Comentários ao Projeto de Decreto-Lei relativo ao regime jurídico das práticas individuais restritivas do comércio



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Transcrição:

Comentários ao Projeto de Decreto-Lei relativo ao regime jurídico das práticas individuais restritivas do comércio Sumário Executivo A AdC entende como fundamental a supressão dos artigos 2.º e 5.º do projeto de diploma em apreço, propondo a revogação das proibições relativas à aplicação de preços ou condições de venda discriminatórias e à recusa de venda de bens ou de prestação de serviços, por razões de ordem substantiva e de ordem institucional. Em primeiro lugar, quer a discriminação em matéria de preços ou outras condições de venda, quer a recusa de venda, nos casos em que o interesse público pode justificar tais proibições serão precisamente aqueles que lesam a concorrência enquanto bem jurídico protegido pela Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio). Neste domínio, a Lei da Concorrência, recentemente aprovada, nos seus artigos 9.º e 11.º, contém uma previsão adequada e dotada de mecanismos de sanção eficazes no que respeita a matéria de discriminação ou de recusa de venda. Em segundo lugar, a este argumento, de índole substantiva, acrescem considerações de ordem institucional. A coerência entre a aplicação das regras de concorrência nacionais e o regime do Decreto-Lei n.º 370/93 tem, até ao momento, sido assegurada pela concentração da instrução dos processos na AdC. A partir do momento em que a ASAE assumisse também competências para a instrução de processos de contraordenação respeitantes a matérias de discriminação e de recusa de venda, criar-se-ia o risco de conflito, com o consequente aumento da insegurança jurídica para os agentes económicos. A AdC considera ainda que seria de toda a utilidade a introdução de um regime transitório que acautelasse a situação de transição quanto aos processos contraordenacionais que ainda não foram objeto de decisão da AdC à data de entrada em vigor do novo diploma. Propõe-se, assim, o aditamento de um novo artigo. Apresentam-se, finalmente, outras alterações ao projecto de diploma em análise, que se julga poderiam introduzir melhorias de redacção em algumas das normas previstas no projecto de diploma. Enquadramento prévio A proposta legislativa ora submetida à apreciação da Autoridade da Concorrência (AdC) pelo gabinete do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Economia suscita as seguintes observações prévias: 1. A revisão do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio (doravante Decreto-Lei n.º 370/93) já foi objeto de reflexão e análise pela AdC que, em 2007, elaborou um primeiro projeto de revisão deste diploma, cuja ampla motivação constou de um documento de trabalho interno que, essencialmente, visou destacar: (i) a incoerência de a instrução dos processos de contraordenação por práticas previstas e reguladas pelo Decreto-Lei n,º 370/93 estar a cargo da AdC; (ii) a ausência de justificação e as desvantagens de a fiscalização e instrução dos mesmos processos se encontrarem divididas entre duas entidades administrativas, respetivamente, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e a AdC. 2. Assim, o projeto de alteração legislativa então elaborado pela AdC, teve como principal objetivo a transferência de competências respeitantes à instrução dos 1/7

processos acima referidos para a ASAE, tendo o mesmo sido oportunamente enviado ao Senhor Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, acompanhado da exposição de motivos constante do documento de trabalho interno da AdC. 3. O trabalho de análise que, em 2007, sustentou a proposta legislativa da AdC continua a ser válido, considerando que se mantêm atuais as principais questões que lhe estão subjacentes e que, resumidamente, a seguir se recordam: i) Desde o início da sua atividade, a AdC tem vindo a aplicar o Decreto-Lei n.º 370/93, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 5.º dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de Janeiro; ii) Todavia, tem a AdC considerado que a aplicação do regime relativo às práticas individuais restritivas do comércio, previsto no Decreto-Lei n.º 370/93, não se interliga com o regime de defesa da concorrência aprovado pela Lei 18/2003, de 11 de Junho (doravante Lei de Defesa da Concorrência), sendo dificilmente enquadrável na esfera de atribuições e competências cometidas a esta Autoridade pelos artigos 6.º e 7.º dos respetivos Estatutos, tendo em vista a prossecução da missão que lhe foi conferida pelo artigo 1.º dos mesmos Estatutos 1 ; iii) Efetivamente, os interesses protegidos pelas normas do Decreto-Lei n.º 370/93 são distintos daqueles que são tutelados pela Lei n.º 18/2003, já que o primeiro diploma visa proteger diretamente os agentes económicos, enquanto que o segundo visa, primordialmente, a defesa do bom funcionamento concorrencial do mercado; iv) Assim, as infrações aos diplomas legais referidos configuram ilícitos contraordenacionais distintos, identificáveis, respetivamente, como práticas comerciais restritivas e práticas restritivas da concorrência; v) Ora, a missão legalmente cometida à AdC, bem como as atribuições que lhe estão conferidas para a prossecução da mesma, não englobam qualquer intervenção na área do comércio, não se afigurando fazer sentido que, esta Autoridade continue a ter a cargo a instrução de processos de contraordenação originados por práticas comerciais restritivas, para cuja fiscalização é competente uma entidade administrativa diferente da AdC a ASAE; vi) vii) Tais processos, para além de não constituírem qualquer objeto integrado na esfera de atuação da AdC, consomem tempo e recursos humanos necessários à realização das tarefas diretamente relacionadas com a prossecução dos seus fins; Com efeito, a ausência de relação direta entre as práticas restritivas do comércio previstas no Decreto-Lei n.º 370/93 e a legislação de defesa da concorrência conjugada com as atribuições e competências da AdC, torna injustificável a atuação desta Autoridade, enquanto órgão instrutor de processos contraordenacionais que tenham como objeto sancionar práticas comerciais restritivas; 1 Nos termos do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 10/2003, à Autoridade da Concorrência foi conferida a missão de ( ) assegurar o respeito pelas regras de concorrência, tendo em vista o funcionamento eficiente dos mercados, a repartição eficiente dos recursos e os interesses dos consumidores. 2/7

viii) Assim, tem a AdC considerado que, a par da competência de fiscalização do disposto no Decreto-Lei n.º 370/93, cometida à ASAE, a subsequente competência instrutória deveria, igualmente, ser exercida por esta Entidade. Comentários à proposta 4. Neste contexto, e tendo em conta que a proposta legislativa ora em apreciação acolhe as alterações já anteriormente projetadas pela AdC, bem como as suas sugestões mais recentes, esta Autoridade manifesta, na generalidade, o seu parecer favorável à proposta em apreço. 5. Todavia, em termos específicos, consideram-se pertinentes alguns comentários adicionais, respeitantes a algumas das previsões contidas nesta proposta, e que passam a referir-se: i) Preâmbulo O segundo parágrafo do preâmbulo refere-se à leal concorrência. Salvo melhor opinião, esta expressão é suscetível de gerar confusão com o regime da concorrência desleal, tratando-se este de um regime jurídico distinto, expressamente regulado nos artigos 317.º e 318.º do Código da Propriedade Industrial. Por mero lapso de escrita, alude-se no nono parágrafo do preâmbulo a um agravamento dos montantes das contraordenações, quando se pretendia referir agravamento dos montantes das coimas, pelo que se sugere que o texto seja corrigido nesse sentido. ii) Proibição de práticas discriminatórias e de recusas de venda: artigos 2.º e 5.º A AdC teve já oportunidade de transmitir ao Governo, pelo ofício com registo S- Pres/2012/237, enviado ao Senhor Ministro da Economia e do Emprego em 04.10.2012, uma proposta de revogação das proibições relativas à aplicação de preços ou condições de venda discriminatórias e à recusa de venda de bens ou de prestação de serviços, considerando a recente aprovação do novo regime jurídico da concorrência, a Lei n.º 19/2012, de 8 de maio e a necessidade de uma correta articulação dos dois regimes em causa, com os fundamentos que aqui reiteramos. Em primeiro lugar, quer a discriminação em matéria de preços ou outras condições de venda, quer a recusa de venda, nos casos em que o interesse público pode justificar tais proibições serão precisamente aqueles que lesam a concorrência enquanto bem jurídico protegido pela Lei n.º 19/2012 (artigos 9.º e 11.º). Daí que a Lei n.º 19/2012 contenha uma previsão adequada e dotada de mecanismos de sanção eficazes. De resto, no próprio direito da concorrência existe atualmente um consenso em torno da necessidade de delimitar muito rigorosamente os casos em que práticas de discriminação de preços e outras condições de venda, por um lado, e recusas de venda ou de prestação, por outro, podem justificar a sua qualificação como práticas restritivas da concorrência. 3/7

A título ilustrativo, recorde-se a posição expressa pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, a propósito do caráter excecional da imposição de um dever de fornecimento a uma empresa em posição dominante: A este respeito, há que indicar, por um lado, que, embora, nos acórdãos Commercial Solvents/Comissão e CBEM, já referidos, o Tribunal de Justiça tenha julgado abusivo o facto, para uma empresa que detém uma posição dominante num determinado mercado, de recusar fornecer a uma empresa com a qual se encontra em concorrência num mercado próximo, respetivamente, de matérias-primas (v. acórdão Commercial Solvents/Comissão, n.º 25) e de serviços (v. acórdão CBEM, n.º 26) indispensáveis ao exercício das suas atividades, fê-lo na medida em que o comportamento em causa era de natureza a eliminar toda e qualquer concorrência por parte dessa empresa. (Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 26.11.1998, Oscar Brönner c. Mediaprint, no Proc. C-7/97, Colet. 1998, p. I-7791, n.º 38. Com efeito, excluindo os casos em que a concorrência é lesada, importa ter em consideração que o disposto nos artigos 2.º e 4.º da proposta de diploma em apreço, já previstas, de resto, no atual Decreto-Lei n.º 370/93, coartam aspetos essenciais da liberdade de contratar e da própria liberdade de empresa, sem que tais restrições se afigurem necessariamente justificadas. De facto, na ausência de um impacto atual ou potencial na concorrência e no funcionamento do mercado, não se afigura existir suficiente fundamento para que seja posta em causa a liberdade contratual. Tal asserção é aliás reforçada pelas conclusões do Advogado-Geral Jacobs no processo Oscar Brönner, acima referido: 56 Em primeiro lugar, verifica-se que o direito de escolher os seus parceiros contratuais e de dispor livremente da sua propriedade são princípios universalmente consagrados nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, assumindo por vezes uma natureza constitucional. As intervenções nestes direitos necessitam ser cuidadosamente justificadas. (Itálico aditado). 57 Em segundo lugar, no plano da política da concorrência, a justificação de uma ingerência na liberdade de contratar de uma empresa dominante exige com frequência que se proceda a uma ponderação cuidadosa de considerações divergentes. A longo prazo, é de um modo geral favorável à concorrência e, no interesse dos consumidores, permitir que uma empresa reserve para utilização própria as infraestruturas que desenvolveu para as necessidades da sua atividade. Por exemplo, se o acesso a uma infraestrutura de produção, de compra ou de distribuição fosse facilmente acordado, um concorrente não seria incitado a criar infraestruturas concorrentes. Assim, a concorrência aumentaria a curto prazo, mas reduzir-se-ia a longo prazo. Além disso, uma empresa dominante seria menos estimulada a investir em infraestruturas eficazes se os seus concorrentes pudessem, a seu pedido, partilhar os benefícios. Assim, o simples facto de uma empresa manter 4/7

uma vantagem sobre um concorrente, reservando para si a utilização de uma infraestrutura, não poderia justificar que se exigisse o acesso a ela. 58 Em terceiro lugar, é importante não perder de vista, analisando este problema, que o primeiro objetivo do artigo [102.º do TFUE] é impedir distorções de concorrência - e, em especial, proteger os interesses dos consumidores, mais do que proteger a posição de concorrentes especiais. Por exemplo, no caso em que um concorrente pede o acesso a uma matéria-prima a fim de poder competir com a empresa dominante num mercado a jusante sobre um produto acabado, pode ser pouco satisfatório concentrar-se exclusivamente no poder económico que tem a empresa dominante no mercado a montante e concluir que o seu comportamento, que consiste em reservar o mercado a jusante, constitui automaticamente um abuso. Tal comportamento não terá um efeito negativo nos consumidores, a menos que o produto final da empresa dominante esteja suficientemente ao abrigo da concorrência para lhe conferir um poder no mercado. Em segundo lugar, a este argumento, de índole substantiva, acrescem considerações de ordem institucional. A coerência entre a aplicação das regras de concorrência nacionais e o regime do Decreto-Lei n.º 370/93 tem, até ao momento, sido assegurada pela concentração da instrução dos processos na AdC. A partir do momento em que a competência para a instrução seja transferida para a ASAE, a manutenção em vigor de previsões de natureza contraordenacional que se sobrepõem cria o risco de conflito, com o consequente aumento da insegurança jurídica para os agentes económicos. Tendo em atenção estas preocupações, a AdC sugere a supressão dos artigos 2.º e 5.º do projeto de diploma em apreço. iii) Regime transitório: Transição dos processos da AdC para a ASAE e suspensão dos prazos legais Não é acautelada a situação de transição quanto aos processos contraordenacionais que ainda não foram objeto de decisão da AdC à data de entrada em vigor do novo diploma. Apresenta-se, por isso, uma sugestão de aditamento de um novo artigo que garanta a transição atempada dos processos e acautele um efeito suspensivo na contagem de prazos, em especial no que se refere ao prazo de prescrição. O n.º 1 do artigo 15.º-A proposto constitui uma clarificação do regime de transição, que densifica aquela que seria a solução decorrente da atual proposta de Decreto-Lei, inspirada no regime transitório previso pelo n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de janeiro. Com o n.º 2, pretende-se acautelar os efeitos processuais da transição, em especial, mas não exclusivamente, os relativos à contagem do prazo de prescrição, sendo a solução proposta inspirada pelo regime transitório previsto pelo n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 10/2003, de 18 de janeiro. 5/7

Artigo 15.º-A Transmissão de processos 1 Os processos contraordenacionais por infração ao Decreto-Lei n.º 370/93 que se encontrem pendentes em fase de instrução na Autoridade da Concorrência no 30.º dia anterior à data de entrada em vigor do presente diploma são, nessa data, remetidos oficiosamente à ASAE. 2 Nos casos a que se refere o número anterior, os prazos processuais ou substantivos consideram-se automaticamente suspensos na primeira data ali referida, reiniciando-se a sua contagem no 30.º dia posterior à data de entrada em vigor do presente diploma. Outras sugestões de alteração i) Venda com prejuízo: artigo 4.º Quanto a este artigo, a AdC gostaria de propor as seguintes alterações de redação, que decorrem da experiência relativa à instrução de processos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 370/93. Quanto ao n.º 2, sugere-se que seja aditada a seguinte frase, identificada em itálico: 2 que se encontrem identificados na própria fatura, ou por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preço, que estejam em vigor no momento da transação, e que sejam determináveis no momento da respetiva emissão. Relativamente ao n.º 4, sugere-se a seguinte redação, de modo a permitir maior clareza quanto ao seu alcance: 4 Os descontos que forem concedidos a um agente económico ou consumidor são considerados na determinação do preço de venda do produto sobre o qual incidem. Quanto ao n.º 5, afigura-se necessária a clarificação da relevância da imputação da quantidade vendida ao período de trinta dias aí previsto. ii) Práticas negociais abusivas: artigo 6.º Propõe-se a seguinte redação para a alínea c) do n.º 1, que se considera mais clara face ao que parece ter sido o objetivo legislativo: c) Na obtenção de contrapartidas por promoções em curso ou já ocorridas, através da diminuição do preço de compra efetivo em transações subsequentes. 6/7

iii) Medidas cautelares: artigo 7.º A proposta de Decreto-Lei não prevê, a par e aquando da decisão de aplicação de sanções pelas infrações identificadas, a possibilidade de a entidade fiscalizadora ordenar a cessação do comportamento do infrator, se o mesmo ainda estiver em curso. Prevê essa possibilidade apenas a título preventivo, como medida cautelar (artigo 7.º), aquando da iminência da execução desses comportamentos. Aliás, para esse caso, após a adoção da medida cautelar e na eventualidade de a mesma não ser cumprida, prevê a possibilidade de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória (artigo 19.º). Poderá ser incoerente que aquilo que se prevê a título preventivo (ordem para cessação do comportamento e sanção pecuniária compulsória caso o agente não cumpra) não seja previsto para os casos em que os comportamentos infratores já estejam em curso. Sugere-se a previsão de uma norma autónoma que confira a possibilidade da entidade fiscalizadora, na decisão final do processo, ordenar a cessação da prática individual restritiva do comércio, designadamente, a introdução de um n.º 2 no artigo 8.º com a seguinte redação: 2 Para além da aplicação das sanções previstas na lei, a entidade fiscalizadora poderá, quando tal se justifique, ordenar a adoção das medidas necessárias à cessação da prática. 3 [atual n.º 2] Em conformidade e consequência, sugere-se a alteração do artigo 10.º, n.º 1 no sentido de incluir no leque de decisões cujo não acatamento pode levar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, a decisão da entidade fiscalizadora que ordene a cessação da prática. Em concreto, sugere-se o acréscimo no final do n.º 1 do artigo 10.º da seguinte expressão: 1 [ ] ou de decisão que ordene a cessação da prática. iv) Autoregulação: artigo 14.º A redação do artigo 14.º, n.º 1, ao estabelecer que os instrumentos de autorregulação [ ] podem conter disposições diversas do disposto no presente decreto-lei, corre o risco de ser interpretada no sentido de permitir a revogação, por instrumento de autorregulação, do regime legal definido no Decreto-Lei, que se entende dever ser imperativo. Sugere-se uma redação que acautele a imperatividade do regime. Adicionalmente, tem de garantir-se que o disposto neste artigo não contraria o regime jurídico da concorrência. Propõe-se, por isso a seguinte redação para o n.º 1 do artigo 14.º: 1 Sem prejuízo do disposto no regime jurídico da concorrência, as estruturas representativas de todos ou de alguns dos setores de atividade económica podem adotar instrumentos de autorregulação, tendentes a regular as transações comerciais entre si. 7/7