Efeitos de frequência no alçamento sem motivação aparente das vogais médias pretônicas

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Transcrição:

https://periodicos.utfpr.edu.br/rl Efeitos de frequência no alçamento sem motivação aparente das vogais médias pretônicas RESUMO Maria José Braskovski Vieira blaskovskivi@yahoo.com.br Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil Mariana Müller Ávila marianaavila@hotmail.com Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Brasil Este trabalho investiga o papel da frequência no alçamento sem motivação aparente das vogais pretônicas no português falado na cidade de Jaguarão/RS, com base na perspectiva teórica da Fonologia de Uso (BYBEE, 2001) e da Teoria de Exemplares (PIERREHUMBERT, 2001). Para tanto, foram selecionadas 23 entrevistas do Banco de Dados BDS-Pampa. Foram coletados 4.986 dados. 524 correspondem a vocábulos que apresentam alternância entre [o] ~ [u] ou somente a forma alçada e 292 que apresentam alternância entre [e] ~ [i] ou somente a forma alçada. Os resultados indicam que o alçamento se aplica a palavras isoladas. Neste caso, não conseguimos observar efeitos gerais da frequência sobre o alçamento da vogal pretônica anterior, uma vez que tanto palavras de alta quanto de baixa frequência sofrem alçamento. Em relação ao alçamento da vogal posterior, os resultados mostram a ocorrência de um fenômeno de variação mais amplo que apresenta sensibilidade à frequência do item lexical. Verificamos que o alçamento atinge itens lexicais que partilham um mesmo radical. PALAVRAS-CHAVE: Vogais Pretônicas. Alçamento. Frequência Lexical. Página 13

INTRODUÇÃO No português brasileiro, as vogais médias em posição pretônica têm merecido a atenção de estudiosos em função da variedade de fenômenos fonológicos que podem atingi-las e que, muitas vezes, caracterizam marcas dialetais (VIEGAS, 1987; SCHWINDT, 1995; GUIMARÃES, 2007; KAILER, 2008). Nessa posição, são encontrados processos variáveis de alçamento, como, por exemplo, de harmonia vocálica, de abaixamento, de redução extrema em contextos fonológicos determinados e de alçamento em contextos de nãoharmonia. A alternância entre vogais médias e altas foi explorada em estudos como os de Bisol (1981), Viegas (1987), Callou, Leite e Coutinho (1991), Oliveira (1991), Battisti (1993), Schwindt (1995), Klunck, (2007), Cruz (2010), Silva (2014), entre outros, revelando fatores internos e externos à língua, determinantes da heterogeneidade existente. Buscando contribuir para a discussão sobre o comportamento das pretônicas, neste estudo, temos como objetivo analisar o alçamento sem motivação aparente das vogais médias pretônicas no português falado na cidade de Jaguarão (RS), verificando, assim, efeitos de frequência do item lexical sobre o alçamento. Em palavras grafadas com e na pretônica, como melhor, demais, ou com o, como porque, comer, encontramos tanto realizações com alçamento [mi ]/[d i mais] e [pu ke]/[ku me ] quanto sem alçamento. Com base na Fonologia de Uso (BYBEE, 2001, 2006), pretendemos verificar a influência exercida pela frequência de uso nesse tipo de alternância. Para tanto, partimos da hipótese de que palavras frequentes alçam mais do que palavras pouco frequentes. Seguindo o que foi encontrado por Klunck (2007), Marchi e Stein (2007) e Silva (2014), esperamos encontrar baixos índices de alçamento na comunidade em estudo. No Brasil, são poucos os estudos que analisam o alçamento sem motivação aparente separadamente de outros fenômenos de alçamento que atingem as pretônicas. Entre eles encontramos a investigação feita por Klunck (2007), com base na Teoria da Variação laboviana, em amostra de fala de Porto Alegre. A autora analisou 24 entrevistas do Banco de Dados VARSUL, a partir das quais obteve um total de 4.208 dados para a análise. Foram descartados itens lexicais que contivessem vogal alta na sílaba seguinte à pretônica, palavras iniciadas por en es ou prefixo des, que apresentam índices elevados de alçamento (cf. BATTISTI, 1993), e sequências de vogais formando ditongos e hiatos. Dos dados obtidos, 2.229 eram palavras grafadas com e em posição pretônica e 1.976 grafadas com o. Todos os dados foram codificados a partir de variáveis linguísticas e sociais, tendo sido analisadas, como variáveis linguísticas, a posição da pretônica analisada, o contexto fonológico precedente, o contexto fonológico seguinte, a nasalidade, entre outros. E como variáveis sociais, o gênero (feminino e masculino), a faixa etária (25-39 anos/ 40-55 anos/ mais de 56 anos) e a escolaridade (ensino fundamental e médio). Página 14 Após a codificação, a autora submeteu os dados à análise estatística. Em palavras com e, houve 4% de alçamento, enquanto palavras com o apresentaram 12% de alçamento. Foram selecionadas as seguintes variáveis linguísticas para ambas as vogais: contexto fonológico seguinte, contexto

Página 15 fonológico precedente, altura da vogal da sílaba seguinte, e as variáveis sociais gênero (apenas para a vogal /o/) e grau de escolaridade, entre outras. Embora o programa tenha selecionado variáveis linguísticas, consideradas relevantes para a elevação das vogais médias em posição pretônica, a autora constatou que, para a vogal anterior, o alçamento atingia itens lexicais isolados e para a vogal posterior, itens pertencentes a um mesmo paradigma derivacional. Isso significa que não seria o contexto linguístico que determina a elevação, mas o item lexical. Em relação aos fatores sociais, os resultados apontaram que os homens alçam mais a vogal anterior do que as mulheres e que, para ambas as vogais, os menos escolarizados alçaram mais. Semelhante análise realizaram Marchi e Stein (2007) tomando dados de fala de Curitiba/PR, retirados do Banco de Dados VARSUL. Foram analisadas 24 entrevistas que indicaram índice de 7% de alçamento para a vogal anterior e de 19% para a posterior. Segundo as autoras, de acordo com os resultados encontrados, é possível supor que o alçamento sem motivação aparente seja um fenômeno de cunho lexical. Comparando resultados encontrados por Marchi e Stein (2007) e Klunck (2007), Bisol (2010, p.86) sugere que não há um contexto fonético específico que favoreça o alçamento da pretônica e que o chamado alçamento sem motivação aparente é um processo difusionista que privilegia certas partes do léxico ou certas variedades de fala. Tendo como base o estudo de Klunck (2007), Cruz (2010) realizou uma análise em tempo real, de cunho variacionista, sobre a alternância entre vogais médias e altas em posição pretônica, utilizando duas amostras de fala diferentes, uma da década de 1980 e outra coletada entre anos 2007 e 2009 pertencentes ao Banco de Dados VARSUL. A autora também buscou identificar contextos linguísticos e sociais favorecedores ao alçamento e avaliar a forma de propagação do fenômeno. Os resultados encontrados indicaram índices de elevação diferentes para cada uma das vogais médias, considerando cada uma das amostras. Na primeira amostra, correspondente aos anos 1988-89, em 2.083 dados analisados, apenas 168 apresentaram alçamento da vogal anterior (8,1%). Já para a vogal posterior, em 1.366 dados coletados, houve alçamento em 243 palavras (17,8%). Na amostra dos anos 2007-09, a autora obteve 7,9% de elevação para a vogal anterior e 10,0% de elevação para a posterior. Tais resultados indicam estabilidade em relação aos índices de alçamento da vogal anterior e diminuição do alçamento da posterior nas amostras analisadas. Silva (2014) estudou o comportamento das vogais médias na fala dos jovens porto-alegrenses, obtendo, também, baixos índices de elevação. Diferentemente de Klunck (2007) e de Cruz (2010), em seu estudo, analisou os dados à luz da Teoria dos Exemplares (JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2001; 2003) e da Difusão lexical (CHEN; WANG, 1975; OLIVEIRA, 1991; 1992; 1995). A taxa de alçamento encontrada nas palavras mais frequentes na amostra analisada foi de 3% para a vogal posterior e de 2% para a vogal anterior, confirmando a expectativa de que o alçamento é um fenômeno de baixa aplicação também na amostra realizada. A autora constatou a natureza invariante da amostra, na qual poucos itens lexicais específicos variavam e em que o alçamento se propagava principalmente através de radicais que contêm a vogal posterior na posição pretônica. A partir da incorporação de variáveis como Paradigma e Vocábulo em análise estatística feita com uso do programa RBrul, e da seleção de tais variáveis

pelo programa, a autora sustenta que o léxico é o componente linguístico que governa o alçamento da pretônica. 1. PERSPECTIVA TEÓRICA Página 16 Neste trabalho lançamos mão da Fonologia de Uso e da Teoria dos Exemplares na análise do alçamento das pretônicas sem motivação aparente. Diferentemente dos modelos fonológicos tradicionais que consideram a representação linguística única e abstrata e a variação redundante, a Fonologia de Uso (BYBEE, 1994; 2001; 2006) e a Teoria dos Exemplares (JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2001; 2003; FOULKES; DOCHERTY, 2006) sustentam que a representação cognitiva das unidades linguísticas forma-se a partir de todas as realizações dessas unidades a que o falante foi exposto, sem que as informações consideradas redundantes sejam eliminadas. Dessa maneira, a representação de uma determinada unidade linguística não é única, mas, ao contrário, é múltipla, sendo constituída por um conjunto de formas dessa unidade a que o falante foi exposto. Tendo em vista que os indivíduos têm experiências linguísticas diferentes, o conjunto de exemplares acumulados difere de indivíduo para indivíduo, havendo, no entanto, similaridade entre indivíduos que partilham um mesmo grupo social. Conforme essas visões teóricas, as unidades linguísticas estão organizadas em redes e são agrupadas de acordo com similaridades de forma, significado ou ambas. Bybee (1985) considera a possibilidade de diferentes graus de conexão entre os itens lexicais. Há conexões fracas, que se estabelecem entre itens que têm apenas similaridade fonológica; conexões médias, entre itens que têm similaridade semântica; e fortes, entre itens que têm similaridade semântica e fonológica. A organização do conhecimento fonológico em redes promove a articulação em diversos níveis de generalização. A título de exemplo, um item lexical como conhecer tem associação forte com outras formas flexional ou derivacionalmente ligadas a ela e juntas formam uma rede com similaridade semântica e fonológica. Assim, é de se esperar que modificações na forma fonológica de um elemento da rede do item lexical conhecer que tenha alta frequência de uso se estendam aos outros elementos da rede. Nessa perspectiva, a frequência com que itens lexicais são usados tem um papel central na representação mental e na forma fonética das palavras. Quanto mais um padrão se repete, mais gerais serão seus traços e mais facilmente se estenderão a outros itens (inclusive novos), promovendo generalizações. Há duas formas de se avaliar a frequência numa língua: pelo número de ocorrências de um dado item lexical, a chamada frequência de ocorrência 1 ; ou pela produtividade de um determinado padrão linguístico, a chamada frequência de tipo (BYBEE, 2001). Para a Teoria dos Exemplares (JOHNSON, 1997; PIERREHUMBERT, 2001; 2003) as palavras ao serem armazenadas com seu detalhe fonético podem ser categorizadas mais de uma vez e ser associadas a formas fonéticas diferentes. Sendo assim, ao ouvir uma palavra com uma forma não conhecida, a memória perceptual dessa palavra será atualizada. Se essa forma passar a ser ouvida mais

frequentemente, ela se tornará fortalecida com o aumento no número de exemplares. Bybee (2001) sugere que padrões de difusão lexical organizam os esquemas de exemplares. Assim, quando há representações em competição, por exemplo, uma vogal [e] manifestando-se como [i] em palavras como em s[i]nhor, ou [o] manifestando-se como [u] em palavras como c[u]mer, a implementação da redução vocálica de [e] > [i] ou de [o] > [u] se dará em itens lexicais específicos (WANG, 1969) e ocorrerá gradualmente no léxico. Quando todos os itens lexicais que estão sendo afetados por um determinado fenômeno de variação passam a ser produzidos com a variante inovadora, então a mudança terá sido concluída. Com base nesses pressupostos, apresentamos a seguir a metodologia empregada nesta pesquisa. 2. METODOLOGIA Neste trabalho, utilizamos uma amostra constituída de 23 entrevistas com falantes de Jaguarão/RS. A cidade de Jaguarão situa-se no extremo sul do Brasil e faz fronteira com a cidade uruguaia de Rio Branco. Destaca-se pela sua arquitetura, conservando mais de 800 edificações do séc. XIX, e pela ponte que faz a ligação com o país vizinho. Justamente em função da ponte, é intensa a integração entre os habitantes das duas cidades, deixando marcas na cultura, na culinária e no português/espanhol falado na região. Tendo em vista a possibilidade de estabelecermos uma relação entre o alçamento das pretônicas e o contato do português com o espanhol, realizamos esta pesquisa para a qual foram selecionadas 23 entrevistas que fazem parte do Banco de Dados BDS- Pampa, levando-se em conta fatores como sexo, idade (16-25 anos, 26-49 anos, +50 anos) e classe social (baixa e média alta). A partir dessas entrevistas foram coletados dados com vogais médias na posição pretônica que foram reunidos e analisados inicialmente por Aguiar (2014). Esses dados foram reanalisados, aprofundando-se a ideia de que o alçamento da pretônica atinge itens específicos grafados com e e itens que pertençam ao mesmo paradigma nas palavras grafadas com o. Para que possamos ter clareza sobre esse fenômeno de alçamento, foram descartadas palavras com vogal alta na sílaba seguinte, pois apresentam contexto para a ocorrência de harmonização vocálica; palavras que possuem vogais em sequência, formando ditongos e hiatos; e que possuem os prefixos DES, ES, EN. Inicialmente, foram coletados dados com contexto para alçamento das pretônicas sem motivação aparente e levantadas as frequências de cada item lexical usando-se o Corpus Brasileiro, disponibilizado por Berber Sardinha. Tentamos, dessa maneira, buscar uma explicação sobre por que certas palavras são atingidas pelo alçamento, enquanto outras, com contexto fonético semelhante, não alçam. Na seção a seguir, passamos à apresentação e discussão dos resultados. Página 17

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO Das 23 entrevistas analisadas, foram coletados 4.986 dados com vogais médias em posição pretônica dos quais 816 apresentaram variação [e] ~ [i] ou [o] ~ [u], ou apresentaram somente a vogal alçada. Desses 816 dados, 524 correspondem a vocábulos que apresentam alternância entre [o] ~ [u] ou somente a forma alçada e 292 que apresentam alternância entre [e] ~ [i] ou somente a forma alçada. 3.1 Resultados do alçamento envolvendo a vogal anterior [e] No quadro abaixo, apresentamos os vocábulos com e na pretônica que apresentaram variação/alçamento e suas frequências. Formas flexionadas de uma mesma palavra foram computadas juntas nos casos em que não houve alternância entre a média e a alta, mas somente alçamento. A frequência apresentada diz respeito à forma de dicionário do vocábulo. Quadro 1. Alçamento da vogal [e] e frequência lexical Melhor 1 60 980.00 Depois 10 91 662.60 Pequeno 64 64 592.10 Senhor 8 9 185.00 Senhora 9 17 170.70 Demais 6 6 169.60 Devagar 2 2 63.10 Melhorar 2 13 51.96 Senão 5 6 39.00 Desafio 3 3 25.49 Desenvolver 12 12 22.80 Coquetel 3 3 4.54 Tesoureiro 6 6 0.87 Página 18 Conforme podemos observar no quadro acima, há variação na forma de realização da pretônica nos itens melhor, depois, senhor, senhora, melhorar, e senão. Nos três primeiros, predomina amplamente a realização com a vogal média [e], sendo observado um alçamento em 60 ocorrências da palavra melhor; duas em 13 ocorrências de melhorar e dez em 91 ocorrências de depois. Já em senhor, senhora e senão, predomina a realização com a vogal alçada, sendo que houve oito alçamentos em nove ocorrências da palavra senhor; nove alçamentos em 17 ocorrências de senhora, e cinco alçamentos em seis ocorrências de senão. No restante das palavras, somente manifesta-se a forma com a vogal alçada,

indicando que, na amostra em estudo, o único exemplar disponível é aquele com alçamento. Comparando-se esses resultados com aqueles de outros estudos (KLUNCK, 2007; CRUZ, 2010; SILVA, 2014), percebemos similaridades em relação aos elementos que alçam ou apresentam variação. No entanto, tendo em vista que as amostras resultam de coleta de fala espontânea, há palavras que apresentam variação ou a forma alçada que aparecem em uma amostra, mas não em outra. No quadro a seguir, apresentamos uma comparação entre os estudos já realizados e este estudo no que diz respeito à forma de realização dos itens com variação ou alçamento. Quadro 2 Alçamento da vogal [e] - comparação entre estudos Item Vieira e Ávila Klunck (2007) Cruz (2010) Silva (2014)* alça/ocorr. alça/ocorr. alça/ocorr. alça/ocorr. Melhor 1/60 0/10 0/16 0/47 Pequeno 64/64 21/28 39/40 23/23 Senhor 8/9 13/14 2/2 2/3 Senhora 9/17 18/20 30/30 6/8 Coquetel 3/3 - - - Depois 10/91 8/53 5/6 - Demais 6/6 2/3 3/4 - Melhorar 2/13 0/18 2/8 0/25 Devagar 2/2 0/1 3/3 2/2 Desafio 3/3 - - - Desenvolv 12/12 - - - er tesoureiro 6/6 1/1 - - Senão 5/6 1/1 - - * A não-ocorrência de vocábulos gramaticais nessa amostra se deve a uma opção metodológica feita pela autora. Página 19 Como podemos verificar no quadro acima, a exemplo do que foi encontrado neste estudo, entre os jovens de Porto Alegre (SILVA, 2014), a palavra pequeno só apresenta a forma alçada e um número baixo de ocorrências com a vogal [e] nas amostras analisadas por Klunck (2007) e Cruz (2010). Por sua vez, as formas da palavra senhora, em todos os estudos, apresentam uma predominância de alçamento e, por conseguinte, um número bastante reduzido de ocorrências com a vogal [e]. Já a palavra melhor e palavras a ela relacionada só mostram variação no presente estudo e no estudo de Cruz, tendo sido encontrado, nesses casos, um número bastante reduzido de ocorrências com a vogal alçada. Nos quatro estudos, a palavra devagar, com baixos índices de ocorrência, não varia, apresentando a forma alçada em três deles e, em um estudo, uma única realização com [e]. Com ocorrência em três trabalhos, o vocábulo depois apresenta predominância de [e] neste trabalho e em Klunck e um equilíbrio entre forma alçada e não alçada em Cruz. Em relação à forma de realização dos vocábulos coquetel, desafio, desenvolver, tesoureiro e senão não há possibilidade de comparação em função de sua não-ocorrência nos outros trabalhos.

Página 20 De acordo com a perspectiva teórica adotada neste trabalho, mudanças linguísticas foneticamente motivadas propagam-se gradualmente pelo léxico atingindo primeiramente palavras de alta frequência. Isso significa que há uma tendência de a mudança atingir primeiro as palavras mais frequentes, mas não está descartada a possibilidade de itens menos frequentes eventualmente também serem atingidos pela mudança. De forma geral, espera-se que palavras que apresentem altos índices de frequência apresentem também altos índices de alçamento da pretônica. Relacionando os resultados apresentados no Quadro 1 à frequência de uso de cada vocábulo que sofreu alçamento ou que apresenta variação, não observamos efeitos gerais da frequência sobre o alçamento da pretônica, uma vez que tanto há palavras de alta quanto de baixa frequência sofrendo alçamento. De acordo com dados de frequência disponibilizados por Berber Sardinha, o adjetivo pequeno apresenta alta frequência do uso 592.10 por milhão e alçamento categórico. Já o vocábulo mais frequente na amostra a sofrer variação melhor (980,00 ocorrências/milhão) apresenta apenas uma realização com alçamento em 60 ocorrências, enquanto coquetel 2, que é de baixa frequência, sofre alçamento nas suas três ocorrências. Por sua vez, os vocábulos demais, devagar, desafio e desenvolver, com frequências diferentes, apresentam alçamento em todas as ocorrências nesta amostra. Num primeiro momento, poderíamos supor que o fato de os vocábulos terem como sílaba inicial um de seria uma explicação possível para o alçamento. No entanto, a presença na amostra de diversas ocorrências de palavras sem alçamento como desenho, devoto, depender e demora, entre outras, com contexto semelhante às que alçaram, leva-nos a afastar essa explicação. Oliveira (2011) sustenta que a explicação para a variação fonológica deveria ser buscada na conjugação de diversos fatores como a variedade linguística usada pelo falante; o item lexical, levando em conta inclusive a sua frequência; o indivíduo; e, possivelmente, outro atrator. Com base no modelo de exemplares, consideramos que o falante tem representado em sua memória o conjunto de exemplares de uma dada unidade linguística a que ele foi exposto. Assim, se houver exposição a um único exemplar dessa unidade linguística, a sua representação também será única. Tal situação, no entanto, só ocorreria se na língua do falante não houvesse qualquer tipo de variação envolvendo a unidade linguística considerada. Tomando-se o vocábulo pequeno, que na amostra em estudo não apresentou variação, podemos afirmar que a forma com alçamento é aquela que os falantes da comunidade em estudo têm representado em sua memória. Contudo, é provável que não só essa forma componha a representação que os falantes possuem desse vocábulo. Tendo em vista que, em geral, ao longo da vida, os falantes têm diferentes experiências linguísticas resultado do contato com falares diversos do seu ou através da mídia, a representação do vocábulo pequeno também conterá exemplares sem alçamento. No mapa cognitivo dos falantes da amostra em estudo, a forma com alçamento do vocábulo pequeno encontra-se na porção central e é essa a forma que será ativada quando o falante for utilizá-lo. No entanto, ao entrar em contato com uma produção desse vocábulo sem alçamento, esse falante terá que reconhecê-la como pertencente à

mesma categoria da forma alçada, lançando mão de exemplares representados mentalmente. Também ocupam uma posição central no mapa cognitivo dos falantes que compõem essa amostra os exemplares com a vogal pretônica alçada dos vocábulos demais, devagar, desafio, desenvolver, coquetel e tesoureiro 3. A única forma disponível para a produção desses vocábulos seria a do exemplar contendo alçamento, mas supondo-se que nesta comunidade haja produções dessas palavras sem alçamento, esse exemplar deveria também integrar o mapa cognitivo dos falantes. Por fim, os vocábulos melhor, senhor, senhor, depois, melhorar e senão, apresentam, no mapa cognitivo dos falantes, exemplares diferentes disponíveis tanto para a produção quanto para a percepção. Para os vocábulos senhor, senhor e senão, o número de exemplares com a vogal alçada é maior do que o sem alçamento, enquanto para os outros vocábulos, são os exemplares com a vogal média que ocupam a porção central desse mapa. Na seção seguinte, passamos à apresentação dos resultados referentes à alternância entre [o] ~ [u] ou referentes ao alçamento da pretônica. 3.2 Resultados do alçamento envolvendo a vogal anterior [o] Os dados envolvendo a alternância [o] ~ [u] ou somente a forma alçada representam 10,5%, 524 dados, do total coletado. No quadro abaixo apresentamos os vocábulos com o na pretônica que apresentaram variação/alçamento e suas frequências. Formas flexionadas de uma mesma palavra foram computadas juntas nos casos em que não houve alternância entre a média e a alta, mas somente alçamento. A frequência apresentada diz respeito à forma de dicionário do vocábulo. Quadro 3. Alçamento da vogal [o] e frequência lexical Item lexical Elevação Total Frequência Porque 190 200 691.70 Morrer 3 41 636.60 Começar 22 59 492.90 Comer 4 8 343.10 Conhecer 35 124 181.10 Governo 2 7 80.90 Conversar 15 70 63.20 Almoçar 2 3 17.60 Boneca 2 2 16.90 Mercadoria 6 6 9.30 Fogão 3 4 3.76 Página 21

Conforme podemos verificar no quadro acima, há maior variação na pretônica em vocábulos que contenham a vogal posterior nessa posição do que em vocábulos com a vogal anterior. Em somente dois vocábulos, boneca e mercadoria 4, não há variação, manifestando-se somente a forma com a vogal alçada. Em todos os outros vocábulos, há alternância entre a forma alçada e não alçada. Destaca-se no Quadro 3 o número de ocorrências e de realizações da forma alçada do vocábulo porque. Como vocábulo gramatical que tem a função de ligação de orações na língua, porque é um item bastante frequente, principalmente na modalidade oral (no Corpus Brasileiro, porque tem 691.70 ocorrências por milhão). Nesse sentido, podemos supor uma relação direta entre frequência e alçamento da pretônica, reforçando a ideia defendida por Bybee (2001) de que o uso afeta as representações. Se o alçamento que envolve a vogal posterior na posição pretônica for uma mudança que esteja se iniciando, esperase que ela atinja primeiro os itens mais frequentes, a exemplo do vocábulo porque. No entanto, como podemos ver no quadro acima, itens poucos frequentes também são afetados pelo alçamento, como é o caso da palavra fogão que alçou em três realizações das quatro ocorrências. Em relação aos outros itens que apresentam variação, também podemos estabelecer uma relação entre alçamento e frequência de ocorrência morrer, começar, comer, conhecer, governo e conversar são vocábulos que apresentam frequência de ocorrência alta e alçam em proporção diferente. Nesse caso, a relação entre frequência de ocorrência e alçamento não é tão clara quanto aquela verificada com porque. Diferentemente do que ocorre com as palavras que contêm a vogal anterior na pretônica, nas que possuem a vogal posterior, percebemos uma grande variabilidade atingindo formas diferentes de um mesmo item lexical. No quadro abaixo representamos essa variabilidade tomando o item lexical conhecer. Quadro 4 Alçamento de [o] em formas com o radical conhec- Formas com o radical conhec- Alçamento/total Conheço 4/14 conhece 5/8 conheci 8/28 conhecia 3/9 conheceu 4/18 conhecer 0/24 conhecida 10/10 conheça 0/2 conhecimento 1/11 TOTAL 35/124 Página 22 Conforme podemos ver no quadro acima, somente em três formas com o radical conhec- não há variação, havendo alçamento em todas as ocorrências da forma conhecida e nenhum alçamento em conhecer e conheça. Semelhante

variabilidade encontramos também nas formas que contêm os radicais começ-, convers-, com-, e morr-. Os resultados encontrados neste estudo se assemelham aos obtidos por Silva (2014) de acordo com a qual o alçamento que atinge vocábulos que contêm a vogal posterior na posição pretônica se propaga paradigmaticamente atingindo formas que partilham o mesmo radical. Apesar de a propagação ser irregular, uma vez que não atinge todas as formas na mesma proporção, a trajetória do alçamento é definida e é parcialmente sensível à frequência do vocábulo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho teve por objetivo discutir o alçamento sem motivação aparente que atinge a posição pretônica no português brasileiro falado na cidade de Jaguarão/RS, tentando verificar o papel da frequência nesse fenômeno. Os resultados indicam que, na amostra em estudo, o alçamento atinge categoricamente itens específicos que contêm a vogal anterior na pretônica (pequeno, demais, devagar, desafio, desenvolvimento, coquetel, tesoureiro) e variavelmente também vocábulos determinados (senhor, senhora, depois, melhor, melhorar, senão). Neste caso, não conseguimos observar efeitos gerais da frequência sobre o alçamento da vogal pretônica anterior, uma vez que tanto palavras de alta quanto de baixa frequência sofrem alçamento. No entanto, acreditamos que uma análise que leve em conta a frequência, o item lexical, o indivíduo e outros fatores sociais possa tornar mais claro o alçamento envolvendo a vogal anterior. Em relação ao alçamento da vogal posterior, os resultados mostram a ocorrência de um fenômeno de variação mais amplo que apresenta sensibilidade à frequência do item lexical. Tal sensibilidade foi constatada no forte alçamento que atinge o vocábulo porque da amostra. A exemplo do que foi encontrado em Silva (2014), verificamos que o alçamento atinge variavelmente itens lexicais que partilham um mesmo radical, sendo esse o seu meio de propagação. De forma geral, a partir deste estudo, podemos sugerir que o fenômeno de alçamento sem motivação aparente que atinge as pretônicas não pode ser analisado como um fenômeno único que atinge as vogais médias. O alçamento da vogal anterior atinge itens lexicais específicos, enquanto o alçamento da vogal posterior atinge itens específicos mas também itens que partilham um mesmo radical. Página 23 Frequency effects in raising with no

apparent motivation of pretonic mid vowels ABSTRACT This paper investigates the role of frequency in the raising with not apparent motivation of unstressed vowels in Portuguese spoken in the city of Jaguarão/RS, based on Usage Based Theory (BYBEE, 2001) and Exemplar Theory. (PIERREHUMBERT, 2001). In order to do so, 23 interviews were selected from BDS-Pampa database. We collected 4986 data. Of these data, 524 corresponding to words that show alternation [o] ~ [u] or only the raised vowel and 292 that show alternation [e] ~ [i] or only the raised form. The results indicate that the raising applies on some isolated words. In this case, we could not observe overall effects on the frequency in words with anterior vowel, since both high and low frequency words suffer raising. Regarding to the posterior vowel, the results show the occurrence of a wide variation phenomenon sensitive to the the lexical item frequency. We found that the raising reaches lexical items that share the same root.. KEYWORDS: Pretonic Vowels. Raising. Lexical Frequency. Página 24 NOTAS

1 Bybee (2006) afirma que ainda não há critérios claros para a definição do que seja frequência alta, média ou baixa. No corpus de língua inglesa da Brown University considera-se frequente um item com 30 ou mais ocorrências por milhão. 2 Essas três ocorrências foram produzidas pelo mesmo falante. 3 Exceto coquetel que foi produzido com a vogal alçada nas três ocorrências por um único falante, os outros vocábulos foram produzidos por diferentes falantes. 4 As duas ocorrências de boneca foram produzidas por falantes diferentes, enquanto as seis ocorrências da palavra mercadoria foram produzidas pelo mesmo falante. REFERÊNCIAS AGUIAR, D. V. Análise da elevação das vogais médias pretônicas sem motivação aparente. Anais do CIC, UFPel, 2014. BATTISTI, E. Elevação das vogais médias pretônicas em sílaba inicial de vocábulo na fala gaúcha. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 1993. BISOL, Leda. Harmonização vocálica. Rio de Janeiro: UFRJ, Tese de Doutorado, 1981. BYBEE, J. Morphology: a Study of the Relation between Meaning and Form. Amsterdam: John Benjamins, 1985.. A view of phonology from a cognitive and functional perspective. Cognitive Linguistics 5-44. 1994, p. 285-305. Página 25

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Recebido: 11 nov. 2017 Aprovado: 20 dez. 2017 DOI: 10.3895/rl.v19n27.7314 Como citar: VIEIRA, Maria José Blaskovski; ÁVILA, Mariana Müller. Efeitos de frequência no alçamento sem motivação aparente das vogais médias pretônicas. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rl>. Acesso em: XXX. Direito autoral: Este artigo está licenciado sob os termos da Licença Creative Commons-Atribuição 4.0 Internacional. Página 28