CASO RELATIVO AO CORPO DIPLOMÁTICO E CONSULAR DOS ESTADOS UNIDOS EM TEERÃ (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA v. IRÃ) (1979-1981)



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Transcrição:

CASO RELATIVO AO CORPO DIPLOMÁTICO E CONSULAR DOS ESTADOS UNIDOS EM TEERÃ (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA v. IRÃ) (1979-1981) (MEDIDAS CAUTELARES) Decisão de 15 de dezembro de 1979 A Corte proferiu, por unanimidade, uma decisão pela qual indicou a título provisório, aguardando sua sentença definitiva no caso do Corpo Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, as medidas cautelares seguintes: A. i) Que o governo da República Islâmica do Irã garanta imediatamente que os locais da Embaixada, da Chancelaria e dos Consulados dos Estados Unidos sejam restituídos às autoridades dos Estados Unidos e postos sob seu controle exclusivo e que assegure sua inviolabilidade e sua proteção efetiva conforme os tratados em vigor entre os dois Estados e o direito internacional geral; ii) Que o governo da República Islâmica do Irã assegure a liberação imediata e sem nenhuma exceção de todos os nacionais dos Estados Unidos que estão ou foram detidos na Embaixada dos Estados Unidos da América ou no Ministério das Relações Exteriores em Teerã ou que foram seqüestrados alhures e forneça plena proteção a essas pessoas conforme os tratados em vigor entre os dois Estados e o direito internacional geral; iii) Que o governo da República Islâmica do Irã reconheça a partir de então a todos os membros do corpo diplomático e consular dos Estados Unidos a plenitude da proteção, dos privilégios e das imunidades às quais eles têm direito conforme os tratados em vigor entre os dois Estados e o direito internacional geral, principalmente a imunidade a respeito de qualquer forma de jurisdição criminal e a liberdade e os meios de sair do território iraniano. B. Que o governo dos Estados Unidos da América e o governo da República Islâmica do Irã não tomem nenhuma medida e velem para que não seja tomada nenhuma, quer seja capaz de agravar a tensão entre os dois países ou tornar mais difícil a solução da controvérsia existente. Para fins da decisão, a Corte foi constituída como se segue: Presidente Sir Humphrey Waldock; Vice- Presidente Elias; Juízes Forster, Gros, Lachs, Morozov, Nagendra Singh, Ruda, Mosler, Tarazi, Oda, Ago, El- Erian, Sette-Camara, Baxter.

(MÉRITO) Sentença de 24 de maio de 1980 Em sua sentença no Caso do Pessoal Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, a Corte decidiu: 1) que o Irã violou e continua a violar obrigações às quais estava vinculado em face dos Estados Unidos; 2) que essas violações ensejam sua responsabilidade; 3) que o governo iraniano deve assegurar a liberação imediata dos nacionais dos Estados Unidos detidos como reféns e restituir os locais da Embaixada; 4) que nenhum membro do pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos pode ser retido no Irã para ser intimado pela justiça ou citado como testemunha; 5) que o Irã é obrigado a reparar o prejuízo causado aos Estados Unidos; e 6) que as formas dessa reparação serão definidas pela Corte no caso dos dois Estados não entrarem em acordo a esse respeito. Essas decisões foram adotadas por larga maioria: pontos 1 e 2: 13 votos a 2; pontos 3 e 4: unanimidade; ponto 5: 12 votos a 3; ponto 6: 14 votos a 1. Processos perante a Corte (parágrafo 1º ao 10) Em sua sentença, a Corte recordou que o processo foi instaurado pelos Estados Unidos contra o Irã, em 29 de novembro de 1979. O caso teve origem na situação da Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e de seus Consulados em Tabriz e em Chiraz, assim como a prisão e a detenção como reféns de membros do pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos em Teerã e de dois outros nacionais dos Estados Unidos. O demandante tendo requerido à Corte que indicasse medidas cautelares, esta, por decisão de 15 de dezembro de 1979, indicou por unanimidade, esperando sua sentença definitiva, medidas cautelares requisitando a restituição imediata da Embaixada e a liberação dos reféns. (ver comunicado à imprensa nº 80/1). O processo prosseguiu conforme o Estatuto e o Regulamento da Corte. Os Estados Unidos depositaram um memorial, e audiências públicas ocorreram de 18 a 20 de março de 1980. Ao término destas, os Estados Unidos depositaram as conclusões finais nas quais pediram à Corte que declarasse e julgasse principalmente que o Irã violou suas obrigações jurídicas internacionais com relação aos Estados Unidos e que deveria assegurar a liberação imediata dos reféns, reconhecer aos membros do pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos a proteção e as imunidades às quais eles têm direito, em particular a imunidade a respeito de qualquer forma de jurisdição criminal, lhes dar os meios de deixar o Irã, submeter às autoridades competentes iranianas ou extraditar para os Estados Unidos as pessoas responsáveis pelas infrações cometidas, e pagar aos Estados Unidos uma reparação cujo montante a Corte determinaria posteriormente. O Irã não tomou parte no processo. Ele não depositou nenhuma peça escrita, não se fez representar no procedimento oral e nenhuma conclusão foi apresentada em seu nome. Todavia sua atitude foi definida em duas cartas endereçadas à Corte por seu Ministro das Relações Exteriores em 9 de dezembro de 1979 e 16 de março de 1980. Nelas sustentou, inter alia, que a Corte não podia nem devia acolher o caso. Exposição dos fatos (parágrafo 11 ao 32) É lamentável que o Irã não tenha se apresentado para desenvolver seus argumentos. A não participação desse Estado no processo implica na aplicação do artigo 53 do Estatuto, em virtude do qual a Corte deve, antes de se pronunciar, se assegurar principalmente de que as conclusões do demandante são bem fundadas. A esse respeito, a Corte constatou que dispõe, nos documentos apresentados pelos Estados Unidos, de uma massa de informações de fontes diversas, incluindo numerosas declarações oficiais das autoridades iranianas e americanas, que estão perfeitamente de acordo quanto aos principais fatos e que foram comunicadas ao Irã sem que este tenha oposto a menor denegação. Por conseguinte a Corte estava convencida de que as alegações de fato sobre as quais repousam as demandas dos Estados Unidos eram fundadas. Admissibilidade (parágrafo 33 ao 44) A Corte devia também, conforme o artigo 53 do Estatuto e em virtude de uma jurisprudência constante, examinar de ofício toda questão preliminar de admissibilidade ou de competência.

A Corte declarou, sobre a admissibilidade, que as considerações apresentadas pelo Irã em suas duas cartas supramencionadas não apresentavam nenhum motivo que levasse a concluir que a Corte não podia nem devia acolher o caso. Ela acrescentou que não via nenhuma incompatibilidade entre a seqüência de um processo perante a Corte e a constituição pelo Secretário Geral da ONU, com a concordância dos dois Estados, de uma comissão encarregada de empreender uma missão de estabelecimento dos fatos no Irã com a finalidade de ouvir as queixas iranianas e a permitir uma solução rápida da crise entre os dois países. Competência (parágrafo 45 ao 55) Dos quatro instrumentos invocados pelos Estados Unidos como base da competência da Corte para conhecer de suas reclamações, a Corte constatou que os três primeiros, a saber os protocolos de assinatura facultativa acompanhando as Convenções de Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas e de 1963 sobre as Relações Consulares, e o Tratado de Amizade, de Comércio e de Direitos Consulares de 1955 entre os Estados Unidos e o Irã, podem, com efeito, servir de fundamento ao exercício de sua competência no caso em tela. No que concerne ao quarto, a saber a Convenção de 1973 sobre a Prevenção e a Repressão das Infrações Contra Pessoas Internacionalmente Protegidas incluindo os Agentes Diplomáticos, a Corte não considerou necessário analisar na sentença se o artigo 13 desse instrumento poderia servir de fundamento ao exercício de sua competência para conhecer das demandas formuladas pelos Estados Unidos a título dessa convenção. MÉRITO: Imputabilidade ao Irã dos comportamentos incriminados e violações pelo Irã de certas obrigações (parágrafo 56 ao 94) A Corte devia enfim se assegurar nos termos do artigo 53 do Estatuto, de que as conclusões do demandante estavam fundadas em direito. Para tanto, ela analisou em que medida os comportamentos incriminados podiam ser considerados como juridicamente imputáveis ao Estado iraniano (por oposição aos ocupantes da Embaixada) e se eles são compatíveis ou não com as obrigações incumbidas ao Irã em virtude dos tratados em vigor ou de qualquer outra regra de direito internacional eventualmente aplicável. a) Os acontecimentos de 4 de novembro de 1979 (parágrafo 56 ao 68) A primeira fase dos acontecimentos que ocasionaram as reclamações dos Estados Unidos cobre o ataque armado perpetrado em 4 de novembro de 1979 contra a Embaixada dos Estados Unidos por estudantes muçulmanos partidários da política de Imam (doravante denominados "os militantes"), a invasão dos locais da Embaixada, a tomada como refém das pessoas que nela se encontravam, a apropriação de seus bens e de seus arquivos e o comportamento das autoridades iranianas diante desses acontecimentos. A Corte salientou que o comportamento dos militantes só poderia ser diretamente imputável ao Estado iraniano se este tivesse confirmado que eles ocorreram efetivamente por sua conta. Os elementos de informação dos quais ela dispunha não permitiam estabelecê-lo com o grau de precisão necessário. Todavia o Estado iraniano, que tinha, enquanto Estado ao qual a missão foi acreditada, a obrigação de tomar as medidas apropriadas para proteger a Embaixada, nada fez para prevenir o ataque ou impedir que se realizasse totalmente, nem para obrigar os militantes a evacuar os locais e a liberar os reféns. Essa carência contrasta com o comportamento das autoridades iranianas na mesma época em várias situações similares em que tomaram as medidas necessárias. Ela constituia, segundo a Corte, uma violação grave e manifesta das obrigações às quais o Irã está vinculado em relação aos Estados Unidos em virtude dos artigos 22 (2), 24, 25, 26, 27 e 29 da Convenção de Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas, dos artigos 5º e 36 da Convenção de Viena de 1963 sobre as Relações Consulares e do artigo II (4) do Tratado de 1955. A ausência da proteção acordada aos Consulados de Tabriz e Chiraz constitui a violação de várias outras disposições da Convenção de 1963. A Corte foi levada a concluir que, em 4 de novembro de 1979, as autoridades iranianas estavam plenamente conscientes das obrigações que lhes impunham as convenções em vigor, que sabiam que medidas urgentes de sua parte se impunham, que dispunham dos meios de desempenhar essas obrigações e que falharam totalmente em sua conduta.

b) Os acontecimentos posteriores a 4 de novembro de 1979 (parágrafo 69 ao 79) A segunda fase dos acontecimentos que motivaram as reclamações dos Estados Unidos compreende toda a série de fatos que ocorreram após a ocupação da Embaixada pelos militantes. Apesar do governo iraniano ter o dever de tomar todas as disposições apropriadas para pôr fim aos atentados infligidos à inviolabilidade dos locais e do pessoal da Embaixada e propor a reparação do prejuízo sofrido, nada semelhante foi feito. Numerosas autoridades iranianas manifestaram imediatamente sua aprovação. O Aiatolá Khomeini em particular proclamou que o Estado iraniano apoiava tanto a tomada da Embaixada quanto a detenção dos reféns. Ele qualificou a Embaixada de "centro de espionagem", declarou que os reféns permaneceriam (salvo algumas exceções) "presos" até que os Estados Unidos tivessem entregado o antigo Xá e seus bens ao Irã e proibiu qualquer negociação com os Estados Unidos sobre esse assunto. Tendo órgãos do Estado iraniano aprovado os fatos incriminados e decidido deixá-los continuar a fim de pressionar os Estados Unidos, esses fatos se transformaram em atos do Estado iraniano. Os militantes se tornaram agentes do Estado iraniano cujos atos ensejam sua responsabilidade internacional. A situação não evoluiu sensivelmente no curso dos seis meses seguintes: a decisão da Corte de 15 de dezembro de 1979 foi rejeitada publicamente e o Aiatolá disse que os reféns permaneceriam detidos enquanto o novo parlamento iraniano não decidisse seu destino. A decisão das autoridades iranianas de continuar a submeter os locais da Embaixada dos Estados Unidos a uma ocupação e a deter os membros de seu pessoal como reféns implicou em desrespeitos múltiplos e repetidos às Convenções de Viena e acrescentou outras violações àquelas que haviam sido cometidas quando da tomada da Embaixada (Convenção de Viena de 1961, artigos 22, 24, 25, 26, 27 e 29; Convenção de Viena de 1963, artigo 33, entre outros; Tratado de 1955, artigo II, 4). No que concerne ao encarregado dos negócios e dois outros membros da missão dos Estados Unidos que se encontravam no Ministério das Relações Exteriores do Irã desde 4 de novembro de 1979, a Corte constataou que as autoridades iranianas lhes retiraram a proteção e os meios necessários para que pudessem deixar o Ministério em total segurança. A Corte considerou, pois, que com relação a eles há violação aos artigos 26 a 29 da Convenção de Viena de 1961. Notando ainda que diversas autoridades iranianas ameaçaram julgar certos reféns em um tribunal ou os obrigar a testemunhar, a Corte considerou que, se essa intenção se traduzisse em fatos, isso constituiria uma violação ao artigo 31 da mesma Convenção. c) Existência eventual de circunstâncias especiais (parágrafo 80 ao 89) A Corte considerou dever examinar a questão de saber se o comportamento do Irã poderia ser justificado pela existência de circunstâncias especiais. O Ministro das Relações Exteriores do Irã de fato alegou, em suas duas cartas supramencionadas, procedimentos criminais da parte dos Estados Unidos no Irã. A Corte considerou que, mesmo se esses procedimentos pudessem ser considerados como estabelecidos, eles não constituiriam um meio de defesa oponível às demandas dos Estados Unidos, pois o direito diplomático permite notoriamente romper as relações diplomáticas ou declarar persona non grata os membros de missões diplomáticas ou consulares que exerçam atividades ilícitas. A Corte concluiu que o Irã recorreu à coação contra a Embaixada dos Estados Unidos e seu pessoal ao invés de empregar os meios normais e eficazes que estavam à sua disposição. d) Responsabilidade internacional (parágrafo 90 ao 92) A Corte constatou que as violações sucessivas e contínuas pelo Irã das obrigações contraídas a título das Convenções de Viena de 1961 e de 1963, do Tratado de 1955 e das regras de direito internacional geral ensejaram a responsabilidade do Irã com relação aos Estados Unidos. Disso resultou que o Estado iraniano tinha a obrigação de reparar o prejuízo causado aos Estados Unidos. Contudo, persistindo as violações, as formas e o montante da reparação não podiam ser determinados na data da presente decisão. Ao mesmo tempo, a Corte considerou essencial reiterar solenemente as observações que havia apresentado em sua decisão de 15 de dezembro de 1979 sobre a importância dos princípios de direito internacional que regem as relações diplomáticas e consulares. Após ter ressaltado que o caso apresenta uma gravidade

particular, posto que no caso em tela não são somente os indivíduos ou grupos de indivíduos que agiram a despeito da inviolabilidade de uma Embaixada estrangeira, mas sim o próprio governo do Estado ao qual a missão foi acreditada, ela chamou atenção de toda a comunidade internacional sobre o perigo talvez irreparável de acontecimentos como aqueles que lhe foram submetidos para julgamento. Esses eventos podem demolir um edifício jurídico pacientemente construído e cuja salvaguarda é essencial para a segurança e o bem-estar da comunidade internacional. e) Operação dos Estados Unidos no Irã em 24 e 25 de abril de 1980 (parágrafos 93 e 94) A propósito da operação desencadeada no Irã por unidades militares americanas em 24 e 25 de abril de 1980, a Corte não pôde deixar de exprimir a preocupação que ela lhe inspirou. Ela considerou necessário observar que uma operação ocorrida nessas circunstâncias, enquanto a Corte deliberava sobre a presente sentença, quaisquer que fossem seus motivos, é capaz de prejudicar o respeito à solução judiciária nas relações internacionais. Não obstante, a questão da legalidade dessa operação não poderia influenciar sua apreciação do comportamento do Irã após 4 de novembro de 1979. As conclusões às quais ela chegou não foram afetadas pela operação. Por esses motivos, a Corte tomou a decisão cujo texto completo é reproduzido abaixo: Dispositivo da sentença A Corte, [Composta como se segue: Presidente Sir Humphrey Waldock; Vice-Presidente Elias; Juízes Forster, Gros, Lachs, Morozov, Nagendra Singh, Ruda, Mosler, Tarazi, Oda, Ago, El-Erian, Sette-Câmara, Baxter] 1. Por treze votos [Presidente Sir Humphrey Waldock; Vice-Presidente Elias; Juízes Forster, Gros, Lachs, Nagendra Singh, Ruda, Mosler, Oda, Ago, El-Erian, Sette-Câmara, Baxter] a dois [Juízes Morozov e Tarazi], Decide que, pelo comportamento destacado pela Corte na presente sentença, a República Islâmica do Irã violou em vários sentidos e continua a violar obrigações às quais é vinculada para com os Estados Unidos da América em virtude de convenções internacionais em vigor entre os dois países, bem como de regras de direito internacional geral consagradas por uma longa prática; 2. Por treze votos [Presidente Sir Humphrey Waldock; Vice-Presidente Elias; Juízes Forster, Gros, Lachs, Nagendra Singh, Ruda, Mosler, Oda, Ago, El-Erian, Sette-Câmara, Baxter] a dois [Juízes Morozov e Tarazi], Decide que as violações dessas obrigações ensejam a responsabilidade da República Islâmica do Irã para com os Estados Unidos da América segundo o direito internacional; 3. Por unanimidade, Decide que o governo da República Islâmica do Irã deve tomar imediatamente todas as medidas para remediar a situação que resulta dos acontecimentos de 4 de novembro de 1979 e suas conseqüências, e para este fim: a) Deve fazer cessar imediatamente a detenção ilícita do Chargé d'affaires dos Estados Unidos, de outros membros do pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos e de outros nacionais dos Estados Unidos detidos como reféns no Irã, e deve assegurar a liberação imediata de todas as pessoas sem exceção e os remeter à potência protetora (artigo 45 da Convenção de Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas); b) Deve assegurar a todas as pessoas em questão os meios, principalmente os meios de transporte, que lhes são necessários para poder deixar o território iraniano; c) Deve restituir imediatamente à potência protetora os locais, bens, arquivos e documentos da Embaixada dos Estados Unidos em Teerã e de seus Consulados no Irã; 4. Por unanimidade,

Decide que nenhum membro do pessoal diplomático e consular dos Estados Unidos pode ser retido no Irã a fim de ser submetido a uma forma qualquer de processo judicial ou dele participar na qualidade de testemunha; 5. Por doze votos [Presidente Sir Humphrey Waldock; Vice-Presidente Elias; Juízes Forster, Gros, Nagendra Singh, Ruda, Mosler, Oda, Ago, El-Erian, Sette-Câmara, Baxter] a três [Juízes Lachs, Morozov e Tarazi], Decide que o governo da República Islâmica do Irã tem para com o governo dos Estados Unidos da América a obrigação de reparar o prejuízo causado a este pelos acontecimentos de 4 de novembro de 1979 e suas conseqüências; 6. Por quatorze votos [Presidente Sir Humphrey Waldock; Vice-Presidente Elias; Juízes Forster, Gros, Lachs, Nagendra Singh, Ruda, Mosler, Tarazi, Oda, Ago, El-Erian, Sette-Câmara, Baxter] a um [Juiz Morozov], Decide que as formas e o montante dessa reparação serão fixados pela Corte, caso as partes não cheguem a um acordo para tanto, e reserva para esse efeito a seqüência do processo.