seria inválida pelas seguintes razões: a) dois membros permanentes do Conselho de Segurança se abstiveram durante a votação (Carta das Nações Unidas, artigo 27,

parágrafo 3º); b) como a pergunta se relacionava a uma disputa entre a África do Sul e outros membros das Nações Unidas, a África do Sul deveria ter sido convidada a participar da discussão (Carta, artigo 32) e deveria ser observada a disposição obrigando os membros do Conselho de Segurança partes na disputa a se absterem de votar (Carta, artigo 27, parágrafo 3º). A Corte ponderou que: a) por um longo período a abstenção voluntária de um membro permanente tem sido constantemente interpretada como um fator que não constitui entrave à adoção das resoluções pelo Conselho da Segurança; b) a questão da Namíbia foi colocada na agenda do Conselho como uma situação e o governo sul-africano não chamou a atenção do Conselho à necessidade, a seu ver, de a tratar como uma disputa. Alternativamente, o governo da África do Sul sustentou que, mesmo se a Corte tivesse competência, ela deveria, a fim de permanecer em seu papel judicial, se recusar a proferir o parecer em razão de pressões políticas a que a Corte tinha sofrido ou poderia sofrer. Em 8 de fevereiro de 1971, na abertura das audiências públicas, o Presidente da Corte declarou que não seria apropriado para a Corte acolher aquelas observações, considerando, como elas mesmo sugerem, a natureza da Corte como principal órgão judicial das Nações Unidas, um órgão que, nessa qualidade, age somente com base no direito, independentemente de quaisquer influências ou intervenções externas de qualquer parte. O governo da África do Sul apresentou uma outra razão para que a Corte não proferisse o parecer, argumentando que a questão era, na realidade, contenciosa, uma vez que se relacionava com uma disputa entre a África do Sul e outros Estados. A Corte entendeu que se tratava, no presente caso, de uma demanda apresentada por um órgão das Nações Unidas com o propósito de obter um parecer jurídico sobre as conseqüências de suas próprias decisões. O fato da Corte ter que se pronunciar sobre questões jurídicas nas quais existem pontos de vista divergentes entre a África do Sul e as Nações Unidas não converte o caso em uma disputa entre Estados. (Não havia, conseqüentemente, necessidade de aplicar o artigo 83 do Regulamento da Corte, o qual prevê que se um parecer consultivo for solicitado sobre uma questão jurídica "atualmente pendente entre dois ou mais Estados", o artigo 31 do Estatuto, tratando de juízes ad hoc, seria aplicável. O governo da África do Sul solicitou o direito de escolher um juiz ad hoc. A Corte ouviu suas observações sobre essa questão em 27 de janeiro de 1971 mas, à luz das considerações acima, decidiu, por sua decisão de 29 de janeiro de 1971, não conhecer da demanda). Em suma, a Corte não viu nenhuma razão para deixar de responder à demanda por um parecer consultivo. Histórico do mandato (parágrafo 42 ao 86 do parecer consultivo) Tendo refutado os argumentos do governo sul-africano citando seus próprios pronunciamentos nos procedimentos anteriores sobre o Sudoeste Africano (pareceres consultivos de 1950, 1955 e 1956; e o julgamento de 1962), a Corte recapitulou a história do mandato. O sistema de mandatos, estabelecido pelo artigo 22 do Pacto da Sociedade das Nações, baseou-se em dois princípios de grande importância: o princípio da não anexação e o princípio que proclama que o bemestar e desenvolvimento dos povos em causa formavam uma missão sagrada de civilização. Levando em consideração a evolução dos últimos cinqüenta anos, não há dúvida de que esta missão sagrada de civilização tinha por objetivo a autodeterminação e independência. O mandatário deveria observar um certo número de obrigações, e o Conselho da Sociedade deveria verificar se estas estavam sendo cumpridas. Os direitos do mandatário se fundavam naquelas obrigações. Quando a Sociedade das Nações foi dissolvida, a razão de existir e o objeto original destas obrigações remanesceram. Uma vez que sua supervisão não dependia da existência da Sociedade, elas não precisavam terminar simplesmente porque o órgão supervisor deixou de existir. Os membros da Sociedade não tinham declarado, ou aceito, mesmo implicitamente, que os mandatos seriam ab-rogados ou caducados com a dissolução da Sociedade. A última resolução da Assembléia da Sociedade e o artigo 80, parágrafo 1º da Carta das Nações Unidas mantiveram as obrigações dos mandatários. A Corte Internacional de Justiça invariavelmente reconheceu que o mandato sobreviveu ao fim da Sociedade, e a própria África do Sul admitiu este fato

durante vários anos. Assim, a supervisão, parte essencial do Mandato, estava destinada a sobreviver. As Nações Unidas sugeriram um sistema de controle que não excedesse àquele aplicado sob o regime de mandatos, mas esta proposta foi rejeitada pela África do Sul. As Resoluções da Assembléia Geral e do Conselho de Segurança (parágrafo 87 ao 116 do parecer consultivo) Finalmente, em 1966, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Resolução 2145 (XXI), por meio da qual se decidiu que o mandato terminaria e que a África do Sul não teria mais direito de administrar o território. Posteriormente, o Conselho de Segurança adotou várias resoluções, incluindo a Resolução 276 (1970), que declara ilegal a presença contínua da África do Sul na Namíbia. Tendo sido levantadas objeções quanto à validade destas resoluções, a Corte entendeu que não tinha poderes de controle judicial nem de apelação com relação aos órgãos das Nações Unidas em questão, e nem a validade dessas resoluções era matéria do pedido de parecer consultivo. Não obstante, no exercício de sua função judicial, e desde que foram apresentadas objeções, a Corte examinou-as em sua exposição de motivos antes de se pronunciar sobre as conseqüências jurídicas provenientes destas resoluções. A Corte primeiramente recordou que a entrada em vigor da Carta das Nações Unidas estabeleceu uma relação entre todos os membros das Nações Unidas e cada um dos mandatários e que um dos princípios fundamentais que governam esta relação é que a parte que desaprova ou não cumpre suas obrigações não pode ser considerada como se conservasse os direitos que reivindica derivar dessa relação. A Resolução 2145 (XXI) constatou que houve violação substancial do mandato, o que a África do Sul, de fato, rejeitou. Foi argüido: a) que o Pacto da Sociedade das Nações não conferia poder ao Conselho da Sociedade para terminar um mandato por má conduta e que as Nação Unidas não poderiam adquirir os extensos poderes que a Sociedade possuía; b) que, mesmo se o Conselho da Sociedade possuísse poder para a revogação do mandato, não poderia tê-lo exercido unilateralmente mas somente em cooperação com o mandatário; c) que a Resolução 2145 (XXI) fez determinações que a Assembléia Geral, não sendo um órgão judicial, não era competente para fazer; d) que uma investigação detalhada dos fatos era necessária; e) que a Resolução 2145 (XXI) decidiu efetivamente por uma transferência de território. A Corte observou: a) que, de acordo com um princípio de direito internacional geral (incorporado na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados), o direito de pôr fim a um tratado em razão do descumprimento deve ser presumido em relação a todos os tratados, mesmo se não expresso; b) que o consentimento daquele que descumpriu o tratado não pode ser exigido para seu término; c) que a ONU, como sucessora da Sociedade, agindo através de seu órgão competente, deve ser considerada como a instituição de supervisão competente para se pronunciar sobre a conduta do mandatário; d) que a falta de cumprimento por parte da África do Sul da obrigação de se submeter à supervisão não pode ser contestada; e) que a Assembléia Geral não estava investigando fatos, mas formulando uma situação jurídica e que não seria correto supor que, porque a Assembléia Geral da ONU é, em princípio, investida de poderes de recomendação, estaria excluída de adotar, em casos especiais e dentro da estrutura de sua competência, resoluções que têm o caráter de decisões ou de uma intenção de execução. A Assembléia Geral, entretanto, carecendo dos poderes necessários para assegurar a retirada da África do Sul do território e, conseqüentemente, agindo de acordo com o artigo 11, parágrafo 2º da Carta, solicitou a cooperação do Conselho de Segurança. O Conselho, por sua vez, quando adotou as resoluções pertinentes, agiu no exercício daquilo que julgava ser sua responsabilidade principal, isto é, a manutenção da paz e segurança internacionais. O artigo 24 da Carta investe o Conselho de Segurança dos poderes necessários. Suas decisões foram tomadas em conformidade com as finalidades e os princípios da Carta, sob o artigo 25, o qual estabelece o dever dos Estados-membros de obedecer tais decisões, mesmo para aqueles membros do Conselho de Segurança que votaram contra e para os demais membros das Nações Unidas que não são membros do Conselho. As conseqüências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (parágrafos 117 ao 127 e 133 do parecer consultivo)

A Corte enfatizou que, quando um órgão competente das Nações Unidas constata de uma maneira obrigatória que uma situação é ilegal, esta constatação não pode permanecer sem conseqüências. A África do Sul, responsável por criar e manter aquela situação, tem a obrigação de lhe pôr fim e retirar sua administração do território. Ocupando o território sem titularidade para tal, a África do Sul incorre em responsabilidade internacional resultante da violação contínua de uma obrigação internacional. Ela também permanece responsável por quaisquer violações dos direitos do povo da Namíbia e das obrigações que o direito internacional lhe impõe em relação a outros Estados, que são ligadas ao exercício destes poderes no território. Os Estados-membros das Nações Unidas devem reconhecer a ilegalidade e a invalidade da presença contínua da África do Sul na Namíbia e deixar de fornecer apoio ou qualquer forma de auxílio à África do Sul com relação à sua ocupação da Namíbia. Quanto a saber exatamente quais atos são permitidos, quais medidas devem ser tomadas, que alcance devem ter e por quem devem ser aplicadas, são questões que se encontram dentro da competência dos órgãos políticos apropriados das Nações Unidas, agindo no quadro dos poderes conferidos pela Carta. Dessa forma, cabe ao Conselho de Segurança determinar todas as medidas posteriores às decisões já tomadas. Portanto, a Corte restringiu-se a proferir um parecer sobre as relações com o governo da África do Sul que, em virtude da Carta das Nações Unidas e do direito internacional geral, devem ser consideradas como incompatíveis com a Resolução 276 (1970), uma vez que podem implicar o reconhecimento do caráter legal da presença da África do Sul na Namíbia. Assim, estabeleceu que: a) Os Estados-membros estão sob a obrigação - sob reserva do ponto d) abaixo - de não estabelecer relações convencionais com a África do Sul, em qualquer caso em que o governo da África do Sul possa agir em nome ou com relação à Namíbia. Em relação aos tratados bilaterais em vigor, os Estados-membros devem se abster de invocar ou aplicar os tratados ou disposições dos tratados concluídos pela África do Sul em nome ou em relação à Namíbia, os quais envolvam cooperação intergovernamental ativa. Quanto aos tratados multilaterais, a mesma regra não pode ser aplicada a determinadas convenções gerais, tais como aquelas com caráter humanitário, cuja inexecução possa prejudicar o povo da Namíbia: cabe aos órgãos internacionais competentes tomar medidas específicas a esse respeito. b) Os Estados-membros estão sob a obrigação de se abster de enviar missões diplomáticas ou especiais para a África do Sul, cuja jurisdição se estende à Namíbia; de se abster de enviar Agentes consulares à Namíbia e de retirar qualquer Agente que ainda esteja lá; e de deixar claro à África do Sul que a manutenção das relações diplomáticas ou consulares não implica qualquer reconhecimento de sua autoridade no que diz respeito à Namíbia. c) Os Estados-membros estão sob a obrigação de se abster de participar, com a África do Sul agindo em nome ou com relação à Namíbia, de relações econômicas ou quaisquer outras que afirmariam a autoridade da África do Sul sobre o território. d) Entretanto, o não reconhecimento não deve ter por conseqüência privar o povo da Namíbia de quaisquer vantagens derivadas da cooperação internacional. Em particular, a ilegalidade ou a nulidade dos atos tomados pelo governo da África do Sul em nome ou com relação à Namíbia desde o término do mandato não podem se estender a atos como o registro de nascimentos, mortes e casamentos. Com relação aos Estados que não são membros das Nações Unidas, embora não estejam vinculados aos artigos 24 e 95 da Carta, foram convocados pela Resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança a auxiliar a ação empreendida pelas Nações Unidas com relação à Namíbia. Na opinião da Corte, o fim do mandato e a declaração de ilegalidade em relação à presença da África do Sul na Namíbia eram oponíveis a todos os Estados no sentido de impor obstáculos erga omnes à legalidade da situação, mantida com violação ao direito internacional. Em particular, nenhum Estado que participar de relações com a África do Sul referentes à Namíbia, pode esperar reconhecimento de validade ou dos efeitos destas relações por parte das Nações Unidas ou de seus membros. Os Estados não membros devem agir conforme a determinação do fim do mandato, por decisão da organização internacional investida do poder de supervisão. Todos os Estados devem ter em mente que a presença ilegal da África do Sul na Namíbia traz prejuízos a um povo que precisa

da ajuda da comunidade internacional para seu progresso e a fim de atingir os objetivos aos quais corresponde a missão sagrada de civilização. Desta forma, a Corte proferiu parecer conforme indicado acima. Demandas da África do Sul sobre o fornecimento de maiores informações factuais e a possibilidade de um plebiscito (parágrafo 128 ao 132 do parecer consultivo) O governo da África do Sul expressou seu desejo de fornecer à Corte maiores informações factuais a respeito das finalidades e objetivos de sua política de desenvolvimento, argumentando que para se estabelecer o descumprimento substancial das obrigações internacionais relativas ao mandato seria necessário provar que a África do Sul falhou no exercício de seu poder com vistas a promover o bem estar e o progresso dos habitantes. A Corte considerou que nenhuma evidência factual era necessária para determinar se a política do Apartheid na Namíbia estava em conformidade com as obrigações internacionais assumidas pela África do Sul. Não se discute que a política governamental oficial desenvolvida pela África do Sul na Namíbia buscava alcançar uma separação física completa das raças e dos grupos étnicos. Isto significa o aumento das distinções, exclusões, restrições e limitações baseadas exclusivamente na raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que constituem uma violação de direitos humanos fundamentais. A Corte considerou isto uma flagrante violação às finalidades e princípios da Carta das Nações Unidas. O governo da África do Sul submeteu também um pedido para que um plebiscito fosse realizado no território da Namíbia sob a supervisão conjunta da Corte e do governo da África do Sul. A Corte, concluindo que nenhuma evidência adicional era necessária, e que o mandato havia terminado validamente, e que por conseqüência a presença da África do Sul na Namíbia era ilegal e seus atos em nome ou com relação à Namíbia também eram ilegais e nulos, não foi capaz de admitir esta proposta. Por uma carta de 14 de maio de 1971, o Presidente informou aos representantes dos Estados e das Organizações que participaram dos procedimentos orais, que a Corte tinha decidido rejeitar as duas demandas acima mencionadas.